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Religiões no mundo romano/Revista Historiador/2022
As pesquisas historiográficas e arqueológicas mais recentes têm cada vez mais identificado e explorado a vasta diversidade religiosa presente nas diferentes fases da antiguidade romana, o que é confirmado pelo amplo número de documentações literárias e por outras formas documentais oriundas também da cultura material. Deste modo, apresentamos o Dossiê Religiões no mundo romano que reúne novos estudos sobre as experiências religiosas na Roma Antiga, do período republicano ao Império Tardio. Leia Mais
O sensível e o invisível: religiões, crenças e rituais nos mundos antigos/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2022
As formas como povos distintos conceberam e interagiam com a existência de potências sobrenaturais constitui um problema historiográfico dos mais interessantes. Ao longo do século XX, principalmente, pesquisas que versam sobre o tema ganharam mais espaço: desde a primeira geração dos Annales até o estabelecimento da chamada História das Mentalidades, estudos sobre a coletividade na longa duração e de suas estruturas mentais foram angariando cada vez mais espaço na academia. Oposições como sagrado/profano, mágico/religioso, legítimo/ilícito constituíram-se como categorias de análise mobilizadas pelos historiadores nesse esforço, em diálogo constante com outras áreas do conhecimento, como a Antropologia, rendendo trabalhos historiográficos inovadores, mais interdisciplinares e disruptivos em seu tempo. Leia Mais
Religiões e religiosidades na Amazônia: dinamismo e resistências | Canoa do Tempo | 2022
O estudo das religiões e religiosidades têm ganhado novo fôlego no Brasil. Frustradas asteses da secularização, cresceu sobremaneira em todo o país o interesse pelo religioso e nos ambientes universitários, progressivamente, se organizam novos grupos, laboratórios e linhas de pesquisa. De modo geral, os muitos “reavivamentos” serviram também para gestar novas gerações de estudiosos da religião e com elas novos problemas teórico-metodológicos e novos objetos têm emergido.
Esse movimento, ainda tímido na Amazônia, parece estar ganhando forma e apenas isso já justificaria este dossiê.3 Mas vale lembrar também que aqui, como em outros lugares da América Latina, o panorama religioso tem mudado (e num ritmo cada vez mais acelerado),4 não raro encenando tensões entre os interiores do país e as grandes cidades e capitais, entre tradições e modernidades5 : com a força ainda muito atuante do catolicismo (em suas formas populares e no apelo renovado a uma teologia crítica), além da afirmação (muito recente, mas nada insignificante) das religiões afroindígenas, das tradições ayahuasqueiras e até mesmo dos kardecistas. E mesmo diante do crescimento dos evangélicos (sobretudo pentecostais), outras epistemologias têm entrado em cena, adensando, em meio aos “sopros do espírito” e “rumores de anjos”, algumas leituras problematizadoras da força das religiões e religiosidades na esfera pública e na vida privada das pessoas.6 Leia Mais
Trajetórias Globais das Religiões | Revista Brasileira de História das Religiões | 2021
Nesta chamada temática o nosso objetivo foi reunir resultados de pesquisas na forma de artigos científicos que discutissem a problemática de trajetórias globais das religiões em momentos históricos diferentes e as mudanças e transformações que estas crenças, vivências e práticas religiosas sofreram e continuam sofrendo por causa das suas “viagens”, migrações e, consequentemente, múltiplos processos de adaptação nas novas terras, sociedades e culturas.
Sabemos que as ideias religiosas jamais estiveram presas aos limites dos territórios, sendo preciso pensar como tem ocorrido a expansão de “novas” religiosidades. Se, por um lado, vemos a importância dos fluxos migratórios na produção de novos sentidos sagrados, por outro não podemos somente explicar a transnacionalização religiosa por padrões migratórios (OOSTERBAHN; VAN DE KAMP; BAHIA, 2020; ROCHA; VÁSQUEZ, 2013) – deslocamentos humanos desempenham um papel importante, porém vemos que alguns casos seguem a lógica das migrações, e outros são multidirecionais, sendo também conduzidos por interesses individuais (BAHIA, 2015; SILVA, 2014). Leia Mais
Religiões na grécia e roma antigas: contatos, encontros e trocas / História – Questões & Debates / 2021
RELIGIÃO NA GRÉCIA E ROMA ANTIGAS: CONTATOS, ENCONTROS E TROCAS [1]
A natureza fragmentária e variada do Mediterrâneo foi estudada por pesquisadores que se dedicaram, de fato, a entender a região. As ideias revolucionárias da obra pioneira de Fernand Braudel, La Méditerranée et le Monde méditerranéen à l’époque de Philippe II (1949), mudaram o foco do espaço mediterrânico, deslocando-o de suas fronteiras continentais para a bacia marítima, bem como reorientaram a pesquisa histórica da região, encaminhando-a da política para a cultura e a economia. É certo que, depois de Braudel, foram necessários muitos anos para que os estudos na escala mediterrânica se tornassem tendência. A nova contribuição significativa foi feita por Peregrine Horden e Nicholas Purcell, com a publicação The Corrupting Sea: A Study of Mediterranean History (2000), que identificou elementos comuns ao longo dos mais de três mil anos de história no Mediterrâneo. Explorando a extrema fragmentação da região em suas paisagens terrestres e marinhas, os autores produziram uma análise inovadora das relações entre suas diferentes microecologias. Horden e Purcell evidenciaram o peso do elemento da incerteza nos microcosmos mediterrânicos, seja quanto ao clima e à quantidade de precipitação, seja quanto à direção e a intensidade do vento, e ainda quanto à possibilidade de catástrofes vulcânicas e sísmicas. Por outro lado, se o Mediterrâneo passa então a ser pensado enquanto uma área de incerteza, entende-se que ele se constituiu também como região de grande mobilidade, dados seu elevado número de ilhas e a extensão de sua área costeira, a maior do planeta. Com efeito, o fato de seus navegadores raramente perderem de vista a terra e do sol brilhar durante todo o ano fez do Mediterrâneo um espaço de oportunidades, o que encorajou os homens a diversificarem, produzirem e explorarem.
Esse poder que o Mediterrâneo tem de conectar mundos é explorado num outro livro monumental do século XXI, The Making of the Middle Sea (2014). Seu autor, Cyprian Broodbank, utiliza uma vasta quantidade de dados arqueológicos para desvelar a história da região, de um milhão e oitocentos mil anos atrás até o Período Clássico, demonstrando como o mundo mediterrânico, facilmente navegável e ecologicamente fragmentado, evoluiu para uma oecumene através da agência dos habitantes de suas ilhas e costas.
A natureza fragmentária da região mediterrânica é, com efeito, uma de suas características mais distintivas. Ela atua como estímulo histórico para a formação de redes de transporte complexas, responsáveis por ligarem lugares de tamanhos e importância desiguais, da família aos estados imperiais, e por envolverem todo tipo de atores, do comerciante ao monarca (MALKIN; CONSTANTAKOPOULOU; PANAGOPOULOU, 2011). O Mediterrâneo, por isso, permitiu o movimento de multidões em torno da sua vasta área, não só devido à proximidade dos seus locais costeiros e suas ilhas, mas também devido às condições climáticas (ou seja, um verão semi-árido e um inverno úmido) amplamente favoráveis à disseminação de produtos e técnicas (agricultura, perfumaria, cerâmica, navegação) (BROODBANK, 2014). A extensa circulação de pessoas e bens no Mediterrâneo reflete-se também na natureza das práticas religiosas da região. Objetos provenientes de todo o mundo antigo eram apresentados como ofertas em túmulos e santuários pela região mediterrânica. As práticas religiosas, por sua vez, eram transmitidas durante diferentes ciclos de convulsões sociais e migrações, o que envolvia o contato tanto de habitantes de áreas próximas entre si quanto daquelas situadas a grandes distâncias, cuja comunicação se dava por meio da rede de rotas.
Este dossiê apresenta então estudos de caso que enfatizam a diversidade cultural e os intercâmbios religiosos no mundo greco-romano, centrando-se nas relações entre fragmentos da região mediterrânica (MALKIN, 2011). Com nove artigos em múltiplas áreas temáticas, os primeiros cinco se desenvolvem no campo da Arqueologia Clássica, e os quatro seguintes em História e Literatura. As contribuições (feitas em português, inglês e francês) provêm de pesquisadores que trabalham sobre diferentes aspectos da religião no mundo greco-romano. Iniciamos com uma investigação sobre trocas e práticas de culto no coração das Cíclades, onde se deu uma das mais importantes descobertas arqueológicas realizadas na Grécia nos últimos dez anos. Yannos Kourayos e Kornilia Daifa, que dirigem as escavações em Despótiko, apresentam em seu texto um panorama deste que é um importante santuário cicládico, só conhecido a partir de evidências arqueológicas. Localizado no centro da região cicládica, o santuário em questão foi erigido pela poderosa ilha de Paros e revelou uma quantidade impressionante de oferendas votivas originárias de múltiplos pontos das Cíclades e também de partes mais afastadas do Mediterrâneo. O segundo trabalho deste volume, escrito por Elena Korka e membros de sua equipe, divulga alguns dos recentes resultados das escavações em Tenea, situada nos arredores da aldeia de Chiliomodi em Corinto, um local cuja cultura material e ciclo de mitos estão ligados à Guerra de Tróia. Depois de sumarizar o trabalho arqueológico realizado até agora, os autores discutem a principal divindade adorada em Tenea, o deus Apolo, e os artefatos encontrados ali, importantes para a interpretação e o entendimento do antigo culto. Vale destacar que alguns dos objetos escavados têm suas imagens publicadas pela primeira vez neste dossiê. O próximo artigo, escrito por Michael Fowler da East Tennessee State University, examina os quatro monumentos tumulares arcaicos tardios da Necrópole Setentrional do povoado grego de Istros. O autor explora as características desses monumentos comparáveis à descrição das cerimônias heroicas de cremação, tal como narradas na poesia épica (particularmente, no caso do funeral de Pátroclo na Ilíada) e discute, ainda, a possibilidade surpreendente de sacrifício humano. Para além dos hábitos religiosos incomuns entre os gregos e das reconsiderações sobre a Pira A em Orthi Petra (Eleutherna, Creta), a discussão de Fowler inclui também em seu estudo um sítio arqueológico situado no Mar Negro, região que segue pouco estudada fora dos círculos acadêmicos russos. Do Mar Negro, nosso dossiê retorna para Corinto, desta vez às margens do golfo. Dora Katsonopoulou, diretora das escavações em Helike, discute o culto de Poseidon Helikonios com ênfase nos antigos altares ancestrais dos jônicos. Ela examina o estabelecimento do culto de Poseidon Helikonios, trazido pelos aqueus para a costa da Ásia Menor, transmitido em seguida para a já mencionada região do Mar Negro. O próximo trabalho, escrito por Lilian Laky da Universidade de São Paulo, explora a interconectividade do Mediterrâneo examinando a iconografia das moedas com imagens de águias e relâmpagos, atributos de Zeus. A autora utiliza como fontes moedas cunhadas por Crótone na Magna Grécia e por Olympia no Peloponeso para discutir a difusão do culto de Zeus Olympios. Contribuindo para o tema da relação entre Olympia Sicília, o artigo, ademais, dá um importante aporte para os estudos sobre a disseminação regional dos epítetos locais, tema pouco abordado que, porém, está lentamente ganhando a atenção necessária.
Os próximos quatro textos de nosso dossiê examinam os contatos e as trocas entre as religiões gregas e romanas pelas lentes da História e da Literatura antiga. Esta seção é aberta com um artigo de Pierre Ellinger, da Université de Paris. O autor analisa os raptos de estátuas divinas de santuários à beira-mar, a partir de mitos gregos, especialmente o de Ártemis Táurida, tal como elaborado pela tragédia euripideana, enfatizando-o. O texto explora a presença do mar nesses registros antigos, dando destaque às rotas mediterrânicas e sua articulação com determinados pontos, à experiência de partida e de chegada e ao contexto em que tais estórias teriam sido narradas. Ao ressaltar a dimensão marítima dessas fontes, o autor põe em questão a nossa familiaridade com o espaço grego, reorientando nossa perspectiva da visão da cidade para a visão do mar ao longo de suas margens. O artigo, portanto, não só lança luz sobre o culto enigmático de Ártemis Táurida, cujo culto continua a confundir e intrigar os estudiosos modernos, como apresenta uma grande contribuição para os estudos emergentes sobre as religiões mediterrânicas.
Em seguida, o texto de autoria de Lucio Maria Valletta da École Pratique des Hautes Études, discute novos cultos da região do Mar Negro. O autor examina uma passagem de Heródoto sobre o povo cita para refletir sobre a existência de elementos culturais que seriam próprios a povos que viveram e se deslocaram nas regiões circundantes da bacia do Mediterrâneo, incluindo o Mar Negro. O dossiê segue com o trabalho de Júlia Avelar, da Universidade Federal de Uberlândia, que aborda cultos romanos e festivais religiosos do início do Império por meio do trabalho do poeta romano Ovídio. Avellar examina as intersecções entre cultos privados e festivais públicos na Roma antiga. A autora demonstra de que forma os cultos religiosos da poesia ovidiana seriam recriações poéticas que, através de elementos religiosos, provocam reflexões sobre as relações de poder na Antiguidade. Voltando às Cíclades e a Paros, o último trabalho deste volume, escrito por Rafael Silva e Teodoro Rennó Assunção da Universidade Federal de Minas Gerais, parte de fragmentos ditirâmbicos atribuídos a Arquíloco (fr. 120 W, fr. 96 Lasserre) para desenvolver considerações sobre a relação entre o culto de Dioniso e a difusão do ditirambo.
Juntos, os artigos apresentados neste volume expõem a riqueza das trocas religiosas no Mediterrâneo, particularmente no mundo greco-romano. Enquanto alguns revelam pesquisas arqueológicas originais sobre regiões sócio-políticas estratégicas, outros apresentam autênticos quadros teóricos, capazes de iluminar a complexidade dos intercâmbios culturais observados pela disseminação tanto da cunhagem oficial quanto dos mitos vernáculos.
Nota
1. Nós gostaríamos de agradecer o convite para organizarmos este dossiê e toda a assistência durante a confecção do número à Renatta Garraffoni (UFPR) e Priscila Vieira (UFPR), agora à frente da editoria da Revista História: Questões & Debates. Somos também enormemente gratas a Yannos Kourayos, que cedeu os direitos de uso da foto de capa, com o recém-restaurado edifício A do santuário de Despótiko. Estendemos nosso agradecimento ainda a Andrew Gipe Lazarou (Diakron Institute) que produziu a capa e fez a revisão do texto em inglês desta introdução. Qualquer erro que persista é, no entanto, de nossa inteira responsabilidade.
Erica Angliker (Institute of Classical Studies, University of London).
Lorena Lopes da Costa (Universidade Federal do Oeste do Pará).
ANGLIKER, Erica; COSTA, Lorena Lopes da. Introdução. História – Questões & Debates. Curitiba, v.69, n.1, jan. / jun., 2021. Acessar publicação original [DR]
Religiões e religiosidades: dinâmicas institucionais e práticas devocionais (Brasil e Portugal, séculos XVIII e XIX) | Temporalidades | 2021
Basta lermos o jornal ou assistirmos ao noticiário na TV para percebermos que a temática da religião é recorrente em nosso dia a dia. Quem nunca ouviu a expressão bancada evangélica ou escutou que grupos políticos alteraram seus discursos para não desagradar a determinados segmentos religiosos? Quem, nos últimos 20 anos, não se deparou com o conceito de fundamentalismo ou de guerra santa? Não há como negarmos a influência cultural das religiões ainda hoje. Além disso, percebemos uma constante tensão entre diferentes crenças no Brasil. Basta uma busca rápida no Google para localizarmos diversas informações sobre a violência e a intolerância religiosa. O jornal Correio Brasiliense divulgou, no ano de 2019, que as religiões afro-brasileiras são alvos de 59% dos crimes de intolerância no Distrito Federal [1]. O Relatório sobre intolerância e violência religiosa no Brasil (2011-2015) analisou a crescente violência noticiada na imprensa. Segundo os dados, 53% dos agredidos são de religiões afro-brasileiras [2]. O que explicaria toda essa violência? Por que as religiões afro-brasileiras sãos as que sofrem mais ataques? Não são questões simples de serem respondidas, mas são possíveis de serem analisadas à luz da História das Religiões. Marcelo Massenzio, ao analisar a obra de Angelo Brelich, lembra-nos que os fenômenos que atribuímos ao plano da religião podem ser percebidos em distintas sociedades, mas o conceito religião não. Este é uma construção própria do ocidente cristão (MASSENZIO, 2005, p. 179). Leia Mais
Religiões na Grécia e Roma antigas: contatos, encontros e trocas / História – Questões e Debates/ 2021
Apresentação [1]
A natureza fragmentária e variada do Mediterrâneo foi estudada por pesquisadores que se dedicaram, de fato, a entender a região. As ideias revolucionárias da obra pioneira de Fernand Braudel, La Méditerranée et le Monde méditerranéen à l’époque de Philippe II (1949), mudaram o foco do espaço mediterrânico, deslocando-o de suas fronteiras continentais para a bacia marítima, bem como reorientaram a pesquisa histórica da região, encaminhando-a da política para a cultura e a economia. É certo que, depois de Braudel, foram necessários muitos anos para que os estudos na escala mediterrânica se tornassem tendência. A nova contribuição significativa foi feita por Peregrine Horden e Nicholas Purcell, com a publicação The Corrupting Sea: A Study of Mediterranean History (2000), que identificou elementos comuns ao longo dos mais de três mil anos de história no Mediterrâneo. Explorando a extrema fragmentação da região em suas paisagens terrestres e marinhas, os autores produziram uma análise inovadora das relações entre suas diferentes microecologias. Horden e Purcell evidenciaram o peso do elemento da incerteza nos microcosmos mediterrânicos, seja quanto ao clima e à quantidade de precipitação, seja quanto à direção e a intensidade do vento, e ainda quanto à possibilidade de catástrofes vulcânicas e sísmicas. Por outro lado, se o Mediterrâneo passa então a ser pensado enquanto uma área de incerteza, entende-se que ele se constituiu também como região de grande mobilidade, dados seu elevado número de ilhas e a extensão de sua área costeira, a maior do planeta. Com efeito, o fato de seus navegadores raramente perderem de vista a terra e do sol brilhar durante todo o ano fez do Mediterrâneo um espaço de oportunidades, o que encorajou os homens a diversificarem, produzirem e explorarem.
Esse poder que o Mediterrâneo tem de conectar mundos é explorado num outro livro monumental do século XXI, The Making of the Middle Sea (2014). Seu autor, Cyprian Broodbank, utiliza uma vasta quantidade de dados arqueológicos para desvelar a história da região, de um milhão e oitocentos mil anos atrás até o Período Clássico, demonstrando como o mundo mediterrânico, facilmente navegável e ecologicamente fragmentado, evoluiu para uma oecumene através da agência dos habitantes de suas ilhas e costas.
A natureza fragmentária da região mediterrânica é, com efeito, uma de suas características mais distintivas. Ela atua como estímulo histórico para a formação de redes de transporte complexas, responsáveis por ligarem lugares de tamanhos e importância desiguais, da família aos estados imperiais, e por envolverem todo tipo de atores, do comerciante ao monarca (MALKIN; CONSTANTAKOPOULOU; PANAGOPOULOU, 2011). O Mediterrâneo, por isso, permitiu o movimento de multidões em torno da sua vasta área, não só devido à proximidade dos seus locais costeiros e suas ilhas, mas também devido às condições climáticas (ou seja, um verão semi-árido e um inverno úmido) amplamente favoráveis à disseminação de produtos e técnicas (agricultura, perfumaria, cerâmica, navegação) (BROODBANK, 2014). A extensa circulação de pessoas e bens no Mediterrâneo reflete-se também na natureza das práticas religiosas da região. Objetos provenientes de todo o mundo antigo eram apresentados como ofertas em túmulos e santuários pela região mediterrânica. As práticas religiosas, por sua vez, eram transmitidas durante diferentes ciclos de convulsões sociais e migrações, o que envolvia o contato tanto de habitantes de áreas próximas entre si quanto daquelas situadas a grandes distâncias, cuja comunicação se dava por meio da rede de rotas.
Este dossiê apresenta então estudos de caso que enfatizam a diversidade cultural e os intercâmbios religiosos no mundo greco-romano, centrando-se nas relações entre fragmentos da região mediterrânica (MALKIN, 2011). Com nove artigos em múltiplas áreas temáticas, os primeiros cinco se desenvolvem no campo da Arqueologia Clássica, e os quatro seguintes em História e Literatura. As contribuições (feitas em português, inglês e francês) provêm de pesquisadores que trabalham sobre diferentes aspectos da religião no mundo greco-romano. Iniciamos com uma investigação sobre trocas e práticas de culto no coração das Cíclades, onde se deu uma das mais importantes descobertas arqueológicas realizadas na Grécia nos últimos dez anos. Yannos Kourayos e Kornilia Daifa, que dirigem as escavações em Despótiko, apresentam em seu texto um panorama deste que é um importante santuário cicládico, só conhecido a partir de evidências arqueológicas. Localizado no centro da região cicládica, o santuário em questão foi erigido pela poderosa ilha de Paros e revelou uma quantidade impressionante de oferendas votivas originárias de múltiplos pontos das Cíclades e também de partes mais afastadas do Mediterrâneo. O segundo trabalho deste volume, escrito por Elena Korka e membros de sua equipe, divulga alguns dos recentes resultados das escavações em Tenea, situada nos arredores da aldeia de Chiliomodi em Corinto, um local cuja cultura material e ciclo de mitos estão ligados à Guerra de Tróia. Depois de sumarizar o trabalho arqueológico realizado até agora, os autores discutem a principal divindade adorada em Tenea, o deus Apolo, e os artefatos encontrados ali, importantes para a interpretação e o entendimento do antigo culto. Vale destacar que alguns dos objetos escavados têm suas imagens publicadas pela primeira vez neste dossiê. O próximo artigo, escrito por Michael Fowler da East Tennessee State University, examina os quatro monumentos tumulares arcaicos tardios da Necrópole Setentrional do povoado grego de Istros. O autor explora as características desses monumentos comparáveis à descrição das cerimônias heroicas de cremação, tal como narradas na poesia épica (particularmente, no caso do funeral de Pátroclo na Ilíada) e discute, ainda, a possibilidade surpreendente de sacrifício humano. Para além dos hábitos religiosos incomuns entre os gregos e das reconsiderações sobre a Pira A em Orthi Petra (Eleutherna, Creta), a discussão de Fowler inclui também em seu estudo um sítio arqueológico situado no Mar Negro, região que segue pouco estudada fora dos círculos acadêmicos russos. Do Mar Negro, nosso dossiê retorna para Corinto, desta vez às margens do golfo. Dora Katsonopoulou, diretora das escavações em Helike, discute o culto de Poseidon Helikonios com ênfase nos antigos altares ancestrais dos jônicos. Ela examina o estabelecimento do culto de Poseidon Helikonios, trazido pelos aqueus para a costa da Ásia Menor, transmitido em seguida para a já mencionada região do Mar Negro. O próximo trabalho, escrito por Lilian Laky da Universidade de São Paulo, explora a interconectividade do Mediterrâneo examinando a iconografia das moedas com imagens de águias e relâmpagos, atributos de Zeus. A autora utiliza como fontes moedas cunhadas por Crótone na Magna Grécia e por Olympia no Peloponeso para discutir a difusão do culto de Zeus Olympios. Contribuindo para o tema da relação entre Olympia Sicília, o artigo, ademais, dá um importante aporte para os estudos sobre a disseminação regional dos epítetos locais, tema pouco abordado que, porém, está lentamente ganhando a atenção necessária.
Os próximos quatro textos de nosso dossiê examinam os contatos e as trocas entre as religiões gregas e romanas pelas lentes da História e da Literatura antiga. Esta seção é aberta com um artigo de Pierre Ellinger, da Université de Paris. O autor analisa os raptos de estátuas divinas de santuários à beira-mar, a partir de mitos gregos, especialmente o de Ártemis Táurida, tal como elaborado pela tragédia euripideana, enfatizando-o. O texto explora a presença do mar nesses registros antigos, dando destaque às rotas mediterrânicas e sua articulação com determinados pontos, à experiência de partida e de chegada e ao contexto em que tais estórias teriam sido narradas. Ao ressaltar a dimensão marítima dessas fontes, o autor põe em questão a nossa familiaridade com o espaço grego, reorientando nossa perspectiva da visão da cidade para a visão do mar ao longo de suas margens. O artigo, portanto, não só lança luz sobre o culto enigmático de Ártemis Táurida, cujo culto continua a confundir e intrigar os estudiosos modernos, como apresenta uma grande contribuição para os estudos emergentes sobre as religiões mediterrânicas.
Em seguida, o texto de autoria de Lucio Maria Valletta da École Pratique des Hautes Études, discute novos cultos da região do Mar Negro. O autor examina uma passagem de Heródoto sobre o povo cita para refletir sobre a existência de elementos culturais que seriam próprios a povos que viveram e se deslocaram nas regiões circundantes da bacia do Mediterrâneo, incluindo o Mar Negro. O dossiê segue com o trabalho de Júlia Avelar, da Universidade Federal de Uberlândia, que aborda cultos romanos e festivais religiosos do início do Império por meio do trabalho do poeta romano Ovídio. Avellar examina as intersecções entre cultos privados e festivais públicos na Roma antiga. A autora demonstra de que forma os cultos religiosos da poesia ovidiana seriam recriações poéticas que, através de elementos religiosos, provocam reflexões sobre as relações de poder na Antiguidade. Voltando às Cíclades e a Paros, o último trabalho deste volume, escrito por Rafael Silva e Teodoro Rennó Assunção da Universidade Federal de Minas Gerais, parte de fragmentos ditirâmbicos atribuídos a Arquíloco (fr. 120 W, fr. 96 Lasserre) para desenvolver considerações sobre a relação entre o culto de Dioniso e a difusão do ditirambo.
Juntos, os artigos apresentados neste volume expõem a riqueza das trocas religiosas no Mediterrâneo, particularmente no mundo greco-romano. Enquanto alguns revelam pesquisas arqueológicas originais sobre regiões sócio-políticas estratégicas, outros apresentam autênticos quadros teóricos, capazes de iluminar a complexidade dos intercâmbios culturais observados pela disseminação tanto da cunhagem oficial quanto dos mitos vernáculos.
Nota
1. Nós gostaríamos de agradecer o convite para organizarmos este dossiê e toda a assistência durante a confecção do número à Renatta Garraffoni (UFPR) e Priscila Vieira (UFPR), agora à frente da editoria da Revista História: Questões & Debates. Somos também enormemente gratas a Yannos Kourayos, que cedeu os direitos de uso da foto de capa, com o recém-restaurado edifício A do santuário de Despótiko. Estendemos nosso agradecimento ainda a Andrew Gipe Lazarou (Diakron Institute) que produziu a capa e fez a revisão do texto em inglês desta introdução. Qualquer erro que persista é, no entanto, de nossa inteira responsabilidade.
Erica Angliker (Institute of Classical Studies, University of London).
Lorena Lopes da Costa (Universidade Federal do Oeste do Pará).
Imagem: Yannos Kourayos. Vista aérea do santuário de Despótiko / Foto: História – Questões e Debates /
ANGLIKER, Erica; COSTA, Lorena Lopes da. Introdução. História: Questões e Debates, Curitiba- PR, v.69, n.1, jan/jun, 2021. Acessar publicação original [DR]
Expressões das Religiões e Religiosidades no Mundo / Tempo Amazônico / 2019
Mesmo que a afirmação possa parecer, por um lado, um tanto presumida, e, por outro, um tanto limitada, cremos que o fenômeno religioso, ao longo da vida social, em momentos distintos e sob o domínio de paradigmas diversos, afirmou-se sempre como uma questão presente na história da humanidade. Como aprendemos, desde os primeiros contatos com a pesquisa, a sistemática incursão no universo mitológico durkleimiano na busca das formas elementares da vida religiosa, pelo qual emerge uma proposta de pensamento mágico, religioso e cientifico, já sinalizando para uma longa discussão sociológica a respeito das representações religiosas. De fato, a intensificação do fenômeno religioso tem influenciado os rumos dos países, organismos internacionais e na subjetividade humana. Intelectuais diziam que com o avanço da ciência e da racionalidade humana substituiriam o papel das religiões e religiosos tenderiam na humanidade. Notamos que não foi bem assim. As religiões e religiosidades possuem a capacidade de mutação e estão mais vivas do que nunca entre as pessoas.
O presente dossiê rotulado “Expressões das Religiões e Religiosidades no Mundo” reúne textos importantíssimo que refletem sobre a presença das manifestações religiosas na atualidade. A organização deste número coube aos docentes Dra. Maria da Conceição Cordeiro da Silva e Dr. Marcos Vinicius de Freitas Reis. Ambos membros do Centro de Estudos de Religião, Religiosidades e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá.
O primeiro texto de autoria do docente da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul André Dioney Fonseca contribui com o texto “Lectio Divina: Práticas de Leitura e Catequese na Paróquia Cristo Libertador, da Cidade de Santarém – Pará (2011-2015)”. O autor debate as práticas religiosas oracionais da Igreja Católica em Santarém e suas estratégias de catequização.
O segundo texto escrito por José Augusto Oliveira Dias chamado “Pentecostalismo e Pessoas em Situação de Rua: Uma Narrativa Analítica Critica Desta Relação no Bairro do Jurunas – Belém do Pará”. Sabemos que os evangélicos é o grupo religioso que mais cresce no Brasil. Uma das estratégias para sua expansão são os trabalhos assistencialistas com as pessoas carentes. O autor discute as estratégias proselitistas por meio do trabalho social com moradores de rua desenvolvida por segmentos do universo evangélico em Belém – Paraá
A doutoranda Érika Vital Pedreira contribui neste número com resultados parciais da sua tese de doutoramento. O título do artigo é “O Triplismo nas Inscrições Epigráficas das Martres da Hispania Romana”. A referida autor tem por objetivo pensar a partir das inscrições epigráficas de devoção às divindades conhecidas como Deae Matres ali produzidas, o sentido religioso e social para esta sociedade.
O Professor do Curso de Administração da Universidade Federal do Amapá, o Dr. Alexandre Gomes Galindo contribui com o trabalho “Reflexões Sobre a Maçonaria Contemporânea e Alguns de seus Desafios: Mulher, o Uso das Redes Sociais, Laicidade e Ladmarks”. O trabalho tem o desafio de pensar o uso das redes sociais pela Maçonaria questões sobre as mulheres e a laicidade no tempo atual. O trabalho intitulado “Fronteiras Fluidas, Religiosidades e os Desafios Contemporâneos” de autoria da pesquisadora Geórgia Pereira Lima. A ideia é pensar as fronteiras simbólicas e culturais da religiosidade popular na Fronteira do Brasil – Peru e Bolívia.
Os historiadores Milena Maria de Sousa Silva e Ipojucan Dias Campos discutem a questão das curas e milagres ocorridos no catolicismo popular. Sabemos que muitos conhecimentos são mantidos a geração entre famílias e comunidades populares no interior do Brasil. Muitas pessoas recorrem a pessoas que detém estes conhecimentos com o objetivo de cuidar de suas saúde. O texto é denominado “Percepção Oriental e Medicina Popular: Paradigma na Promoção da Saúde em Práticas Católicas”
O estudioso João Everton da Cruz com o trabalho “Um Conselheiro de Nosso Tempo” discute os conselheiros que existem no catolicismo popular nordestino. Muitas pessoas procuram líderes comunitários em busca de respostas para seus problemas cotidianos.
A questão do ensino religioso está presente neste dossiê. Sabemos da importância do estudo das questões religiosas e das religiosidades no contexto escolar. O artigo defende a ideia de um ensino laico, plural e não confessional a partir dos referencias da Ciência da Religião. Os autores são: Maria José Torres Holmes, Harry Carvalho da Silveira Neto e Lusival Antônio Barcellos e o trabalho chamado “A Identidade Pedagógica do Ensino Religioso: No Currículo do Ensino Fundamental”.
Os pesquisadores Ruidnilson Pereira Cardoso e Rafael Parente Ferreira Dias contribuem com o texto “O Caminho Para a Felicidade Segundo Siddharta Gautama”. Texto de cunho filosófico que debate os ensinamentos do líder religioso citado no título do texto.
O estudioso Raylinn Barros da Silva com o texto “Escola, Catequese e Formação de Professores: Os Missionários Orionitas e a Catolicização do Antigo Extremo Norte de Goiás por Intermédio da Educação (1950-1960)”, debate como a formação dos professores em Goiás é influenciado pelas questões católicas locais.
As questões africanas estão representadas neste número pela discussão de como a dança africana deve e como pode ser ensinada nas escolas públicas e privadas a partir das diretrizes da LEI Nº 10.639 / 2003. Os autores deste trabalho são: Bianca Cristina Alencar de Azevedo e Rosangela Siqueira da Silva chamado “A Dança Afro e a Implementação da Lei Nº 10.639 / 2003.
Os pesquisadores Rodrigo Reis Lastra Cid, Afrânio Patrocínio e Marlon Viana de Almeida Junior contribuem com o texto “As Garrafadas Amazônicas de Santana – AP”. O trabalho realizou entrevistas com alguns curandeiros do município de Santana e catalogou as suas práticas de receitas de garrafadas.
Na sessão de artigos livres o trabalho dos intelectuais Isis Tatiane da Silva dos Santos e David Junior de Souza Silva intitulados “Políticas Públicas de Reconhecimento de Saberes Tradicionais no Amapá: o PDSA”. A ideia do artigo é pensar a formulação e a implementação das políticas públicas no Estado do Amapá dos Saberes Tradicionais das pessoas localmente.
A professora da Universidade Federal do Amapá Inajara Amanda Fonseca Viana com o texto denominado “Caminhos para o Desenvolvimento do Estado do Amapá, a partir da Percepção Cientifica: mapeamento das dissertações do Mestrado em Desenvolvimento Regional da UNIFAP, no período de 2010 a 2014”. A autora fez o levantamento das dissertações do referido programa para saber quais os temas estão sendo discutidos e qual perspectivas, e seus impactos na sociedade amapaense.
Os pesquisadores Maria Veramoni de Araújo Coutinho e Antônio Rafael Amaro com o texto “O Mau-Estar da Civilização: A Crise Social e Ambiental”, debatem de forma profunda as questões de crise social e ambiental no Brasil e no mundo.
E para finalizar este número a aluna do Curso de Mestrado Profissional em Ensino de História Wanda Maria de Sousa Borges Filha com o trabalho “Reflexões sobre as Teorias PósColoniais, Decoloniais e Epistemologias do Sul e suas Contribuições no Combate ao Pensamento Hegemônico Eurocentrista”, discute de forma teórica como o pensamento decolonial faz criticas ao projeto colonizador europeu.
Maria da Conceição Cordeiro da Silva (UNIFAP)
Marcos Vinicius de Freitas Reis (UNIFAP)
SILVA, Maria da Conceição Cordeiro da; REIS, Marcos Vinicius de Freitas. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.7, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]
Religiões e religiosidades no nordeste brasileiro: permanências e rupturas / Ponta de Lança/2019
A composição dos textos aqui constituídos parte dos pressupostos que as religiões e religiosidades são definidas pela transmissão e perpetuação da memória de um acontecimento fundador original através de uma “linhagem religiosa” ou “linha de crença”. Isso implica mobilizações de memórias coletivas nas quais o passado fica sendo simbolicamente como um todo imutável e situado “fora do tempo” no qual fazer memória desse passado dá sentido ao presente e ao futuro. Ao contrário da suposta continuidade da tradição religiosa, as instituições religiosas e seus respectivos agentes mascaram suas mudanças e rupturas (HERVIU-LÉGER,2005). Leia Mais
Religiões no Mundo Antigo / Hélade / 2016
As grandes religiões atuais são fenômenos antigos. Isso é válido para o judaísmo, presente em várias cidades em torno do Mediterrâneo, e para o cristianismo em suas variedades. É também válido para o islamismo, uma religião oriunda do criticismo dos antigos politeísmos e de vertentes regionais judaicas e cristãs que, como o judaísmo e o cristianismo, também incorporou material clássico em sua cultura religiosa-intelectual. E além do enquadramento estrito do Mediterrâneo, as grandes tradições religiosas atuais são também “antigas” – o hinduísmo, o budismo, ou o confucionismo, e.g.
Estudar as religiões da antiguidade, contudo, é um desafio em vários sentidos e, talvez, um dos mais graves seja o fato de que, mesmo nas universidades, o estudo das sociedades antigas não é (ainda) uma prioridade no Brasil. Tal estudo nos leva a olhar para além das nossas fronteiras nacionais, culturais etc., ao passo que nos permite um acesso a um patrimônio cultural comum a vários povos atuais. É certo que esse patrimônio foi – e ainda é – objeto de disputas e conflitos identitários e, desde pelo menos o século XIX, o patrimônio histórico e as religiões foram vinculados à identidade dos Estados e das nações, que projetaram em seus mitos fundadores aquilo que definiram como sendo sua essência. Nessa busca de essências, monumentos e documentos foram investidos de funções muito importantes – às vezes, muito perigosas – para a vida em comum.
O estudo das sociedades da antiguidade nos fornece ferramentas e instrumentos cognitivos para compreender, dentre outras, afirmações concernentes a identidades – dos outros e de nós mesmos. E o estudo das religiões desempenha um papel destacado nessa compreensão. Ele nos permite opor aos discursos sectários as “armas” da história, da filologia, da arqueologia etc., desconstruindo os mitos modernos. Permite-nos abandonar os fantasmas das origens, dos passados imaginários, desmontando interpretações tendenciosas sobre o passado. Com ele, podemos contestar e superar equívocos modernos – intencionais ou não – sobre o “milagre grego”, o “gênio romano” e coisas do tipo, bem como superar a dialética hegeliana e seus herdeiros que viam as religiões na história tendendo ao monoteísmo de tipo cristão. Os antigos gregos, romanos, judeus, cristãos etc. são tão distantes de nós quanto os aborígenes australianos atuais, e conhecê-los nos ajuda a desmontar os panos de fundo ideológicos de sua absoluta proximidade.
É certo que cada geração escreve sua própria história, e a história antiga de hoje é diferente das várias histórias antigas do passado. Paul Veyne, há quarenta anos, em sua Aula Inaugural no Collège de France, disse que a história só existe em relação às questões que nós lhe colocamos, e se perguntava quais seriam as questões que convinha fazer ao passado.2 Sigamos Paul Veyne neste ponto, dada sua frequência em bibliografias de cursos de História no Brasil e, mais ainda, pela atualidade de suas declarações: para ele, o ofício do historiador comporta dois aspectos, a erudição e a conceptualização. A pesquisa em história antiga exige que lancemos mão de vários recursos da erudição antes que possa ser formulado um novo questionamento, uma nova problemática. A história tem em Jano bifronte seu patrono: de um lado, o trabalho metódico com a documentação; de outro, o questionamento desses documentos. De um lado, a lide com a documentação; de outro, a problemática. Manejar as técnicas de pesquisa e os conceitos, e então a antiguidade se torna cada vez menos familiar e mais estranha, fazendo-nos rever preconceitos arraigados sobre a universalidade das ideias e dos comportamentos que, lamentavelmente, ainda são frequentes, permanecendo em uso e ativos, sendo propalados nos mass media, nas redes sociais, em campanhas políticas, em escolas, em universidades, no momento em que assistimos a uma exacerbação da religiosidade e de conflitos de base religiosa, que ressurgem como a fênix, com um vigor renovado.
Estudos sobre os discursos e as práticas religiosas da antiguidade vêm revelando aspectos antes insuspeitados das sociedades, e as religiões demonstraram ser um objeto de pesquisa de fundamental importância para a compreensão da experiência humana no tempo e no espaço. A pesquisa antiquista já ultrapassou uma ideia de “religião” compreendida como uma “essência trans-histórica”, existindo como um fenômeno eterno e unitário. Ao contrário, as religiões mudam com o tempo e as circunstâncias, e também muda aquilo que as pessoas entendem como sendo “religião”. As religiões, portanto, não são fixas, nem unitárias, e nem mesmo coerentes, e estão invariavelmente mudando, adaptando-se, recriando-se em realidades intersubjetivas. São fenômenos inerentemente sociais, criando experiências e significados compartilhados, práticas e imagens que são comunicadas e ensinadas. As pesquisas sobre as religiões antigas vêm se sucedendo em um ritmo acelerado nas últimas décadas graças, principalmente, ao diálogo interdisciplinar, o que permitiu a ampliação dos corpora documentais e, sobretudo, a reavaliação de dados e conclusões baseadas em documentos da tradição manuscrita e outros a partir de novas premissas, renovando a compreensão de temas já explorados pela historiografia sobre a antiguidade. As religiões antigas surgem sob novas luzes como elementos centrais na pesquisa e na compreensão, por exemplo, dos sistemas culturais, políticos, intelectuais e institucionais das sociedades do passado.
Ainda assim, as religiões da antiguidade formam um tema de estudo complexo per se, pois, seguindo-se uma das religiões atuais ou não, todos nós fomos formados – ou deformados – por dezesseis séculos de monoteísmo, e não é possível abandonar nosso mundo de compreensão e saltar simplesmente para outro. Desse modo, os contrassensos são vários e persistentes. Mas, não apenas no que tange à religião, como também em relação a outras manifestações culturais da antiguidade, é preciso ultrapassar o enquadramento do pensamento judaico-cristão. É certo que muitos estudos nos habituaram, nos últimos anos, à observação da alteridade. Mas a reiteração da necessidade da observação das categorias discursivas, religiosas e ideológicas das sociedades antigas merece ser feita, posto que o próprio desenvolvimento dos estudos sobre as práticas e os discursos religiosos da antiguidade ainda se dá pleno de ideias fundadas em “premissas monoteístas” que agem como pano de fundo de boa parte da pesquisa sobre a religião, analisando-a a partir de categorias religiosas judaico-cristãs.
Este dossiê congrega artigos de estudiosos brasileiros e estrangeiros que lidam com práticas e crenças religiosas da antiguidade, observando aspectos religiosos cruciais para a compreensão das sociedades analisadas, bem como lidam com a transformação de práticas e crenças religiosas que levaram à formação de novas fronteiras e novos conhecimentos para os grupos humanos. As religiões antigas são aqui entendidas como um spectrum de ações, crenças, experiências, conhecimentos e comunicações com seres e agentes super-humanos, incluindo, mas não se limitando a “deuses”, “demônios”, “anjos”, “heróis” e outras personagens transcendentes. A ritualização e as elaboradas formas de representação e apresentação dessas ações e experiências e desses seres e agentes são um tema de pesquisa atual para diversos ramos especializados em regiões, épocas, tradições e corpora documentais particulares.
A institucionalização da religião, assim como os papéis religiosos; a construção da religião como conhecimento; os rituais como produtos de contextos históricos e sujeitos à mudança, como testemunhos de tensões sincrônicas e / ou diacrônicas; os espaços das experiências religiosas, compartilhados por indivíduos ou grupos em santuários públicos ou privados, ou o espaço móvel dos festivais e procissões; o espaço religioso virtual da comunicação literária e os discursos intelectuais sobre a religião; os diferentes modos de apropriação das religiões, de comunicação com o “outro” invisível, representado ou epifânico; rituais e performances e sua relação com o corpo, em que movimentos e gestos são elementos fundamentais na percepção e estruturação de mundos religiosos; as imagens de deuses e de rituais e a criação de sentimentos e conhecimentos compartilhados, criando regimes de visualidade, são temas caros aos estudos sobre as religiões antigas, permitindo a análise de culturas religiosas criadas pelas interações interpessoais e intergrupais, pela imitação, apropriação de gestos, imagens e conhecimentos que criam comunidades fundamentadas em memórias compartilhadas, sempre sujeitas a mudanças. A intenção de reunir “religiões” diversas, especialistas, disciplinas e enfoques variados visa ao cruzamento ou à redefinição de fronteiras disciplinares e convida ao engajamento com discussões contemporâneas nos campos da pesquisa e do ensino das religiões, da história antiga, e das ciências humanas e sociais em geral.
Claudia Beltrão da Rosa – Professora Associada de História Antiga da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
ROSA, Claudia Beltrão da. Editorial. Hélade. Rio de Janeiro, v.,2, n.2, out., 2016. Acessar publicação original [DR]
Religiões, religiosidades e biografias: indivíduos e crenças / Revista Brasileira de História das Religiões / 2016
Caro leitor,
A Chamada Temática, aqui publicada, consiste em estabelecer a importância dos estudos biográficos para o estudo das religiões, religiosidades e crenças. Enfatizamos a importância em investigar a trajetória do sujeito concreto, inserido na história, com capacidade de influenciar o meio no qual vive ou viveu. A partir do estudo de biografia e contexto (LEVI, 1998), destacamos a singularidade dessas trajetórias, relacionando o individual com o contexto histórico. Este indivíduo é / foi alguém atuante, pertence a uma crença instituída que lhe dá / deu suporte e permite / permitiu seu discurso e sua prática como tradução do grupo ao qual pertence / pertencia. Quando o indivíduo fala a partir de sua adesão religiosa o faz utilizando códigos referenciais, morais, comportamentais do grupo em que é elemento participante. Utilizar a biografia como documento implica relacionar a história do indivíduo ao seu papel enquanto agente histórico, de intermediário entre as crenças instituídas pelo grupo, do qual participa, e as práticas na sociedade em que vive. Nossa proposta foi materializada nos sete artigos que compõem a Temática.
Maria Betania Albuquerque e Dannyel Teles de Castro analisam a trajetória de vida e os saberes construídos por Rosalina, uma curadora da ilha de Colares, no Pará e como ocorrem os processos de construção e transmissão desses saberes. As práticas de cura realizadas por Rosalina englobavam elementos de diversas tradições (umbanda, esoterismo, Nova Era) configurando um hibridismo religioso e um constante processo de bricolagem de seus saberes.
André Leonardo Chevitarese e Rodrigo Pereira abordam a trajetória de vida de Joãozinho da Gomeia, dirigente de uma casa de candomblé fluminense de origem interétnica Angola que funcionou entre a década de 1940 até 1971, no Rio de Janeiro.
A biografia de Jacobina Maurer, conhecida como a principal liderança do movimento Mucker, do Rio Grande do Sul é abordada por Haike Roselane Kleber da Silva.
Edilece Souza Couto analisa a trajetória de Dom Jerônimo Tomé da Silva, segundo arcebispo do período republicano na Bahia (1893-1924) no contexto das mudanças socioeconômicas e religiosas da primeira república.
Magno Francisco de Jesus Santos discute a trajetória polissêmica do arcebispo Dom Luciano José Cabral Duarte, a partir de seu envolvimento com os camponeses da região da Cotinguiba, em Sergipe nas ações de reforma agrária na década de 1960 e suas relações com o Governo Militar.
O artigo de Elisangela Oliveira Ferreira apresenta a trajetória do missionário negro, João de Deus Penitente, que pregou em uma vasta região das capitanias de Minas Gerais, Bahia e Sergipe, no século XVII. Sua motivação era ensinar a doutrina cristã aos seus “irmãos pretos” que, de acordo com ele, viviam pelo interior do Brasil desamparados da fé católica.
Wilton Carlos Lima da Silva Lima Silva, Rogério de Carvalho Veras analisam e estabelecem analogias entre biografias protestantes e discurso hagiográfico de longa tradição na literatura cristã, a partir de três biografias de protestantes brasileiros publicadas entre 1935-1950.
Finalizando a edição temos artigos livres e resenha.
Agradecemos a todos os autores que enviaram suas contribuições e desejamos boa leitura!
Solange Ramos de Andrade
Renata Siuda-Ambroziak
Organizadoras
ANDRADE, Solange Ramos de; SIUDA-AMBROZIAK, Renata. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.9, n.26, set. / dez., 2016. Acessar publicação original [DR]
Religiões, Religiosidades e Patrimônio Cultural / Revista Brasileira de História das Religiões / 2016
Caro leitor,
É com imensa satisfação que apresentamos essa nova edição da Revista Brasileira de História das Religiões, com a Chamada Temática Religiões, Religiosidades e Patrimônio Cultural.
Investigações que relacionam tais temas têm ocupado, cada vez mais, as preocupações dos pesquisadores, de gestores públicos e técnicos da área da cultura. Há uma evidente relação entre o fenômeno religioso e os processos de patrimonialização. Prova disso são os importantes acervos de bens protegidos pelos diversos órgãos gestores do patrimônio no Brasil e no mundo, os quais obtiveram tal status em virtude da teia de significados religiosos na qual se constituem templos sagrados, lugares, formas de expressão, celebrações, entre outros aspectos, compondo uma plêiade de referências que atuam na organização narrativa de subjetividades e identidades. Ressalta-se que numa perspectiva mais ampla do que pode ser entendido como patrimônio cultural, os dispositivos discursivos remetem às imbricações de elementos materiais e imateriais tanto para a atribuição de valores a bens culturais quanto para a definição de políticas de proteção.
Em consonância com essas questões, o campo de investigação histórica das religiões e religiosidade tem, cada vez mais, diversificado seus problemas e suas fontes de pesquisa. Portanto, a aproximação dessas duas áreas exige olhares cada vez mais atentos e críticos. Dizemos isto, pois entendemos que ainda somos partícipes de uma lógica racional analítica, a qual privilegia, grosso-modo, a decomposição da realidade em partes, a fim de, supostamente, melhor “controlar” o objeto investigado e as informações provenientes do mesmo, perdendo com isso aspectos importantes das relacionalidades existentes nos interstícios dos blocos analíticos.
Isto ganha sentido quando consideramos que vivemos num tempo em que as relações entre fé e razão, materialidade e imaterialidade, ciência e religião e práticas religiosas e políticas não podem mais ser concebidas em termos dicotômicos e excludentes. As intolerâncias e os preconceitos, base de fundamentalismos e exclusão social, desafiam, em várias escalas, os direitos humanos na contemporaneidade.
Nessa mesma vertente, a edição conta ainda com sete artigos que versam sobre temáticas gerais nos estudos das religiões e religiodades e uma resenha.
Desejamos a todos uma boa leitura!
Gerson Machado
Organizador da Chamada Temática
MACHADO, Gerson. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.8, n.24, jan. / abril, 2016. Acessar publicação original [DR]
Religião e Religiosidades | Revista Historiar | 2016
SILVA JÚNIOR, Agenor Soares e. [Religião e Religiosidades]. Apresentação. Revista Historiar. Sobral, v. 8, n. 15, 2016. Observação: Sem acesso ao pdf [DR]
Mídia, Religiões e Religiosidades / Revista Brasileira de História das Religiões / 2014
A vigésima edição da Revista Brasileira de História das Religiões conta com um Dossiê sobre Mídia, Religiões e Religiosidades.
Ao pensarmos nas formas de difusão de informações, visões de mundo, representações e ideias religiosas nos séculos XX e XXI, torna-se necessário lidar como outros tipos de suporte, tais como rádio, televisão, computador, cinema e ciberespaço. Torna-se, portanto, um desafio ao historiador refletir sobre os meios de expressão, adotados pelas religiões e religiosidades, intencionalmente ou não, para transmitir uma mensagem, seja por um canal específico ou por meios de comunicação de massa.
O dossiê Mídia, Religiões e Religiosidades, organizado por Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho, conta com seis contribuições. São elas: “Mediatización televisiva de los rituales religiosos: Las Mañanitas a la Virgen de Guadalupe” de Margarita Zires – que trata sobre o uso dos meios de comunicação e processos rituais no México; “Apocalipsis maya: una creencia posmoderna en la era de la información” de Renée de la Torre e Lizette Campechano – que analisam a importância das indústrias culturais e dos meios de comunicação e seu papel ante as profecias de fim dos tempos de 2012; “A representação do Ritual Romano de Exorcismos no filme O Exorcista (1973)” de Solange Ramos de Andrade e Michel Bossone – dedicados a compreender os meandros entre crenças e cinema com um etudo de caso; “Educação e produção de subjetividades da intolerância: As novas fronteiras da intolerância com a Umbanda” de Sidney Nilton de Oliveira – dedicado a analisar como grupos conservadores e fundamentalistas, em especial os neopentecostais, lidam com a umbanda; “Complexidades da religiosidade afro-brasileira no “terreiro” do ciberespaço” de Cristiana Tramonte – que se volta à análise de outras formas de organização e crença de grupos de religiosidade afro-brasileira; e “Ciberespaços para a crítica: Difusão e imagens da Igreja Universal pelo ciberespaço latino-americano” de Marcelo Tadvald – que analisa aprsença da IURD no espaço virtual.
Agradecemos a colaboração de Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho na organização do dossiê!
Em diálogo com a temática das Mídias, temos ainda duas comunicações: “Feições político-midiáticas da concorrência cristã brasileira” de André Ricardo de Souza, Giulliano Placeres e Vinicius Manduca e “Tradição oral e novas tecnologias no candomblé da metrópole” de Ivete Miranda Previtalli.
Na Seção “Artigos Livres”, que conta com 6 artigos, temos as contribuições de Eliane Cristina Deckmann Fleck e Mauro Dillmann, Fabio Augusto Scarpim, Beatriz Teixeira Weber e Renan Santos Mattos, Ronaldo de Oliveira Rodrigues, Andreia Martins e Gizele Zanotto.
Por fim, concluímos com as resenhas de Anna Maria Salustiano e Emerson Sena da Silveira, respectivamente sobre as obras Religiões e Religiosidades no (do) Ciberespaço e Religião e Juventude: os novos carismáticos.
Boa leitura!
Vanda Serafim
Gizele Zanotto
SERAFIM, Vanda; ZANOTTO, Gizele. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.7, n.20, set.., 2014. Acessar publicação original [DR]
Vida e Morte nas Religiões e nas Religiosidades / Revista Brasileira de História das Religiões / 2014
Caro leitor, é com imensa satisfação que apresentamos a edição de número 18, ano de 2014, da Revista Brasileira de História das Religiões!
Iniciamos o ano, apresentamos um Dossiê sobre Vida e Morte nas Religiões e nas Religiosidades!
Os artigos que compõem o Dossiê são resultados de conferências e mesas-redondas apresentadas durante o III Simpósio do GT História das Religiões e das Religiosidades da Associação Nacional de História (GTHRR-ANPUH) – Regional Sul, realizado na Universidade Estadual de Maringá (UEM), de 5 a 7 de novembro de 2013.
Vida e Morte nas Religiões e nas Religiosidades foi o tema desta edição do encontro, que oportunizou produtivas discussões, agregando significativas contribuições às nossas pesquisas e à nossa atuação docente.
O primeiro artigo, Viver e morrer entre irmãos: as irmandades e ordens terceiras de Salvador-BA, de Edilece Souza Couto, foi apresentado na conferência de encerramento do evento e trata da vivência religiosa dos católicos de Salvador nos séculos XVIII e XIX e como esta foi marcada pelas devoções leigas, em especial, as irmandades.
Versando sobre “Religião e Política: biografias, mitos e ritos”, têm-se o artigo O campo religioso sul rio-grandense e a politica de ressemantização da devoção Mariana escrito por Marta Rosa Borin. Ao estudar a devoção a Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças e como esta surgiu no Rio Grande do Sul a partir dos episódios político-militares de 1930, na cidade de Santa Maria, a autora analisa as estratégias do clero sul rio-grandense para consolidar essa devoção no Estado, bem como as motivações para a promoção desta invocação mariana à padroeira do Estado e dos operários.
O terceiro artigo, Vida, morte e ritos de iniciação nas crenças afro-brasileiras por meio de Nina Rodrigues, de Vanda Fortuna Serafim, aborda os “Ritos de Vida e Morte”, atentando as religiões afro-brasileiras por meio dos escritos de Nina Rodrigues. A atenção volta-se aos ritos iniciáticos e às práticas e ritos funerários afro-brasileiros.
O tema “Vida e Morte na Literatura e na História” conta com duas contribuições. A primeira delas, de Aline Dias da Silveira, intitula-se A Morte e a Iniciação Feminina nos Lais de Maria de França e analisa as representações do imaginário feminino sobre a morte na literatura medieval, especificamente, no a lai de Yonec de Maria de França (séc. XII), no qual é possível identificar uma estrutura narrativa mais antiga, de feições míticas. Salma Ferraz, por sua vez, trata da morte na teologia, na mitologia, entre os intelectuais, na arte tumular, na fotografia post mortem, na poesia e na literatura, no artigo A morte nas artes.
Por fim, apresentamos mais duas contribuições que se propõem a pensar “Espaços de Vida e Morte”. Em Prantear os mortos, celebrar a vida: repensando espaços, ritos e protagonistas na América colonial (séculos XVI e XVII), Eliane Cristina Deckmann Fleck, analisa as primeiras impressões que cronistas leigos e missionários formularam sobre as expressões de sensibilidade e de religiosidade dos indígenas Tupi-guarani, em especial, daquelas relacionadas ao festejar e aos lamentos fúnebres. Já Sylvio Fausto Gil Filho, em Conformação simbólica dos espaços da vida e da morte: uma aproximação teórica, a partir de uma aproximação teórica específica com a Filosofia das Formas Simbólicas de Ernst Cassirer (1874-1945), propõe a passagem da ontologia espacial imediata para uma epistemologia do espaço como modo de interpretação do mundo da cultura.
Há de destacar, neste Dossiê, o profícuo debate travado entre pesquisadores e professores das áreas de História, Literatura e Geografia, reiterando a proposta interdisciplinar do GT História das Religiões e Religiosidades –ANPUH. Na sessão Artigos Livres contamos, ainda, com mais quatro artigos inéditos!
O primeiro deles, O martírio no contexto da Companhia de Jesus: a parénese do padre Antônio Vieira, de Fernanda Santos, pretende mostrar como o padre Antônio Vieira consegue articular algumas concepções em sua sermonária, com a eloquência de seu raciocínio católico-cristão e a engenhosidade do seu discurso, sem deixar de ter em vista os objetivos e o ideário missionário e universalizante da Companhia de Jesus.
Ivana Guilherme Simili, em Memórias da dor e do luto: as indumentárias políticoreligiosas de Zuzu Angel, busca pensar as relações das mulheres com as roupas e com a moda política e religiosa por meio da trajetória da mãe e estilista Zuzu Angel. O enfoque privilegia como a cultura das mulheres, da moda e da religião foram apropriadas e significadas pela personagem, para simbolizar e expressar, por intermédio da costura e do bordado, a dor e o luto, em razão da morte do filho pela ditadura militar.
A terceira contribuição, Em nome do direito à vida: o aborto nos documentos pontifícios dos anos 1980, de Aline Roes Dalmolin, analisa as percepções sobre aborto em documentos oficiais católicos publicados nos anos 1980.
No último artigo desta edição, Mercado religioso e as denominações afro-brasileiras numa cidade catarinense, Gerson Machado apresenta reflexões sobre o processo de constituição do mercado religioso na Cidade de Joinville, Estado de Santa Catarina, no período compreendido entre os anos 1980 e 2000.
Encerrando o quadro da Revista, contamos com uma resenha da obra de Tracey Rowland, de 2013, A fé de Ratzinger – a teologia do Papa Bento XVI, enviada por Edison Minami.
Além da estrutura tradicional, nesta edição, a RBHR apresenta os Anais do III Simpósio do GT História das Religiões e das Religiosidades da Associação Nacional de História (GTHRR-ANPUH) – Regional Sul. Os textos são resultados das discussões e apresentações de trabalhos nas três tardes do evento por meio dos Simpósios Temáticos.
Desejamos a todos uma boa leitura!
Vanda Fortuna Serafim
Solange Ramos de Andrade
ANDRADE, Solange Ramos de; SERAFIM, Vanda Fortuna. Apresentação. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.6, n.18, Jan., 2014. Acessar publicação original [DR]
Memória e Narrativas nas Religiões e nas Religiosidades / Revista Brasileira de História das Religiões / 2013
Há cerca de dois anos, por ocasião do III Encontro do GT História das Religiões e das Religiosidades, que ocorreu em Florianópolis, surgiu a proposta de o IV Encontro se realizar na UNISINOS. O I, o II e o III encontros realizados em Maringá, Franca e Florianópolis trataram de temas como “Identidades Religiosas e História”, “Tolerância e Intolerância nas manifestações religiosas” e “Questões Teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades”. Já para o IV, o tema proposto foi “Memórias e narrativas nas religiões e religiosidades”.
O desafio lançado pela Coordenação do GT História das Religiões e das Religiosidades em outubro de 2010 foi aceito pelo Programa de Pós-Graduação em História da Unisinos, assim como pelos demais parceiros, que foram sendo agregados ao longo dos anos de 2011 e 2012.
Vale lembrar que em 2012, foram celebrados os 50 anos da realização do Concilio Vaticano II convocado em 1962, pelo Papa João XXIII, que representou uma atualização da Igreja Católica ao mundo moderno. Este evento teve suma importância na renovação da comunidade católica mundial e modificou a caminhada da mesma no Brasil. Dentre suas determinações destacam-se a legitimação do papel dos leigos na evangelização em áreas de difícil acesso e a substituição do latim pela língua vernácula tornaram a Igreja mais próxima do povo e mais atenta aos problemas sociais que a América Latina enfrentava nesse período. Em 2012, também foi comemorado o centenário da obra clássica de Emile Durkheim, “As Formas Elementares da Vida Religiosa”, livro que é um dos marcos fundadores dos estudos de Antropologia na Escola Francesa e das Ciências Sociais da religião.
Inserido neste contexto, o IV Encontro do GT ANPUH-Nacional História das Religiões e das Religiosidades, que ocorreu na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) de 07 a 09 de novembro de 2012, efetivamente, oportunizou aos pesquisadores e comunidade em geral um espaço de diálogo, aprendizado e troca de experiências e conhecimentos sobre as religiões e religiosidades, instigando-os a refletirem criticamente sobre as posturas de indivíduos e grupos religiosos em suas ações nos âmbitos religiosos, culturais, políticos e sociais. E ainda, sobre a importância de uma prática cidadã valorativa das diferenças sociais e políticas em nosso país para, desta forma, evidenciar a relevância de análises interdisciplinares sobre a temática das religiões e das religiosidades.
A quarta edição do GT História das Religiões e das Religiosidades – Memórias e Narrativas nas Religiões e Religiosidades reuniu pesquisadores de renome e jovens pesquisadores graduandos, pós-graduandos, mestres e doutores em História, Ciências Sociais, Filosofia, Teologia, Educação e Antropologia de várias regiões do Brasil (RS, SC, PR, SP, RJ, MG, BA, PE, PI, MA, AM e MS) e, pela primeira vez, de pesquisadores da Argentina, da Bolívia, do Uruguai e, inclusive, da Polônia, que, ao longo de três dias tiveram a oportunidade de compartilhar suas pesquisas, projetos de investigação e estudos mais consolidados.
Neste dossiê apresentamos 16 Artigos, 3 Comunicações e 1 Resenha, selecionados pelo Conselho Editorial da RBHR e que representam a importância dos encontros do GT e da publicação dos melhores trabalhos apresentados.
Boa Leitura!
Eliane Cristina Deckman Fleck
Solange Ramos de Andrade
Organizadoras do Dossiê
FLECK, Eliane Cristina Deckman; ANDRADE, Solange Ramos de. Editorial. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v.5, n.15, Jan., 2013. Acessar publicação original [DR]
Religiões: história, política e cultura na era contemporânea / História – Questões & Debates / 2011
Neste presente volume da revista História: Questões & Debates apresentamos o dossiê “Religiões: História, Política e Cultura na Era Contemporânea”, reunindo nove artigos de historiadores brasileiros e estrangeiros que examinam diversas expressões do cristianismo em seus conflitos e redes de solidariedade. Além disso, o dossiê traz considerações sobre como a História das Religiões vem se constituindo como campo de estudos no mundo ocidental em decorrência de transformações no próprio status da religião no período contemporâneo.
O artigo de Karina Kosicki Bellotti (Universidade Federal do Paraná), “História das Religiões: conceitos e debates na era contemporânea”, explora a historicidade do conceito de religião, que se dessacralizou aos olhos da ciência para se tornar objeto de pesquisa desde meados do século XIX na Europa. Esse trabalho aponta para novos campos de estudos e novos objetos que a História Cultural das Religiões vem constituindo nos últimos anos, tomando por abordagem cultural tanto produções artísticas como de cultura de massa e de modos de viver na contemporaneidade. Por sua vez, o artigo de Elton Nunes (PUC-SP), “Teoria e metodologia em História das Religiões no Brasil: o estado da arte”, discute as produções mais recentes na área de História das Religiões no Brasil nas últimas décadas, explicando as razões pelas quais o tema das religiões em suas diferentes interfaces atrai cada vez mais historiadores, em contraste com um período extenso de nossa história acadêmica em que pouca atenção lhe foi dispensada.
Em seguida, há quatro artigos que abordam diferentes embates políticos e culturais enfrentados pelo catolicismo nos séculos XIX e XX: primeiramente, o artigo de Antonio Moliner Prada (Universidad Autónoma de Barcelona), “Clericalismo y anticlericalismo en la España Contemporánea”, que discute as configurações do anticlericalismo e da irreligiosidade na Espanha dos séculos XIX e XX, apontando para o jogo de forças e embates políticos e religiosos em torno de projetos de modernidade cultural e política. O escasso desenvolvimento do catolicismo liberal e a divisão interna dos católicos motivaram o auge do clericalismo e o aparecimento do anticlericalismo violento em diferentes momentos entre o início do século XIX até a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Seu artigo aponta para os problemas dos conflitos religiosos, mostrando a importância do desenvolvimento de um diálogo inter-religioso em um mundo multicultural. O artigo de Euclides Marchi (Universidade Federal do Paraná), “Igreja e povo: católicos? Os olhares do padre Júlio Maria e de Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra sobre a catolicidade do brasileiro na passagem do século XIX para o XX”, analisa os textos publicados pelo Padre Júlio Maria de Morais Carneiro e por Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra em 1898 e 1916, respectivamente, os quais expressavam sua visão de Igreja e dos católicos no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Ao fazer o diagnóstico dos males que afetavam a sociedade e a Igreja, ambos apontavam remédios e soluções para adequar a catolicidade aos parâmetros exigidos pela implantação das reformas romanizadoras adotadas desde a segunda metade do século XIX e pela contundência dos problemas que afetavam a sociedade mundial e brasileira.
O texto de Marcos Gonçalves (Universidade Estadual do Paraná – Unespar), “Nostalgia e exílio: o intelectual católico Galvão de Sousa e a ideia de ‘hispanidade’”, discute a noção de uma identidade hispânica desenvolvida em parte da reflexão do intelectual católico José Pedro Galvão de Sousa (1912-1992). Requisitado nos círculos católicos tradicionalistas, monárquicos e integristas de ambientação ibérica, Galvão de Sousa é um dos difusores desse pensamento no Brasil. Nostálgico dos regimes monárquicos e teórico do corporativismo, o intelectual em questão busca lugar para uma concepção de mundo que se defronta perante um amplo cenário de mudanças ideológicas e doutrinárias estabelecidas nas décadas de 1960-70: o avanço da teologia da libertação, o Concílio Vaticano II e, num contexto histórico mais imediato, a ditadura militar brasileira.
Em “A Liga Eleitoral Católica e a participação da Igreja Católica nas eleições de 1954 para a Prefeitura de Curitiba”, Renato Augusto Carneiro Junior (Unicuritiba-Museu Paranaense) analisa as relações entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica, enfocando as atividades da Liga Eleitoral Católica (LEC) nos primeiros anos da década de 1950, em Curitiba, analisando como a Igreja Católica, por meio da LEC, buscava influenciar o resultado das eleições para a Prefeitura de Curitiba, em 1954, participando do jogo político ao indicar de forma clara os candidatos que poderiam ser apoiados pelos católicos.
O artigo de Eduardo Gusmão Quadros (Universidade Estadual de Goiás e PUC-GO), “O vírus protestante e a ação profilática de um bispo de Goiás”, enfoca o conflito entre católicos e protestantes no início do século XX a partir de um estudo de caso. No ano de 1918, o bispo de Goiás, D. Prudêncio Gomes da Silva, publicou a carta pastoral “Sobre o protestantismo”, contra a presença protestante que se iniciava naquele Estado. O historiador analisa o conjunto de representações, valores e estratégias evocados naquela carta para o combate ao protestantismo, mostrando os pontos em comum entre o catolicismo romanizado e a pregação protestante.
Em tais artigos, observamos a multiplicidade de expressões do catolicismo, envolvido em embates internos e externos. Os agentes dessa história são tanto lideranças quanto leigos, em um período em que a hegemonia católica no Brasil e na Espanha se vê enfraquecida diante do processo de modernização e competição religiosa – e irreligiosa – em curso desde o século XIX na sociedade ocidental como um todo. Nesse caso, história, política e cultura se entrecruzam para mostrar os diferentes papéis que a religião passa a assumir no período contemporâneo.
Por fim, dois artigos internacionais trabalham com fenômenos de transnacionalização – os caminhos da Teologia da Prosperidade no Brasil e na América Latina são o tema do artigo de Virginia Garrard-Burnett (University of Texas at Austin), “A vida abundante: a teologia da prosperidade na América Latina”, que demonstra os sentidos adquiridos por essa crença e prática religiosa desde a sua gênese norte-americana no século XIX até a evangelização empreendida pela Igreja Universal do Reino de Deus nos Estados Unidos, África e Europa, além da atuação de outras igrejas da Ásia e África, que miram ao bem-estar de seus fiéis neste mundo. Fechamos com o esmerado estudo de R. Andrew Chesnut (Virginia Commonwealth University) sobre a popularização do culto de Santa Muerte no México e nos Estados Unidos desde o início dos anos 2000, entre diferentes estratos da população hispânica nos dois lados da fronteira. Reunindo entrevistas, depoimentos e estudos sobre santos populares não reconhecidos pela Igreja Católica, Chesnut explora as intersecções entre religião, mercado, devoção e circulação cultural para mostrar as diferentes faces da Santa Morte, que responde a diversas demandas de seus fiéis em um período de crescente recessão econômica e violência urbana endêmica.
Além do dossiê, o volume conta com o artigo “Cinema, esporte e Apartheid: considerações balizadas pelo filme ‘No futebol, nasce uma esperança’”, de André Mendes Capraro, Riqueldi Straub Lise e Natasha Santos, que analisa o filme No futebol, nasce uma esperança (originalmente More than just a game), cujo foco está na prática do futebol por prisioneiros políticos sul-africanos, durante o regime Apartheid. Tendo em pauta esta temática, questiona-se: seria o futebol realmente um meio propício para manifestações políticas contrárias ao sistema vigente na África do Sul – o regime Apartheid? Qual o significado da modalidade, naquele contexto específico, e como foi representado artisticamente na obra? Para responder a essas questões, adotou-se o procedimento metodológico denominado por Carlo Ginzburg (1996) de “paradigma indiciário”, a fim de identificar pistas e indícios que levassem a compreender a concepção histórica manifesta no filme.
Na sessão de resenhas, contamos com três textos: a resenha de Antônio César de Almeida Santos (Universidade Federal do Paraná) sobre a obra de Quentin Skinner, Visões da política: sobre os métodos históricos; as considerações de Naira de Almeida Nascimento (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) sobre o livro Joana d’Arc, de Colette Beaune; e o texto de Diogo da Silva Roiz (doutorando da Universidade Federal do Paraná) sobre A Europa diante do espelho, de Josep Fontana.
Karina Kosicki Bellotti
Curitiba, dezembro de 2011
BELLOTTI, Karina Kosicki. Apresentação. História – Questões & Debates. Curitiba, v.55, n.2, jul./dez., 2011. Acessar publicação original [DR]