Beatriz Nascimento/quilombola e intelectual. Possibilidades nos dias da destruição | Beatriz Nascimento

O livro Beatriz Nascimento, quilombola e intelectual, organizado e editado pela União dos Coletivos Pan-Africanistas (UCPA), reúne o conjunto mais completo de escritos da historiadora e militante Beatriz Nascimento, entre já publicados e inéditos.1 A publicação chega em boa hora, atendendo a uma demanda crescente por parte de ativistas, estudantes e pesquisadores ávidos pelo conhecimento e reconhecimento da produção intelectual de negros e negras de diferentes gerações. A iniciativa da UCPA está em consonância com o projeto editorial que informou sua criação, assim como de outras editoras fundadas com o propósito de divulgar autoras e autores negros historicamente preteridos pelos grupos editoriais consolidados. A novidade, diga-se de passagem, são iniciativas semelhantes vindas de grandes editoras que, apenas recentemente, têm incluído em seus catálogos negros notáveis no campo das Ciências Sociais e da Literatura. Os organizadores e editores da UCPA têm seus próprios objetivos e público alvo, deixando explícito no primeiro texto de apresentação (orelha do livro) sua destinação última: “Quilombola e intelectual: possibilidade nos dias da destruição foi o título mais apropriado para sacramentar na consciência do povo preto a personalidade e a obra desta africana em diáspora: Maria Beatriz Nascimento”. Leia Mais

Só quem não leu ou não entendeu livros de Lobato pode julgá-los racistas | Jorge Coli

No último domingo, Jorge Coli publicou em sua coluna na Ilustríssima o texto intitulado “Viva Lobato!” (1) O artigo festeja a boa notícia de que as obras de Monteiro Lobato estão agora em domínio público. Coli retoma um debate que eu havia acompanhado com interesse em 2010, provocado pela denúncia de conteúdo racista do livro Caçadas de Pedrinho protocolada pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, no Conselho Nacional de Educação. Da denúncia resultou um parecer técnico solicitado pelo próprio MEC, que recomendou a permanência do livro no Programa Nacional de Biblioteca da Escola com a seguinte advertência: “A obra Caçadas de Pedrinho só deve ser utilizada no contexto da educação escolar quando o professor tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil”.

A recomendação deu publicidade ao assunto e levou a polêmica ao grande público. Escritores de prestígio como Ziraldo e Ana Maria Gonçalves se manifestaram publicamente. O primeiro defendendo a importância da obra de Lobato para sua e outras gerações de brasileiros; a segunda explicitando o conteúdo racista e alertando para seus efeitos danosos nas crianças negras. Leia Mais

Racismo em português: o lado esquecido do colonialismo | Joana Gorjão Henriques

Entre os séculos XVIII e XIX, vários viajantes estrangeiros que passaram por Lisboa descreveram, frequentemente com grande incômodo, o que lhes parecia uma característica extravagante da capital do Reino de Portugal: uma presença considerável de gente negra. Só para destacar um, entre tantos registros expressivos, o italiano Giuseppe Barreti, que esteve em Lisboa em 1760, não escondeu sua perturbação diante da quantidade de negros e mulatos que “formigavam em todo canto” da cidade. A multidão de gente de cor permanecia numericamente expressiva no início do século XIX. Segundo cálculos coevos, em 1801, os negros eram cerca de 15.000, de um total de 220.000 moradores da cidade de Lisboa. Isso de fato particularizava a capital de Portugal em comparação com outras grandes cidades e capitais da Europa, cuja presença negra não alcançava proporções semelhantes.1 O fenômeno, menos expressivo em termos demográficos, também podia ser observado em outras cidades do reino, como Porto, Faro e Évora. Entretanto, a história dos descendentes de africanos no sul da Europa em geral, e particularmente em Portugal, começa muitos séculos antes. Embora, em termos cronológicos e geográficos, as pesquisas sobre o tráfico de escravos e a escravidão em Portugal2 ainda sejam modestas e circunscritas, investigações recentes têm demonstrado que, já no início do século XVI, algo entre 15% e 20% da população de Lisboa “tinha nascido na África ou era de origem africana”.3 Leia Mais