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Um olhar histórico sobre o rendimento escolar, o percurso dos alunos e a repetência / Revista História da Educação / 2015
O presente dossiê visa a propor discussão acerca da presença, dos desempenhos e do movimento dos alunos na escola primária. Trata-se, em grande medida, dos resultados de esforços investigativos que vêm sendo empreendidos no âmbito do grupo de pesquisa História da escolarização no Brasil: políticas e discursos especializados que, desde 2011, integra professores doutores, doutorandos e mestrandos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Universidade de São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade Federal de Minas Gerais. Os artigos trazem análises produzidas no âmbito da pesquisa Repetência e evasão na escola brasileira (1889-1930), que contou com financiamento do CNPq – processo n. 472882 / 2011-2 – e foi desenvolvida entre 2011 e 2014. Integra o presente dossiê também um artigo do pesquisador francês Jérôme Krop, cuja tese de doutoramento, defendida na Sorbonne em 2014, aborda o processo de expansão da escola obrigatória na França, entre 1870 e 1920, e algumas de suas contradições.
A percepção acerca das insuficiências do alcance, em termos quantitativos e qualitativos, da escola obrigatória, ao longo dos séculos 19 e 20, motivou-nos a pesquisar questões em torno do fluxo dos alunos pelas séries da escola primária. Interessava-nos compreender como as dificuldades características do percurso dos alunos na escola, tais como a reprovação ou o abandono escolar, passaram a ser representativas da crise da educação nacional constantemente reafirmada no discurso educacional, mesmo nos dias atuais. Pretendia-se conhecer o discurso oficial, a produção e interpretação das estatísticas, a definição das políticas educacionais que instituíram e consolidaram um modelo escolar e sua relação com o tempo, o ritmo e a qualidade na escola. Interessava, ainda, apreender os debates sobre o rendimento do ensino e o fracasso escolar, em especial a partir do exame da imprensa periódica educacional e dos manuais de psicologia.
Partia-se da hipótese de que a repetência surgiu com a difusão da escola seriada e o acesso à instrução por segmentos cada vez mais amplos da população. O olhar detido sobre o tema permitiu que percebêssemos que os processos de exclusão escolar acompanham a história desta instituição mesmo antes da implantação da escola seriada mas, efetivamente, é no estabelecimento do ritmo anual seriado que o fenômeno adquire uma feição quantificável. Também é notável que até os anos 1930 se configura a compreensão de que todos devem chegar à escola e nela permanecer por certo tempo, de modo que o abandono dos estudos perde em parte, pouco a pouco, a feição de seletividade natural que tinha até então.
A pesquisa optou por assumir como fonte principal a escrita produzida por órgãos de governo, bem como a escrituração burocrática oriunda da prática docente, buscando apreender as representações – compreendidas como práticas, culturais e políticas – características desse meio e período. Nesse sentido, o que se pretendeu foi ver como esses discursos se organizam, como dialogam entre si, como são dados a ler, colaborando na construção e legitimação de uma determinada interpretação sobre as questões propostas. Outra fonte fundamental foram os periódicos especializados e manuais destinados à formação docente, que permitiram apreender o embate em torno das representações acerca do tema de interesse.
A abordagem no exame desses documentos, contudo, difere de acordo com o que cada pesquisador envolvido no projeto privilegiou focalizar. De modo geral, a análise dos discursos educacionais e especializados é assumida como elemento central, sendo os discursos compreendidos como práticas. Considera-se, assim, que as diversas produções discursivas são representativas de segmentos da sociedade que, em disputa com outros, buscam exercer poder e fazer prevalecer algumas de suas concepções. Interessou, portanto, esquadrinhar esse movimento de luta simbólica que apresenta nos discursos investigados instigantes evidências do que estava em debate no período.
Os resultados obtidos até o momento, e que estão presentes nos artigos que compõem este dossiê, parecem reafirmar a pertinência do estudo da temática e a necessidade na continuidade da investigação. Os textos a seguir permitem, desde já, a apreciação de aspectos relevantes acerca dessas questões.
Em O tempo, a idade e a permanência na escola: um estudo a partir dos livros de matrícula (Rio Grande do Sul, 1895-1919), Natália de Lacerda Gil e Joseane El Hawat analisam livros de matrícula a fim de compreender as idades predominantes dos indivíduos que frequentavam a escola e por quanto tempo, em média, eles permaneciam na instituição. Essa investigação evidencia que os alunos ficavam pouco tempo numa mesma escola e permite avançar na hipótese de que a duração do período de escolarização estava pautada muito mais por aspectos da vida familiar do que pelas razões propriamente escolares.
O artigo Meritocracia e os usos da repetência na escola primária pública francesa de 1850 ao início do século 20, de Jérôme Krop, permite vislumbrar o caráter excludente da reprovação dos alunos em início da escolarização, resultando na acentuação das desigualdades educacionais, apesar dos esforços de modernização pedagógica empreendidos pelos republicanos franceses num importante período de expansão da escola primária naquele país. Em seguida, propomos acompanhar semelhante questão para o caso do Distrito Federal.
Sobre as estatísticas educacionais oficiais, nesse caso em Minas Gerais, que Sandra Maria Caldeira-Machado e Fernanda Cristina Campos da Rocha abordam no artigo A invisibilidade dos problemas de percurso dos alunos: dos registros escolares à fabricação das estatísticas educacionais oficiais (Minas Gerais, 1907-1917). As autoras enfatizam o fato de que, na passagem dos registros produzidos nas escolas para a contabilização assumida pelas estatísticas oficiais, nem todos os dados são preservados, evidenciando exclusões e agrupamentos que incidem sobre as maneiras de compreender as questões descritas quantitativamente e, por consequência, potencialmente sobre as maneiras de agir em face dos problemas.
Em A repetência e os serviços escolares da capital federal nos anos 1930, André Paulilo investiga os modos de quantificar o rendimento dos alunos utilizados pela gestão pública do Distrito Federal, entre 1931 e 1935, e o debate acerca das estratégias para conter a evasão e a repetência que esses números fazem ver como problema crescente. Neste sentido, o autor enfatiza a importância da investigação da produção das estatísticas educacionais no delineamento de questões assumidas como problemas a serem enfrentados pela gestão pública.
Por fim, Ana Laura Godinho Lima e Luciana Maria Viviani, no artigo Conhecimentos especializados sobre os problemas de rendimento escolar: um estudo de manuais de psicologia e da Revista de Educação, analisam os discursos da pedagogia e da psicologia que versam sobre a questão do rendimento escolar. As autoras apontam para os modos pelos quais os estudos científicos são erigidos e apropriados como forma de enfrentamento dos problemas referentes às dificuldades de aprendizagem dos escolares.
Esperamos que vocês apreciem a leitura!
Natália de Lacerda Gil – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
GIL, Natália de Lacerda. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 19, n. 46, maio / ago., 2015. Acessar publicação original [DR]