Reformas educacionais e Ensino de História: nossas interrogações

Reformas Imagem: Canva

Colegas, bom dia!

É um prazer estar de volta ao Encontro Estadual de Ensino de História, na Bahia, agora na condição de conferencista e ao lado da professora Cristina Ximenes.

Agradeço à coordenação do evento pelo convite e informo de imediato que me aterei ao título encomendado pela organização do evento: “Reformas educacionais e Ensino de História”.

Quero crer que a palavra “reformas” é uma referência direta às alterações promovidas no espaço disciplinar da História, sobretudo no Ensino Médio, entre a emergência da “Base Nacional Curricular Comum” (BNCC) e a implantação do “Novo Ensino Médio” (NEM).

Também quero crer que, ao escolher o tema, a coordenação requereu a minha posição sobre algumas das principais questões que animaram o debate recente, agora no início do governo Lula, entre os meses de março e maio deste ano.

Não me furtarei a dar respostas, ainda que minha contribuição possa causar incômodo entre os colegas. Falarei sobre aspectos das reformas atuais como elementos de média duração, ou seja, como a sétima modificação significativa nos currículos de História nos últimos 100 anos de República.

Com isso, relembrarei escrito publicado há dez anos e, ainda hoje, atual. Desconheço texto que trate do mesmo problema: as reformas curriculares nacionais que impactaram o currículo prescrito do ensino de História no Brasil, ao longo da República. O texto está disponível aqui, e pode ser acompanhado agora.

Em seguida, apresentarei alguns impasses que experimentamos ao atribuir valor à BNCC e à recente Reforma do Ensino Médio.

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Observem este quadro 1. Por ele, percebemos que, ao longo de aproximadamente 100 anos, vivenciamos sete reformas curriculares que impactaram os currículos de História em nível nacional, produzidas em ambiente autoritário e democrático e focadas no ensino secundário, no ensino de primeiro grau e em todas as etapas da educação básica. Foram iniciativas apropriadas de modo integral, como a Francisco Campos e a reforma da BNCC, ou eventos renegados, como as mudanças sugeridas pelos PCN.

Nestas iniciativas, envolveram-se cientificistas e historicistas, na primeira metade do século XX, ou entre estruturalistas e pós-estruturalistas, nas últimas três décadas do mesmo século XX. Comissões foram criadas e extintas, lideradas por intelectuais como Jonathas Serrano, Delgado de Carvalho, Circe Bittencourt e Claudia Ricce.

Na historiografia do ensino de História, essas reformas são, dominantemente, condenadas por seu conservadorismo de direita, seu nacionalismo xenófobo ou por seu elitismo classista.

Parte destas críticas também respingam nas reformas do nosso tempo. Observando na curta duração, somos revoltados, ansiosos e imediatistas. No entanto, observando na média duração, nos comportamos de modo parcimonioso e racional. Analisando no tempo de um século, percebemos melhor a repetição dos problemas e a clareza dos impasses. Citarei algumas dessas dificuldades agora para estimular a nossa reflexão e aperfeiçoar a nossa crítica.

O primeiro deles é a ideia de centralização. Considerando que a maioria dos que investigam o ensino de História (em escalas várias) se identifica dominantemente dentro de um espectro ideológico que vai da posição centro-direita à centro-esquerda, o currículo para o ensino de história, dos anos iniciais ao ensino médio deve ser centralizado, descentralizado ou misto? Se deve ser descentralizado ou misto, não há motivo nenhum para solicitar a revogação da BNCC.

O segundo impasse tem a ver com a autonomia para criar e implementar conteúdo do ensino de história. Essa atribuição é dos professores da educação básica, dos pesquisadores do ensino de história, das fundações e Ongs ou das comissões de notáveis contratadas pelo MEC? Se a construção e implementação de currículos de história é tarefa de professor, não há razão para ridicularizar os itinerários do tipo “fabricar brigadeiro”. Não há motivo, neste caso, para pedir a revogação do Ensino Médio.

O terceiro impasse tem a ver com a formação. Quem deve pautar os fins e conteúdo da formação de professores de História é a Universidade pública (que forma professores), o Ministério da Educação (que financia a formação e parte do ensino), os professores da educação básica (que ensinam História)? Se a formação deve ser pautada pelo MEC, com base na pesquisa universitária especializada e na vivência dos professores da educação básica, não há razão para solicitar a revogação da BNCC formação.

Outro impasse vem do peso atribuível à democracia. Ela é meio ou fim do ensino de História? Se ela é meio, não há razão para solicitar, novamente, a revogação da BNCC, da BNCC formação, da BNCC formação continuada, pois foram construídas em regime democrático e de modo democrático. Se ela é meio, não há razão para solicitar a instituição de um novo ensino médio na base da medida provisória, como fez Michel Temer.

O último impasse está relacionado ao conteúdo substantivo. Ao longo do século, oscilamos entre um currículo de História justaposto e um currículo de História integrado. Com a virada cultural (discussões sobre gênero e raça, por exemplo) dos últimos 20 anos, conhecemos nova possibilidade de organização: as abordagens conectadas as abordagens decoloniais.

As primeiras reforçam o currículo integrado. As segundas reforçam o currículo hegemonicamente nacionalizado e/ou latinoamericanizado, ou africanizado. Para quem opta pelas abordagens decoloniais, faz sentido revogar uma BNCC que estimula qualquer tipo de experimentação pelo fato de ela se mostrar um instrumento centralizador e tecnocrático? Ou faz sentido reformar a BNCC e orientá-la no sentido de imprimir uma das três acepções de epistemicídio como regra geral?

Há muito tempo, deixei de ter respostas prontas para estas questões. Me acostumei a analisar caso a caso, a pesar os condicionamentos do tempo breve e as lições adquiridas com a observação do mesmo acontecimento na média e na longa durações. Mas gostaria muito de ouvir vocês sobre esses impasses que trouxe para este auditório.

Muito obrigado!

Referências

FREITAS, I. Reformas educacionais e os currículos nacionais para o ensino de História no Brasil republicano (1931/2009). Cadernos de História da Educação[S. l.], v. 12, n. 1, 2013. DOI: 10.14393/che-v12n1-2013-12. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/che/article/view/22903. Acesso em: 6 ago. 2023.

OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; FREITAS, Itamar. Base Nacional Curricular Comum:Caminhos percorridos, desafios a enfrentar. In: CAVALCANTI, Erinaldo et al. História: Demandas e desafios do tempo presente – Produção acadêmica, ensino de História e formaçãodocente. São Luis: Editora da UFMA, 2018. p.49-63. Disponível em <https://www.academia.edu/40404500/BASE_NACIONAL_CURRICULAR_COMUM_CAMINHOS_PERCORRIDOS_DESAFIOS_A_ENFRENTAR_2018_>

Rumos da Sociologia na educação básica: ENESEB 2017/ reformas/ resistências e experiências de ensino | Haydée Caruso e Mário Bispo dos Santos

O livro abarca os Grupos de Trabalho do Encontro Nacional de Ensino de Sociologia na Educação Básica realizado no ano de 2017. O ENESEB ocorre com frequência bianual no contexto da Sociedade Brasileira de Sociologia.

Por tratar-se de uma coletânea de artigos, os textos apresentam de forma compacta, o resultado da reflexão realizada sobre o Ensino de Sociologia na educação básica, levando em consideração as conquistas e derrotas dessa disciplina nos últimos anos. São várias as possibilidades de investigar e analisar esse tema que vão desde uma revisão histórica da participação da Sociologia na educação básica passando por questões que envolvem a formação de professores até a formação política dos alunos de ensino médio. As análises podem discutir a relevância do ensino de Sociologia de distintas maneiras: nas licenciaturas e nas escolas através do PIBID, nas discussões sobre inclusão social, e ainda na utilização das novas tecnologias de informação. Leia Mais