Posts com a Tag ‘REIS Magali (Org)’
Base Nacional Comum Curricular: dilemas e perspectivas – CURY etc. al (EA)
CURY, Carlos Roberto Jamil; REIS, Magali; ZANARDI, Teodoro Adriano Costa. Base Nacional Comum Curricular: dilemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2018. 144 p. Resenha de: PEDRO, Gabriel; MARSICO, Juliana. Explorando limites epistemológicos e políticos da BNCC para pensar possibilidades. Em Aberto, Brasília, v. 33, n. 107, p. 225-230, jan./abr. 2020.
No campo da pesquisa educacional, em um contexto sociopolítico de 225 desarticulação de conquistas e bandeiras importantes à educação pública no Brasil, uma discussão que se dedique à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é imprescindível e potente. Argumentamos que conhecer o que vem sendo enunciado sobre a Base é importante para melhor delinear seus efeitos como documento normativo para a educação básica e discurso que reorganiza valores e sentidos para os sujeitos escolares.
A obra Base Nacional Comum Curricular: dilemas e perspectivas, dos autores Carlos Roberto Jamil Cury, Magali Reis e Teodoro Adriano Costa Zanardi, traz uma discussão atenta aos processos de formulação e efeitos da BNCC, propondo reflexões “[…] imprescindíveis para prosseguir com essa discussão, acalorada e interminável, como é a própria experiência do currículo, um campo de tensões e disputas contínuas” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 8). Propomos neste texto a apresentação dessa obra a fim de estimular o debate e instigar futuros leitores. Nesse momento de disputas em torno da educação básica escolar, consideramos o livro de Cury, Reis e Zanardi uma leitura necessária ao debate.
Na apresentação do livro – “Debates em torno da Base Nacional Comum Curricular” –, os autores fazem um mapeamento do que consideram as publicações mais relevantes a tratar da temática nos últimos anos, explorando uma série de artigos e dossiês publicados entre os anos de 2012 e 2018, nas revistas Teias (Uerj), e-Curriculum (PUC-SP), Currículo sem Fronteiras, entre outras. Apresentando as diversas perspectivas nelas publicadas, buscam elucidar os debates acadêmicos
sobre o assunto. A seção encerra-se com a afirmação de que “a aprovação da BNCC não esgotou os debates como também não resolveu os problemas e lacunas nela observados durante sua elaboração” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 15). Com isso, estabelecem a tônica do livro como crítica à BNCC, que nos remonta à ideia de crítica proposta por Judith Butler (2013) no diálogo com Michel Foucault, rejeitando seu objeto enquanto finalizado e buscando entender seus limites epistemológicos e políticos.
Nesse livro, portanto, os autores fazem uma crítica não apenas ao documento normativo publicado, mas também ao processo de elaboração da BNCC, em um movimento que atua no sentido de “colocar fundamentos em questão, de desnaturalizar hierarquias sociais e políticas e, inclusive, de estabelecer perspectivas a partir das quais uma certa distância com o mundo naturalizado pode ser tomada” (Butler, 2013, p. 161).
Os autores, no primeiro capítulo – “Por uma BNCC democrática, federativa e diferenciada” –, organizam documentos históricos normativos relativos à defesa da necessidade de um conjunto de conhecimentos comuns a todos no Brasil. Nele, argumentam como tal defesa se relaciona com as noções de cidadania e federalismo, culminando em um capítulo na Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei n° 9.394/1996).
Se, por um lado, o adjetivo “comum” é um descritor para formação indispensável ao exercício da cidadania na LDB/1996, por outro, destaca-se que o próprio Conselho Nacional de Educação (CNE) “enfatizou que as diretrizes tinham dimensões gerais, tendo estas muito mais a prevalência de um rumo, de uma direção, de um caminho tendente a um fim do que de fixação de conteúdos mínimos” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 47). Ademais, os autores salientam que, por via da Emenda Constitucional nº 59/2009 e da Lei nº 13.005/2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) tem previsão para configuração de uma base nacional comum curricular mediante instância permanente de negociação e de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (Art. 7º, § 5º), alertando que o debate precisa desaguar no “diálogo que a Constituição denomina de regime de colaboração sob a égide da gestão democrática” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 50). Assim, estabelecem limites dentro dos quais acreditam ser necessário que a elaboração da BNCC aconteça, ejetando do campo do desejável outras formas de organizá-la que não seja democrática, federativa e diferenciada.
No segundo capítulo – “BNCC e a universalização do conhecimento” –, são tensionadas questões nos planos normativo e conceitual que levaram à formulação da BNCC tal como aprovada em 2018, buscando analisá-la criticamente para expor sua legitimidade e suas possibilidades a partir do campo de estudos curriculares, em específico,perante uma “concepção comprometida com a teoria freireana como forma de promover uma educação para emancipação” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 55). Aqui, uma importante discussão é travada, problematizando o que significa um conhecimento ser básico e comum, salientando que a neutralidade pretendida não existe de fato, o que resulta num problema difícil de resolver, a afirmação inequívoca de qual é a formação desejada em um território tão extenso e plural como o brasileiro. Desse modo, os autores apontam que adotar uma compreensão curricular pautada em descritores de conteúdos, competências e habilidades, casados com prescrições fixistas, é também assumir um projeto universalizante de conhecimentos comprometidos com a homogeneização, o que os coloca em explícito contraste com uma compreensão de currículo construído democraticamente, do qual decantam práticas que respeitam a pluralidade e as diferenças sociais.
A noção de uma base nacional comum curricular tem, em sua raiz, “o sonho iluminista de universalização de direitos no tocante ao acesso ao conhecimento acumulado e à qualidade de educação que se realizaria pela distribuição igualitária e isonômica dos conhecimentos” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 53). Tal argumento vai ao encontro da noção de cosmopolitismo de Popkewitz (2009), em que se lança mão da razão e de um modo comparativo de raciocínio para planejar transformações no mundo, visando a uma sociedade mais igualitária e justa. Entretanto, para Popkewitz (2009), esse mesmo modo comparativo de raciocínio produz um duplo gesto, uma vez que, ao buscar a inclusão gradativa de todos na sociedade cosmopolita, é preciso definir quem são aqueles sujeitos que a ela pertencem e estão incluídos, simultaneamente, definindo os que não pertencem e estão excluídos, reinscrevendo a exclusão no tecido do planejamento e das práticas escolares.
O terceiro capítulo – “Base Nacional Comum Curricular é Currículo?” – argumenta em duas direções. Na primeira, focaliza-se a discussão sobre algumas concepções de currículo em diálogo com José Gimeno Sacristán, Roberto Macedo e Paulo Freire, a fim de desestabilizar a narrativa do Ministério da Educação (MEC), que posiciona a BNCC como um documento meramente norteador de currículos, revelando sua ação como um currículo prescritivo, tecnicista e meritocrático. A segunda direção diz respeito à BNCC como um objeto não acabado, que constitui um campo de disputa, e as diferentes forças, que atuam no sentido de mobilizar e/ou reificar seus sentidos. Discutem-se os argumentos legitimadores em favor da definição de conteúdos básicos comuns, como, por exemplo, as pesquisas de Michael Young e Demerval Saviani, que defendem a necessidade dessa definição. Para os autores, tal ideia revitaliza “o gerenciamento científico característico das teorias tradicionais do currículo e fortalece a manipulação da educação escolarizada”, além de desconsiderar o “papel dos professores e alunos como sujeitos produtores de conhecimentos valiosos para o currículo” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 89-90).
A partir desse ponto, os autores estabelecem relações entre as organizações internacionais, tais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as fundações privadas e o próprio Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), a elite capitalista neoliberal e o esforço epistemológico e político, visando à fixação de conhecimentos “básicos” como um objetivo da educação escolarizada. Nesse movimento, os autores contrapõem argumentos daquelas organizações e setores da sociedade civil com o posicionamento de associações brasileiras de estudos curriculares, a saber, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e a Associação Brasileira de Currículo (ABdC). Para essas associações, algumas questões são colocadas a favor da não publicação de uma base nacional comum curricular, como o fato de não contemplar as dimensões da diversidade na educação brasileira, a problemática centralização no desempenho e na avaliação, a desqualificação do trabalho docente, para dar alguns exemplos. Em grande medida, é pontuado nesse capítulo o posicionamento de tais associações de pesquisa diante do Golpe de 2016, que trouxe “seu autoritarismo, conservadorismo e claro compromisso com a lógica do capital para dentro do processo de elaboração da terceira versão da BNCC” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 98). Nessa direção, os autores mantêm a tônica da obra e apresentam diversos entendimentos sobre o processo de construção da BNCC, em um movimento que busca desnaturalizar os fundamentos e não se exime de pontuar a necessidade do enfrentamento contínuo, sob o risco de homogeneização das diferenças, aprisionamento da educação pública por uma lógica mercadológica e desumanização dos processos dialéticos de construção do conhecimento.
No quarto capítulo – “BNCC e educação das novas gerações: limites conceituais” –, os autores abrem um espaço para problematizar a educação de novas gerações, entendendo a primeira etapa da educação básica também como um campo de disputas e tensões que se expressaram nas diferentes versões do documento curricular. Tal disputa se situa na tensão entre “modelos assistencialistas, de um lado, e escolarizantes, de outro, presentes nas políticas que determinam abordagens de currículo, pedagogia e avaliação para a educação de crianças e jovens” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 101), em torno do que se pensa sobre a educação infantil.
Para os autores, há lacunas na BNCC no que se refere a aspectos considerados importantes para a educação na primeira infância, como brincar, experimentar, realizar atividades de livre escolha para a satisfação de diversas necessidades das crianças. Nesse contexto, criticam o modo de afirmar genericamente noções de cuidado, educação e campos de experiência, presentes na BNCC, documento que, conforme alegam, apresenta, quanto à forma de educar crianças, uma ruptura entre a educação infantil e o ensino fundamental. Em contrapartida, trazem argumentos para pensar uma educação infantil que não se concretiza com um currículo mínimo padronizado, em um movimento presente ao longo da obra.
No quinto e último capítulo – “Habemus Base, mas Habemus Freire” –, são retomadas questões problemáticas acerca da BNCC trabalhadas ao longo do livro, para assim afirmar a necessidade de se buscar alternativas a essa proposta curricular com articulações “necessárias à transformação social e ao desvelamento das causas da desigualdade” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 119). Desse modo, dialogam com a obra de Paulo Freire, que corrobora a ideia de transmissão de conhecimentos padronizados para a libertação e emancipação, sem abrir mão do compromisso com a criticidade. Assim, “sob uma perspectiva freireana, não há o desprezo ao conhecimento acumulado historicamente, mas um cuidado democrático e dialógico na construção da proposta curricular” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 121), salientando a potência da rejeição de uma concepção de currículo como doação/imposição aos sujeitos escolares.
Em todo o livro, os autores se dedicam a problematizar a ideia de conhecimentos que qualificam sujeitos para a atuação no mundo neoliberal, afirmando que a terceira versão da Base tornou-se o “local através do qual conteúdo, coerência e controle estão sendo articulados” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 104). Assim, ao refletirem sobre pesquisas que respaldam a necessidade de uma base nacional comum curricular, que afirmam ser a escola, e a educação escolar, o espaço para a construção de uma cidadania democrática e menos desigual, argumentam que tais estudos ignoram a desigualdade produzida socialmente e na qual a escola é incluída. Ao dar visibilidade a essa discussão sobre escola e sociedade, vão ao encontro de autores como Daniel Friedrich, Bryn Jaastad e Thomas S. Popkewitz (2010), quando estes afirmam que a “missão” empreendida pela escola, ao buscar promover uma sociedade mais igualitária, abre espaço para reforçar epistemologicamente a desigualdade como condição ontológica para pensar sobre e planejar o futuro da sociedade, problema que o campo educacional vem confrontando historicamente.
Argumentam os autores do livro, finalmente, que, se “a escola abraçar a BNCC como prescrição a ser detalhadamente cumprida, colocamos em sério risco os princípios estabelecidos pela Constituição de 1988 no que diz respeito à pluralidade, diversidade e não discriminação. Princípios que se constituem em essência de nossa (frágil) democracia” (Cury; Reis; Zanardi, 2018, p. 129). Ao, aparentemente, tomarem certos pressupostos do campo educacional por certezas no início do livro – os objetivos da educação escolarizada como distribuição igualitária e isonômica do conhecimento visando à construção de uma sociedade menos desigual –, assumiram um risco. De maneira não intencional, poderiam por meio de duplos gestos (Popkewitz, 2009) reforçar epistemologicamente as desigualdades que procuram combater enquanto condição ontológica para pensar e, portanto, construir um certo tipo de educação escolarizada (Friedrich; Jaastad; Popkewitz, 2010).
Entretanto, de forma robusta, contornam esse risco ao explorarem a existência e os limites de outras maneiras de pensar a educação, distintas das suas. Assim, rejeitam não apenas a BNCC como terminada e cristalizada, mas também seus próprios pressupostos, realizando algo afeito àquilo que Butler (2013) chamou de crítica enquanto prática de exposição dos limites do horizonte epistemológico de determinado objeto. Buscando entender os limites da BNCC e dos próprios objetivos e estratégias defendidos na obra, os autores não os assumem como verdades a priori, operacionalizando-os antes como posicionamentos epistemológicos e políticos que foram conscientemente construídos e, desse modo, úteis na luta por outra base nacional comum curricular, democraticamente constituída e que pontue práticas que respeitem a pluralidade e as diferenças sociais.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 26 jun. 2014. Seção 1, p. 1.
BUTLER, J. O que é a crítica? Um ensaio sobre a virtude de Foucault. Traduzido por Gustavo Hessmann Dalaqua. Cadernos de Ética e Filosofia Política, São Paulo, v. 1, n. 22, p. 159-179, 2013.
FRIEDRICH, D.; JAASTAD, B.; POPKEWITZ, T. S. Democratic education: an (im) possibility that yet remains to come. Educational Philosophy and Theory, Oxford, v. 42, n. 5-6 p. 571-587, 2010.
POPKEWITZ, T. S. The double gestures of cosmopolitanism and comparative studies of education. In.: COWEN, R.; KAZAMIAS, A. M. (Ed.). International handbook of comparative education. Dordrecht: Springer Science, 2009. p.385-401.
Gabriel Pedro – Mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atua no Grupo de Estudos em História do Currículo, no âmbito do Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ). E-mail: gabriel.brasil.88@gmail.com.
Juliana Marsico – Doutora em Educação, é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integra o corpo de pesquisadores do Grupo de Estudos em História do Currículo, no âmbito do Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ). E-mail: jumarsico@gmail.com.
Base Nacional Comum Curricular: Dilemas e perspectivas – CURY; ZANARDI (REC)
CURY, Roberto Jamil; REIS, Magali; ZANARDI, Teodoro Adriano. Base Nacional Comum Curricular: Dilemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2018. Resenha de: CASTRO, Luzia de Marilac; PEREIRA, Sandra Márcia Campos. Base Nacional Comum Curricular: é currículo prescrito ou documento norteador? Revista Espaço do Currículo, João Pessoa, v.12, n.3, p. 431-433, set/dez. 2019.
Na obra Base Nacional Comum Curricular: dilemas e perspectivas, os autores trazem uma discussão sobre as bases legais que deram sustentação à elaboração de um currículo nacional, fazem um recorte temporal das legislações que tratam de currículo desde o ano de 1823 aos dias atuais, trazem para o debate conceitos que estão na base e problematizam-os à luz de teóricos que discutem currículo.O livro está organizado em cinco capítulos que podem ser lidos e discutidos separadamente, mapeia várias publicações relativas à BNCC logo na apresentação da obra. Além da referência da obra, também há uma referência exclusiva de publicações referentes a Base com autores conceituados, como: Alice Casimiro Lopes, Elizabeth Macedo, Inês Barbosa Oliveira, Ana Maria Saul, entre outros. O livro resenhado é uma importante ferramenta no âmbito das discussões curriculares, pois traz aspectos históricos para entendermos como no passado esse assunto foi tratado e traz o panorama atual do debate em torno da BNCC.
Cury tem pós doutorado em Direito pela USP, é professor titular (aposentado) da Faculdade de Educação da UFMG, da qual é professor emérito. Reis é doutora e pós doutora em educação, na área de concentração: Sociedade e Cultura, pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, é Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da PUC- Minas. E Zanardi possui doutorado em Educação (Currículo) pela PUC de São Paulo, é Professor Adjunto IV do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Na parte de apresentação do livro, que recebe o título Debates em torno da Base Nacional Comum Curricular, os autores fogem do formato padrão de apresentar os capítulos que compõem a obra. Eles fazem um apanhado de publicações e debates em torno da Base Nacional Comum Curricular a partir do ano de 2012. Citam dossiês e revistas que fomentaram essas discussões a partir desse período até o ano de 2018. Numa espécie de estado da arte, apresentam as discussões relativas à BNCC. Algumas publicações ficaram de fora, certamente, mas o levantamento feito na apresentação do livro subsidia os pesquisadores e estudiosos da área de currículo.
O primeiro capítulo, Por uma BNCC democrática, federativa e diferenciada, tem como objetivo identificar como o ordenamento educacional formulou a constituição de currículos escolares por meio dos principais documentos normativos, desde a Constituição de 1823 até o Plano Nacional de Educação, Lei nº 13.005/2014. Os autores estabelecem uma relação entre currículo nacional e o conceito de cidadania, contextualizam suas falas com trechos dos documentos normativos desse período e finalizam conclamando esforços, clareza de posições, com estudos sólidos para que aconteça de fato o diálogo que a Constituição chama de regime de colaboração entre os entes federados.
Problematizar criticamente a proposta da BNCC levando em consideração o contexto normativo em que foi gestada como também suas as bases conceituais é o objetivo do 2º capítulo, que traz o título BNCC e a universalização do conhecimento. Os autores afirmam que a Base traz o sonho iluminista de resolver os problemas da desigualdade de acesso ao conhecimento por meio da educação escolarizada e dizem ser necessário pontuar os caminhos normativos e conceituais para compreender a proposta da Base. Para tal empreitada, analisam os princípios estabelecidos na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB) e no Plano Nacional de Educação. Finalizam citando a atuação da Fundação Lemann na defesa da BNCC, exemplificando esse interesse através da conhecida pesquisa publicada pela fundação em 2015.
Base Nacional Comum Curricular é Currículo? É o título e a pergunta central que direciona todo o debate do 3º capítulo. Os autores asseveram que a BNCC, como está sendo posta, é sim currículo. Traz conceitos de currículo na concepção de Sacristán, Roberto Macedo e Ana Saul e dizem que a Base se aproxima dos conceitos dos dois primeiros autores citados. Falam do processo de disputa de posicionamentos de setores empresariais e comunidade científica no processo de elaboração das três versões da BNCC. Para discutir o conceito de currículo comum, refletem sobre os estudos de Michel Young e Demerval Saviani trançando um paralelo de pontos comuns e divergentes entre os dois, mas frisam que ambos defendem a viabilidade de um currículo comum. Por fim, trazem as críticas das associações de pesquisa acadêmicas mostrando que estas são contrárias a uma ideia de currículo nacional.
As questões relativas ao currículo para a educação da infância são tratadas no 4º capítulo do livro, BNCC e Educação das Novas Gerações: Limites Conceituais, os autores advogam que o currículo da educação infantil tem sido um campo de disputas e que isso tem reflexos em três temas significativos no campo do currículo: conteúdo, coerência e acompanhamento. E que esses três temas são vistos de maneiras diferentes e até opostas por teorias educacionais e pelas políticas públicas. Debatem o conceito de experiência, que na BNCC vem como campos de experiência. Na visão dos autores, o conceito de experiência na Base é lacunar. Para fundamentar a discussão, trazem os estudos de Walter Benjamim para se pensar os conceitos de experiência e fundamentos da educação de crianças pequenas.
As contribuições de Paulo Freire, para discussão do currículo comum, vem no 5º e último capítulo, Habermus Base, mas Habermus Freire. O capítulo traz várias considerações sobre a BNCC, relacionando-as com as contribuições de Freire. Os autores reconhecem que o patrono da educação brasileira não se debruçou diretamente sobre uma teoria curricular, mas inegável são as suas contribuições em relação ao saberes e conhecimentos. Advogam que Freire não despreza os conhecimentos acumulados historicamente, mas que é preciso problematizá-los. Os autores defendem a ideia de que as escolas não devem abraçar a BNCC como currículo prescrito, que o momento é oportuno para renovar a proposta emancipatória de Paulo Freire. Concluem: “Desvelar a BNCC se constitui em obrigação dos educadores para a compreensão dos projetos que se colocam em disputa no sociedade e no interior da escola.” (130)
É imprescindível a leitura e discussão da obra aqui resenhada, tendo em vista o momento atual em que todas as escolas da rede pública e privada estão em processo de (re)elaboração curricular. A obra traz aspectos relevantes que suscitam o debate em torno da Base Nacional Comum Curricular. Os capítulos da obra, cada um com sua especificidade, atendem todas as etapas da educação básica, desde a educação infantil ao ensino médio. Quando o livro foi publicado ainda não tínhamos a aprovação da Base do Ensino médio, mas as discussões aqui trazidas servem também para repensar o currículo da última etapa da educação básica. A obra serve como referência para todos os educadores da educação básica e para pesquisadores do campo do currículo.
Referências
SIMIANO, Luciane Pandini; SIMÃO, Márcia Buss. Base Nacional Comum Curricular para a educação infantil: entre desafios e possibilidades dos campos de experiência educativa. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 41, p. 77-90, set./dez. 2016.
IHU- INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Base Nacional Comum Curricular: O futuro da educação brasileira. São Leopoldo: RS. Nº 516, ano XVII, 4/12/2017.
SAVIANI, D. Da nova LDB ao plano nacional de educação.3.ed.rev.Campinas: Autores Associados,2000. (Educação contemporânea).
Luzia de Marilac Pereira Castro – Mestranda em Ensino pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB e Coordenadora Pedagógica na Educação Infantil. E-mail: ns3ead@yahoo.com.br.
Sandra Márcia Campos Pereira – Professora titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: sandra.campos@uesb.edu.br.