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Sobre a Constituição da Europa – HABERMAS (C-FA)
HABERMAS, Jürgen. Sobre a Constituição da Europa.Tradução de Denilson Luis Werle; Luiz Repa e Rúrion Melo. São Paulo: Editora da UNESP, 2012. Resenha de: BRESSIANI, Nathalie. Habermas em português. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, n.20, Jun./Dez., 2012.
Os leitores de Jürgen Habermas em português contam, desde o segundo semestre de 2012, com uma tradução brasileira do mais recente livro do autor, Sobre a Constituição da Europa. A boa notícia não se restringe, contudo, ao importante fato de que, com isso, o público brasileiro passa a ter acesso a um livro de Habermas logo após sua publicação original, em alemão. A cuidadosa tradução de Sobre a Constituição da Europa, feita por Denilson Luis Werle, Luiz Repa e Rúrion Melo é também a primeira de uma série e marca o início da mais nova coleção da Editora UNESP, que publicará quase que integralmente as obras de Habermas em português.
Coordenada pelos três tradutores e por Antonio Ianni Seggato, a coleção representa o início de um longo trabalho de tradução que disponibilizará, nos próximos anos, tanto textos inéditos como livros de Habermas já vertidos para o português, dando sempre prioridade a seus trabalhos mais recentes e aos que não possuem tradução, bem como àqueles cuja tradução seja de difícil acesso ou não satisfaça os padrões já alcançados pela pesquisa acadêmica no Brasil (p. IX).
Dentre os próximos títulos a serem publicados pela coleção, estão Teoria e Prática e Fé e Saber, até hoje inéditos em português, e novas traduções de Conhecimento e Interesse e Mudança Estrutural da Esfera Pública, com o novo prefácio escrito pelo autor na ocasião dos 30 anos da publicação do livro.
Reconhecendo a importância de Habermas para diversos campos do conhecimento e a consolidação de seus estudos no Brasil, a coleção da Editora UNESP certamente permitirá que a recepção de suas obras seja ainda mais ampliada, bem como contribuirá para a sedimentação – já em curso – de um vocabulário habermasiano em português, indispensável para que o trabalho do autor seja melhor compreendido em seus diversos momentos e para que suas influências e ressonâncias no debate atual sejam percebidas com maior clareza.
Tendo isso em vista, a escolha de Sobre a Constituição da Europa como primeira publicação da coleção é bastante feliz. Composto por dois ensaios e um adendo, no qual constam dois breves artigos e uma entrevista, este é um livro heterogêneo, em que Habermas discute várias questões de perspectivas distintas. Sem se limitar a uma análise especialista de viés jurídico, econômico ou político do processo de constituição da União Europeia ou de abrir mão da postura crítica fundamentada que caracteriza seu trabalho, neste livro Habermas lança mão do conhecimento sedimentado em diversas áreas para fazer um diagnóstico crítico do tempo atual.
No primeiro ensaio, intitulado “O conceito de dignidade humana e a utopia realista dos direitos humanos”, o autor se debruça sobre questões mais propriamente filosóficas, relativas à fundamentação dos direitos humanos e sua relação com a moral, ressaltando o vínculo estrutural existente entre a violação da dignidade humana e a gênese dos direitos humanos. No segundo ensaio, por sua vez, Habermas se volta a questões de diagnóstico de época e apresenta uma interessante compreensão sobre a atual crise econômica, política e democrática pela qual passa a Europa. Tema que constitui também o objeto dos dois artigos e da entrevista que compõem o adendo. Assumindo, nesses textos, um tom visivelmente mais otimista face aos potenciais democráticos da União Europeia depois da ratificação do Tratado de Lisboa, 1 Habermas ressalta a possibilidade de que os novos desenvolvimentos dessa instituição permitam a ampliação e a garantia dos direitos humanos para além do Estado-nação e façam frente às forças econômicas sistêmicas, que até então haviam ditado as prioridades e os rumos da UE.
O vínculo entre as duas partes do livro, de resto bastante distintas, parece estar exatamente na importância que o autor confere, em ambas, aos direitos humanos. Afinal, se, no primeiro ensaio, Habermas procura reconstruir a origem moral dos direitos humanos, com o objetivo de fundamentar a tendência à sua efetivação universal, na segunda, ele passa a discutir essa mesma efetivação de um outro ponto de vista, isto é, a partir do caso europeu. Retomando, nesse momento, diversos elementos de sua teoria social dualista, Habermas desenvolve um diagnóstico dos processos de unificação da Europa, por meio do qual explicita os diferentes projetos de Europa em jogo atualmente e identifica as tendências e os bloqueios existentes para sua realização.
Mesmo sem lançar mão textualmente da distinção entre sistema e mundo da vida, Habermas a retoma implicitamente ao identificar a tendência do sistema econômico globalizado em escapar das regulações estatais e ao problematizar o déficit de legitimação decorrente da dificuldade dos Estados nacionais em lidar com tal tendência.2 Segundo Habermas, tendo desencadeado a atual crise, o processo de globalização econômica em curso representa a volta de uma forma de neoliberalismo que afasta a economia da regulação democrática dos Es tados nacionais, ao mesmo tempo que aprofunda as desigualdades econômicas, tanto entre os países quanto em seu interior. Como afirma ele, “os mercados financeiros, principalmente os sistemas funcionais que perpassam as fronteiras nacionais, criam situações problemáticas na sociedade mundial que os Estados individuais – ou as coalizões de Estados – não conseguem mais dominar” (p. 5).
O objetivo de Habermas na segunda parte de Sobre a Constituição da Europa não é, contudo, apenas mostrar os resultados recentes dos desenvolvimentos de uma economia que se autonomizou, mas também o de apontar para as forças que se opõem a esse processo. Uma dessas formas de oposição, descartada por ele rapidamente, é a proposta daqueles que, céticos frente à possibilidade da consolidação de instituições democráticas transnacionais, continuam a insistir nos Estados nacionais como os principais atores políticos. Ressaltando o caráter irreversível do processo de globalização da economia mundial, Habermas recusa essa posição e defende que hoje não é mais possível se esquivar da necessidade de criar instituições democráticas cosmopolitas para lidar com o novos desafios gerados pela economia globalizada.
Tomando tal irreversibilidade como ponto de partida, o que está em causa na análise de Habermas é, na verdade, o caráter e os funda mentos das instituições transnacionais. Segundo o autor, estamos hoje diante de dois projetos distintos de Europa (cf. p. 49). O primeiro deles, problematizado por Habermas, equivale à tentativa de fazer da UE um Conselho Europeu, no qual os 17 chefes de Estado dos países membros decidiriam sobre os mais diversos assuntos e, esvaziando de importância os parlamentos nacionais, criariam um sistema de federa lismo executivo que corresponderia a “um modelo de exercício de dominação pós-democrática” (p. 2). Habermas entende que, escondendo-se atrás de um discurso supostamente não político, tal projeto prevê que as principais decisões políticas fiquem na mão de burocratas ou especialistas, fazendo com que a formação política da vontade se torne supérflua. Se, para o autor, esse projeto perdeu parte de sua força, isso não o impediu de fazer com que os cidadãos europeus tenham ainda hoje a sensação de impotência frente a um sistema político e econômico que parece ter descolado da democracia.
Em Sobre a Constituição da Europa, no entanto, Habermas não aposta na tendência de consolidação da UE como um sistema pós -democrático de dominação política, pelo contrário. De acordo com ele, “o sonho de ter ‘mecanismos’ que tornariam supérflua a formação da vontade política comum e que manteriam a democracia sob controle se estilhaçou” (p. 1). O Tratado de Lisboa, a pressão pela efetivação dos direitos humanos e pela institucionalização de uma democracia cosmopolita e o projeto de uma constituição europeia (ainda que congelado), fazem com que Habermas defenda que a UE não se encontra hoje “tão longe da configuração de uma democracia trans nacional” (p. 3). Para ele, portanto, o potencial democrático da UE não apenas não está bloqueado, como também se opõe às tendências funcionais que o ameaçam.
Os conflitos entre sistema e mundo da vida, bem como a disputa entre eles em torno do direito permitem então a Habermas desenvolver um interessante diagnóstico da situação atual da Europa de acordo com o qual, de um lado, temos a ameaça de que os sistemas econômico e político se descolem das instituições democráticas e, de outro, a tendência de institucionalização de uma democracia cosmopolita, que pode não só regular os sistemas, como também garantir a efetivação dos direitos humanos para além das fronteiras nacionais.
3 Partindo do caso europeu, Habermas diagnostica então as tendências emancipatórias que apontam na direção da consolidação de instituições democráticas transnacionais, bem como seus obstáculos, ligados à possibilidade de que essas instituições se tornem formas pós-democráticas de dominação política. A importância dada por Habermas aqui ao caso europeu não é, contudo, fortuita. Se a UE é central na análise do autor é porque ela permite a explicitação dos conflitos próprios ao atual contexto de globalização e, além disso, porque ela “pode ser concebida como um passo decisivo no caminho para uma sociedade mundial constituída politicamente” (p. 40).
Se o agravamento da crise na zona do euro em dezembro de 2011 faz com que o otimismo de Habermas nesse livro pareça hoje exagerado, seu claro posicionamento em defesa de uma democracia cosmopolita mundial permanece, contudo, atual. Dentre outros motivos, porque, com ele, Habermas parece resolver uma importante ambiguidade em seu trabalho, problematizada por diversos críticos até então, 4 para os quais, apesar de destacar a incapacidade dos Estados nacionais em regular a economia globalizada e de denunciar o déficit democrático das instituições transnacionais existentes, Habermas permaneceria tomando o Estado-nação como o único âmbito adequa do para o exercício da democracia.5 Ao defender agora a importância de uma constituição europeia e afirmar que a legitimidade de instituições transnacionais reside em sua capacidade de garantir a participação e a influência dos indivíduos – tanto enquanto cidadãos de seus países como enquanto cidadãos europeus (ou ainda como cidadãos do mundo) –, Habermas dissolve essa ambiguidade e apresenta, de modo mais claro, sua posição em prol da institucionalização de uma democracia mundial.
Dessa forma, mesmo que retome, em Sobre a Constituição da Europa, questões já abordadas em trabalhos anteriores – como o processo de unificação da Europa, a possibilidade e os obstáculos existentes à consolidação da democracia e de instituições jurídicas transnacionais e, em particular, ao estatuto e gênese dos direitos humanos –, Habermas o faz explicitando e até alterando algumas das posições que havia defendido. E, isso, não só no que diz respeito ao seu otimismo frente aos rumos da UE ou mesmo à possibilidade de uma democracia cosmopolita. Como ressalta Alessandro Pinzani em sua “Apresentação à edição brasileira”, Habermas parece também mudar sua posição no que se refere à forma de justificar os direito humanos. Para Pinzani, em Sobre a Constituição da Europa, “haveria uma aproximação entre direito e moral bem mais forte do que na obra anterior de Habermas” (p. XV), na qual este recusa o estatuto moral normalmente atribuído aos direitos humanos e defende a separação entre moral e direito.6
Defendida por Habermas pelo menos a partir de Direito e Democracia, a separação entre direito e moral é central em sua compreensão do direito moderno. De acordo com ele, em sociedades modernas, já diferenciadas, os direitos fundamentais não devem ser vistos como o resultado da positivação de algo previamente dado e anterior à deliberação, tais como direitos naturais de caráter moral. Embora sejam condições necessárias para o exercício da autonomia pública, os direitos fundamentais que os cidadãos se atribuem mutuamente seriam o resultado da prática política de autodeterminação.7 Para Pinzani, se essa é de fato a tese defendida por Habermas até então, ao vincular a gênese dos direitos humanos à noção moral de dignidade humana, ele teria mudado de posição e reestabelecido uma relação de subordinação dos direitos humanos à moral.
Antecipando essa possível leitura, Habermas chega a afirmar, em nota, que a nova justificação dada ali aos direitos humanos não tem como consequência uma modificação de sua posição no que se refere “à introdução originária do sistema de direitos” (nota 19, p. 19). Segundo ele, o vínculo estabelecido entre a violação da dignidade humana e a gênese dos direitos fundamentais não significa que estes sejam morais. Os direitos fundamentais, afirma ele, permanecem distintos dos direitos morais pois, ao contrário destes, estão voltados a uma institucionalização. Apesar dessa ressalva, a carga moral atribuída por Habermas à dignidade humana e a importância assumida por ela em sua reconstrução da gênese dos direitos humanos têm suscita do diversas discussões.
Para autores kantianos, como Rainer Forst, 8 que defendem que o direito não pode ser compreendido sem ser remetido à moral, a suposta aproximação empreendida por Habermas pode ser vista como um ganho frente a seus escritos anteriores. Para autores 9 que, ao contrário, defendem que a forma do direito moderno já implica direitos de liberdade que não precisariam, portanto, de uma fundamentação moral, o novo texto de Habermas pode ser interpretado como um retrocesso em direção à pré-modernidade. Embora divirjam frontalmente em suas posições, poucos parecem ser os leitores de Habermas que poderão se manter indiferentes perante às várias passagens do livro em que ele reforça a origem moral dos direitos humanos, nas quais afirma, por exemplo, que:
em contraposição à suposição de que foi atribuída retrospectivamente uma carga moral ao conceito de direitos humanos por meio do conceito de dignidade humana, pretendo defender a tese de que, desde o início, mesmo que ainda primeiro de modo implícito, havia um vínculo conceitual entre ambos os conceitos. (pp. 10-1)
Ou ainda, logo em seguida, que:
a dignidade humana… é a ‘fonte’ moral da qual os direitos fundamentais extraem seu conteúdo. (pp. 10-1)
O fortalecimento do vínculo entre moral e direitos fundamentais, como atestam essas passagens, parece inegável. De qualquer forma, a divergência na interpretação de seus interlocutores e a própria ressalva de Habermas explicitam que cabe ainda discutir quais são exatamente as consequências desse vínculo e se ele, de fato, implica uma relação de subordinação ou de identidade entre direitos morais e direitos humanos. As primeiras reações ao livro já indicam assim que, embora não seja problematizado pelo próprio autor, o estatuto da relação entre moral e direito nos diferentes escritos de Habermas permanece em questão e, certamente, ainda será objeto de muitos e interessantes debates.
A importância (ou não) da moral na fundamentação habermasiana dos direitos humanos é, certamente, um dos pontos mais controversos do livro. Contudo, a ênfase dada nele à dignidade humana, cujas violações constituiriam o impulso para a efetivação dos direitos humanos em todo o mundo, aponta ainda para um segundo elemento que consideramos importante ressaltar. Afinal, ao sustentar que “o apelo aos direitos humanos alimenta-se da indignação dos humilhados pela violação de sua dignidade humana” (p. 11), Habermas se volta mais diretamente à motivação dos conflitos sociais do que em trabalhos anteriores. A ênfase no sentimento de humilhação frente à violação da dignidade humana como o motor dos conflitos sociais e impulso do processo de ampliação e garantia dos direitos humanos parece corresponder a uma tentativa de Habermas de lidar com um problema colocado a ele por Axel Honneth em Crítica do Poder, a saber, o déficit motivacional de seu trabalho.10
Além disso, é o vínculo entre a violação da dignidade humana e a gênese dos direitos humanos aquilo que parece permitir a Habermas afirmar, sem recair em uma postura meramente transcendente, que estes mesmos direitos são uma utopia realista. A presença do primeiro ensaio cumpriria, nesse sentido, o papel de mostrar que a defesa da ampliação e da garantia dos direitos humanos não é meramente transcendente, mas se ancora em uma tendência inscrita na dinâmica dos próprios conflitos sociais. É exatamente isso o que parece estar em causa quando Habermas afirma, ainda no prefácio, que “as experiências de dignidade humana violada promovem uma dinâmica conflituosa de indignação que dá um impulso renovado à esperança de uma institucionalização global dos direitos humanos, ainda tão improvável”(p.5). Se a suposta aproximação entre moral e direito, abordada anterior mente, parece indicar uma aproximação de Habermas a uma posição kantiana, sua ênfase na origem conflituosa dos direitos e em sua motivação moral parece aproximá-lo também de uma posição hegeliana e, em particular, das contribuições de Axel Honneth.11 Aproximações e deslocamentos que, como as outras questões apontadas aqui, fazem do novo livro de Habermas uma das mais interessantes publicações dos últimos anos.
Fruto de um confronto atento com novos acontecimentos, críticas e autores, Sobre a Constituição da Europa mostra como o trabalho Habermas, longe de ter parado no tempo, continua apresentando um complexo e crítico diagnóstico das sociedades contemporâneas. Mesmo que parte das críticas dirigidas a Habermas apontem para limites em sua teoria, a força de sua compreensão das recentes crises na Europa e em grande parte do mundo, bem como o potencial dos processos de democratização destacados por ele fazem com que o trabalho de Habermas permaneça sendo a principal referência, mesmo para aqueles que visam desenvolver teorias sociais críticas distintas da dele.
A tradução de Sobre a Constituição da Europa e a coleção da UNESP são, nesse sentido, muito bem-vindas não só para aqueles que buscam compreender o pensamento de Habermas em toda sua complexidade, mas também para aqueles que, em confronto com ele, procuram dar continuidade à crítica social em português.
Notas
1 Em Ach, Europa, publicado após a recusa da França e da Holanda de ratificarem o “Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa”, depois deste ter sido recusado pela população em plebiscitos, Habermas se posiciona mais criticamente frente à UE e seus potenciais de democratização. Cf. HABER MAS, J. Ach, Europa.Frankfurt am Main, Suhrkamp, 2008.
2 No contexto atual, afirma Repa sobre o diagnóstico habermasiano, “ocorre uma nova sobreposição de imperativos sistêmicos sobre o mundo da vida sem que nem ao menos os mecanismos sistêmicos tenham uma base de legitimidade no mundo da vida”. REPA, L. O direito cosmopolita entre a moral e o direito. Texto inédito.
3 Se as críticas ao dualismo habermasiano, mesmo em sua forma mitigada, fi zeram com que muitos autores recusassem como um todo o diagnóstico de patologias sociais desenvolvido por Habermas, a compreensão apurada feita por ele da situação atual e do que está em jogo na UE parece mostrar que ele talvez tenha sido descartado apressadamente. Cf. BRESSIANI, N. Redistri buição e Reconhecimento. Nancy Fraser entre Jürgen Habermas e Axel Honneth. In: Cadernos CRH, v. 24, 2011.
4 Cf. FINE, R; SMITH, W, Jürgen Habermas’s Theory of Cosmopolitanism.In: Constellations.Vol. 10, Nº 4, 2003.
5 HABERMAS, J. Die postnationale Konstellation und die Zukunft der Demokratie. In: Die postnationale Konstellation. Frankurt am Main: Suhrkamp, 1998
6 Cf. HABERMAS, J. Faktizität und Geltung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1992.Sobre isso, cf. também: MELO, R. HULSHOF, M. KEINERT, M. Diferen ciação e complementaridade entre direito e moral. In: NOBRE, M.; TERRA, R. (Orgs.).Direito e democracia. Um guia de leitura de Habermas. São Paulo: Malheiros editores, 2008, pp. 73-90. MELO, R.O uso público da razão. Pluralismo e democracia em Jürgen Habermas.São Paulo: Edições Loyola, 2011, caps. 2 e 3.
7.Sobre a relação entre direitos fundamentais e direitos políticos ou autonomia privada e autonomia pública em Habermas, cf. SILVA, F. G.Liberdades em disputa: a reconstrução da autonomia privada na teoria crítica de Jürgen Habermas. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Filosofia da UNICAMP, 2010
8 Cf. FORST, R.Das Recht auf Rechtfertigung. Elemente einer konstruktivistischen Theorie der Gerechtigkeit, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2007.
9 MAUS, I. Verfassung oder Vertrag. Zur Verrechtlichung globaler Politik. In: NIESEN, P.; HERBORTH, B. (Orgs.).Anarchie der kommunikativen Freiheit.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2007, p. 350 e ss
10 HONNETH, A. Kritik der Macht. Reflexionsstufe einer kritischen Gesellschaftstheorie. Frankfurt am Main: Surkamp, 1989.Cf. também: NOBRE, M. Luta por Re conhecimento: Axel Honneth e a Teoria Crítica. In: HONNETH, A.Luta por Reconhecimento. A gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.
11 Ao afirmar que as lutas por direitos possuem uma motivação moral, a saber, o sentimento de humilhação resultante da violação da dignidade humana, Habermas se aproxima da posição defendida por Honneth em Luta por Reconhecimento. Apesar disso, ele não parece aqui assumir a distinção entre três esferas de reconhecimento, restringindo-se talvez, como Rainer Forst, a ressaltar a importância da segunda delas, regida pelo princípio do respeito igual, que Honneth atrela ao direito.
Referências
BRESSIANI, N. Redistribuição e Reconhecimento – Nancy Fraser entre Jürgen Habermas e Axel Honneth. In: Cadernos CRH, v. 24, p. 331352, 2011.
FINE, R.; SMITH, W. Jürgen Habermas’s Theory of Cosmopolitanism. In: Constellations.Vol. 10, Nº 4, 2003.
FORST, R. Das Recht auf Rechtfertigung. Elemente einer konstruktivistischen Theorie der Gerechtigkeit. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2007.
HABERMAS, J.Faktizität und Geltung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1992.
______. Die postnationale Konstellation und die Zukunft der Demokratie. In: Die postnationale Konstellation. Frankurt am Main: Suhrkamp, 1998.
______. Ach, Europa. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2008.
______.Sobre a Constituição da Europa.São Paulo: UNESP, 2012.
HONNETH, A. Kritik der Macht. Reflexionsstufe einer kritischen Gesellschaftstheorie.Frankfurt a/Main: Surkamp, 1989.
______.Luta por Reconhecimento. A gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2004.
MAUS, I. Verfassung oder Vertrag. Zur Verrechtlichung globaler Politik. In: NIESEN, P.; HERBORTH, B. (Orgs.).Anarchie der kommunikativen Freiheit. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2007, p. 350 e ss.
MELO, R. HULSHOF, M. KEINERT, M. Diferenciação e complemen taridade entre direito e moral. In: NOBRE, M.; TERRA, R. (Org) Direito e democracia. Um guia de leitura de Habermas. São Paulo: Malheiros editores, 2008, pp. 73-90.
MELO, R. O uso público da razão. Pluralismo e democracia em Jürgen Habermas.São Paulo: Edições Loyola, 2011.
NOBRE, M. Luta por Reconhecimento: Axel Honneth e a Teoria Crítica. In: HONNETH, A. Luta por Reconhecimento. A gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.
PINZANI, A. Apresentação à edição brasileira. In: HABERMAS. J.Sobre a Constituição da Europa. São Paulo: UNESP, 2012, pp. XI-XXI.
REPA, L. O direito cosmopolita entre a moral e o direito. Texto inédito.
SILVA, F. G. Liberdades em disputa: a reconstrução da autonomia privada na teoria crítica de Jürgen Habermas.Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Filosofia da UNICAMP, 2010.
Nathalie Bressiani – Doutoranda em Filosofia pela USP.
Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais – HONNETH (C)
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. de Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. Resenha de: SALVADORI, Mateus. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 1, Jan/Abr, 2011.
A figura mais proeminente dentre os teóricos da terceira geração de Frankfurt é Axel Honneth. Os seus estudos concentram-se nas áreas: filosofia social, política e moral, tratando ,principalmente, da explicação teórica e crítico-normativa das relações de poder, respeito e reconhecimento na sociedade atual.
O objetivo central de Honneth na obra Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais, é mostrar como indivíduos e grupos sociais se inserem na sociedade atual. Isso ocorre por meio de uma luta por reconhecimento intersubjetivo e não por autoconservação, como salientavam Maquiavel e Hobbes. As três formas de reconhecimento são as seguintes: o amor, o direito, e a solidariedade. A luta pelo reconhecimento sempre inicia pela experiência do desrespeito dessas formas de reconhecimento. A autorrealização do indivíduo somente é alcançada quando há, na experiência de amor, a possibilidade de autoconfiança, na experiência de direito, o autorrespeito e, na experiência de solidariedade, a autoestima.
Honneth, inspirando-se no conceito de reconhecimento do jovem Hegel, busca fundamentar a sua própria versão da teoria crítica. Com isso, ele pretende explicar as mudanças sociais por meio da luta por reconhecimento e propõe uma concepção normativa de eticidade a partir de diferentes dimensões de reconhecimento. Os indivíduos e os grupos sociais somente podem formar a sua identidade quando forem reconhecidos intersubjetivamente. Esse reconhecimento ocorre em diferentes dimensões da vida: no âmbito privado do amor, nas relações jurídicas, e na esfera da solidariedade social. Essas três formas explicam a origem das tensões sociais e as motivações morais dos conflitos.
A primeira forma de reconhecimento consiste nas emoções primárias, como o amor e a amizade. Para investigar essa esfera, o autor volta-se aos trabalhos da psicologia infantil de Donald Winnicott. O ponto de partida dessa primeira forma é uma fase de simbiose, chamada por Winnicott “dependência absoluta”. A mãe e o filho estão em um estado de indiferenciação. As reações do filho são percebidas pela mão como um único ciclo de ação. Winnicott chama isso “intersubjetividade primária”, em que há uma unidade de comportamento. Porém, para ampliar o seu campo social de atenção, a mãe começa a romper a sua identificação com o bebê. Com isso, o bebê aprende que a mãe é algo do mundo e que não está à sua inteira disposição.
Essa segunda fase é chamada “dependência relativa”. É nesse período que a criança desenvolve a sua capacidade para uma ligação afetiva. A criança reconhece o outro como alguém com direitos próprios, independente. Para Winnicott, a fim de alcançar essa independência do outro, a criança tem que desenvolver dois mecanismos psíquicos: destruição e os fenômenos e objetos transicionais. A destruição (mordidas no corpo da mãe) consiste em atos que a criança pratica quando descobre a independência da mãe. Eles se tornam positivos quando o bebê reconhece a independência da mãe, amando-a sem as fantasias de onipotência. Os fenômenos e objetos transicionais (travesseiro, brinquedo, dedo polegar) são elos de mediação entre a fase da fusão e a da separação.
A criança somente alcança a criatividade quando fica sozinha com os objetos transicionais. Isso é possível devido à dedicação emotiva da mãe, mesmo estando distante da criança. Essa confiança na dedicação materna faz com que a criança desenvolva a autoconfiança. Nessa análise de Winnicott, pode-se concluir que o amor é uma forma de reconhecimento e, por meio dele, o indivíduo desenvolve uma confiança em si mesmo, indispensável para seus projetos de autorrealização pessoal.
Para Honneth o amor somente surge quando a criança reconhece o outro como uma pessoa independente, ou seja, quando não está mais num estado simbiótico com a mãe. O amor é o fundamento da autoconfiança, pois permite aos indivíduos conservarem a identidade e desenvolverem uma autoconfiança, indispensável para a sua autorrealização. O amor é a forma mais elementar de reconhecimento.
O amor se diferencia do direito no modo como ocorre o reconhecimento da autonomia do outro. No amor, esse reconhecimento é possível, porque há dedicação emotiva. No direito, porque há respeito.
Em ambos, somente há autonomia quando há o reconhecimento da autonomia do outro. A história do direito ensina que, no século XVIII, havia os direitos liberais da liberdade; no século XIX, os direitos políticos de participação e, no século XX, os direitos sociais de bem-estar. De modo geral, essa evolução mostra a integração do indivíduo na comunidade e a ampliação das capacidades, que caracterizam a pessoa de direito. Nessa esfera, a pessoa é reconhecida como autônoma e moralmente imputável ao desenvolver sentimentos de autorrespeito.
A solidariedade (ou eticidade), última esfera de reconhecimento, remete à aceitação recíproca das qualidades individuais, julgadas a partir dos valores existentes na comunidade. Por meio dessa esfera, gera-se a autoestima, ou seja, uma confiança nas realizações pessoais e na posse de capacidades reconhecidas pelos membros da comunidade. A forma de estima social é diferente em cada período histórico: na modernidade, por exemplo, o indivíduo não é valorizado pelas propriedades coletivas da sua camada social, mas surge uma individualização das realizações sociais, o que só é possível com um pluralismo de valores.
A passagem progressiva dessas etapas de reconhecimento explica a evolução social. Ela ocorre devido à experiência do desrespeito que se dá desde a luta pela posse da propriedade até à pretensão do indivíduo de ser reconhecido intersubjetivamente pela sua identidade.
Segundo Honneth, para cada forma de reconhecimento (amor, direito e solidariedade) há uma autorrelação prática do sujeito (autoconfiança nas relações amorosas e de amizade, autorrespeito nas relações jurídicas e autoestima na comunidade social de valores). A ruptura dessas autorrelações pelo desrespeito gera as lutas sociais. Portanto, quando não há um reconhecimento ou quando esse é falso, ocorre uma luta em que os indivíduos não reconhecidos almejam as relações intersubjetivas do reconhecimento. Toda luta por reconhecimento inicia por meio da experiência de desrespeito. O desrespeito ao amor são os maus-tratos e a violação, que ameaçam a integridade física e psíquica; o desrespeito ao direito são a privação de direitos e a exclusão, pois isso atinge a integridade social do indivíduo como membro de uma comunidade político-jurídica; o desrespeito à solidariedade são as degradações e as ofensas, que afetam os sentimentos de honra e dignidade do indivíduo como membro de uma comunidade cultural de valores.
As mudanças sociais podem ser explicadas por meio do desrespeito, gerador de conflitos sociais. Os conflitos surgem do desrespeito a qualquer uma das formas de reconhecimento, ou seja, de experiências morais decorrentes da violação de expectativas normativas. A identidade moral é formada por essas expectativas. Uma mobilização política somente ocorre quando o desrespeito expressa a visão de uma comunidade.
Portanto, a lógica dos movimentos coletivos é a seguinte: desrespeito, luta por reconhecimento, e mudança social. Honneth, seguindo as ideias de Hegel, afirma que a eticidade é o conjunto de condições intersubjetivas, que funcionam como condições normativas necessárias à autodeterminação e a autorrealização.
A teoria de Honneth é explicativa, pois busca esclarecer a gramática dos conflitos e a lógica das mudanças sociais com a finalidade de entender a evolução moral da sociedade, e crítico-normativa, porque fornece um padrão – a eticidade – para identificar as patologias sociais e avaliar os movimentos sociais. A eticidade, portanto, é o conjunto de práticas e valores, vínculos éticos e instituições, que formam uma estrutura intersubjetiva de reconhecimento recíproco. Por meio da vida boa, há uma conciliação entre liberdade pessoal e valores comunitários. A identidade dos indivíduos é formada pela socialização, ou seja, é formada na eticidade, inserida em valores e obrigações intersubjetivas. Portanto, não há como pensar a existência de um contrato para o surgimento da sociedade, mas nas transformações das relações de reconhecimento.
Esse conceito formal de eticidade, elaborado por Honneth, visa a ser uma ampliação da moralidade, integrando tanto a universalidade do reconhecimento jurídico-moral da autonomia individual como a particularidade do reconhecimento ético da autorrealização. Por conseguinte, esse conceito tem como objetivo alcançar todos os aspectos necessários para um verdadeiro reconhecimento.
Na sociedade moderna, o indivíduo tem de encontrar reconhecimento tanto como indivíduo autônomo livre quanto como indivíduo, membro de formas de vida culturais específicas. Essa concepção formal de eticidade fica sempre limitada pelas situações históricas concretas. Portanto, ela não cai num etnocentrismo, nem numa utopia, pois ela é uma estrutura que se encontra inserida nas práticas e instituições da sociedade moderna.
Mateus Salvadori – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor na Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: mateusche@yahoo.com.br