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Mulheres intelectuais: práticas culturais de mediação | Estudos Ibero-Americanos | 2021
Em tempos de pandemia, organizar um dossiê sobre as práticas culturais de mediação, especificamente sobre o lugar e o papel das mulheres intelectuais, obrigou-nos a refletir sobre nossas próprias práticas mediadoras, como professoras e pesquisadoras. Lendo os artigos enviados, pensando em pareceristas e lendo os pareceres, quer dizer, atuando como editoras (uma prática de mediação cultural), íamos nos dando conta das temáticas, períodos e possibilidades de ação das mulheres, quando se dedicavam à mediação cultural. Nessa atividade editorial, fomos também nos apercebendo do nosso papel como intelectuais mediadoras. Por isso, iremos começar essa apresentação, usando o nosso próprio exemplo de mulheres professoras universitárias para pensar a categoria de intelectual mediador(a). Isso porque, se tal categoria é bastante operacional, não deve ser banalizada, correndo o risco de perder seu valor cognitivo.
Desde que o isolamento social se fez necessário, fomos desafiadas a, não só transformar nossas práticas de ensino, que de uma sala de aula “real” foi para uma sala “virtual” de mídia eletrônica; como também, nossas práticas de divulgação do conhecimento, que passaram a se voltar para públicos mais amplos e diferenciados, além do público de pares e estudantes costumeiro. Foi necessário reinventar formas de continuar ministrando aulas, de realizar e publicizar pesquisas, mas nos acostumando – não sem dificuldades – com tipos de comunicação a distância e com novos públicos. Assim, muitos de nós experimentamos, pela primeira vez, os procedimentos da produção de vídeos, podcasts, aulas abertas e entrevistas, disponibilizadas em plataformas digitais, que além de alcançar nossos alunos e pares, ultrapassam em muito o mundo acadêmico. Leia Mais
Fontes para a história ambiental / Revista de Fontes / 2019
A história ambiental busca documentar e compreender a relação sociedade-natureza ao longo do tempo, a partir da problemática ambiental contemporânea. Essa problemática, hoje, perpassa as discussões sobre o desenvolvimento econômico e social, as relações internacionais, a cultura e o cotidiano. Cuidar da vida do planeta Terra como um todo aparece como imperativo no século XXI, sem o que haverá, inexoravelmente, a degradação das condições de vida de bilhões de seres humanos.
Este dossiê, assim, encontra plena justificativa no que se refere a sua relevância social. No âmbito acadêmico também se justifica, pois a relação sociedade-natureza fez parte do repertório da reflexão histórica ao longo do tempo[1].Talvez o exemplo mais eloquente dessa situação, no Brasil, seja a produção relativa ao período colonial, que ao investigar a ocupação europeia do continente americano, abordou como recursos naturais eram utilizados e percebidos pelos povos nativos, pelos invasores e pela nova sociedade que surgia. Obras clássicas como A Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. e Caminhos e Fronteiras de Sérgio Buarque de Holanda, para citar duas das mais conhecidas e importantes, demonstram como a História Ambiental encontra referências na história da historiografia brasileira.
Mas embora investigar sociedade e natureza não seja novidade na historiografia, a História Ambiental tem como especificidade problematizar essa relação a partir de um ponto de vista, que ganha força na segunda metade do século XX, de que a crise ambiental tem alcance mundial, afetando diretamente a vida da maior parte da população do planeta e que é uma ameaça não só ao futuro da Humanidade, mas ao seu presente. Essa compreensão ganhou forma a partir do diálogo e controvérsias estabelecidas entre diferentes ciências, mas também entre estas e as artes, a literatura e os saberes tradicionais, tudo isso impulsionado por movimentos sociais diversos, que apontavam tanto questões práticas e imediatas como preservar uma floresta, como ampliavam o escopo da sua crítica para a própria organização da sociedade industrial e seu modo de vida.
A medida que o século XX avançava houve questionamentos radicais à sociedade industrial, que tinha na noção de progresso elemento central. O próprio conceito de “desenvolvimento econômico” foi contestado, diante da crescente percepção de uma crise ambiental planetária, manifestada, dentre outros aspectos, pela poluição crescente do ar, água e solo; pela destruição dos ecossistemas e extinção de espécies; pelo esgotamento ou distribuição e uso desigual de recursos naturais [2]; e, no fim de século, pelas mudanças climáticas. Cabe notar que a crise ambiental aparecia com toda força na vida cotidiana e na economia dos próprios países ricos em meados do século XX, como nos casos da contaminação do ar em Londres e Nova York ou a intoxicação por mercúrio em Minamata e Niigata, no Japão. Em 1973, o primeiro “choque do petróleo”, embora decorrente de disputas geopolíticas e comerciais, demonstrou a dependência das sociedades industrializadas de um recurso natural finito.
A crise ambiental que em maior ou menor grau atingia a todos e era tida como ameaça ao futuro dava força aos movimentos ambientalistas mundo afora, e eles tinham ampla ressonância social em países democráticos da Europa e nos EUA. Os debates e estudos sobre essa problemática aumentavam. Em 1968 foi fundado o Clube de Roma, um grupo de pesquisadores que se reuniu para debater assuntos relacionados ao desenvolvimento e o meio ambiente, trabalhando ativamente para que as discussões alcançassem centralidade na agenda política mundial. Em 1972, em conjunto com a Associação Potomac e o Massachusets Institute of Technology, foi publicado o relatório Os limites do Crescimento, que influenciou os debates que ocorreram em torno da Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, que ocorreu, no mesmo ano, em Estocolmo, na Suécia. Os estudiosos discutiam como seria o futuro se todos os países continuassem crescendo num ritmo acelerado. Apontavam, então, para os limites do crescimento, ou seja, a impossibilidade de se manter o padrão de desenvolvimento sem que isso resultasse em um colapso ambiental. Pensar novas formas de organização social que propiciassem um relacionamento mais harmonioso entre sociedade e natureza impunha-se como um dos grandes desafios do século [3].
Mas a Primeira Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente também foi marcada por debates acirrados entre os representantes dos governos dos países desenvolvidos e dos países subdesenvolvidos. Nesse encontro, os temas da poluição e da pressão exercida pelo crescimento demográfico sobre os recursos naturais provocaram discussões acirradas. Surgiram propostas de controle de natalidade e do próprio crescimento econômico de países periféricos na economia mundial, resultando em um intenso debate entre os desenvolvimentistas e os “zeristas”, que defendiam um crescimento econômico zero, ressaltando que não haveria recursos naturais suficientes para garantir a universalização dos padrões de produção e consumo dos países desenvolvidos.
Mas diante disso, o que deveriam fazer os países mais pobres? Aceitar a pobreza e a desigualdade internacional ou destruir o planeta em busca de seu desenvolvimento? Colocado nesses termos o debate não avançava. A resposta mais complexa tentava superar o dilema do desenvolvimento como sinônimo de degradação ambiental. Não era fácil. Mas, do ponto de vista intelectual era a reflexão que tinha futuro. Os intelectuais mais criativos assumiam como premissa que era preciso conciliar desenvolvimento humano e natureza, inventar um novo rumo para o planeta, e ele somente poderia ser realizado a partir de uma abordagem socioambiental. As humanidades, assim, alcançavam o centro do debate ambiental, que, para muitos, parecia ser objeto das ciências naturais. A historiografia também se engajou nessa reflexão.
Nos Estados Unidos nascia a Environmental History, ou seja, a História Ambiental adquiria identidade com o início de um esforço consciente e sistemático de incorporação aos estudos históricos das questões e variáveis ambientais. Segundo Donald Worster, uma das principais referências do movimento nascente, o objetivo principal dos historiadores ambientais tornou-se “aprofundar o entendimento de como os seres humanos foram, através dos tempos, afetados pelo seu ambiente natural, e, inversamente, como eles afetaram esse ambiente e com que resultados” [4]. Em 1974, os Annales, a renomada revista francesa vinculada à escola historiográfica que leva o mesmo nome, publicou uma edição especial dedicada a temática ambiental: Historie et environnement. Em 1999 era fundada a European Society for Environmental History (ESEH). Em 2003 os historiadores ambientais da América Latina se reuniram na SOLCHA, a Sociedade Latino Americana e Caribenha de História Ambiental
O Brasil acompanhou toda essa movimentação social e acadêmica que acontecia no mundo na segunda metade do século XX, embora o ambiente repressivo implantado pela Ditadura de 1964 tenha dificultado a participação mais ampla da sociedade. Mas no contexto de redemocratização do país nos anos 1980, período marcado por grande efervescência cultural e política, as questões ambientais chegaram ao grande público. Foi a época em que Chico Mendes, liderança popular do Acre, ganhou destaque internacional ao encarnar a luta dos seringueiros e a defesa da Floresta Amazônica; quando as ONGs ambientalistas ganharam força e, inclusive, surgiu o Partido Verde, inspirado na experiência europeia. Em 1992, vinte anos depois de Estocolmo, o Brasil receberia a Segunda Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, a Rio92, que teve grande repercussão no país.
Nos cursos de história a temática ambiental começou a ganhar espaço. Os livros de Keith Thomas [5] e Warren Dean eram inspiradores. Dean, tendo finalizado sua pesquisa sobre a Amazônia, publicou o livro “Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history”, em 1987, e a obra logo foi traduzida e publicada no Brasil em 1989 [6]. Autor bastante conhecido no mundo acadêmico brasileiro, Warren Dean deu visibilidade à nova agenda de pesquisa que surgia. Anos mais tarde escreveria um clássico: A Ferro e Fogo. A história da devastação da Mata-Atlântica Brasileira [7]. Em 1987 era defendida na Unesp de Assis a dissertação de mestrado de Jozimar Paes de Almeida, intitulada a “A Extinção do Arco-Iris. A agroindústria e o eco-histórico”, talvez a primeira pesquisa da área nascente em programas de pós-graduação em história8.
O ensino também participou desse movimento de incorporação do meio-ambiente à reflexão histórica. A importância da educação para o enfrentamento da crise ambiental foi ressaltada na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, em 1972. Discussões sobre o conceito de Educação Ambiental e as formas de implementá-la aconteceram em seminários e encontros ao longo dos anos seguintes. A Constituição Federal do Brasil de 1988, elaborada em um contexto de grande participação social indica em seu Capítulo VI – Do meio ambiente, no art. 225, que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Além disso, a mesma Constituição afirma que para assegurar a efetividade desse direito o Poder Público deve promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados em meados dos anos 1990, instituíram o meio-ambiente como tema transversal no ensino fundamental e médio9. Hoje, o ensino de história terá de pensar a questão ambiental a partir da Base Nacional Comum Curricular, uma novidade ainda pouco conhecida pela grande maioria dos historiadores.
Como se vê, a partir de fins do século XX o meio-ambiente floresceu na área de história e, desde então, se expandiu fortemente. No Brasil, vinte anos atrás, seria possível identificar facilmente os poucos historiadores dedicados à temática ambiental e os centros de pesquisa da área. Em 2020 essa lista seria longa demais para um texto introdutório. A história ambiental aumenta seu espaço no ensino, na pesquisa e nas publicações acadêmicas e alcança ressonância social.
Esperamos que os artigos deste dossiê auxiliem todos aqueles que pretendem pensar o meio-ambiente em perspectiva histórica.
Notas
1. Paulo Henrique Martinez. “Existe Uma Historiografia Ambiental Brasileira ?”. In: Anais do XVII Encontro Regional de História: O lugar da História. ANPUH / SP Unicamp. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom. Seminário Temático XIII.
2. Arthur Soffiati. “Algumas palavras sobre uma teoria da eco-história”, Desenvolvimento e Meio Ambiente, 18, jul. / dez. 2008, p. 14.
3. Wagner Costa Ribeiro. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2001, p. 77; Phillippe Le Preste. Ecopolítica Internacional. São Paulo: Editora Senac, 2001, p. 159ss.
4. Donald Worster. “Para fazer história ambiental”, Estudos Históricos, 4-8, 1991, pp. 198-215 (publicado, originalmente, em 1988 nos EUA).
5. Keith Thomas. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
6. Warren Dean. Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history. Cambridge: Cambridge University Press, 1987; A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989.
7. Warren Dean. A Ferro e Fogo. A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
8. Jozimar Paes de Almeida. A Extinção do Arco-íris: A Agro-Indústria e o Eco-histórico. Mestrado em História, UNESP, 1987.
9. Circe Maria Fernandes Bittencourt. “Meio ambiente e ensino de história”, História & Ensino, 9, 2003, p. 51.
Referências
ALMEIDA, Jozimar Paes de. A Extinção do Arco-íris: A Agro-Indústria e o Eco-histórico. Mestrado em História, UNESP, Brasil, 1987.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. “Meio ambiente e ensino de história”, História & Ensino, 9, pp. 63-96, 2003.
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo. A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
DEAN, Warren. A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989.
DEAN, Warren. Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
LE PRESTE, Phillippe. Ecopolítica Internacional. São Paulo: Editora Senac, 2001.
MARTINEZ, Paulo Henrique “Existe Uma Historiografia Ambiental Brasileira?”. In: Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH / SP Unicamp. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.
RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2001. SOFFIATI, Arthur. “Algumas palavras sobre uma teoria da eco-história, Desenvolvimento e Meio Ambiente”, n. 18, pp. 13-26 , jul. / dez. 2008.
THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
WORSTER, Donald. “Para fazer história ambiental”, Estudos Históricos, 4-8, pp. 198-215, 1991.
Janes Jorge – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, SP, Brasil. E-mail: janes.jorge@unifesp.br https: / / orcid.org / 0000-0003-1767-2148
Patricia Tavares Raffaini – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Programa de Pós-Graduação em História, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, SP, Brasil. E-mail: raffaini@usp.br https: / / orcid.org / 0000-0003-1921-6269
JORGE, Janes; RAFFAINI, Patricia Tavares. Apresentação. Revista de Fontes. Guarulhos, v.6, n.11, 2019. Acessar publicação original [DR]