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Religiões: história, política e cultura na era contemporânea / História – Questões & Debates / 2011
Neste presente volume da revista História: Questões & Debates apresentamos o dossiê “Religiões: História, Política e Cultura na Era Contemporânea”, reunindo nove artigos de historiadores brasileiros e estrangeiros que examinam diversas expressões do cristianismo em seus conflitos e redes de solidariedade. Além disso, o dossiê traz considerações sobre como a História das Religiões vem se constituindo como campo de estudos no mundo ocidental em decorrência de transformações no próprio status da religião no período contemporâneo.
O artigo de Karina Kosicki Bellotti (Universidade Federal do Paraná), “História das Religiões: conceitos e debates na era contemporânea”, explora a historicidade do conceito de religião, que se dessacralizou aos olhos da ciência para se tornar objeto de pesquisa desde meados do século XIX na Europa. Esse trabalho aponta para novos campos de estudos e novos objetos que a História Cultural das Religiões vem constituindo nos últimos anos, tomando por abordagem cultural tanto produções artísticas como de cultura de massa e de modos de viver na contemporaneidade. Por sua vez, o artigo de Elton Nunes (PUC-SP), “Teoria e metodologia em História das Religiões no Brasil: o estado da arte”, discute as produções mais recentes na área de História das Religiões no Brasil nas últimas décadas, explicando as razões pelas quais o tema das religiões em suas diferentes interfaces atrai cada vez mais historiadores, em contraste com um período extenso de nossa história acadêmica em que pouca atenção lhe foi dispensada.
Em seguida, há quatro artigos que abordam diferentes embates políticos e culturais enfrentados pelo catolicismo nos séculos XIX e XX: primeiramente, o artigo de Antonio Moliner Prada (Universidad Autónoma de Barcelona), “Clericalismo y anticlericalismo en la España Contemporánea”, que discute as configurações do anticlericalismo e da irreligiosidade na Espanha dos séculos XIX e XX, apontando para o jogo de forças e embates políticos e religiosos em torno de projetos de modernidade cultural e política. O escasso desenvolvimento do catolicismo liberal e a divisão interna dos católicos motivaram o auge do clericalismo e o aparecimento do anticlericalismo violento em diferentes momentos entre o início do século XIX até a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Seu artigo aponta para os problemas dos conflitos religiosos, mostrando a importância do desenvolvimento de um diálogo inter-religioso em um mundo multicultural. O artigo de Euclides Marchi (Universidade Federal do Paraná), “Igreja e povo: católicos? Os olhares do padre Júlio Maria e de Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra sobre a catolicidade do brasileiro na passagem do século XIX para o XX”, analisa os textos publicados pelo Padre Júlio Maria de Morais Carneiro e por Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra em 1898 e 1916, respectivamente, os quais expressavam sua visão de Igreja e dos católicos no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Ao fazer o diagnóstico dos males que afetavam a sociedade e a Igreja, ambos apontavam remédios e soluções para adequar a catolicidade aos parâmetros exigidos pela implantação das reformas romanizadoras adotadas desde a segunda metade do século XIX e pela contundência dos problemas que afetavam a sociedade mundial e brasileira.
O texto de Marcos Gonçalves (Universidade Estadual do Paraná – Unespar), “Nostalgia e exílio: o intelectual católico Galvão de Sousa e a ideia de ‘hispanidade’”, discute a noção de uma identidade hispânica desenvolvida em parte da reflexão do intelectual católico José Pedro Galvão de Sousa (1912-1992). Requisitado nos círculos católicos tradicionalistas, monárquicos e integristas de ambientação ibérica, Galvão de Sousa é um dos difusores desse pensamento no Brasil. Nostálgico dos regimes monárquicos e teórico do corporativismo, o intelectual em questão busca lugar para uma concepção de mundo que se defronta perante um amplo cenário de mudanças ideológicas e doutrinárias estabelecidas nas décadas de 1960-70: o avanço da teologia da libertação, o Concílio Vaticano II e, num contexto histórico mais imediato, a ditadura militar brasileira.
Em “A Liga Eleitoral Católica e a participação da Igreja Católica nas eleições de 1954 para a Prefeitura de Curitiba”, Renato Augusto Carneiro Junior (Unicuritiba-Museu Paranaense) analisa as relações entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica, enfocando as atividades da Liga Eleitoral Católica (LEC) nos primeiros anos da década de 1950, em Curitiba, analisando como a Igreja Católica, por meio da LEC, buscava influenciar o resultado das eleições para a Prefeitura de Curitiba, em 1954, participando do jogo político ao indicar de forma clara os candidatos que poderiam ser apoiados pelos católicos.
O artigo de Eduardo Gusmão Quadros (Universidade Estadual de Goiás e PUC-GO), “O vírus protestante e a ação profilática de um bispo de Goiás”, enfoca o conflito entre católicos e protestantes no início do século XX a partir de um estudo de caso. No ano de 1918, o bispo de Goiás, D. Prudêncio Gomes da Silva, publicou a carta pastoral “Sobre o protestantismo”, contra a presença protestante que se iniciava naquele Estado. O historiador analisa o conjunto de representações, valores e estratégias evocados naquela carta para o combate ao protestantismo, mostrando os pontos em comum entre o catolicismo romanizado e a pregação protestante.
Em tais artigos, observamos a multiplicidade de expressões do catolicismo, envolvido em embates internos e externos. Os agentes dessa história são tanto lideranças quanto leigos, em um período em que a hegemonia católica no Brasil e na Espanha se vê enfraquecida diante do processo de modernização e competição religiosa – e irreligiosa – em curso desde o século XIX na sociedade ocidental como um todo. Nesse caso, história, política e cultura se entrecruzam para mostrar os diferentes papéis que a religião passa a assumir no período contemporâneo.
Por fim, dois artigos internacionais trabalham com fenômenos de transnacionalização – os caminhos da Teologia da Prosperidade no Brasil e na América Latina são o tema do artigo de Virginia Garrard-Burnett (University of Texas at Austin), “A vida abundante: a teologia da prosperidade na América Latina”, que demonstra os sentidos adquiridos por essa crença e prática religiosa desde a sua gênese norte-americana no século XIX até a evangelização empreendida pela Igreja Universal do Reino de Deus nos Estados Unidos, África e Europa, além da atuação de outras igrejas da Ásia e África, que miram ao bem-estar de seus fiéis neste mundo. Fechamos com o esmerado estudo de R. Andrew Chesnut (Virginia Commonwealth University) sobre a popularização do culto de Santa Muerte no México e nos Estados Unidos desde o início dos anos 2000, entre diferentes estratos da população hispânica nos dois lados da fronteira. Reunindo entrevistas, depoimentos e estudos sobre santos populares não reconhecidos pela Igreja Católica, Chesnut explora as intersecções entre religião, mercado, devoção e circulação cultural para mostrar as diferentes faces da Santa Morte, que responde a diversas demandas de seus fiéis em um período de crescente recessão econômica e violência urbana endêmica.
Além do dossiê, o volume conta com o artigo “Cinema, esporte e Apartheid: considerações balizadas pelo filme ‘No futebol, nasce uma esperança’”, de André Mendes Capraro, Riqueldi Straub Lise e Natasha Santos, que analisa o filme No futebol, nasce uma esperança (originalmente More than just a game), cujo foco está na prática do futebol por prisioneiros políticos sul-africanos, durante o regime Apartheid. Tendo em pauta esta temática, questiona-se: seria o futebol realmente um meio propício para manifestações políticas contrárias ao sistema vigente na África do Sul – o regime Apartheid? Qual o significado da modalidade, naquele contexto específico, e como foi representado artisticamente na obra? Para responder a essas questões, adotou-se o procedimento metodológico denominado por Carlo Ginzburg (1996) de “paradigma indiciário”, a fim de identificar pistas e indícios que levassem a compreender a concepção histórica manifesta no filme.
Na sessão de resenhas, contamos com três textos: a resenha de Antônio César de Almeida Santos (Universidade Federal do Paraná) sobre a obra de Quentin Skinner, Visões da política: sobre os métodos históricos; as considerações de Naira de Almeida Nascimento (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) sobre o livro Joana d’Arc, de Colette Beaune; e o texto de Diogo da Silva Roiz (doutorando da Universidade Federal do Paraná) sobre A Europa diante do espelho, de Josep Fontana.
Karina Kosicki Bellotti
Curitiba, dezembro de 2011
BELLOTTI, Karina Kosicki. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.55, n.2, jul./dez., 2011. Acessar publicação original [DR]