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Against Nature | Lorraine Daston
El nuevo libro de Lorraine Daston es un breve ensayo que recapitula ideas previamente desarrolladas en sus dos conferencias Tanner “The Morality of Natural Orders: The Power of Medea” y “Nature’s Customs versus Nature’s Laws” (Daston, 2002), además de los dos libros editados The Moral Authority of Nature (Daston & Vidal, 2004) y Natural Law and Laws of Nature in Early Modern Europe (Stolleis & Daston, 2008). Los lectores asiduos de la filósofa germano-estadounidense encontrarán que Against Nature no tiene la erudición y la densidad conceptual de sus predecesores, pero sí una retórica más ligera y penetrante. La prosa de esta obra es diáfana, habiendo sido escrita tanto en alemán como en inglés por la misma autora, manteniendo un estilo liviano bastante alejado de la pesadez que otrora fue característica del pensamiento producido en Alemania. Pero, curiosamente, este libro se inscribe con gracia dentro de un tema propio de la tradición filosófica germana: la antropología filosófica enmarcada por la obra de Kant. Hay cierta sensación de yuxtaposición a lo largo del libro, semejante al cruce de temporalidades presentes y pasadas en los sueños. Por momentos parece que Daston no se ha movido de la filosofía del siglo XVIII, pero al cambiar de página queda en evidencia que se trata de una pensadora contemporánea en el sentido fuerte del término. Esto, lejos de ser una contradicción que le reste mérito al libro, resulta en una fascinante experiencia de integración poco frecuente en la academia actual. Leia Mais
Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e modernidade – FEENBERG (FU)
FEENBERG, Andrew. Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e modernidade. Tradução, ensaios e notas adicionais de Eduardo Beira com Cristiano Cruz e Ricardo Neder. Vila Nova de Gaia, Portugal: Inovatec, 2019. Resenha de: SZCZEPANIK, Gilmar Evandro. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.21, n.1, p.124-126, jan./abr., 2020.
Trata-se de uma importante obra filosófica escrita em forma de ensaios sobre tecnologia e modernidade. A obra, publicada originalmente em 2010 pela MIT Press, ganhou uma versão em português de Portugal em 2019 cuja tradução foi realizada por Eduardo Beira, Cristiano Cruz e Ricardo Neder, que acrescentaram três ensaios introdutórios e esclarecedores àqueles ainda não familiarizados com os pressupostos filosóficos do autor. Os tradutores e ensaístas fornecem algumas chaves de leitura que são imprescindíveis para uma adequada compreensão dos pontos apresentados. Chama a atenção, por exemplo, que Feenberg desenvolve uma análise filosófica sob uma perspectiva crítica que, por sua vez, se distancia de uma abordagem pessimista, determinista e catastrófica da tecnologia. Embora sua concepção de tecnologia não seja tecnofóbica, o autor também não pode ser considerado um otimista ingênuo que tende a ficar encantado com as fartas maravilhas fornecidas pelo desenvolvimento tecnológico. Em vez de ficarmos inertes e/ou apartados do desenvolvimento dos novos projetos tecnológicos, somos incitados a participarmos das mais diferentes formas, pois, para Feenberg, a tecnologia não pode ficar restrita apenas aos tecnocratas; ela precisa ser democratizada e novos atores devem ser incluídos no processo de gestação, criação e desenvolvimento de novas tecnologias. Além disso, são apresentados a teoria da dupla instrumentalização e os elementos constitutivos da racionalidade sociotécnica. Trata-se de uma abordagem bastante ajustada e inspiradora que tranquilamente pode ser utilizada para pensarmos e compreendermos as relações entre ciência, tecnologia e sociedade no Brasil e na própria América Latina. A obra encontra-se dividida em três partes, sendo que cada uma delas contém três ensaios. Tais partes são precedidas por um prólogo de Brian Wynne e, ao final delas, há um posfácio de Michel Callon. Passo agora a apresentar as partes que compõem a obra de modo mais sistemático.
A primeira parte da obra é chamada de “Para além da distopia” e é composta de três capítulos, cujos títulos são: i) racionalização democrática: tecnologia, poder e liberdade; ii) paradigmas incomensuráveis: valores e ambiente; e iii) daqui a cem anos, revendo o futuro: a imagem variável da tecnologia. No primeiro capítulo, Feenberg (2019, p.27) “apresenta os temas centrais deste volume: distopia e democracia, a dupla dimensão – técnica e social – da democracia, a reforma ambiental dos sistemas técnicos e a contribuição do construtivismo social para a filosofia da tecnologia”. Além disso, combate tanto o determinismo tecnológico quanto o determinismo econômico, mostrando que o projeto da sociedade é politicamente contingente. Utilizando-se de exemplos históricos (p. ex., trabalho infantil, a regulamentação das caldeiras, etc..), o autor demonstra a ambivalência dos projetos técnicos e defende que a democratização da tecnologia não se resume à democratização do acesso aos bens de consumo, mas envolve necessariamente uma efetiva participação nas decisões tecnológicas. No segundo capítulo, Feenberg recusa a versão do ambientalismo pautado em trocas compensatórias, pois não acredita que seja possível e/ou adequado lidarmos com questões ambientais tendo como pano de fundo a relação entre custo e benefício. Como é característico de sua postura reformista e/ou reprojetista, Feenberg julga necessário incorporar valores sociais e ambientais em futuros códigos técnicos, sendo preciso até mesmo, em muitos casos, uma regulamentação, pois est a pode fornecer um cenário favorável à economia sem necessitar ainda de uma estratégia compensatória. “Não é o ambientalismo que irá empobrecer a nossa sociedade”, diz Feenberg (2019, p.80). O terceiro capítulo, por sua vez, estabelece uma análise crítica comparativa entre as utopias e as distopias tecnológicas dos séculos XIX e XX que tinham como propósito traçar o destino da humanidade mediado pelas tecnologias. Entretanto, utópicos e distópicos dos séculos passados não conseguiram prever em suas profecias os desdobramentos da moderna tecnologia e, por esse motivo, muitos de seus diagnósticos carecem de verossimilhança.
A segunda parte da obra é intitulada “construtivismo social” e contempla três capítulos (iv, v e vi), chamados, respectivamente: “teoria crítica da tecnologia: uma visão geral”; “da informação à comunicação: a experiência francesa com videotexto” e “tecnologia num mundo global”. No capítulo quatro, o autor parte dos estudos construtivistas da tecnologia para desenvolver sua teoria crítica e procura romper com a imagem de que a tecnologia é uma atividade independente do contexto social no qual ela é gestada e produzida, pois argumenta que os códigos técnicos sistematizam tanto a especificação técnica disponível quanto as exigências sociais. Em outras palavras, os códigos técnicos são estabelecidos pelos valores dos atores dominantes. Assim, compete à teoria crítica explicitar quais os atores e os valores que são predominantes nos projetos tecnológicos, pois as decisões tomadas nesse processo possuem enormes implicações políticas. Para Feenberg, as decisões tecnológicas não podem ser tomadas exclusivamente pelos tecnocratas, pois elas são ações de poder que acabam influenciando, direta e indiretamente, o restante da sociedade. Por esse motivo, faz-se necessário democratizar a tecnologia, e esse processo de democratização somente será possível através da inclusão de novos atores e de novos valores que sejam capazes de pensar para além das capacidades técnicas, abarcando, por exemplo, possíveis consequências sociais, culturais e ambientais.
O capítulo cinco destina-se a descrever de forma pormenorizada a relação entre a máquina e seus usuários a partir da experiência dos franceses com o minitel, uma primitiva rede de computadores que teve seu propósito inicial alterado: de um sistema de busca de dados para um sistema doméstico de bate-papo entre usuários anônimos que identificaram no artefato técnico um canal de paquera e de encontros sexuais. Em linhas gerais, pode-se dizer que o minitel é um dos casos favoritos (juntamente com a proibição do trabalho infantil e a regulamentação das caldeiras) utilizados por Feenberg para demonstrar o aspecto não determinista e construtivista dos projetos tecnológicos.
O sexto capítulo relata o processo de modernização tecnológica ocorrido no Japão, sendo est e um dos primeiros países não ocidentais a se modernizar. Para entender as transformações ocorridas no país do sol nascente, Feenberg recorre a Kitaro Nishida, tido como fundador da moderna filosofia japonesa, que esclarece, de forma pormenorizada, o processo de globalização e as transformações dos hábitos e da cultura japonesa, apontando também para as resistências e para as adaptações pelas quais a ciência e a tecnologia ocidental tiveram de passar para atender as necessidades dos japoneses. Em síntese, pode-se dizer que os valores que orientam as escolhas técnicas ocidentais eram quase imperceptíveis para os pertencentes a est a cultura, mas tornaram-se gritantes e, em muitos casos, incompatíveis quando a tecnologia ocidental chegou ao Japão.
A terceira parte do livro denomina-se “modernidade e racionalidade” e inclui os capítulos vii, viii e ix, cujos títulos são, respectivamente: “teoria da modernidade e estudos tecnológicos: reflexões sobre como os aproximar”; “da teoria da racionalidade à crítica racional da racionalidade” e, por fim, “entre razão e experiência”, capítulo est e que dá nome ao livro. No sétimo capítulo, Feenberg observa que as teorias da modernidade e as teorias da tecnologia realizaram grandes avanços nas últimas décadas, embora ainda permaneçam isoladas, mesmo tratando basicamente dos mesmos objetivos. O grande desafio apresentado pelo autor consiste em encontrar meios e desenvolver estratégias para que esses dois ramos possam se aproximar. O viés cultivado pelo autor para fazer essa ponte consiste na retomada das abordagens hermenêuticas comuns, nas quais “tecnologia” e “sociedade” não pertenceriam a esferas separadas, pois os seres humanos fazem, criam, desenvolvem tecnologias que, por sua vez, ajudam a moldar e a configurar os próprios seres humanos. Trata-se de um processo de “co-construção” tanto dos seres humanos quanto da própria sociedade.
No oitavo capítulo, Feenberg investiga os tipos de racionalidades existentes nas sociedades modernas, estabelecendo uma análise comparativa entre os modelos de racionalidades das sociedades pré-modernas. Ademais, introduz o conceito “racionalidade social” que se encontra fundamentada nos princípios de troca de equivalentes; classificação e aplicação de regras; e, por fim, na otimização do esforço e cálculo dos resultados. Além disso, chama a atenção para a teoria geral da instrumentalização e para os códigos de projeto que se referem à est andardização de sistemas racionais que são duráveis, mas passíveis de revisões devido àsalterações nas leis, nas condições econômicas, nos desejos públicos e no próprio gosto dos usuários e consumidores.
O nono capítulo trata da temática central da obra, a saber, da tecnologia como a aplicação da racionalidade técnica e científica tendo como pano de fundo o mundo da experiência cotidiana. Feenberg destaca que nas sociedades pré-modernas, por exemplo, o domínio do conhecimento e o domínio da experiência eram próximos, enquanto nas sociedades modernas tais domínios se encontram isolados. No intuito de promover uma adequada compreensão da técnica, Feenberg retoma as abordagens da essência da técnica de Heidegger e da transformação da técnica através da est ética de Marcuse para, a partir delas, tecer sua abordagem crítica e democrática em torno da tecnologia.
Em síntese, a presente obra de Feenberg mantém os pressupostos filosóficos de sua abordagem crítica presente em seus textos anteriores e enaltece os aspectos políticos e democráticos envoltos nas tomadas de decisões tecnológicas. Como muito bem observa Callon (p. 321) noposfácio de Entre a razão e a experiência, “não há democracia boa sem democracia técnica! Inversamente, não há boa técnica sem democracia”. Enfim, encontramos em Feenberg uma genuína e fértil reflexão filosófica sobre a tecnologia. Genuína, pois apresenta uma forma original de ver e compreender o processo tecnológico. Fértil, porque lança luzes sobre problemas e questões que ainda permanecem em aberto, desafiando a comunidade filosófica a encontrar respostas adequadas aos desafios suscitados pela tecnologia.
Gilmar Evandro Szczepanik – Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Unicentro/ PR – Universidade Estadual do Centro-Oeste. Guarapuava, PR, Brasil. E-mail: gilmarevandro@unicentro.br
Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e modernidade – FEENBERG (C)
FEENBERG, Andrew. Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e modernidade. Tradução de Eduardo Beira; Cristiano Cruz e Ricardo Neder. Portugal: MIT Press, 2017. Resenha de: HABOWSKI, Adilson Cristiano; CONTE, Elaine. Conjectura, Caxias do Sul, v. 24, 2019.
A obra Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e modernidade, de Andrew Feenberg, traduzida para o português por Eduardo Beira, Cristiano Cruz e Ricardo Neder, apresenta inicialmente uma introdução a Andrew Feenberg e à teoria crítica da tecnologia, com o propósito de informar o leitor sobre a biografia e as produções teóricas de Feenberg. Na obra são esboçadas as principais ideias sobre o fenômeno técnico, o que Feenberg denomina de “Teoria crítica da tecnologia”, evidenciando seu vínculo com as reflexões autocríticas da tradição cultural.
Andrew Lewis Feenberg nasceu em Nova York, nos Estados Unidos, em 1943. Seu interesse pela filosofia e literatura o levaram para a formação em Filosofia, graduando-se na Universidade John Hopkins em 1965, seguindo para a Universidade da Califórnia, em San Diego, onde obteve o título de mestre em 1967. Nos anos posteriores, passou pela Universidade de Paris, na França. Ao retornar aos Estados Unidos, Feenberg realizou o doutorado na Universidade da Califórnia, sob a orientação de Herbert Marcuse, concluindo essa etapa em 1973. Além das muitas atuações como conferencista e docente visitante em instituições de diferentes países, Feenberg trabalhou como professor na Universidade Estadual de San Diego de 1969 a 2003. Mudou-se para Vancouver, Canadá, assumindo a posição que até hoje ocupa, a de professor na Universidade Simon Fraser e a cátedra em Filosofia de Tecnologia. Leia Mais
Realizing Reason: A Narrative of Truth and Knowing – MACBETH (M)
MACBETH, Danielle. Realizing Reason: A Narrative of Truth and Knowing. Oxford: Oxford University Press, 2014. 494 p. Resenha de: VALENTE, Matheus; DAL MAGRO, Tamires. Manuscrito, Campinas, v.39 n.3 July/Sept. 2016.
Danielle Macbeth’s Realizing Reason is a tour de force about the history of mathematical knowledge from ancient Euclidean geometry to the late 19th century and early 20th century developments on mathematical logic. It is an ambitious work dealing with a vast array of subjects and philosophical themes while still being able to consistently display a high standard of erudition and originality in areas as diverse as the Philosophy of Mathematics, Language, Science and Mind.
The narrative of the book is complex and multifaceted, but its main thread is two-fold. On one hand, Macbeth aims to develop a novel account of “our being in the world” which gives room for the existence of normative facts in a world which is fully explained by mechanistic causal laws – a profound philosophical dilemma that stands at the center of many authors’ works such as Kant, and, more recently, Macbeth’s former Pittsburgh colleague, John (McDowell, 1994). On the other hand, Macbeth argues for a reparation on the perspective with which philosophers should see the practice of mathematics and the mode through which it attains knowledge. The author’s objective is primarily to show how the practice of mathematics, in each of its historical stages from the Greeks to the present, by means of its characteristic linguistic notations, enabled thinkers to literally amplify their knowledge, as opposed to merely making explicit what was already implicit in the information one had begun with. Furthermore, Macbeth aims to prove that this much is true even of mathematics as it is currently conceived, i.e. “the practice of reasoning deductively from concepts” (p. 5). One of the author’s main challenges is to show how there can be such a thing as an “ampliative deduction”, and in order to achieve this feat, Macbeth must break through Kant’s conceptual distinctions to open the way for the idea that the knowledge attained by some deductions, which is, per definition, analytic, can, at the same time, be synthetic.
Both issues dealt with in the book – the apparent incompatibility of reasons in a world of causes and the notion of ampliative mathematical knowledge – are foundational questions in Philosophy and each can be traced to the early beginnings of philosophical practice itself. It is noteworthy that Macbeth sets out to tackle both at the same time while also showing how the resolution of one question is tied to the resolution of the other (and vice-versa).
The book is divided into three main sections, each composed by three chapters, which chronologically tell the story of reason’s development and unfolding from the Ancient Greek’s mathematical practice to the present. The first section is entitled Perception, alluding to Macbeth’s claim that in the early stages of our intellectual development we have our “primary mode of intentional directedness in perception” (p. 17). This corresponds to a time before the Cartesian turn in the sixteenth century, where “pure intellection”, as opposed to the perception of an object, “becomes the paradigmatic mode of intentional directedness and the model even for perception” (p. 18). This intellectual revolution, which led us from bare perception to pure intellection, is the main theme weaving together the three first chapters.
In Chapter 1, Macbeth presents a story detailing how perceptually aware beings, like ourselves, have managed to progress from our ancestors’ rudimentary capacities of imitation and of synthesizing procedural knowledge to sophisticated self-consciousness and rationality. Crucial to Macbeth’s story is a profound anti-Cartesian stance, according to which we should not make a division between the merely physically describable stuff that is “outside” and the normatively significant, meaningful experiences that are “inside” (p. 20). In explicit opposition to Robert (Brandom, 1994), Macbeth suggests jettisoning altogether the idea that a world described by means of causes stands in contrast to a world described by means of reasons, as if these concepts were not applicable to things of the same nature. Just as nature acquires biological significance as animals evolve in their environments, e.g. a bunch of leaves becomes food, so does nature become socially and culturally significant as intelligent beings begin cooperating, sharing goals and engaging in practices and games among themselves. The last step in that progression is the transformation of social beings into “properly rational beings capable of distinguishing in principle between how things seem and how things are” (p. 56); that is, the acquisition of the capacity to step back from our natural inclinations and to realize that “anything we think can be called into question, and improved upon” (p. 49). This final stage of intellectual development, Macbeth claims, depends fundamentally on the coming into being of a natural language, which is, albeit contingent and historical, not an obstacle to objectivity, but constitutive of our access to it.
Notwithstanding their importance, natural languages are intrinsically grounded on our perceptual means of access to the world, and, for that reason, do not reach far enough so as to provide us with knowledge of all there is to be known about in the world. In chapter 2, Macbeth delves deeply into Ancient Greek mathematics – exemplified by Euclidean diagrammatical practice, a methodology that would be the unchallenged orthodoxy in Western mathematical thought for centuries until the Renaissance – in order to make clear how the unfolding of reason takes us ever more far from our immediate empirical reality. Macbeth’s central claim in this chapter is that, in Euclidean diagrammatical practice, we do not reason on diagrams, but in them; in other words, Macbeth claims that an Euclidean diagram does not merely describe a certain course of mathematical reasoning (as, for example, we could describe a mathematical demonstration on natural language), it “formulates the contents of concepts” in a mathematically tractable way and, for that reason, constitute – as opposed to merely picturing or describing – the reasoning itself. As Macbeth fleshes out that important distinction, it becomes ever clearer how demonstrations in Euclidean geometry managed to amplify our knowledge, often giving rise to discoveries that were not even implicit in what the demonstration had begun with. Differently from an Euler or Venn diagram (or any other types of “picture proofs”), in an Euclidean diagram “what is displayed are the contents of concepts the parts of which can be recombined with parts of other concepts”. So, for example, a certain mark in a diagram may be seen as either the side of a triangle or the radius of a circle, depending on the perspective that the reasoner impinges on the drawing. The possibility of this “gestalt-shift” (absent in, e.g. Euler and Venn diagrams) is what explains how figures often pop-up in an Euclidean proof – such as when an equilateral triangle appears as if from nowhere in the proof I.1 of the Elements – and thus, how “something new can emerge that was not there even implicitly”.
Chapter 3 leads us to the radical departure from Ancient thought that happens during the Renaissance with the rise of Modern philosophy, physics and mathematics. Macbeth is particularly concerned with Descartes’ influence in the emergence of a new mathematical practice by means of the introduction of the language of elementary algebra. The algebraic method adds a new degree of abstraction to the activity of reasoning, Macbeth argues, since its intentionality is not object-oriented, but directed to the merely potential relations which arbitrary objects may instantiate (p. 132). For example, one begins to interpret geometrical objects in a computationally tractable way, as the arithmetical relationship of some lengths (e.g. a square is some quantity multiplied by itself). By abstracting away from objects, and, thus, from any subject matter in particular, Descartes’ language allows “pure intellection to become (at least in intention) an actuality” (p. 149). Similarly to the language of Euclidean geometry, Descartes’ algebraic method is not to be conceived as merely a tool through which a course of reasoning can be described or pictured; instead, these symbolic languages present content in a mathematically tractable way, and, because of that, are the matter by means of which reasoning itself is constituted, or, to use Macbeth’s terminology, reasoning comes into existence in those symbolic languages, as opposed to being merely described on them.
The next triad of chapters is entitled “Understanding”, referencing the fact that Kant’s legacy to Philosophy entails that “pure reason is not and cannot be a power of knowing as Descartes had thought. Not reason but only understanding is a power of judgement, of knowing” (p. 151). This is precisely what chapter 4 is concerned about, more particularly, Kant’s Copernican revolution, by means of which our epistemic access to reality is turned upside-down, requiring “the philosopher […] to focus not unthinkingly on the object of knowing but self-consciously on the power of knowing, on what reason requires of objects as objects of knowledge” (p. 199). Macbeth’s argues that, as groundbreaking as Kant was, his thought was still pretty much restrained by the scientific, and, most importantly, the mathematical practice of his day, which, absent the revolution that would come in the nineteenth-century, could not ground a proper account of mathematical truth and knowledge – that is, an account of mathematical truth and knowledge answerable to things as they are in themselves, as opposed to things as they merely appear to us.
Chapters 5 and 6 present the new form that mathematics has come to be clothed in by means of the collective effort of intellectuals throughout the nineteenth-century. By means of the work of mathematicians such as Bolzano, Galois and Riemann, Macbeth tells us the story of how mathematics, after twenty-five centuries of development, finally becomes a self-standing discipline, “the work of pure reason wholly unfettered by the contingencies of our form of sensibility” (p. 244). However, not all is well with that sudden reshaping of mathematical practice, since, if mathematics answers to nothing outside of its own activity, as it came to be seen, it starts to look as if mathematics is nothing more than a linguistic game, completely disconnected of any struggle for objectivity.
Indeed, for much of the twentieth-century, Macbeth will go on to argue, a cluster of theses based on (i) the distinction of logical form and semantical content, (ii) a truth-theoretical account of meaning and (iii) a primacy of mathematical logic as the ruler of all formal disciplines will go on to become the orthodoxy in the understanding of mathematics and of its practice. This is, according to Macbeth, a very unfortunate event, since it seems force on us a picture of logic and mathematics as being merely formal disciplines, and, for that reason, completely deprived of intentional properties. Even worse, and this is one of the central points of the book, this is the picture that intellectuals born during the twentieth-century (even the best of them), have accepted without subjecting it to scrutiny, i.e. a picture of reasoning as being purely mechanistic, “nothing more than the rule-governed manipulation of signs with no regard for meaning” (p. 293).
In the last group of three chapters, aptly entitled “Reason”, Macbeth purports to analyze the philosophical problems that are engendered by the last great revolution in mathematics, i.e. when it came to be seen as “a practice of deductive reasoning on the basis of defined concepts” in nineteenth-century Germany. Most pressing to the author’s concerns is showing that this new conception of the mathematical practice is not purely formal in the sense that it came to be seen by philosophers, but, on the contrary, that it is intrinsically meaningful and often enables us to attain knowledge in the strongest sense of that concept, that is, objective knowledge about things in themselves.
In chapter 7, Macbeth takes the reader to a confrontation, for the first time, with Gottlob Frege’s Begriffsschrift, a mathematical notation that “was explicitly designed as a notation within which to reason deductively from concepts in mathematics”. This long chapter goes at great lengths to explain Frege’s concept-script because, as Macbeth defends, one must understand the notation in order to be able to see the mode of reasoning embodied within it. The pinnacle of the chapter, however, is Frege’s proof of theorem 133 in Part III of the Begriffsschrift, which Macbeth presents as being a real example of a deduction that establishes a real extension of one’s knowledge. The particularity of that proof is the book’s central concern until its very end, namely, the fact that it joins content from two definitions, as opposed to merely joining content from two axioms. That operation of bridging the content from two previously unconnected definitions is precisely what enables that mathematical practice to amplify one’s knowledge. Just as figures often pop up in a Euclidean diagram, “as if from nowhere”, some deductive proofs link concepts that were independently introduced and which, absent that proof, would display no immediate connection among themselves.
That much gets clearer throughout chapter 8, where Macbeth argues that definitions, although they are, by nature, stipulative, are not epistemically vacuous, since they serve to articulate the inferential content of particular concepts, and that is something one might – objectively – succeed in doing correctly or not. Definitions, however, do not amplify one’s knowledge by themselves; it is only in the context of a proof that they are able to forge new links within one’s conceptual repertoire:
proofs without definitions are empty, merely the aimless manipulation of signs according to rules; and definitions without proofs are, if not blind, then dumb. Only a proof can actualize the potential of definitions to speak to one another, to pool their resources so as to realize something new. (p. 387)
The conception of reasoning that we reach by the end of the book is, contrary to the Early Modern simulacrum that we have unreflectively inherited, is neither reductive nor mechanistic. It does not purport to reduce the content of concepts to primitive notions, instead, those contents are displayed in a mathematically tractable way. It is also not mechanistic, Macbeth claims, since the knowledge attained by a deductive proof may be, at the same time, both analytic and synthetic – a fact that makes Kant’s dichotomies stand in need of a radical revision.
The book’s narrative comes full-circle by the end of chapter 8 and throughout chapter 9, where Macbeth studies the case of physics, about which she draws a parallel between the nineteenth-century revolutions in mathematics and the twentieth-century revolutions in theoretical physics. The underlying theme is that mathematics and physics have both recently undergone profound revolutions, while philosophy “has, until now, remained merely Kantian” (p. 453). The final blow on the Cartesian view that we have inherited from the early moderns involves disentangling the Sinn/Bedeutung distinction from that of concept and object (a disentanglement that was out of reach for Kant). Only by clarifying those distinctions, we can understand “how a radically mind-independent reality and an unconditioned spontaneity are not only compatible but in the end made for each other” (p. 451).
Realizing Reason suffers from a flaw that is an almost inevitable consequence of its virtues. Macbeth’s overambition, i.e. her attempt to leave no stone unturned, leads to her book having a certain bric-à-brac quality, since the thread that unites her narrative throughout highly distinct subject matters is usually, but not always, evident. Regardless of that, this book presents innovative theses in a multitude of areas, of special interest being its analysis of Frege’s work, which sees his accomplishments from a whole new perspective and as giving rise to a heterodox conception of ampliative deductive knowledge. All in all, Realizing Reason is a recommended read for anyone with interests in the broad set of areas encompassing the philosophy of mathematics, mathematical practice, history of mathematics and logic, and who is interested in seeing how the issues on those areas communicate with issues in the philosophy of mind, language and the history of philosophy.
References
BRANDOM, R. B. Making It Explicit: Reasoning, Representing, and Discursive Commitment. Harvard University Press. Link no philpapers: http://philpapers.org/rec/BRAMIE, 1994. [ Links ]
MCDOWELL, J. Mind and World. Cambridge: Harvard University Press. Link no philpapers: http://philpapers.org/rec/MCDMAW, 1994. [ Links ]
Matheus Valente – 1Universidade Estadual de Campinas 57 Monroe St, Campinas 13083-872, Brazil, matheusvalenteleite@gmail.com
Tamires Dal Magro – Universidade Estadual de Campinas Rua Cora Coralina, 100, Campinas 13083-872, Brazil, tamiresdma@gmail.com
Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico – DEBONA (V-RIF)
DEBONA, Vilmar. Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico. Prefácio de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: KLEIN, Glauber Cesar; SANTOS, Élcio José dos. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.1, n 1, p, 151-159, 2010.
Podemos medir a excelência e a pertinência de um comentário filosófico, ou mesmo de uma obra filosófica, a partir de dois critérios essenciais: (i) a dificuldade do problema elegido para a investigação e (ii) a acuidade na execução do exame e da solução, contando aqui as categorias de clareza e elegância de exposição, rigor conceitual na análise e poder explicativo da análise do tema para o pensamento completo do autor. O livro de estreia de Vilmar Debona, Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico, a nosso ver, contempla esses dois critérios de excelência e de pertinência. Vejamos de que modo.
I O jovem especialista em Schopenhauer, Vilmar Debona, atualmente doutorando do Departamento de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo e professor do Departamento de Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, autor, entre resenhas e artigos, de diversos trabalhos sobre Schopenhauer, lança agora o seu livro de estreia, Schopenhauer e as formas da razão, O teórico, o prático e o ético-místico. Resultado de sua pesquisa de mestrado pela PUCPR, defendida como dissertação em 2008, o livro apresenta uma versão retocada da Dissertação. A pertinência da publicação pode medir-se já pelo seu título, que anuncia um tema ao mesmo tempo sóbrio e provocativo. Sóbrio, pois indica um estudo temático preciso e técnico, sendo já por isso promissor à leitura dos estudiosos em Schopenhauer.
Provocativo, por destacar a pretensão de uma leitura reformadora da compreensão da crítica de Schopenhauer, esse celebrizado pensador irracionalista (seja como pessimista inveterado, seja como crítico visceral dos projetos racionalistas da tradição, abandonados, justamente, também pela influência do pensador da Vontade, do Corpo e do Sexo), ao conceito de razão.
Neste sentido, o de se engajar em uma interpretação do autor de O Mundo como vontade e como representação que reconsidera e revaloriza o papel da razão na filosofia de Schopenhauer, o autor coloca, por um lado, que “justificar a razão como secundária em relação ao entendimento e à Vontade, (…) eis um dos grandes propósitos da visão de mundo de Schopenhauer”, que, assim, traria à primeira página de sua agenda filosófica a tarefa de realizar “uma inversão na ordem das prioridades”, mostrando que “antes de um homem que pensa, o ser humano é um animal que quer” – e, nisto, estamos no ponto pacífico das interpretações schopenhauerianas –, e, por outro lado, anuncia o tema problemático de sua investigação, o de saber “como se comporta a razão no processo de sua própria descentralização”. Vejamos em detalhe a posição do problema.
A par da novitas schopenhaueriana, o primado da Vontade metafísica enquanto blosser blinder Drang, segundo a qual “a razão é deslocada para uma instância periférica em relação à centralidade que a história da filosofia lhe havia outorgado”, abrindo-se assim um espaço vazio a ser preenchido pela tese fundamental do pensamento de Schopenhauer, a saber, a identificação de uma Vontade cósmica com a coisa-em-si, portanto, com a consideração do significado metafísico do mundo, a questão posta pelo autor visa analisar em que medida e por quais caminhos a razão reaparece como faculdade fundamental para a negação continuada da Vontade: A alavanca impulsionadora desse estudo é, sobretudo, a afirmação de Schopenhauer de que na medida em que o santo ou o asceta alcança, de maneira excepcional, a total negação da Vontade, desabrocha com ela uma espécie de conhecimento do todo da vida, por sua vez detentor de uma índole intuitiva a ponto de se chegar a um conhecimento místico (p. 78).
II Para responder a questão que se coloca – reformulemo-la: Se, por um lado, a filosofia de Schopenhauer nos apresenta uma crítica radical e explícita ao conceito de razão, dimensionando-o inauditamente como secundário em relação a um princípio mais fundamental, o da Vontade, por outro lado, ela não parece desembocar em um irracionalismo completo, pois igualmente compreende a capacidade racional como essencial no registro ético-místico da viragem da Vontade como negação de si mesma –, Debona destrincha, do primeiro ao terceiro capítulos de seu comentário, a crítica negativa de Schopenhauer ao conceito de razão.
O primeiro capítulo, O entendimento e as representações intuitivas, detém-se no que podemos entender como o primeiro passo da crítica schopenhaueriana da razão: distinção entre razão e entendimento. Este é responsável por nossas representações intuitivas; aquela, pelas abstratas. Se o primeiro capítulo desce aos pormenores do tratamento schopenhaueriano das representações intuitivas, não sem destacar a importância para a compreensão do pensamento do filósofo do estatuto “intuitivista” das representações empíricas em particular, o segundo, Representações abstratas: a razão teórica, já trata diretamente da faculdade racional, em concreto da consideração da razão enquanto faculdade abstrata independente das intuições e do entendimento, ou, para usarmos o vocabulário preciso e claro de Debona, a razão em sua forma teórica. O segundo capítulo é importante, então, por iniciar propriamente a análise da crítica da razão em Schopenhauer.
O capítulo seguinte, intitulado A razão prática, avança na análise e no esclarecimento da segunda forma da razão no pensamento de Arthur Schopenhauer, a saber, a sua forma prática. Qual o limite e o alcance válido da razão em seu uso prático? Eis a questão. E aqui novamente encontramos uma leitura rigorosa, elegante e fina do comentador. Debona não se limita às análises dos textos pertinentes à razão prática presentes n’O mundo como vontade e como representação, na Crítica da filosofia kantiana e no Sobre o fundamento da moral; também esmiúça os caros (embora pouco lidos profundamente, e, por isso, menos frequentados) Aforismos para a sabedoria de vida. A lente minuciosa de Debona nos expõe, em primeiro lugar, “que a razão prática recebe um tratamento ‘diferenciado’ nos Aforismos para a sabedoria de vida”, pois nos outros três textos mencionados, ela aparecia “como algo que simplesmente advém da razão teórica como um distintivo dos homens com relação aos demais animais”, enquanto que nos Aforismos a faculdade racional em sua forma prática é, segundo o comentador, reavaliada, recebendo uma significação mais positiva: Conforme podemos identificar em textos da obra de maturidade do filósofo, especificamente no texto dos Aforismos, a razão prática permite compreender, por exemplo, a noção de “caráter adquirido” que pode ser tomada como a própria razão teórica associada à experiência do entendimento. Assim, a razão prática retém em máximas conceituais a experiência variegada de vida e, através da menção do caráter adquirido, passa-se a tomar essa forma da razão enquanto proporcionadora de uma sabedoria de vida, semelhante ao que indicavam os estóicos e epicuristas com as noções de eudaimonia e de justa medida (p. 26).
Isso dá muito que pensar – a razão, a princípio tangenciada para a periferia da explicação do mundo, seja em relação a seu papel na hierarquia das faculdades, a saber, como mero reflexo das representações do entendimento e da intuição, seja em relação ao papel que cumpre na explicação do significado do mundo, subalterna à Vontade, surge agora, nos Aforismos, portanto após 30 anos da primeira edição de O mundo como vontade e como representação, como “proporcionadora de uma sabedoria de vida”. Das sombras à “vida de modo mais agradável e feliz possível” 1.
III A investigação sobre o conceito de razão, e de suas formas dispostas de modo tripartite, avança para a consideração do papel da razão do ponto-de-vista estético. Neste sentido, o quarto capítulo do livro de Debona, Da possibilidade de uma razão ético mística, começa a tocar, pela análise da Objektität des Willes e da negação da vontade via intuição estética, na tópica mais preciosa de sua leitura, a terceira forma possível da razão, intitulada de modo feliz por forma ético-mística.
Retrilhando pontualmente a ordem argumentativa da exposição do pensamento de Schopenhauer disposta n’O mundo como vontade e como representação, Debona debruça-se agora na intuição estética “como a idéia de negação da Vontade em seu estágio mais primário” (p. 26). A arte nos oferece, diz Schopenhauer, reafirma Debona, o degrau necessário para se alcançar o que será, no quarto livro, o sentimento de compaixão e o “conhecimento do todo da vida, no âmbito da mística e da ascese”.
Cumpre aqui, portanto, mostrar em que medida a arte representa, para Schopenhauer, a experiência inicial de um ato ético e místico de desprendimento das vivências volitivas, primeiro deslocamento do puro sujeito do conhecimento das amarras do indivíduo concreto no mundo, que é em parte puro sujeito que conhece, em parte um corpo que quer e deseja. Ora, o que liga o tema próprio do livro de Debona – as três formas da razão no pensamento de Schopenhauer – à análise da estética schopenhaueriana só pode ser a explanação de qual forma (o que ela é e como se dá seu uso) da razão aparece como condição de explicação da experiência estética enquanto primeiro grau de negação da Vontade. Por isso, o autor é atento em iniciar aqui uma topografia da forma ético-mística da razão.
Em primeiro lugar, aprendemos que a terceira forma da razão é denominada ético-mística por comportar três características distintas, mas unificadas: A terceira forma da razão é ética porque se funda “em primeira instância, no próprio sentimento de compaixão”; mística, porque por ela chega-se ao “conhecimento do todo da vida, este tido como o grau máximo de (re)conhecimento de que a essência de todo ser é a mesma”; racional, porque ela é também, e só essa forma o é, Besonnenheit der Vernunft. A terceira forma da razão, a ético-mística, é ainda e talvez plenamente racional por mostrar-se necessária à permanência, “consciente e intencional” do estado ascético de negação da Vontade, e à “reconquista do conhecimento livre do principium individuatonis, atingido, em sua primeira vez, sem qualquer intenção, unmitellbar, imediatamente” (p. 27). Em outras palavras, salvo engano, a razão em sua terceira forma é ético-mística e só pode ser compreendida dessa forma porque atua no regime das condições de possibilidade da experiência ética (sentimento de compaixão, que, assim, só é possível por meio de uma viragem no sujeito, não mais ligado à sua individualidade, mas tão-somente ao seu distintivo estado de contemplação estética) e da experiência mística (lendo-se aqui ascese, negação da Vontade, que, por sua vez, só pode ser prolongada e definitivamente alcançada pela clarividência da razão). Se a estética, a ética e a mística, neste sentido, são desde o início devedoras da razão, mesmo em suas experiências imediatas, agora na última e mais profunda retomada da razão, como clarividência, a ascese em particular mostra-se indissociável, em sua demanda de totalidade e permanência, da capacidade racional. A razão em Schopenhauer passa assim, de acordo com a lição de Debona, da vacuidade de sua primeira forma, enquanto faculdade das representações abstratas, à plenitude de visão em sua terceira forma, enquanto faculdade da clarividência. Imperioso, então, é que detemo-nos agora na centralidade, para os propósitos da interpretação de Debona, do conceito de Besonnenheit der Vernunft.
IV Vilmar Debona, no último capítulo de seu livro, Resquícios da razão na negação total da vontade: a razão ético-mística, adentra “um terreno escorregadio e passível de interpretações diversas” (p. 27). Não obstante este comunicado de prudência, dado o piso traiçoeiro sobre o qual avança, o comentador segue firme em seu prumo interpretativo, mantendo a ousadia sem nunca patinar.
A introdução do conceito de clarividência da razão é o momento mais importante e instigante do livro de Debona, pois com ele funda-se definitivamente a viabilidade de uma forma ético-mística da razão em Schopenhauer. Isto porque a experiência da negação da vontade comporta, sem dúvida, um caráter intuitivo, imediato e singular, “que é estranha ao racional”. Se parássemos aqui, compraríamos a leitura tradicional de Schopenhauer, que Debona quer nos convencer, não dá conta da explicação da negação total da Vontade. Dito de outro modo: os intérpretes schopenhauerianos que não admitirem o papel da razão, em sua terceira forma, no coração do quarto livro de O mundo com vontade e como representação, devem se satisfazer com a explicação da ascese apenas em seu primeiro momento, fundado certamente na imediaticidade da intuição e do sentimento; mas, assim, negligenciar-se-ão e tornar-se-ão incapazes de explicar as passagens de Schopenhauer que apontam para a viabilidade de uma negação completa e acabada da negação da Vontade, pois esta só é possível pela admissão de uma terceira forma da razão, que comporta uma re-significação da faculdade racional, a saber, como capacidade humana de clarividência.
A razão, em sua primeira forma, limita-se a ser uma faculdade de ter representações abstratas, representações de representações; em sua segunda forma, como razão prática, conquista novo significado, nos Aforismos, o de ser um uso necessário para se alcançar a sabedoria de vida, verdadeira coleção de regras práticas que proporcionam uma vida menos insuportável, “algo preferível à não-existência” 2; por fim, em sua terceira forma, a ético-mística, eleva-se a razão à função de clarividência, necessária à “viragem completa da Vontade” 3, à “mortificação contínua da Vontade” 4. Movimento ascensional da faculdade racional na crítica schopenhaueriana da razão, ascensão do sujeito do estado de indivíduo volitivo, para o de contemplador desinteressado do mundo na estética, soerguendo-se ao sujeito fortuito negador da Vontade, para enfim realizar-se plenamente como negador total da Vontade na ascese. Ascensão do significado da razão através das passagens da primeira à segunda e, enfim, à terceira forma da razão, paralela à ascensão da negação da Vontade, nas passagens da estética para a ética e, por fim, à mística, ascensão igualmente do sujeito, nas passagens do sujeito enquanto indivíduo para o puro sujeito do conhecimento para, enfim, reencontrar-se e conhecer-se de modo completo como sujeito renunciante da vida. Com isto Debona amarra a crítica das formas da razão à exposição gradual das mudanças do sujeito e das formas de negação do querer, movimentos interligados que, assim considerados, dão acabamento à filosofia de Schopenhauer. O pensamento schopenhaueriano ganha assim clareza em relação à sua estrutura ascensional, sendo imperativo que passemos a ler a sua filosofia, em sua significação total, como a filosofia da ascese, em seu conteúdo e em sua forma.
Mas, afinal, o que é a Besonnenheit der Vernunft, esse conceito essencial à interpretação empreendida por Debona? Trata-se aqui de uma interpretação incontroversa? Os argumentos do comentador acerca da natureza de tal noção são irreprocháveis? Devemos comprá-la, tal como ela é explicada por Debona sem restrição? Segundo o autor, o conceito de clarividência da razão é condição da liberdade, uma vez que esta é entendida por Schopenhauer como um ato “possível somente no homem devido ao seu alcance de uma visão panorâmica da vida, do conhecimento do todo da vida”, e, assim, condição da própria negação consciente da Vontade: Dito de outro modo, o asceta, sujeito desse conhecimento, além de portador da liberdade em seu próprio corpo, é detentor de uma clarividência, ou seja, mediante o uso da razão ele tem claro o estado de sua rejeição, sabe que chegou a um estado significativo de negação de uma maneira intencional, insistindo contra seus próprios desejos, embora não tenha tomado isso como uma finalidade e um interesse predeterminados. Nota-se, a partir disso, o elemento que até aqui não havia sido indicado para a afirmação da razão ético-mística, ou seja, se até então se sabia do lado ético (a partir da noção de compaixão) e do lado místico (sobretudo pelos exemplos de ascetas e santos) agora se pode completar com o lado racional a partir da constatação dada pelo filósofo de que mesmo no processo de negação há um papel atuante da razão (p. 119).
Assim, a clarividência da razão é entendida como condição da liberdade, e, nesta medida, condição da negação consciente da Vontade e, por essas razões, tem de fazer parte da explicação do processo de negação, e mais, como condição essencial da consideração completa das formas da razão no pensamento de Schopenhauer. O caráter racional dessa clarividência é, ademais, facilmente defendido por se tratar de um saber necessário por parte daquele que alcança a significação última da existência, isto é, a negação completa e consciente deste mundo. Inseparáveis são, portanto, o aspecto ético, místico e racional dessa clarividência.
Mas como entender a fundo o caráter racional da clarividência, basta indicar a necessidade, para a “mortificação contínua da Vontade”, de um saber que é uma “visão panorâmica da vida”? E o que significa aqui, propriamente, uma “visão”? O termo clarividência, como tradução de Besonnenheit, não pode trair a significação largamente racional do conceito? Dito ainda de outro modo, não seria aconselhável depurar o campo semântico da palavra Besonnenheit, a fim de assim trazer ainda mais à luz o significado racional da clarividência? Os resenhadores entendem que sim, que o comentário de Debona teria ganhado muito se tivesse adentrado mais profundamente na problematização deste conceito fundamental. Neste sentido, cumpriria questionar o acento demasiado enfático do caráter místico na tradução do termo Besonnenheit por clarividência. Onde está, afinal, a indicação de um sentido místico na palavra Besonnenheit? Não é muito mais forte nela a idéia de clareza? Não está dada em sua origem etimológica, assim como em seu campo semântico, uma união mais estreita com os conceitos, schopenhauerianos, de Bewusstsein, besseres Bewusstsein, Bewusstseinlos, Selbstbewusstsein, Einsicht, Sichtbarkeit, Spiegel e Gewissen? 5 A falta de um tratamento mais demorado acerca do conceito de Besonnenheit, com o objetivo de tornar mais claras as suas ligações com os demais conceitos schopenhauerianos próximos do seu sentido enquanto forma da razão responsável por uma maior claridade, consciência, reflexão e compreensão, em nada desmerece, todavia, o belo e rigoroso trabalho de Vilmar Debona, preocupado e bem-sucedido sobretudo na tarefa de trazer à luz a presença e a importância fundamental de uma terceira forma da razão no pensamento de Arthur Schopenhauer, a razão ético-mística. Esperamos, sim, a continuidade da investigação, de modo a esclarecer ainda mais o conceito de Besonnenheit der Vernunft; mas, enquanto ela não se realiza, aproveitamos a lição dada até aqui.
V Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico, o livro de estreia do jovem especialista Vilmar Debona, tem o poder de tornar a nossa leitura do quarto livro de O mundo como vontade e como representação mais clara, profunda e instigante. Leitores, eis o convite para um Schopenhauer mais complexo e atual.
Notas
1 SCHOPENHAUER, aforismos para a sabedoria de vida, p. 1, apud DEBONA, v. Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico, p. 58.
2 SCHOPENHAUER, Aforismos para a sabedoria de vida, p. 1, apud DEBONA, V. Schopenhauer e as formas da razão, O teórico, o prático e o ético-místico, p. 58.
3 SCHOPENHAUER, Aforismos para a sabedoria de vida, p. 121.
4 SCHOPENHAUER, O mundo como vontade e como representação, p. 484, apud DEBONA, V. Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico, p. 116.
5 Neste sentido de problematizar a ênfase interpretativa na tradução do termo Besonnenheit, cabe lembrar que o termo aparece traduzido, em português, também por reflexão, cf. Cacciola, M. L. M. e O Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 27.
Referências
SCHOPENHAUER, A. Sämtliche Werke. Ed. Wolfgang Frhr. von Löhneysen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993, 5 vols.
________________. O mundo como Vontade e como representação. Trad. J. Barboza. São Paulo: Unesp, 2005. ________________. Aforismos para a sabedoria de vida. Trad. J. Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2002 (Coleção Clássicos). ________________. Sobre o fundamento da moral. Trad. M. L. Cacciola. São Paulo: Martins Fontes, 2001 (Coleção Clássicos). BARBOZA, J. Modo de conhecimento estético e mundo em Schopenhauer. In: TRANS/FORM/AÇÃO: Revista de Filosofia / Universidade Estadual Paulista. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, pp. 33-42, 2006. ________________. Infinitude subjetiva e estética: natureza e arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. CACCIOLA, M. L. M. e O. Schopenhauer e a questão do dogmatismo. São Paulo: Edusp, 1994.
Glauber Cesar Klein – Mestrando em Filosofia – UFPR.
Élcio José dos Santos – Mestrando em Filosofia – UFPR. Acessar publicação original
[DR]
Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico – DEBONA (V-RIF)
DEBONA, Vilmar. Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico. Prefácio de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: KLEIN, Glauber Cesar; SANTOS, Élcio José dos. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.1, n.1, p.151-159, 2010.
Podemos medir a excelência e a pertinência de um comentário filosófico, ou mesmo de uma obra filosófica, a partir de dois critérios essenciais: (i) a dificuldade do problema elegido para a investigação e (ii) a acuidade na execução do exame e da solução, contando aqui as categorias de clareza e elegância de exposição, rigor conceitual na análise e poder explicativo da análise do tema para o pensamento completo do autor. O livro de estreia de Vilmar Debona, Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico, a nosso ver, contempla esses dois critérios de excelência e de pertinência. Vejamos de que modo.
I O jovem especialista em Schopenhauer, Vilmar Debona, atualmente doutorando do Departamento de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo e professor do Departamento de Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, autor, entre resenhas e artigos, de diversos trabalhos sobre Schopenhauer, lança agora o seu livro de estreia, Schopenhauer e as formas da razão, O teórico, o prático e o ético-místico. Resultado de sua pesquisa de mestrado pela PUCPR, defendida como dissertação em 2008, o livro apresenta uma versão retocada da Dissertação. A pertinência da publicação pode medir-se já pelo seu título, que anuncia um tema ao mesmo tempo sóbrio e provocativo. Sóbrio, pois indica um estudo temático preciso e técnico, sendo já por isso promissor à leitura dos estudiosos em Schopenhauer.
Provocativo, por destacar a pretensão de uma leitura reformadora da compreensão da crítica de Schopenhauer, esse celebrizado pensador irracionalista (seja como pessimista inveterado, seja como crítico visceral dos projetos racionalistas da tradição, abandonados, justamente, também pela influência do pensador da Vontade, do Corpo e do Sexo), ao conceito de razão.
Neste sentido, o de se engajar em uma interpretação do autor de O Mundo como vontade e como representação que reconsidera e revaloriza o papel da razão na filosofia de Schopenhauer, o autor coloca, por um lado, que “justificar a razão como secundária em relação ao entendimento e à Vontade, (…) eis um dos grandes propósitos da visão de mundo de Schopenhauer”, que, assim, traria à primeira página de sua agenda filosófica a tarefa de realizar “uma inversão na ordem das prioridades”, mostrando que “antes de um homem que pensa, o ser humano é um animal que quer” – e, nisto, estamos no ponto pacífico das interpretações schopenhauerianas –, e, por outro lado, anuncia o tema problemático de sua investigação, o de saber “como se comporta a razão no processo de sua própria descentralização”. Vejamos em detalhe a posição do problema.
A par da novitas schopenhaueriana, o primado da Vontade metafísica enquanto blosser blinder Drang, segundo a qual “a razão é deslocada para uma instância periférica em relação à centralidade que a história da filosofia lhe havia outorgado”, abrindo-se assim um espaço vazio a ser preenchido pela tese fundamental do pensamento de Schopenhauer, a saber, a identificação de uma Vontade cósmica com a coisa-em-si, portanto, com a consideração do significado metafísico do mundo, a questão posta pelo autor visa analisar em que medida e por quais caminhos a razão reaparece como faculdade fundamental para a negação continuada da Vontade: A alavanca impulsionadora desse estudo é, sobretudo, a afirmação de Schopenhauer de que na medida em que o santo ou o asceta alcança, de maneira excepcional, a total negação da Vontade, desabrocha com ela uma espécie de conhecimento do todo da vida, por sua vez detentor de uma índole intuitiva a ponto de se chegar a um conhecimento místico (p. 78).
II Para responder a questão que se coloca – reformulemo-la: Se, por um lado, a filosofia de Schopenhauer nos apresenta uma crítica radical e explícita ao conceito de razão, dimensionando-o inauditamente como secundário em relação a um princípio mais fundamental, o da Vontade, por outro lado, ela não parece desembocar em um irracionalismo completo, pois igualmente compreende a capacidade racional como essencial no registro ético-místico da viragem da Vontade como negação de si mesma –, Debona destrincha, do primeiro ao terceiro capítulos de seu comentário, a crítica negativa de Schopenhauer ao conceito de razão.
O primeiro capítulo, O entendimento e as representações intuitivas, detém-se no que podemos entender como o primeiro passo da crítica schopenhaueriana da razão: distinção entre razão e entendimento. Este é responsável por nossas representações intuitivas; aquela, pelas abstratas. Se o primeiro capítulo desce aos pormenores do tratamento schopenhaueriano das representações intuitivas, não sem destacar a importância para a compreensão do pensamento do filósofo do estatuto “intuitivista” das representações empíricas em particular, o segundo, Representações abstratas: a razão teórica, já trata diretamente da faculdade racional, em concreto da consideração da razão enquanto faculdade abstrata independente das intuições e do entendimento, ou, para usarmos o vocabulário preciso e claro de Debona, a razão em sua forma teórica. O segundo capítulo é importante, então, por iniciar propriamente a análise da crítica da razão em Schopenhauer.
O capítulo seguinte, intitulado A razão prática, avança na análise e no esclarecimento da segunda forma da razão no pensamento de Arthur Schopenhauer, a saber, a sua forma prática. Qual o limite e o alcance válido da razão em seu uso prático? Eis a questão. E aqui novamente encontramos uma leitura rigorosa, elegante e fina do comentador. Debona não se limita às análises dos textos pertinentes à razão prática presentes n’O mundo como vontade e como representação, na Crítica da filosofia kantiana e no Sobre o fundamento da moral; também esmiúça os caros (embora pouco lidos profundamente, e, por isso, menos frequentados) Aforismos para a sabedoria de vida. A lente minuciosa de Debona nos expõe, em primeiro lugar, “que a razão prática recebe um tratamento ‘diferenciado’ nos Aforismos para a sabedoria de vida”, pois nos outros três textos mencionados, ela aparecia “como algo que simplesmente advém da razão teórica como um distintivo dos homens com relação aos demais animais”, enquanto que nos Aforismos a faculdade racional em sua forma prática é, segundo o comentador, reavaliada, recebendo uma significação mais positiva: Conforme podemos identificar em textos da obra de maturidade do filósofo, especificamente no texto dos Aforismos, a razão prática permite compreender, por exemplo, a noção de “caráter adquirido” que pode ser tomada como a própria razão teórica associada à experiência do entendimento. Assim, a razão prática retém em máximas conceituais a experiência variegada de vida e, através da menção do caráter adquirido, passa-se a tomar essa forma da razão enquanto proporcionadora de uma sabedoria de vida, semelhante ao que indicavam os estóicos e epicuristas com as noções de eudaimonia e de justa medida (p. 26).
Isso dá muito que pensar – a razão, a princípio tangenciada para a periferia da explicação do mundo, seja em relação a seu papel na hierarquia das faculdades, a saber, como mero reflexo das representações do entendimento e da intuição, seja em relação ao papel que cumpre na explicação do significado do mundo, subalterna à Vontade, surge agora, nos Aforismos, portanto após 30 anos da primeira edição de O mundo como vontade e como representação, como “proporcionadora de uma sabedoria de vida”. Das sombras à “vida de modo mais agradável e feliz possível” 1.
III A investigação sobre o conceito de razão, e de suas formas dispostas de modo tripartite, avança para a consideração do papel da razão do ponto-de-vista estético. Neste sentido, o quarto capítulo do livro de Debona, Da possibilidade de uma razão ético mística, começa a tocar, pela análise da Objektität des Willes e da negação da vontade via intuição estética, na tópica mais preciosa de sua leitura, a terceira forma possível da razão, intitulada de modo feliz por forma ético-mística.
Retrilhando pontualmente a ordem argumentativa da exposição do pensamento de Schopenhauer disposta n’O mundo como vontade e como representação, Debona debruça-se agora na intuição estética “como a idéia de negação da Vontade em seu estágio mais primário” (p. 26). A arte nos oferece, diz Schopenhauer, reafirma Debona, o degrau necessário para se alcançar o que será, no quarto livro, o sentimento de compaixão e o “conhecimento do todo da vida, no âmbito da mística e da ascese”.
Cumpre aqui, portanto, mostrar em que medida a arte representa, para Schopenhauer, a experiência inicial de um ato ético e místico de desprendimento das vivências volitivas, primeiro deslocamento do puro sujeito do conhecimento das amarras do indivíduo concreto no mundo, que é em parte puro sujeito que conhece, em parte um corpo que quer e deseja. Ora, o que liga o tema próprio do livro de Debona – as três formas da razão no pensamento de Schopenhauer – à análise da estética schopenhaueriana só pode ser a explanação de qual forma (o que ela é e como se dá seu uso) da razão aparece como condição de explicação da experiência estética enquanto primeiro grau de negação da Vontade. Por isso, o autor é atento em iniciar aqui uma topografia da forma ético-mística da razão.
Em primeiro lugar, aprendemos que a terceira forma da razão é denominada ético-mística por comportar três características distintas, mas unificadas: A terceira forma da razão é ética porque se funda “em primeira instância, no próprio sentimento de compaixão”; mística, porque por ela chega-se ao “conhecimento do todo da vida, este tido como o grau máximo de (re)conhecimento de que a essência de todo ser é a mesma”; racional, porque ela é também, e só essa forma o é, Besonnenheit der Vernunft. A terceira forma da razão, a ético-mística, é ainda e talvez plenamente racional por mostrar-se necessária à permanência, “consciente e intencional” do estado ascético de negação da Vontade, e à “reconquista do conhecimento livre do principium individuatonis, atingido, em sua primeira vez, sem qualquer intenção, unmitellbar, imediatamente” (p. 27). Em outras palavras, salvo engano, a razão em sua terceira forma é ético-mística e só pode ser compreendida dessa forma porque atua no regime das condições de possibilidade da experiência ética (sentimento de compaixão, que, assim, só é possível por meio de uma viragem no sujeito, não mais ligado à sua individualidade, mas tão-somente ao seu distintivo estado de contemplação estética) e da experiência mística (lendo-se aqui ascese, negação da Vontade, que, por sua vez, só pode ser prolongada e definitivamente alcançada pela clarividência da razão). Se a estética, a ética e a mística, neste sentido, são desde o início devedoras da razão, mesmo em suas experiências imediatas, agora na última e mais profunda retomada da razão, como clarividência, a ascese em particular mostra-se indissociável, em sua demanda de totalidade e permanência, da capacidade racional. A razão em Schopenhauer passa assim, de acordo com a lição de Debona, da vacuidade de sua primeira forma, enquanto faculdade das representações abstratas, à plenitude de visão em sua terceira forma, enquanto faculdade da clarividência. Imperioso, então, é que detemo-nos agora na centralidade, para os propósitos da interpretação de Debona, do conceito de Besonnenheit der Vernunft.
IV Vilmar Debona, no último capítulo de seu livro, Resquícios da razão na negação total da vontade: a razão ético-mística, adentra “um terreno escorregadio e passível de interpretações diversas” (p. 27). Não obstante este comunicado de prudência, dado o piso traiçoeiro sobre o qual avança, o comentador segue firme em seu prumo interpretativo, mantendo a ousadia sem nunca patinar.
A introdução do conceito de clarividência da razão é o momento mais importante e instigante do livro de Debona, pois com ele funda-se definitivamente a viabilidade de uma forma ético-mística da razão em Schopenhauer. Isto porque a experiência da negação da vontade comporta, sem dúvida, um caráter intuitivo, imediato e singular, “que é estranha ao racional”. Se parássemos aqui, compraríamos a leitura tradicional de Schopenhauer, que Debona quer nos convencer, não dá conta da explicação da negação total da Vontade. Dito de outro modo: os intérpretes schopenhauerianos que não admitirem o papel da razão, em sua terceira forma, no coração do quarto livro de O mundo com vontade e como representação, devem se satisfazer com a explicação da ascese apenas em seu primeiro momento, fundado certamente na imediaticidade da intuição e do sentimento; mas, assim, negligenciar-se-ão e tornar-se-ão incapazes de explicar as passagens de Schopenhauer que apontam para a viabilidade de uma negação completa e acabada da negação da Vontade, pois esta só é possível pela admissão de uma terceira forma da razão, que comporta uma re-significação da faculdade racional, a saber, como capacidade humana de clarividência.
A razão, em sua primeira forma, limita-se a ser uma faculdade de ter representações abstratas, representações de representações; em sua segunda forma, como razão prática, conquista novo significado, nos Aforismos, o de ser um uso necessário para se alcançar a sabedoria de vida, verdadeira coleção de regras práticas que proporcionam uma vida menos insuportável, “algo preferível à não-existência” 2; por fim, em sua terceira forma, a ético-mística, eleva-se a razão à função de clarividência, necessária à “viragem completa da Vontade” 3, à “mortificação contínua da Vontade” 4. Movimento ascensional da faculdade racional na crítica schopenhaueriana da razão, ascensão do sujeito do estado de indivíduo volitivo, para o de contemplador desinteressado do mundo na estética, soerguendo-se ao sujeito fortuito negador da Vontade, para enfim realizar-se plenamente como negador total da Vontade na ascese. Ascensão do significado da razão através das passagens da primeira à segunda e, enfim, à terceira forma da razão, paralela à ascensão da negação da Vontade, nas passagens da estética para a ética e, por fim, à mística, ascensão igualmente do sujeito, nas passagens do sujeito enquanto indivíduo para o puro sujeito do conhecimento para, enfim, reencontrar-se e conhecer-se de modo completo como sujeito renunciante da vida. Com isto Debona amarra a crítica das formas da razão à exposição gradual das mudanças do sujeito e das formas de negação do querer, movimentos interligados que, assim considerados, dão acabamento à filosofia de Schopenhauer. O pensamento schopenhaueriano ganha assim clareza em relação à sua estrutura ascensional, sendo imperativo que passemos a ler a sua filosofia, em sua significação total, como a filosofia da ascese, em seu conteúdo e em sua forma.
Mas, afinal, o que é a Besonnenheit der Vernunft, esse conceito essencial à interpretação empreendida por Debona? Trata-se aqui de uma interpretação incontroversa? Os argumentos do comentador acerca da natureza de tal noção são irreprocháveis? Devemos comprá-la, tal como ela é explicada por Debona sem restrição? Segundo o autor, o conceito de clarividência da razão é condição da liberdade, uma vez que esta é entendida por Schopenhauer como um ato “possível somente no homem devido ao seu alcance de uma visão panorâmica da vida, do conhecimento do todo da vida”, e, assim, condição da própria negação consciente da Vontade: Dito de outro modo, o asceta, sujeito desse conhecimento, além de portador da liberdade em seu próprio corpo, é detentor de uma clarividência, ou seja, mediante o uso da razão ele tem claro o estado de sua rejeição, sabe que chegou a um estado significativo de negação de uma maneira intencional, insistindo contra seus próprios desejos, embora não tenha tomado isso como uma finalidade e um interesse predeterminados. Nota-se, a partir disso, o elemento que até aqui não havia sido indicado para a afirmação da razão ético-mística, ou seja, se até então se sabia do lado ético (a partir da noção de compaixão) e do lado místico (sobretudo pelos exemplos de ascetas e santos) agora se pode completar com o lado racional a partir da constatação dada pelo filósofo de que mesmo no processo de negação há um papel atuante da razão (p. 119).
Assim, a clarividência da razão é entendida como condição da liberdade, e, nesta medida, condição da negação consciente da Vontade e, por essas razões, tem de fazer parte da explicação do processo de negação, e mais, como condição essencial da consideração completa das formas da razão no pensamento de Schopenhauer. O caráter racional dessa clarividência é, ademais, facilmente defendido por se tratar de um saber necessário por parte daquele que alcança a significação última da existência, isto é, a negação completa e consciente deste mundo. Inseparáveis são, portanto, o aspecto ético, místico e racional dessa clarividência.
Mas como entender a fundo o caráter racional da clarividência, basta indicar a necessidade, para a “mortificação contínua da Vontade”, de um saber que é uma “visão panorâmica da vida”? E o que significa aqui, propriamente, uma “visão”? O termo clarividência, como tradução de Besonnenheit, não pode trair a significação largamente racional do conceito? Dito ainda de outro modo, não seria aconselhável depurar o campo semântico da palavra Besonnenheit, a fim de assim trazer ainda mais à luz o significado racional da clarividência? Os resenhadores entendem que sim, que o comentário de Debona teria ganhado muito se tivesse adentrado mais profundamente na problematização deste conceito fundamental. Neste sentido, cumpriria questionar o acento demasiado enfático do caráter místico na tradução do termo Besonnenheit por clarividência. Onde está, afinal, a indicação de um sentido místico na palavra Besonnenheit? Não é muito mais forte nela a idéia de clareza? Não está dada em sua origem etimológica, assim como em seu campo semântico, uma união mais estreita com os conceitos, schopenhauerianos, de Bewusstsein, besseres Bewusstsein, Bewusstseinlos, Selbstbewusstsein, Einsicht, Sichtbarkeit, Spiegel e Gewissen? 5 A falta de um tratamento mais demorado acerca do conceito de Besonnenheit, com o objetivo de tornar mais claras as suas ligações com os demais conceitos schopenhauerianos próximos do seu sentido enquanto forma da razão responsável por uma maior claridade, consciência, reflexão e compreensão, em nada desmerece, todavia, o belo e rigoroso trabalho de Vilmar Debona, preocupado e bem-sucedido sobretudo na tarefa de trazer à luz a presença e a importância fundamental de uma terceira forma da razão no pensamento de Arthur Schopenhauer, a razão ético-mística. Esperamos, sim, a continuidade da investigação, de modo a esclarecer ainda mais o conceito de Besonnenheit der Vernunft; mas, enquanto ela não se realiza, aproveitamos a lição dada até aqui.
V Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico, o livro de estreia do jovem especialista Vilmar Debona, tem o poder de tornar a nossa leitura do quarto livro de O mundo como vontade e como representação mais clara, profunda e instigante. Leitores, eis o convite para um Schopenhauer mais complexo e atual.
Notas
1 SCHOPENHAUER, aforismos para a sabedoria de vida, p. 1, apud DEBONA, v. Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico, p. 58.
2 SCHOPENHAUER, Aforismos para a sabedoria de vida, p. 1, apud DEBONA, V. Schopenhauer e as formas da razão, O teórico, o prático e o ético-místico, p. 58.
3 SCHOPENHAUER, Aforismos para a sabedoria de vida, p. 121.
4 SCHOPENHAUER, O mundo como vontade e como representação, p. 484, apud DEBONA, V. Schopenhauer e as formas da razão: o teórico, o prático e o ético-místico, p. 116.
5 Neste sentido de problematizar a ênfase interpretativa na tradução do termo Besonnenheit, cabe lembrar que o termo aparece traduzido, em português, também por reflexão, cf. Cacciola, M. L. M. e O Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 27.
Referências
SCHOPENHAUER, A. Sämtliche Werke. Ed. Wolfgang Frhr. von Löhneysen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993, 5 vols.
________________. O mundo como Vontade e como representação. Trad. J. Barboza. São Paulo: Unesp, 2005. ________________. Aforismos para a sabedoria de vida. Trad. J. Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2002 (Coleção Clássicos). ________________. Sobre o fundamento da moral. Trad. M. L. Cacciola. São Paulo: Martins Fontes, 2001 (Coleção Clássicos). BARBOZA, J. Modo de conhecimento estético e mundo em Schopenhauer. In: TRANS/FORM/AÇÃO: Revista de Filosofia / Universidade Estadual Paulista. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, pp. 33-42, 2006. ________________. Infinitude subjetiva e estética: natureza e arte em Schelling e Schopenhauer. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. CACCIOLA, M. L. M. e O. Schopenhauer e a questão do dogmatismo. São Paulo: Edusp, 1994.
Glauber Cesar Klein – Mestrando em Filosofia – UFPR.
[DR]Entre mitos, utopia e razão: os olhares franceses sobre o Brasil (século XVI-XVIII) – PALAZZO (VH)
PALAZZO, Carmen Lícia. Entre mitos, utopia e razão: os olhares franceses sobre o Brasil (século XVI-XVIII). Coleção Nova Vetera. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. Resenha de: PIERONI, Geraldo. Varia História, Belo Horizonte, v.18, n.26, p. 153-155, jan., 2002.
André Thevet, Jean de Léry, Claude d’Abbeville, Yves d’Evreux… Voilà les français! Estes são apenas alguns dos Messieurs que atravessaram o mar oceano e, deslumbrados, desembarcaram na costa brasileira. O que procuravam nesta imensa Terra Brasilis estes nossos cultos viajantes? Talvez poderíamos arriscar uma resposta comum a todos eles: conhecer o Novo Mundo: exótico, diferente, antítese da Europa civilizada.
Relatar o que eles observaram não é o objetivo primeiro de Carmen Lícia Palazzo ao escrever Entre mitos, utopia e razão: os olhares franceses sobre o Brasil (séculos XVI a XVIII). Sua intenção vai muito além do evidente. A autora, historiadora experiente, doutora em História pela Universidade de Brasília, com muita competência e domínio da historiografia, apresenta ao leitor um excelente trabalho. Sua investigação é criteriosa acerca dos múltiplos e matizados olhares que os viajantes franceses lançaram sobre o Brasil, desconhecido em muitos aspectos, porém fascinantemente atraente.
Os documentos utilizados foram, sobretudo, os registros de viagens e obras eruditas de pensadores que debruçaram, embora muitas vezes sem o contato direto, sobre estas novas terras d’além mar.
Com relação à idéia sobre o Brasil, há interrupção ou prosseguimento nos olhares dos franceses? Problematizou a autora! Sua conclusão foi que estes viajantes e pensadores dos séculos XVI ao XVIII deixaram registrados inúmeros comentários e obras onde se pode perceber pontos de vista que foram se transformando. Este movimento de mudanças, no entanto, não se dá no ritmo dos cortes cronológicos tradicionais. Uma leitura cuidadosa dos escritos e, a título complementar, da iconografia de cada época, permitiu à historiadora detectar continuidades relevantes inseridas no universo mental dos viajantes – continuidades estas que se mantêm até quase o final do século XVII. Somente a partir do século XVIII, particularmente com o iluminista La Condamine, é que se pode verificar uma efetiva mudança nas visões francesas do Brasil.
Recorrendo aos recursos da história comparativa, a historiadora aborda e confronta dois momentos específicos: o das permanências (séculos XVI-XVIII) e o da ruptura capturada pelas visões da modernidade (século XVIII).
A exemplo de Jacques Le Goff, defensor, entre outros, de uma “longa Idade Média” que se prolonga até quase às portas da Revolução Industrial, a autora utiliza semelhantes conceitos fixando-os no contexto das grandes viagens e mentalidades culturais dos séculos XVI e XVII. A própria iconografia corroborou a idéia das permanências. Gravuras e telas da época evidenciaram elementos que remetiam ao imaginário medieval. As narrativas e ilustrações dos viajantes assimilaram abundantemente figuras extraordinárias, demônios e monstros. Seus discursos são destoantes das características culturais e políticas da Idade Moderna. Neles prevalecem os componentes ainda amarrados ao imaginário Medievo. O espaço dedicado aos mitos e utopias é enorme: o fantástico predomina. Só a partir do século XVIII, com a razão iluminista, é que se evidenciam as rupturas da assim chamada modernidade. Daí para frente ciência e razão são os principais instrumentos para a leitura do Outro – distante e diferente – para buscar entendê-lo e, sobretudo, explicá-lo. E como conclui a autora: “Com o abandono de mitos e maravilhas, é o espaço do sonho que se retrai”.
O trabalho de base contido no livro permite melhor compreender os mecanismos das transformações que se tornam visíveis somente se inseridas no tempo longo. Foi exatamente este recurso teórico que Carmen Lícia utilizou para confeccionar a textura do seu livro. No prudente labor de perceber as mutações na longa duração, como já referido acima, foram estudadas iconografias da época e escritos de pensadores, como o abade Raynal, Voltaire e Buffon. Neste conjunto de representações é possível desvelar perfis de comportamentos e imagens que, prolongando ou alterando-se gradativamente no tempo, resultam novas e movediças nuanças das representações do Brasil.
Entre mitos, utopia e razão: os olhares franceses sobre o Brasil (século XVI a XVIII) é uma obra profundamente instrutiva e sua cronologia é primorosa. Rupturas ou continuidades? Permanências medievais ou triunfo das Luzes? Neste caso a razão iluminista não foi mais aberta à alteridade do que o foram os viajantes anteriores que aceitaram o mítico e o maravilhoso como explicações para a diferença.
Geraldo Pieroni – Doutor em História pela Université Paris-Sorbonne (Paris IV). Professor na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Autor, entre outros, dos livros: Os Excluídos do Reino, editora UnB, Brasília: 2000 e Vadios, Ciganos, Heréticos e Bruxas: os degredados no Brasil colônia. Editora Bertrand do Brasil, Rio de Janeiro: 2000.
[DR]
Razão e irracionalidade, civilização e barbárie – CARPENTIER
CARPENTIER, Alejo. Razão e irracionalidade, civilização e barbárie. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984. Resenha de: LUKÁCS JÚNIOR, Estevão. Projeto História, São Paulo, v.4, 1985.
Estevão Lukács Júnior – Pós-graduando em História PUC-SP.
Acesso apenas pelo link original
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