RESISTÊNCIA: A construção de saberes históricos em tempo de pandemia | Das Amazônias | 2021

Casarao da Rua 20 Goiania Das Amazônias

Iniciamos esta edição com sinceras condolências em respeito a todos os brasileiros e brasileiras que partiram devido à crise sanitária ocasionada pelo novo coronavírus, mas sobretudo pesarosos do contexto ideológico em que o Brasil está inserido. A Revista Discente das Amazônias se irmana no sentimento de tristeza de cada ente querido que sente a dor da saudade, palavra encontrada apenas no português do Brasil (e que faz muito sentido face a falta do avô, da mãe, do irmão, do pai, da tia, do primo, do próximo ou do distante), na ausência da vida. Externamos nossa solidariedade aos que permanecem e lastimamos por aquelas pessoas que se tornaram montante numérico superior a 470.000 mil mortos, vítimas de um genocídio resultante da ignorância, do negacionismo e da pseudociência.

Mas, nos apeguemos aos respingos de esperanças. Paulo Freire, fugindo da norma, já nos convidava a conjugar o substantivo “esperança” – esperançar é preciso. É nesses embalos de incerteza de um viver marcado por lutas, que devemos acreditar na ciência, na educação pública e gratuita e sua fundamental importância e contribuição para à sociedade. Assim, caros(as) leitores e leitoras, lhes convidamos a lerem os trabalhos submetidos à Das Amazônias, Revista Discente de História da Ufac (em seu volume 4, número 1), que compõe o conjunto de periódicos da área de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), da Universidade Federal do Acre (Ufac). Leia Mais

Corpo, poder e resistência no mundo antigo e medieval/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2021

El proyecto de la presente reflexión consiste en relevar el concepto de epimeleia heautou en el marco general del pensamiento foucaultiano en su retorno al mundo antiguo, a fin de establecer un arco de lectura con la problemática del alma y del cuerpo como campos de batalla donde se libra el combate entre la hybris, desmesura, y la sophrosyne, mesura como par antagónico. Leia Mais

El último cacique en resistencia. Valentín Sayhueque/Nordpatagonia (1870-1910) | Sofía Stefanelli

El libro que aquí se reseña ha sido prologado por el Dr. Enrique Mases y reúne una introducción, cinco capítulos que recorren las características de las sociedades nativas a fines del siglo XIX y las readaptaciones de sus últimas jefaturas frente al avance del estado sobre las fronteras indígenas dedicando particularmente estudio a las relaciones y acciones en torno al “Gobernador indígena de las Manzanas y Principal de los Guilliches”, Valentín Sayhueque y reflexiones finales. Leia Mais

Controle social e resistência: instituições, historicidade e efeitos / Tempo Amazônico / 2018

É com satisfação que apresentamos a edição da Revista Tempo Amazônico, revista eletrônica semestral da seção Amapá da Associação Nacional de em História (ANPUH / AP). Esforçando-se para dar conta da multiplicidade dos estudos de história social, exploramos através de um Dossiê com o tema “Controle social e resistência: instituições, historicidade e efeitos”, incorporando diversas abordagens e problemáticas versando sobre educação, religião, raça, identidade e resistência, itens frequentes na agenda de estudo sobre controle social, entendido na definição de Anthony Giddens & Philip W. Sutton (2017) como o conjunto de mecanismos formais e informais empregados para gerenciar os efeitos das práticas coletivas com vistas à produção de conformidade. Nesse sentido, podemos identificar quatro seções na presente edição: a educação como projeto; a questão da relação entre educação e religião; educação e mídia; identidade, resistência e desvio social, para enfim concluirmos como a questão humana em sentido lato. Como pensar nossa história social com e para além das instituições sociais? Com essa indagação convidamos os leitores a refletir sobre os artigos desse volume.

Iniciamos com a apresentação de dois artigos que compõem um largo espectro espaço-temporal para mostrar que a educação implica na elaboração de um projeto político e social. Com o artigo “A Inglaterra Elisabetana (1558-1603): propostas revisionistas para o ensino de História”, de Giovana Eloá Mantovani Mulza, contextualiza-se a convergência entre reforma política e religiosa no período elisabetano como chave para a compreensão e ensino dessa questão transversal, com vistas ao tratamento didático do período em questão. De outro lado, a questão do projeto político na educação ganha abordagem com base no atual contexto brasileiro, no artigo “A racionalidade neoliberal na reforma do Ensino Médio da rede pública do Estado da Paraíba: uma análise do Programa de Educação Integral”, de Maria Eduarda Pereira Leite, que discute a efetividade da ideia de integralidade na educação, tendo em vista a lógica neoliberal que permeia a prática estatal, de modo a identificar uma dissociação entre aquilo que se prevê e aquilo que de fato se provê.

Abrindo a segunda seção, sobre educação e religião, temos o artigo intitulado “Ensino religioso e educação à distância: análises e reflexões de um estudo de caso de formação continuada no Amapá”, de autoria de Alysson Brabo Antero e Marcos Vinícius de Freitas Reis, no qual é tratada a formação continuada mediada por tecnologia na área de ensino religioso, destacando a relação entre religião e laicidade para a prevenção à intolerância. O artigo seguinte, de autoria de Marinete Furtado Carvalho Silva, intitulado “O ensino religioso e sua importância no contexto escolar”, retoma a questão da relação entre educação e religião no ambiente escolar, lançando luz sobre a legislação atinente, destacando a rejeição ao proselitismo e a promoção de valores morais que transcendam o escopo confessional.

A terceira seção se inicia com importante abordagem sobre a relação entre as mídias na educação e sua mediação com vistas à promoção da relação ensino-aprendizagem, em artigo de autoria de Gleidson José Monteiro Salheb, intitulado “Midiatização & mediação na educação: aproximações teórico-conceituais”. A educação “com” e “sobre” as novas tecnologias são passo fundamental para a superação das desigualdades de acesso às informações tendo como base o senso crítico e a busca pela emancipação no contexto da sociedade da informação. Prosseguimos com a temática em tela no artigo seguinte, “Mídia e suicídio: prevenção e posvenção na era digital”, de Luana Izabel da Silva Nunes e Diego Saimon de Souza Abrantes, cujo tema é o tratamento midiático dispensado ao fenômeno do suicídio e suas implicações sociais. A exposição dos artigos dessa seção evidencia a ambiguidade que paira sobre a relação entre os meios digitais e a educação enquanto processo formativo, entre a emancipação e anomia social.

Por fim, na quarta seção, abrigamos artigos que versam sobre questões sociais pungentes na realidade nacional. O artigo coletivo de Kerllyo Barbosa Maciel, Marinete Furtado Carvalho da Silva e Paula Iara de Abreu da Trindade, chamado “Ladrões de Marabaixo: narrativa poética de resistência, memória e identidade cultural”. Aqui as práticas artísticas da cultura popular são pensadas como formas de resistência ante as relações de poder instituídas. A seguir, Haroldo Paulo Camara Medeiros nos traz a reflexão sobre o desvio social abordando o tráfico de drogas. O artigo “Mulas pretas: os inimigos de um país”, articula a relação entre o fenômeno do tráfico e a questão racial como elementos constitutivos de um biopoder sobre corpos negros e uma necropolítica de exclusão social e repressão contra uma população marginalizada e estigmatizada sob o argumento racial. O objetivo político dessa conjunção entre política e raça reside na manutenção da desigualdade social e do status quo. Diretamente conectado a esse tema, o artigo de Juliano Zancanelo Rezende, “Serviço social e questão racial: uma relação ainda a ser melhor ativada”, destaca a necessidade premente de integrar a atuação dos profissionais do Serviço Social no ativo combate ao racismo no exercício profissional e nas relações sociais. Concluímos o presente volume com o artigo de Juliano Bueno Acuña, intitulado “A desumanização: o problema da razão em Nietzsche e Horkheimer”, que sintetiza a necessidade urgente em destacar a dimensão humana das relações sociais, com Nietzsche apontando para o problema da negação do corpo enquanto vida na perspectiva da razão instrumental, e com Horkheimer indicando a necessidade de nos contrapormos ao processo de “coisificação” do homem – nesse sentido, portanto, devemos transbordar nossa humanidade vigente.

Samuel Correa Duarte – Bacharel em Sociologia e Mestre em Ciência Política pela UFMG, Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Territorial pela PUC-Goiás, Doutorando em Sociologia pela UECE. Professor da área de Ciências Sociais na UFMA.


DUARTE, Samuel Correa. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.5, n.2, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Resistência e Dominação nas Relações Sociais Contemporâneas / Revista Mosaico / 2016

Um dossiê e uma dupla proposta

É com grande satisfação que trazemos ao público o dossiê temático Resistência e Dominação nas Relações Sociais Contemporâneas. A proposta, intencionalmente ampla, buscou contemplar em seu escopo trabalhos que de alguma maneira dialogassem com aspectos vinculados aos processos de dominar e resistir. Essas duas ações, a de dominar e a de resistir, são entendidas aqui como inerentes à nossa configuração social, fundamentalmente contraditória e conflituosa. Ao final deste trabalho, esperamos ter cumprido a missão de exibir um quadro com as novas perspectivas e ideias acerca dos temas clássicos da história social, assim como novas maneiras de se pensar a construção histórica sobre outros tantos novos temas.

Esta pretensão, por outro lado, decorre do entendimento comum de que está em curso certa renovação na historiografia no âmbito de temáticas, objetivos e técnicas de análise com a finalidade de aprofundar o conhecimento a respeito de como determinados sistemas sociais se constituem e se reproduzem em suas dinâmicas espaços-temporais. Uma nova vaga do tempo que, apesar de não mais fortemente constrangida pelos imperativos políticos das polarizações passadas, continua a demandar do historiador sensibilidade para perceber conflitos em locais antes insuspeitos, assim como altivez para alcançar aquilo que força os olhos visão adentro dos objetos. Tal situação cria um clima propenso a estudos que se esforçam em “desvelar” novos prismas que contribuam para criação e aprofundamento de olhares diferentes sobre as relações de trabalho, movimentos sociais, relações econômicas e de classe, estratégias de dominação e de resistência, constituição e disciplinamento do espaço urbano e da vida cotidiana, temas pretendidos para o dossiê, tal como elencado na sua chamada pública.

No pano de fundo destas questões, subjaz, por outro lado, uma compreensão inicialmente não confessada, mas que urge vir a público no momento onde este número temático se torna objeto de escrutínio de seus leitores. É notório como nos últimos 20 anos a produção historiográfica brasileira tem trilhado os caminhos de uma maior profissionalização, impulso este decorrente da grande pressão exercida pela expansão e pelo alargamento dos vários programas de pós-graduação em âmbito nacional. Esta situação inaugura uma série de novas tendências que, dentre as mais positivas, merece destaque o aumento do volume de publicações na área de história, elemento acompanhado de uma maior preocupação e cuidado com as técnicas empregadas para esta produção. A contrariedade inerente a qualquer processo social nos faz perceber que esta mesma situação também enseja o risco de corporativização do pensamento e das reflexões sobre a área. Este tópico merece um exemplo para sua ilustração.

Imaginemos – nos como investigadores em uma casa repleta de espelhos. Alguns maiores, outros menores, todos com alguma distorção do objeto original. Dependendo do ângulo do observador, o objeto – entendido aqui como sinônimo de universo social – só pode ser apreendido através das muitas imagens refletidas por eles. Estas imagens são parte significativa da matéria-prima da história, já que o ângulo do historiador o obriga a trabalhar com imagens que ficaram gravadas nestes espelhos. A outra parte é a experiência do investigador, que sabe que quase sempre os espelhos gravados refletem aspectos parciais do objeto, que o distorcem, muitas vezes simultaneamente em menor e maior grau.

Gerações de investigadores pensam e realizam registros sobre as múltiplas formas de ter uma compreensão mais precisa sobre o objeto gravado nos espelhos, fazendo com que o próprio ato de refletir se torne parte significativa do conjunto de investigadores daquelas imagens. Na ausência do objeto original refletido e gravado nos espelhos, alguns cedem ao impulso de se dedicar exclusivamente ao estudo das imagens gravadas nos espelhos, perdendo de vista o próprio objeto original. Outros irão além, professando abertamente a inexistência de um objeto original, tornando o processo de pensar a melhor forma de entender o objeto original em um exercício de investigar os investigadores da imagem do objeto gravado no espelho. Este não é um problema em si, pois não duvidamos tratar- -se de uma chave possível de entendimento da humanidade que pode anteceder o ato de investigar.

Apesar disso, entender o objeto, o universo social, é também parte deste conjunto de questões, e quando se abdica desta área se perde uma parte importante daquilo que justificava o investimento social em se ter investigadores profissionais de objetos. Quando se chega a este ponto é que se fecha o círculo próprio ao corporativismo, tornando necessário criar barreiras institucionais para que outros, mesmo não especializados na área, não possam investir sobre o antigo campo de investigação abandonado. Como na observação prosaica do longevo historiador Hobsbawm, apesar de só termos os nossos sentidos para apreender o mundo e de isto fazer parte da reflexão do campo, não devemos em condições normais deixar de acreditar que sim, há uma montanha lá fora e que ela existe, independentemente de nós.

Os artigos deste dossiê têm em comum esse entendimento da pesquisa histórica para a qual gostaríamos de chamar a atenção. Todos buscam, de alguma forma, investigar os objetos originais para além (ou apesar) das imagens marcadas pelo espelho da fortuna historiográfica. Em que pese toda a tradição de crítica da sociedade, e autocrítica de suas próprias técnicas e métodos, a perspectiva da história social que mobiliza as pesquisas que tratam das relações de resistência e dominação neste dossiê se direciona a pensar o passado e seus processos como exercício constante de reconstrução e reavaliação dos problemas e, portanto, da busca por uma concretude dos próprios objetos. Longe de serem artigos “empiristas”, são trabalhos que, iniciais ou bastante avançados, e mesmo aqueles resultados de pesquisas já concluídas – como é o caso do artigo Memórias da exploração: uma análise da constituição da consciência política dos trabalhadores das empresas recuperadas na Argentina – se lançam abertamente sobre as fontes a partir de percursos investigativos que têm em comum a afirmação de uma relação constante entre os sujeitos sociais (os atores, as instituições), e estruturas não menos concretas, que apontam para determinados processos históricos.

Essa perspectiva, tradicionalmente atribuída a um determinado modo de fazer história entre os chamados historiadores sociais, entretanto, não se restringe aos chamados historiadores profissionais. Nesse ponto chamamos a atenção, por exemplo, para o artigo Poéticas de resistência: a representação do Outro nas fotografias de Claudia Andujar e Miguel Rio Branco do artista visual Rafael Castanheira, encontrado entre os artigos livres deste número e que cumpre esse itinerário de investigação e autorreflexão diante dos traços do passado que portam o seu objeto, no caso as fotografias de Claudia Andujar e Miguel Rio Branco e os relatos desses fotógrafos sobre os seus trabalhos. Percorremos um exercício de busca por um contexto histórico correspondente ao objeto ao mesmo tempo em que o autor estabelece contato direto com suas fontes a partir da sua especialidade, que é a análise das fotografias com base em procedimentos próprios da análise de imagem, ambiente intelectual tão caro à própria historiografia contemporânea.

O dossiê, tendo em vista essa relação com o universo social, se apresenta formalmente a partir da variação temática fornecida pelo conjunto dos artigos, distinguidos entre pensamento social, instituições e trabalhadores. O artigo Dominação e resistência nos Estados Unidos dos anos 1960: Zbigniew Brzezinski entre duas eras escrito por Rejane Carolina Hoeveler, abre o dossiê com tema original e ao mesmo tempo crucial à compreensão do posicionamento do governo dos EUA em relação a sua população e aos demais países, especialmente os da América Latina durante a Guerra Fria. O artigo se debruça sobre a atuação do ideólogo Brzezinski, alto funcionário de Estado no período, destacando em suas ideias a expressão de uma reformulação do discurso político que visava não apenas a impulsionar a ação expansionista e hegemônica dos EUA na segunda metade do século XX, mas, também fundamentar esse mesmo discurso como ferramenta ideológica de dominação de classe. Brzezinski elaborou a ideia de uma sociedade próxima, a nova “era tecnetrônica”, sem conflitos de classe e tensões sociais, como uma sociedade harmônica e caracterizada pela despersonalização do poder econômico, ao mesmo tempo em que há maior preocupação com a “preservação dos valores humanos”, e defendeu, diante dessa sociedade, a busca contínua pela contenção dos conflitos.

Ainda entre os artigos que se voltam à história intelectual, na sequência temos o texto de André Vargas, O posicionamento político de Henrique Galvão exilado no Brasil (1961-1965), que tem como objeto a atuação de Henrique Galvão no período em que se asilou no Brasil. Antigo administrador colonial a serviço de Salazar na década de 1930, Galvão se voltou contra o governo e, após liderar um levante com o sequestro do paquete (barco) Santa Maria, se exilou no Brasil. O autor português colaborou, então, com artigos antisalazaristas para o jornal “O Estado de São Paulo” já a partir de 1961, tratando dos temas do colonialismo, da política colonial de Salazar e dos movimentos de independência dos países africanos que estavam sob o domínio português. São esses textos as principais fontes de André Vargas.

Dentre os diversos pontos de discordância com seus colegas da Oposição a Salazar – entre eles Humberto Delgado foi a personalidade de maior destaque –, Galvão continuou a afirmar o nacionalismo que marcava seus escritos da década de 1930 e, mesmo que contra Salazar, sempre defendendo a permanência do jugo colonial sobre os países que ainda não eram independentes de Portugal. Defendia, para isso, a perspectiva de uma ação civilizatória necessária frente aos povos tribais da África, não preparados ainda para a independência. O artigo expressa bem o que chamamos a atenção no início desta apresentação, em termos de uma necessária revisita a objetos originais considerados esgotados pela historiografia profissional. Estamos diante de um tema, e um objeto, há muito cristalizado pela historiografia portuguesa, que tradicionalmente sublinhou a fase opositora de Galvão ao regime de Salazar, seu trabalho pela retomada democrática de Portugal.

Em seguida temos os artigos que tratam da dominação no campo institucional. O artigo New Deal e origens do Eximbank, de Thiago Reis Marques Ribeiro , apresenta a formação do Export-Import Bank (Eximbank) durante o governo de Roosevelt nos EUA, os debates internos entre ideólogos e assessores do presidente, iniciados com a implementação da política do New Deal. O percurso entre as fontes bibliográficas e documentação, realizado de maneira muito sólida pelo autor, apontam para o crescimento da perspectiva financeira por trás das políticas de expansão e domínio econômico norte-americano, com reflexos decisivos na formação de instituições centrais no capitalismo brasileiro, como o financiamento da Companhia Siderúrgica Nacional CSN e da Companhia Vale do Rio Doce. O tema das relações econômicas entre Brasil e Estados Unidos, embora muito citado, tanto pela historiografia, quanto por uma bibliografia política e militante, é pouquíssimo estudado, sendo quase sempre tratado de forma apriorística. Trata-se de um objeto de pesquisa inédito, o que destaca sua relevância para o dossiê.

O artigo A autonomia dos trabalhadores russos e os bolcheviques: 1917 – 1921, de Danilo Mendes de Oliveira, faz a passagem para o tema da resistência dos trabalhadores, mas, ainda tratando os aspectos institucionais da relação dominação-resistência. O assunto tratado é um clássico da historiografia mundial, a Revolução Russa, e é perseguido com coragem pelo autor, que se debruça sobre uma questão específica e controversa na tradicional historiografia marxista, que diz respeito aos primeiros momentos da revolução e o problema da autonomia dos trabalhadores e sua relação com os bolcheviques entre 1917 e 1921. O autor, mesmo que através apenas das fontes bibliográficas, elabora um itinerário crítico a respeito dos comitês de fábrica, da Oposição Operária e da Revolta de Kronstadt, problematizando como a questão da autonomia foi tratada pelo Partido Bolchevique. Notamos no artigo como os bolcheviques, por meio da repressão estatal e da implantação da gestão nas fábricas, impediram que a ideia de controle operário direto evoluísse. Esta é uma questão que nunca perde a sua urgência e atualidade para o campo da política e da resistência dos trabalhadores, que corresponde ao histórico distanciamento entre vanguardas políticas e base de trabalhadores durante qualquer processo de contenda política. Notamos aí o deslocamento do campo da resistência para o da dominação, amparado estruturalmente pela institucionalidade que a Revolução rapidamente proporcionou.

Na sequência, Matheus Germano nos apresenta os resultados preliminares sobre as estratégias cotidianas de resistência dos trabalhadores na década de 1940 com o texto Para além de jagunços e coronéis: trabalho e cotidiano em Catalão-Go de 1940. A abordagem dialoga com as proposições metodológicas de variação de escala e investigação da história regional e “dos de baixo”, formuladas na história social durante a segunda metade do século XX como estratégias de pesquisa que visassem restabelecer o diálogo entre o sujeito e a estrutura, entre o sincrônico e o diacrônico, perdidos pelo forte investimento na ideia de totalidade do estruturalismo. Aqui teríamos elemento de uma história profissionalizada, que a princípio poderia afastar os leitores não introduzidos, porém, a apresentação desta e de tantas outras pesquisas que se preocupam em ter esses aspectos em mente, invariavelmente nos fornece quadros históricos marcados por releituras e reinterpretações de grandes temas, por exemplo o trabalhismo na Era Vargas que é o caso do artigo em questão, que só poderiam ser proporcionadas a partir do trabalho com a diversificação das fontes.

O uso das fontes judiciais e relatórios de polícia utilizados por Matheus Germano proporciona essa construção, sem deixar de lado os elementos processuais de um contexto maior, de reelaboração das estratégias de dominação do patronato diante a legislação trabalhista, que por sua vez também se torna ferramenta cotidiana – ainda que fragmentada no caso abordado pelo autor – de resistência de trabalhadores das charqueadas de Catalão-GO. Ficamos na expectativa de conferir o resultado final do pesquisador, que pretende avançar com as leituras consideradas clássicas sobre o tema em Goiás, estabelecidas por autores como Luis Palacín Gomes, Nasr Chaul e Barsanulfo Gomide Borges.

O artigo Notas sobre nacionalização, autonomia e controle operário em Portugal (1974-1975), de Tales dos Santos Pinto, também se insere no campo de investigação a respeito da resistência dos trabalhadores, mas, em um sentido metodológico e temático diverso do apresentado por Matheus Germano. O artigo, também resultado preliminar da pesquisa do autor, apresenta algumas experiências de organização dos trabalhadores na Revolução Portuguesa (1974-1975) em grandes empresas, observando o processo de nacionalização e de controle operário da produção, relacionando com a autonomia dos trabalhadores mobilizados. O autor parte da análise de entrevistas presentes no jornal Combate, importante veículo comunicacional da militância durante a revolução, além de estabelecer o diálogo com a bibliografia pertinente. Da mesma forma que o texto de Danilo Mendes de Oliveira sobre a relação entre os trabalhadores russos e os bolcheviques, o texto se volta às experiências autônomas de ocupação das fábricas próprias do dinamismo inicial do processo revolucionário, mas que são minadas e impossibilitadas pelo Estado que se forma a partir das vanguardas políticas da Revolução. Trata-se de um objeto inédito, embora a Revolução já tenha sido extensamente estudada.

O último artigo do dossiê, Memórias da exploração: uma análise da constituição da consciência política dos trabalhadores das empresas recuperadas na Argentina (anos 1990 e 2000), de Renake Bertholdo David das Neves, tem a mesma preocupação apresentada por Tales dos Santos Pinto: como se formam e o porquê de falharem as experiências de resistência do trabalhador baseadas em auto- -organização e autogestão do processo produtivo. Ainda que partam de processos históricos distintos, essa reflexão marca a luta dos movimentos sociais internamente, e se colocam como assunto para debate incontornável, tanto no âmbito acadêmico quanto no mundo militante. Nesse artigo sobre as empresas recuperadas, a autora toma por objeto o caso da Argentina nos anos 1990, onde houve mais ocorrências desse tipo de experiência na América Latina. Expressões de uma consciência de classe em pleno desenvolvimento, segundo a autora, a recuperação das empresas se apresentou como alternativas ao desemprego e avanço das políticas de flexibilização das leis trabalhistas.

São esses esforços de investigação e interpretação dos autores com seus objetos, sempre buscando refletir sobre os mecanismos de dominação e resistência, que justificam a segunda proposta deste dossiê. Pensar os dias atuais – marcados pela constante ameaça às conquistas da resistência dos trabalhadores no mundo contemporâneo, bem como pela eficiente forma de se reformular a dominação – a partir da compreensão da nossa realidade como resultado histórico de fenômenos políticos construídos a partir de relações sociais concretas e que, portanto, são passíveis de serem investigadas e questionadas.

Ao final, apresentamos ainda uma breve e instigante entrevista com Benito Bisso Schmidt, professor do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS na linha de pesquisa que leva o mesmo nome que este dossiê, “Relações sociais de dominação e resistência”, e ex-presidente da ANPUH nacional. São tratadas na entrevista questões acerca da profissionalização do trabalho do historiador; questões sobre o lugar da biografia enquanto método na história; um pequeno histórico do Grupo de Trabalho “Mundos do Trabalho”; e tantos outros assuntos, fechando o presente dossiê com a perspectiva de que o tema escolhido enseje um debate estimulante e necessário tanto aos profissionais da história quanto ao público em geral.

Luiz Felipe Cezar Mundim – Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pela Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne

Rodrigo Oliveira de Araújo – Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense

Organizadores


MUNDIM, Luiz Felipe Cezar; ARAÚJO, Rodrigo Oliveira de. Apresentação. Revista Mosaico. Goiânia, v.9, n.1, jan. / jun., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Exílios: Política, Cultura e Resistência / Projeto História / 2015

Exílios – Política – Cultura – Resistência / Projeto História / 2015

“El exiliado mira hacia el pasado, lamiéndose las heridas; el inmigrante mira hacia el futuro, dispuesto a aprovechar las oportunidades a su alcance.”1 (Isabel Allende)

“Pode-se arrancar o homem de seu país, mas não se pode arrancar o país do coração do homem” (John Roderigo dos Passos)

Exilar-se é desterrar-se. É fratura e rompimento. É um deslocamento involuntário e traz consigo o sentimento de perda. É deixar para trás todo um repertório de afetividades não rompidas, porém distantes geograficamente, isolando o exilado de qualquer contato com seu país de origem. Temporário? Eterno? Uma mistura imponderável de elementos da legislação com acontecimentos do contexto histórico o dirão. Seja qual for a temporalidade, o indivíduo, nessa reelaboração forçada, pelo próprio sofrimento experimentado, já deixa de ser o mesmo. Consequências terríveis provoca o exílio.

Em Atenas, durante a Antiguidade Clássica, o exílio era imposto como defesa da democracia. Chamado de ostracismo, representava uma punição forte, que bania o cidadão por dez anos da convivência com seus pares.

Passados mais de dois mil anos, a política e seu mais cruel desdobramento, a guerra, continuam produzindo exilados, com seus silêncios significativos ou suas falas eloquentes. Diferente do emigrado, o exilado, mesmo aquele auto exilado, é obrigado a vivenciar um sofrimento solitário, no qual as novas relações afetivas, difíceis de serem conquistadas, não substituem a mágoa da ausência das anteriores.

O exilado, não raro, é obrigado a se reinventar completamente, sem esquecer os padrões de cultura que são mantidos pela saudade. Essa palavra intraduzível que, no falar de Lévi-Strauss, remete à rememoração de seres, coisas, lugares, e que é uma tomada de consciência impregnada do sentimento agudo de sua fugacidade. Um aperto no coração que a lembrança de certos lugares, físicos ou da memória, nos mostra que não há, no mundo, nada de permanente e nem de estável em que possamos nos apoiar. Somos, portanto, exilados em potencial.2

Este número da revista Projeto História nos apresenta, neste segundo número da temática “Exílio”, uma importante polifonia de assuntos e interpretações substanciosas de autores que nos fazem vivenciar o significado do exílio.

O dossiê Política, Cultura e Resistência: Exílios é composto por uma gama de estudos que possibilitará a reflexão do pesquisador. O Investigador Titular do El Colegio de la Frontera Sur, Enrique Coraza de los Santos, abre o dossiê com uma visão conceitual em perspectiva comparada sobre o exílio através dos casos na Espanha, México, Argentina e Uruguai. Com o mesmo olhar, a especialista em estudos latino-americanos, Silvia Dutrénit Bielous, identifica nos anos 70 observações pautadas entre México e Uruguai, estabelecendo uma importante reflexão sobre as encruzilhadas do exílio.

Na esfera conceitual, o especialista em história intelectual, Maurício Parada, destaca as várias possibilidades entre esse meio com o exílio, estabelecendo uma vasta relação entre a história, exílio, política e intelectualidade, buscando analisar três trajetórias em especial, Otto Maria Carpeaux, Villém Flusser e Stefan Zweig.

No âmbito do contexto varguista e hitlerista, Marlen Eckl, analisa os efeitos do Decreto-Lei n° 383, de 1938 para os alemães. Partindo desse princípio, no artigo Entre resistência e resignação – as atividades políticas do exílio de língua alemã no Brasil, 1933-1945 é possível verificar os obstáculos que os exilados encontraram no Brasil.

Concluindo a primeira seção, Luis Roniger, destaca a importância analítica do exílio como uma experiência geradora de aberturas conceituais, institucionais e de sociabilidade. No artigo, o pesquisador da Wake Forest University, estabelece algumas reflexões, demonstrando a singularidade do caso brasileiro em uma perspectiva transnacional.

O dossiê conta com Alfredo Moreno Leitão e Geny Brillas Tomanik na seção Projetos, que apresentam resultados de suas pesquisas. O primeiro com aspectos em torno do salazarismo e a segunda com interpretações sobre o exílio espanhol.

Há ainda a resenha de duas obras ligadas a temática do dossiê. Francisco Osvaldino Nascimento Monteiro, apresenta ao público, a obra de Victor Barros, Campos de Concentração em Cabo Verde: As Ilhas Como Espaços de Deportação e de Prisão no Estado Novo, enquanto Estela Cristina Mansilla, apresenta a obra de Silvia Dutrénit Bielous, La Embajada Indoblegable. Asilo Mexicano en Montevideo durante la Dictadura.

Para fechar o número, os editores e organizadores, apresentam três artigos na seção livre. Partindo do Método Documentário de Análise de Imagens, Vinícius Liebel, busca o exercício de análise de uma charge do semanário nacional-socialista Der Stürmer. Luis Carlos dos Passos Martins, objetiva analisar como a imprensa carioca abordou o crescimento acelerado e desordenado das cidades brasileira durante o Segundo Governo Vargas, causando o aumento das “favelas” na Capital Federal e fechando o número Silvia Liebel estabelece uma importante análise, destacando à chamada “guerra dos sexos” nos inícios da impressão na Europa moderna.

Desejamos uma ótima leitura e boas reflexões historiográficas!

Notas

1 “O exilado olha para o passado, lambendo as feridas; o imigrante olha para o futuro, disposto a aproveitar as oportunidades a seu alcance”.

2 LÉVI-STRAUSS, Claude; MENDES, Ricardo. Saudades de São Paulo. Companhia das Letras, 1996.

Leandro Pereira Gonçalves (PUCRS)

Yvone Dias Avelino (PUC-SP)


GONÇALVES, Leandro Pereira; AVELINO, Yvone Dias. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v.53, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Cultura e resistência – Dez anos sem E. P. Thompson / Esboços / 2004

Como o capitalismo (ou seja, o “mercado”) recriou a

natureza humana e as necessidades humanas, a

economia política e seu antagonista revolucionário

passaram a supor que esse homem econômico fosse

eterno. Vivemos o fim de um século em que essa

idéia precisa ser posta em dúvida.

P. Thompson.

Entre os dias 22 e 25 de setembro de 2003 realizou-se no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina o seminário Politica e Paixão: dez anos sem E. P. Thompson.

A conferência de abertura, na noite do dia 22, proferida pelo professor Ciro Flamarion Cardoso, “Conceito de cultura: um pomo de discórdia” foi seguida, nos demais dias, pelas comunicações coordenadas. No dia 23, apresentaram-se as professoras Célia Regina Vendramini, “Experiência humana e coletividade em Thompson”; Regina Linhares Hostins, “Modo de fazer pesquisa de um historiador” e, por fim, o professor Henrique Espada Lima, “A relação entre E. P. Thompson e a micro-história italiana”. Na noite do dia 24 apresentaram-se, na seqüência, os professores Mário Duayer, “Observações a partir da Carta-aberta a Kolakowski” e o professor Ricardo Gaspar Müller, “Exterminismo e liberdade política”. Por fim, na noite do dia 25 apresentaram-se o professor Sidnei J. Munhoz, “Thompson, marxismo e protesto popular” e Sérgio Silva, “História e teoria social: a contribuição de Thompson para as ciências sociais”.

Com exceção dos textos dos professores Ciro Cardoso e Sérgio Silva, todos os demais compõem o Dossiê ora apresentado pela Revista Esboços. No caso específico do professor Ciro Cardoso, o texto apresentado no seminário foi substituído por outro, cujo título é “The Group e os estudos culturais britânicos: Edward P. Thompson em contexto”.

A organização do Seminário foi uma tarefa coletiva e esteve a cargo, sobretudo, dos professores Célia R. Vendramini, do Departamento de Estudos Especializados em Educação; Adriano Duarte, do Departamento de História e Ricardo G. Müller, do Departamento de Sociologia e Ciência Política. Contou também com a colaboração dos Programas de Pós-Graduação de Educação, História e Sociologia Política, do Gabinete da Vice-Reitoria, do CCOM/CED, da PRAC, da Central de Apoio a Eventos da UFSC, e o apoio e estimulo dos estudantes do Centro Acadêmico Livre do curso de História.

Nosso objetivo era, por um lado, registrar os dez anos do desaparecimento do historiador britânico marxista Edward Palmer Thompson e, ao mesmo tempo, comemorar os 40 anos de lançamento da primeira edição de seu mais famoso estudo, “A Formação da Classe Operária Inglesa” e os 25 anos da publicação de “A Miséria da Teoria”. Por outro, a partir de sua memória, discutir alguns temas relevantes nas ciências sociais e tão caros a suas pesquisas e, ao mesmo tempo, celebrar sua obra do modo o mais adequado à sua tradição: promovendo o debate, a polêmica e o e diálogo, não apenas sobre o fazer da história, mas sobre o fazer da política e suas relações e implicações.

Daí o nome do Seminário, a nosso juízo, muito adequado: Política e Paixão. Adequado porque sua realização nos remete, mais uma vez, ao centro do legado teórico e político dessa rica tradição; reafirma nosso compromisso com o materialismo histórico, como orientação teórica indispensável para a compreensão da história real e nosso engajamento, político e teórico com uma “história a partir de baixo”. As discussões travadas promoveram a defesa da centralidade dos conceitos de “classe” e “consciência de classe” como categorias históricas fundamentais, especialmente em uma época que muitas tendências teóricas procuram negar seu significado e (esvaziar) sua importância, e o resgate de E. P. Thompson como um historiador que “aliou paixão e intelecto, os dons do poeta, do narrador, do analista” e sempre tentou conciliar razão e utopia.

Aproveitamos a oportunidade para agradecer mais uma vez a todos os que estiveram direta ou indiretamente envolvidos na organização e realização do Seminário que dá origem ao presente Dossiê, como também na edição desse número da revista Esboços.

Adriano Luiz Duarte

Ricardo Gaspar Müller

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