Província, região e metrópole:  o interior nos projetos de modernização nacional na América Latina | Antíteses | 2021

É amplamente reconhecido que ao longo do século XX se aceleraram os processos de migração do campo para as cidades, fenômeno iniciado com a revolução industrial e que em alguns países latino-americanos já estava presente nas primeiras décadas do século passado. Nessa direção, a partir, principalmente, do segundo pós-guerra, os termos “cidade, modernização e desenvolvimento”, que na América Latina começaram a se entrelaçar a partir da década de 1930, fundiram-se em um vetor dinâmico que, mesmo sem fazer parte de programas completamente explícitos, promoveu ainda mais a tendência, com consequências não intencionais ou não de todo controladas, como, entre outras, a do aprofundamento dos desequilíbrios regionais.

Na contramão desta tendência geral ao redor da “cidade, modernização e desenvolvimento” ou mais propriamente da associação entre “metrópoles, modernização e desenvolvimento”, pensadores como Bernardo Canal Feijóo, na Argentina, e Gilberto Freyre, no Brasil, desenvolveram posições descentradas frente aos relatos metropolitanos nacionais ou nacionalistas então em voga, quer em direção a um entendimento/ enfrentamento dos problemas regionais (CANAL FEIJÓO, 2018) quer elegendo uma região e sua cultura (o Nordeste brasileiro) como “ferramenta metodológica” de interpretação nacional (FREYRE, 2001). Leia Mais

Memorias, región, conflicto, lecturas posibles latinoamericanas desde la perspectiva de la actual Comisión de la Verdad en Colombia/Ciencia Nueva. Revista de Historia y Política/2020

La crisis global de los paradigmas democráticos encuentra en los escenarios transicionales complejidades adicionales. Al desencanto experimentado ante las fragilidades de los órdenes democráticos y sus espejismos de inclusión y participación social, se suman las promesas transicionales de superación de las violencias endémicas, sin comprometer los intereses político-económicos que perfilaron los motivos de las confrontaciones armadas. Este doble reto se instala en las arquitecturas institucionales construidas en los escenarios transicionales, dibujando promesas que de manera frágil se enfrentan a las estructuras sociales construidas en los tiempos de las violencias. Leia Mais

As relações nação-região e os espaços de fronteira no processo de institucionalização das ciências e da saúde no Brasil / Outros Tempos / 2020

O dossiê em questão, dedicado às relações nação-região e aos espaços de fronteira no processo de institucionalização das ciências e da saúde no Brasil, é um dos primeiros resultados da nossa parceria, iniciada no ano passado no âmbito da ANPUH-2019, que está assentada no interesse mútuo por explorar as potencialidades analíticas do entrecruzamento das áreas de História das Ciências e trabalhos realizados no âmbito do debate sobre a existência de uma História Regional. Tal aproximação se deu também a partir dos estudos realizados pelo Núcleo de Pesquisa e Documentação em História (NUPEDOCH), da Universidade Federal do Piauí (Campus de Picos – CSHNB), e do grande fluxo de alunos egressos do Piauí que estão realizando os seus mestrados / doutorados no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (COC–FIOCRUZ–RJ), fruto de suas pesquisas desenvolvidas na graduação.

Percebemos, enquanto historiadores dos campos de história das ciências e da saúde, que contextos diversificados e mais particularizados, distantes dos já tradicionais Rio de Janeiro – São Paulo – Minas Gerais, passaram a ser privilegiados pelos pesquisadores. No entanto, cabe ressaltar, que muitos destes trabalhos acabam ficando desconhecidos e deslocados do diálogo com outras realidades, de modo que o local acaba não se conectando com o nacional e o global, e a reflexão se traduz a uma análise de particularismos, com pesquisas que não circulam e acabam sendo desconhecidas de um público maior.

O que propomos não é uma coleção de estudos de caso, mas sim, repensar o nacional a partir de uma diversidade de trabalhos que nos permitam amadurecer o debate sobre nação-região, centro-periferia e outras questões que perpassam o debate em História das Ciências. Nesse sentido, cabe destacar que tal perspectiva de análise já tem, nos últimos anos, gerado resultados de pesquisa relevantes no âmbito da História das Ciências e da Saúde no Brasil, como expresso, por exemplo, em trabalhos sobre a medicina tropical no Amazonas (Schweickardt, 2011) e sobre as instituições científicas do Paraná (Ardigó, 2011), além das diversas pesquisas desenvolvidas no âmbito das Pós-Graduações no Brasil, com destaque para o Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (COC – FIOCRUZ) e o Programa de Pós- Graduação 2 em História da Universidade Federal do Pará – com concentração em História Social da Amazônia. Todos os trabalhos que compõem este dossiê, escritos por pesquisadores de diferentes instituições do Brasil e que abrangem regiões de norte a sul do país, com recortes temporais que vão de meados do século XIX a meados do século XX, dialogam, de algum modo, com essa chave de interpretação.

Por volta dos anos 1980 assistimos a um processo de renovação importante no âmbito da História das Ciências no Brasil, a partir do qual saberes médicos, epidemias, saúde e doença de escravos, indígenas e mestiços, nas mais diversas temporalidades e contextos históricos, bem como estudos sobre museus naturais, periódicos médicos, escolas médico-cirúrgicas e comissões científicas, entre outros espaços institucionais passaram a ser reconhecidos como objetos legítimos dos estudos históricos, porém isso não significou necessariamente uma ampliação dos horizontes de pesquisa no que se refere aos recortes espaciais.

De um modo geral, percebe-se que vêm aumentando nos últimos anos os trabalhos que se dedicam a uma reflexão mais acurada sobre as diversas artes e ofícios de curar no interior do Brasil, sobre a institucionalização da ciência fora das principais capitais urbanas do país ou sobre a construção de trajetórias de cientistas em diferentes regiões. Sendo assim, considerando a importância de voltar a atenção para contextos particulares, alguns historiadores vêm desvendando as especificidades locais e a necessidade de perceber processos históricos diversos dos já tradicionais debates sobre os conhecimentos científicos e práticas médicas. A possibilidade desse olhar mais direcionado e circunscrito permite que se confrontem representações já cristalizadas no âmbito do imaginário social sobre determinadas regiões, permitindo maior problematização e reflexão crítica acerca da diversidade de contextos.

O universo de pesquisas sobre o tema da história regional nos coloca frente a trabalhos de natureza muito diversa, cuja leitura às vezes mais confunde do que esclarece seus significados e objetivos. Isso se deve, em grande parte, aos múltiplos sentidos atribuídos aos conceitos de região-nação, centro-periferia, por exemplo, dos quais decorrem também abordagens diferenciadas, dependendo do entendimento que dele se faça. Registre-se, no entanto, a relevância das análises regionais para os estudos históricos na medida em que permitem desafiar a homogeneidade de teorias generalizantes. Dada a possibilidade de aproximação com realidades mais particularizadas, tais estudos fazem emergir o específico e o diferente, viabilizando uma leitura alternativa que enriquece e complexifica a compreensão histórica sobre temas 3 variados. A imagem de que uma variação de escala permite contar outras histórias pode ser analisada, por exemplo, a partir de J. Revel, em livro no qual premissas diversas da historiografia na atualidade são abordadas, como o retorno da biografia e a microhistória. Nessa perspectiva de análise, o enfoque regional nos permitiria perceber com mais clareza a diversidade de experiências históricas.

Tendo em vista o grande debate historiográfico existente em torno das relações centro-periferia no âmbito da história das ciências, esse tipo de abordagem contribui para tensionar essas interações ao mostrar que os lugares dos centros e das periferias não podem ser considerados como fixos ou sem dinamicidade, muito menos como fruto de uma ciência capaz de definir com clareza os seus protagonistas, retirando-se toda a historicidade desses processos de definição. Nesse sentido, o conceito de circulação, de Kapil Raj, nos ajuda a compreender essa polarização que coloca em campos distintos um grupo que seria produtor de conhecimento e outro que seria mero receptor de práticas científicas vindas de fora, conferindo protagonismo a diferentes atores, muitos deles pensados até então como meros expectadores.

Sua ideia de que o conhecimento circula deixa os historiadores em alerta para as múltiplas possibilidades que os estudos focados em determinada região, por exemplo, podem trazer. Além de evidenciar o caráter relativo desses contextos considerados como “periféricos”, este tipo de estudo permite também que se note a existência de comunidades e práticas médicas e científicas locais que, ao se voltarem para a resolução de problemas cotidianos, mostram-se atualizadas e produtoras de conhecimento, trazendo elementos novos que nos levam a colocar em perspectiva o protagonismo de uma ciência pensada, sobretudo, a partir das regiões sul e sudeste do Brasil ou mesmo da Europa e dos Estados Unidos. E esse, nos parece, que é mais um motivo para apostar no potencial analítico do cruzamento entre as definições do que se convencionou chamar de História das Ciências e História Regional. Ao nos permitirem observar realidades mais específicas e ajustar as lentes para o dia-a-dia das práticas científicas, esse “casamento” entre dois campos correlatos possibilitará também que, no futuro, possamos contar com uma base variada e sólida de análises para a realização de mais estudos comparativos.

Por fim, ressaltamos ainda os artigos livres enviados para o v. 17, n. 30, 2020, da Revista Outros Tempos. Mesmo que tais trabalhos não estejam no rol dos artigos do dossiê sobre “As relações nação-região e os espaços de fronteira no processo de institucionalização das ciências e da saúde no Brasil”, os leitores perceberão que 4 todos dialogam diretamente com a proposta dos organizadores, pois trata-se também de uma tentativa de trazer à tona outras experiências históricas em contextos diversos dos já tradicionalmente trabalhados por uma historiografia oficial. Tal constatação já nos deixa com a sensação de que todo o esforço de organização e reunião dos artigos, entrevista, estudo de caso, foi completamente recompensado pelo resultado final apresentado neste volume.

Boa leitura!


COE, Agostinho Júnior Holanda; VIEIRA, Tamara Rangel. Editorial. Outros Tempos, Maranhão, v. 17, n. 30, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Complexo madeira: região, fronteiras e diversidades / Canoa do Tempo / 2020

Nas últimas décadas, a concepção de História Regional passou a se constituir como importante campo de estudos ao valorizar espaços sócio-históricos considerados periferias dos centros de tomadas de decisões políticas. Ao privilegiar noções como região, território, fronteira, etnicidade, dentre outras, ela tem possibilitado a valorização de espaços até então invisibilizados por análises historiográficas generalizantes. Os desdobramentos destas últimas têm sido, em muitos casos, a construção de representações esvaziadas de especificidades sócio-históricas, as quais negligenciam as características de determinados espaços regionais marginalizados pelas estruturas das organizações sociais hierarquizantes e pelas tendências geopolíticas hegemônicas e homogeneizadoras.

Considerando as reflexões apresentadas pelo editorial da Revista de História Regional (RHR), periódico do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa, a noção de “região” pode ser concebida como “uma produção de diferentes grupos, classes e culturas que a constroem mediante determinadas vivências e representações. [Assim,] uma região é tanto um espaço físico, ambiental e material quanto um espaço imaginário, simbólico e ideológico. E uma dimensão é inseparável da outra”.1 Para Claude Raffestin, o “espaço” se constitui como um campo de possibilidades para a conformação do “território” e “falar de território é fazer uma referência implícita a noção de limite que, mesmo não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com uma porção do espaço”. Assim, “a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade [sociedade-espaço-tempo] do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral”.2

Nesse sentido, o presente dossiê se propôs a reunir trabalhos que se debruçassem sobre as especificidades presentes na região denominada por Alfredo Wagner Berno de Almeida, em 2009, de “A última grande fronteira amazônica”. Para este autor, é preciso pôr em evidência os antagonismos sociais existentes na região amazônica, sendo importante que apresentemos elementos comparativos entre as diferentes realidades vivenciadas por indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais e outros grupos sociais denominados formalmente pelos órgãos fundiários como assentados e agricultores familiares, além dos residentes em perímetro urbano. Isto porque de acordo com Almeida, o discurso da “vocação mineral, agropecuária e energética”, voltado para a materialização de projetos desenvolvimentistas gestados na Amazônia em forma de construção de grandes obras de infraestrutura como hidrelétricas, rodovias, ferrovias, portos fluviais, dentre outros cresce a cada dia, sendo que a região denominada de “O Complexo Madeira” não está dissociada desse fenômeno.

Assim, a tese de Almeida é de que a ação das agências multilaterais, os interesses neoliberais dos agronegócios e aqueles referidos ao que se denomina usualmente de globalização “não teriam derrubado a capacidade e o poder de intervenção do Estado na região amazônica, ao contrário, se associaram a ele numa poderosa coalisão de interesses”, concorrendo para o aumento da concentração fundiária e o crescimento dos conflitos agrários nas fronteiras amazônicas.3 Por outro lado, o respeito e a preservação da relação entre natureza e cultura, no que concerne ao modo como as populações tradicionais lidam com o meio ambiente, está pautada no artigo 216 da Constituição brasileira de 1988, o qual prescreve que é responsabilidade do Poder Público e da comunidade zelar pela preservação do patrimônio material e imaterial relacionado às referências identitárias e às memórias dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.4

Dessa forma, consideramos que as representações sobre esta parte da Amazônia compreendem diferentes espaços e perspectivas que informam particulares relações sócio-históricas desenvolvidas ao longo das relações de contato entre diferentes sujeitos e coletivos. Além disso, o espaço relacionado ao Complexo Madeira, inclui regiões fronteiriças entre os atuais estados do Amazonas, Rondônia e Acre, assim como áreas relacionadas ao Vale do Guaporé até a fronteira com a Bolívia, partindo de uma perspectiva que privilegia a História Regional e evidencia diferentes relações estabelecidas nesta parte da Amazônia brasileira. Assim, as propostas que compõem esse dossiê privilegiam características sócio-históricas específicas e particularizadas. Cada uma delas a seu modo apontam caminhos e rascunham interpretações que nos permitem evidenciar vestígios do cotidiano social nessa parte da Amazônia.

Seguindo essa linha, o texto escrito pelo professor do Departamento Acadêmico de História da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Dante Ribeiro da Fonseca, intitulado Santo Antonio do Rio Madeira: as ambiguidades de uma povoação amazonense do Mato Grosso e a Madeira-Mamoré, evidencia o processo de surgimento e a dinâmica das transformações ocorridas na povoação de Santo Antonio do Rio Madeira, assim como as mutações ocorridas desde o início da construção da ferrovia Madeira-Mamoré em sua relação com o colapso da economia da borracha no Vale Amazônico, num processo que mescla referências dos séculos XIX e XX. Dentre suas importantes contribuições está a evidenciação dos processos históricos que informam o modo como a povoação de Santo Antonio, que surgiu como uma localidade do Mato Grosso ocupada pelo Amazonas, hoje resiste como um bairro da capital do território do Guaporé, Porto Velho, RO.

Outro trabalho que evidencia processos que informam uma espécie de geografia humanística é aquele desenvolvido por Aleandro Gonçalves Leite e intitulado Sentidos colonizados: a Zona Sul de Porto Velho na redemocratização nacional. Nesta proposta, o autor analisa, através da imprensa periódica, o processo de formação discursiva da ideia de uma periferia da capital de Rondônia e apresenta elementos para refletirmos sobre o modo como os sentidos produzidos discursivamente pela imprensa dos anos 1980, no contexto de reabertura política no Brasil, influenciaram os processos de expansão urbana de Porto Velho, RO.

Partindo das concepções de patrimônio, memória e representações, apresentamos três trabalhos que nos permitem compreender o modo como a relação entre as culturais materiais e imateriais vêm se constituindo nessa região. O primeiro deles, produzido pelo professor Alexandre Pacheco e intitulado O patrimônio histórico da EFMM: entre a “política do precário” e o impacto da natureza (Porto Velho, 2007- 2017), traz como proposta a análise estética e histórica do complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), em Porto Velho, a partir dos resultados de sua revitalização/restauração, a partir de 2007, e os impactos decorrentes da chamada “Grande Enchente do Rio Madeira”, ocorrida em 2014. A ideia do autor é evidenciar como a inadequação das políticas patrimoniais de preservação da cultura material e os impactos dos fenômenos naturais têm concorrido para um processo de invisibilização da EFMM nos últimos anos.

Já o trabalho desenvolvido por Marcelo Leal Lima, intitulado A instalação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré em O mar e a Selva, de Henry Tomlison e Mad Maria, de Márcio Souza, apresenta o projeto cartográfico “Complexo Madeira”, considerando a EFMM através das cartografias literárias de Tomlinson e Márcio Souza.

A proposta do autor é enveredar pela literatura de modo a evidenciar o processo de construção dessa ferrovia em plena Amazônia e indicar possibilidades do uso da literatura como elemento indicador de novos olhares socio-históricos e político-culturais na região.

Em seguida, a pesquisadora Carmem Rodrigues, no texto intitulado Um experto em Amazônia? O Visconde de Balsemão e a representação da Amazônia portuguesa no mapa “Colombia Prima or South America”, faz uma análise sobre os agentes colonizadores que auxiliaram o geógrafo inglês William Faden a produzir seu grande mapa da América do Sul intitulado Colombia Prima or South America, publicado em 1807. A proposta da autora é verificar quem foram os oficiais portugueses que auxiliaram nesta produção e, através da análise de suas trajetórias, verificar de que modo eles contribuíram para a criação de representações cartográficas sobre a região amazônica.

O terceiro conjunto de artigos traz uma mescla de discussões referentes às fronteiras, colonizações, projetos desenvolvimentistas e seus derivados impactos socioambientais. Cada um deles, a seu próprio modo, problematiza as mudanças micro e macro relacionais ao Complexo Madeira em múltiplas escalas. O trabalho escrito por Antônio Cláudio Barbosa Rabello, intitulado Agentes e agências na construção da política mineral brasileira e da fronteira amazônica (1930-1960), traz elementos para refletirmos sobre a noção de “volatividade da fronteira amazônica”, entendendo-a como produto de relações sociais em permanentes disputas na condução das políticas de Estado.

O trabalho ainda evidencia que os argumentos utilizados pelos agentes da mineração são fundamentados na ideia de que há primazia das atividades de mineração em detrimento dos processos de industrialização entendendo a primeira como principal alternativa à independência econômica do Brasil ao mesmo tempo em que produzem diferentes interpretações sobre a Amazônia e seu papel enquanto fronteira de recursos minerais.

Em seguida, o professor Rogério Sávio Link, no texto intitulado A “Ferrovia de Labre” e a consolidação da última fronteira, problematiza o projeto colonizador de Antonio Rodrigues Pereira Labre para o Complexo do Madeira e para a última fronteira brasileira entre Brasil e Bolívia. Nele, o autor apresenta elementos que contribuem com as reflexões relacionadas à História Regional do Complexo Madeira e com a evidenciação de processos de colonização e demarcação daquilo que também denomina como a última fronteira brasileira.

Já o trabalho redigido por Paula de Souza Rosa e Jéssyka Sâmia Ladislau Pereira Costa, intitulado O célebre Telesforo Salvatierra, o herói da terrível tragédia de Carapanatuba: conflitos pela posse de seringais e o mundo do trabalho no rio Madeira (1870-1887), analisa a trajetória do negociante e seringalista boliviano Manoel Telesforo Salvatierra no contexto de expansão conflituosa da fronteira extrativista desenvolvida na região. Ao refletir sobre os mundos do trabalho a partir de meados do século XIX, as autoras se propõem a reconstruir redes de relações familiares, econômicas e sociais estabelecidas por Manoel Telesforo na Bolívia e ao longo do Rio Madeira.

O trabalho que encerra esta apresentação é fruto uma excelente pesquisa desenvolvida junto aos pescadores do Rio Madeira, na região de Porto Velho. Intitulado Pescarias tradicionais da Cachoeira do Teotônio submersas pelas Usinas em Rondônia, os autores trazem à tona as transformações ocorridas na atividade de pesca de pequena escala, uma atividade de profunda importância histórica e que garantia segurança alimentar e renda para as comunidades desenvolvidas ao longo do Rio Madeira antes da construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Outra importância do trabalho está na evidenciação de que antes da construção das usinas, as atividades pesqueiras da região da Cachoeira de Teotônio se destacavam pela pescaria altamente adaptada à captura e produtividade. Nesse sentido, o objetivo do trabalho é descrever as mudanças socioambientais e históricas ocorridas nas atividades de pesca após a construção das usinas e nos indicar de que modo a alteração da condição da pesca pela modificação antropogênica do ambiente, aliado ao deslocamento de comunidades inteiras de suas regiões de atividades de sobrevivência tradicionais, altera as relações sócio-históricas entre sujeitos e coletivos e suas paisagens ao longo de gerações de pescadores.

Dessa forma, o dossiê reflete as diferentes tentativas de seus colaboradores e idealizadores para evidenciar um caleidoscópio de possibilidades de análise sobre uma região complexa e historicamente resultante de constantes transformações sóciohistóricas e geopolíticas. Não nos admiramos, nesse sentido, de que os trabalhos distribuídos ao longo desta publicação possam suscitar possibilidades de pesquisas futuras que privilegiem aquilo que se tem denominado a última grande fronteira amazônica. Com este dossiê, esperamos contemplar diferentes pesquisadores que se debruçam sobre essa região particular, denominada de “O Complexo Madeira”.

Notas

1As publicações feitas pela Revista de História Regional desde 1996 e demais informações sobre o periódico podem ser acessadas através do endereço: https://revistas2.uepg.br//index.php/rhr/index; Acesso em: 21 jan. 2021.

2 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder – Terceira parte: capítulo I – O que é o Território. Tradução: Maria Cecília França. São Paulo: Editora Ática, 1993, p. 153.

3 DE ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. A última grande fronteira amazônica: anotações de preâmbulo. In. DE ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno (Org.). Conflitos sociais no” Complexo Madeira”. Manaus: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia/UEA Edições, 2009, p. 22. Disponível em: http://novacartografiasocial.com.br/download/conflitos-sociais-no-complexo-madeira/; Acesso em: 21 jan. 2021.

4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm; Acesso em: 21 jan. 2021.

Fernando Roque Fernandes Porto Velho – Inverno amazônico, 2021.

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Região e Fronteiras / História – Debates e Tendências / 2018

A noção de fronteira apresenta um conteúdo polissêmico, pois seu significado varia de acordo com o campo em que este conteúdo é produzido e em consequência das mais diferentes linhas teórico-metodológicas adotadas pelos estudiosos. Para os historiadores, normalmente as fronteiras são entendidas no seu sentido tradicional de fronteiras políticas, bem como no sentido de locus do encontro de culturas diferentes.

No atual cenário socioeconômico decorrente da globalização, as fronteiras revelam um mundo poroso e complexo, marcado por relações que se alimentam de um conjunto de fatores para além do econômico-financeiro. Multiplicam-se fluxos de população; as regiões tornam-se mais móveis; e as fronteiras, mais deslizantes, mais multiculturais e interligadas, evidenciando as diferenças raciais, culturais, religiosas, econômicas e históricas. Leia Mais

História e Região / Sæculum / 2006

O número da Sæculum – Revista de História que ora se apresenta à comunidade acadêmica traz, pela primeira vez em sua trajetória editorial, a incorporação do formato dossiê à sua estrutura. Neste número, o tema contemplado é “História e Região” que, não por coincidência, corresponde a uma das linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB, ao qual a revista Sæculum está vinculada. Nesta perspectiva, a Saeculum busca, através de artigos oriundos de pesquisadores dos mais diversos locais do país e com base na abordagem da questão regional a partir de diferentes matrizes conceituais e de distintos enfoques temporais e espaciais, contribuir para o amadurecimento da reflexão teórica e da análise empírica envolvidas na produção da nossa pós-graduação.

Os três primeiros artigos que compõem este dossiê versam sobre a questão regional no período colonial. No primeiro deles, Mozart Vergetti de Menezes busca discutir o mapeamento e as singularidades das jurisdições política, administrativas, judiciária, militar e eclesiástica na relação da Paraíba com as diversas capitanias do Norte do Brasil; em seguida, Carlos Leonardo Kelmer Mathias busca destacar a importância do sistema de concessão de mercê para a manutenção e reforço das relações de mando naquele período; pela análise dos dados sobre o comércio da cidade de São Paulo, Denise A. Soares de Moura no próximo artigo, aponta para a possibilidade de redefinição do recorte regional e a identificação de outras dinâmicas do comércio colonial e das relações de poder então vigentes. Os dois artigos que se seguem trazem temáticas relativas ao período imperial: a constituição e o perfil sócio-político da Sociedade Federal de Pernambuco no início do período regencial é o que nos apresenta Sílvia Carla Pereira de Brito Fonseca e a discussão de como a manufatura açucareira na Província de São Paulo voltou-se para o mercado interno e, acompanhando o desenvolvimento do complexo cafeeiro, originou a grande indústria do açúcar em solo paulista é o tema desenvolvido no trabalho de José Evando Vieira de Melo. Pesquisas centradas no período republicano emergem com os artigos de Maria da Conceição Francisca Pires, que discute o processo de modernização ocorrido na cidade de Vitória (ES) durante o governo Jerônimo Monteiro, de Geni Rosa Duarte que, ao analisar o abrasileiramento da produção musical no país, põe em relevo os embates ocorridos entre as concepções de nacional e de regional e de Elison Antonio Paim, que procura demonstrar como se constituiu, historicamente, o Oeste Catarinense, tomando-se por base o sonho de colonização e de progresso. Finalmente, no último artigo que compõe o dossiê “História e Região”, Flávio Lúcio R. Vieira procura analisar a trajetória histórica do conceito de região, pondo em relevo a abordagem da questão regional nordestina a partir dos anos 50.

Além do dossiê “História e Região”, este número da Sæculum – Revista de História traz três artigos centrados na discussão do processo de formação de identidades: no primeiro deles, Ana Beatriz Ribeiro Barros Silva discute a construção, pela historiografia paraibana, da imagem heróica de André Vidal de Negreiros e a importância desta construção para a formação da identidade local; no segundo trabalho, Isis Pimentel de Castro aborda o papel crucial desempenhado pela pintura histórica e seus principais representantes na formação da identidade nacional; por fim, Isabel Cristina Martins Guillen e Ivaldo Marciano de França Lima discutem a espetacularização dos maracatus-nação em Recife entre as décadas de 60 e 90 do século passado.

Assim, plena de multiplicidades e enfoques diferenciados, apresentamos ao leitor mais esta edição de Sæculum, com o desejo de que os artigos aqui presentes provoquem o debate e o diálogo entre historiadores, contribuindo para a construção de uma história possível.


Equipe Editorial. Editorial. Sæculum, João Pessoa, n.14, 2006. Acessar publicação original [DR]

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História e Região |  SÆCULUM – Revista de História | 2006

O número da Sæculum – Revista de História que ora se apresenta à comunidade acadêmica traz, pela primeira vez em sua trajetória editorial, a incorporação do formato dossiê à sua estrutura. Neste número, o tema contemplado é “História e Região” que, não por coincidência, corresponde a uma das linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB, ao qual a revista Sæculum está vinculada. Nesta perspectiva, a Saeculum busca, através de artigos oriundos de pesquisadores dos mais diversos locais do país e com base na abordagem da questão regional a partir de diferentes matrizes conceituais e de distintos enfoques temporais e espaciais, contribuir para o amadurecimento da reflexão teórica e da análise empírica envolvidas na produção da nossa pós-graduação. Leia Mais

Nação-Região; Memórias: abordagens, escritura / História & Perspectivas / 2004

Reunindo trabalhos que tratam de momentos decisivos da história da ocupação da terra e da gestão da população em Minas e no Triângulo Mineiro, este número 31 da revista História & Perspectivas abre-se com um dossiê composto por alguns estudos relacionando as transformações regionais com a história política, econômica e cultural do país.

O abrangente campo destas relações nação-região é visto sob vários aspectos: primeiramente através de um artigo sobre as forças militares da Capitania de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII num contexto de intenso recrutamento militar devido às guerras de fronteiras no sul; em seguida estas relações são consideradas numa perspectiva sócio-econômica em dois estudos que examinam, num caso, o trabalho escravo na economia de subsistência do Triângulo Mineiro no processo de inserção da região na economia capitalista, e no outro, a política agrícola implementada nos anos 1960 a 1985, a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural e os custos sociais desta modernização rural em termos regionais e nacionais. Ainda no campo destas relações nação-região, publicamos uma análise sobre a influência do catolicismo e das características culturais regionais na expansão da religião kardecista no Brasil.

Este número apresenta também um outro conjunto temático formado por três artigos sobre a memória. Eles abordam, segundo seus diferentes objetos de análise, as formas de produção social, individual, os modos de representação e de escrita da memória – ou do esquecimento, conforme trata deste último o texto sobre a construção de uma memória histórica paulista que cria seus mitos, mas exclui importantes aspectos de seu passado. A questão das representações da memória é trabalhada através das experiências cotidianas da mulheres brasileiras na passagem do século XIX para o XX, vistas na escrita literária de Júlia Lopes de Almeida. Este conjunto se encerra com uma reflexão metodológica sobre uma modalidade específica de documento histórico, o diário pessoal, registro que, na maioria dos casos, permanece anônimo e restrito a uma determinada localidade, mas pode, no entanto, ser fonte de extração de várias possibilidades temáticas por parte do historiador.

Este número traz ainda dois artigos, os quais, por meio de temáticas distintas, e situando-se em abordagens disciplinares diferentes, uma delas referente à sociologia política e a outra à história da cultura brasileira na segunda metade do século XX, tratam da cultura democrática no Brasil contemporâneo. O primeiro tem como tema a discussão sobre a agenda política presente na atual reforma do estado, observando a necessidade de uma reflexão teórica na qual o problema da responsabilidade institucional seja equacionado considerando-se as dificuldades existentes para estabelecer escolhas sociais democráticas no meio sócio-político brasileiro. No segundo, a questão da democracia na cultura nacional é analisada sob uma outra perspectiva: aquela da sua supressão durante a ditadura militar instaurada a partir de 1964 e vista por meio de uma análise do jornal O Pasquim, que na sua oposição à ditadura redefiniu a imprensa alternativa brasileira por meio da crítica dos costumes, do humor e da inovação da linguagem jornalística.

Encerrando este número, publicado por ocasião do quadragésimo aniversário do golpe de 1964, apresentamos um texto da dramaturgia brasileira que é um testemunho contundente da situação de rebaixamento político e moral gerada pela violência imposta ao país durante a ditadura militar: trata-se de uma seleção de trechos da peça Torquemada, de Augusto Boal, que retrata a covardia, a violência física e psicológica da prática degradante da tortura.


Nação-Região; Memórias: abordagens, escritura. História & Perspectivas, Uberlândia, n.29-30, jul./dez., 2003 – jan./jul., 2004. Acessar publicação original [DR].

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