Posts com a Tag ‘Qual o valor da história hoje? (T)’
Qual o valor da história hoje? – Marcia A. Conçalves, Helenice B. Rocha, Luís Resnik e Ana M. Monteiro
A inquietação que toma a forma de uma questão – Qual o valor da história hoje? – incomoda a todos os profissionais que têm como ofício escrever livros de história ou ensiná-la na educação básica. O Grupo de Pesquisa Oficinas da História colocou esta mesma pergunta aos seus próprios membros e a pesquisadores convidados para o Seminário Nacional O Valor da História Hoje, realizado em maio de 2010 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Seu objetivo foi problematizar a própria interrogação e pensar respostas múltiplas e provisórias. As instigantes apresentações, enriquecidas pelas profícuas discussões realizadas, deram origem ao livro que transformou o título do Seminário numa pergunta – “Qual o valor da história hoje?” – de maneira a potencializar ainda mais a inquietação que o inspirou. Mas, para entender essa publicação, é preciso contextualizá-la no grupo de pesquisa que a produziu e articulá-la com as contribuições anteriores do Grupo Oficinas.
O Grupo de Pesquisa Oficinas da História dedica-se a pesquisas na área do ensino de história e vem produzindo contribuições importantes para as reflexões acerca desde campo de pesquisa desde a sua fundação, em setembro de 2004. O grupo apresenta um perfil interinstitucional e é composto por vinte pesquisadores que atuam ministrando aulas na graduação e pós-graduação em cursos de educação e de história. O Grupo Oficinas está sediado na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e a maioria dos seus membros está situada em instituições universitárias desse estado, apesar de alguns deles atuarem em instituições de outros estados. O livro Qual o valor da história hoje? é a terceira publicação organizada por membros do grupo desde a sua criação. A primeira foi o livro A história na escola: autores, livros e leituras, 1 resultado do projeto desenvolvido entre 2005 e 2007 pelo Oficinas intitulado O Livro Didático como Discurso Historiográfico. A segunda publicação foi o livro A escrita da história escolar: memória e historiografia, 2 resultado de um projeto mais amplo intitulado Culturas Políticas e Usos do Passado – Memória, Historiografia e Ensino de História, que contou com a participação de alguns membros do grupo Oficinas.
O livro Qual o valor da história hoje?, organizado por Marcia Gonçalves, Helenice Rocha, Luís Reznik e Ana Maria Monteiro, reúne 16 textos apresentados no seminário nacional realizado em 2010. Entre 2009 e 2011, o Grupo Oficinas desenvolveu o projeto Ensino de História e Historiografia que, entre outras iniciativas, organizou o Seminário Nacional O valor da história hoje. Os textos das apresentações no seminário foram reorganizados no livro em três partes: “Formas de escrever e ensinar história”, “Memória e identidade” e “Tempo e alteridade”. Os temas que organizam essas partes são escolhidos em função de sua forma de aproximação de respostas possíveis à questão proposta no título.
O capítulo inicial da primeira parte nos ajuda a situar a questão de acordo com as diversas perspectivas acerca da história. O texto de Durval Albuquerque Junior – “Fazer defeitos na memória: para que servem o ensino e a escrita da história” – faz uma revisão sintética sobre os diferentes regimes historiográficos e a maneira como cada um deles pensou os usos e a função da história na sua dimensão formativa das subjetividades. Revisão audaciosa, que não se limita a resumir, mas interpreta e apresenta uma leitura da possível função do ensino de história hoje, historicizando o tempo presente e utilizando a compreensão da alteridade numa dimensão diacrônica para preparar os contemporâneos para a valorização da diversidade.
Os outros três capítulos que compõem essa parte também investem em reflexões teóricas sobre a escrita da história e o seu ensino. Márcia de Almeida Gonçalves, no texto “O valor da vida dos outros…”, aceita o desafio de pensar a questão título da obra pelo viés que a relaciona ao problema da consciência histórica, discutindo as concepções de sujeito e a produção biográfica. Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral, no texto “Ciências do espírito: relações entre história e educação”, recupera a concepção de pedagogia defendida por Dilthey, na qual esta é pensada como uma tarefa filosófica e elevada à categoria de ciência do espírito. Por fim, Valdei Lopes de Araujo, no texto “A aula como desafio à experiência da história”, propõe-se a pensar os desafios pedagógicos para o enfrentamento, em sala de aula, da temporalidade em geral, através do diálogo com as contribuições filosóficas de Husserl e Heidegger.
A segunda parte do livro traz seis textos sobre a temática da “Memória e identidade” sob diferentes abordagens e utilizando diferentes referenciais teóricos. Eunícia Barros Barcelos Fernandes, no texto “Do dever de memória ao dever de história: um exercício de deslocamento”, discute os usos da memória frente às inquietações surgidas com a legislação que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, a Lei 11.1645/2008, recorrendo ao conceito de consciência histórica. Luciana Heymann e José Maurício Arruti, no texto “Memória e reconhecimento: notas sobre as disputas contemporâneas pela gestão da memória na França e no Brasil”, traçam alguns paralelos entre as controvérsias públicas que envolvem o tema da memória nos contextos francês e brasileiro. Margarida de Souza Neves, no texto “Cartografias da memória: história, memória e ensino da história”, propõe um exercício de interpretação do mapa de Lopo Homem-Reinéis do século XVI como uma maneira metafórica de cartografar o continente da memória de forma a assinalar nesse mapa o lugar das disputas que lhe conferem relevo. Rui Aniceto Nascimento Fernandes, no texto “Uma província na disputa: como os fluminenses lidaram com a memória imperial na década de 1920”, discute as disputas em torno da memória imperial frente aos embates políticos da década de 1920, problematizando o impacto destas no campo das políticas públicas educacionais.
Os dois últimos capítulos da segunda parte enfrentam mais especificamente a temática da identidade. No texto “A história é uma escola: o paradigma do nacional na literatura didática de Viriato Correa”, José Ricardo Oriá Fernandes, utilizando uma concepção ampliada do conceito de livro didático, analisa a presença do nacionalismo nos livros escolares de Viriato Correa, com destaque para a História do Brasil para crianças (1934). Luís Fernando Cerri, no texto “Nação, nacionalismo e identidade do estudante de história”, discute e apresenta alguns resultados do projeto de pesquisa internacional “Nação, nacionalismo e identidade do estudante de história”, que, inspirado nas potencialidades do projeto europeu “Youth and history”, aplicou questionários aos jovens do Brasil, Argentina e Uruguai. Esses dois textos que concluem a segunda parte podem ser articulados com alguns dos textos da terceira parte que tratam do tema da alteridade. Cecilia Goulart, em “Alteridade e ensino de história: valores, espaços-tempos e discursos”, vai discutir o conceito de alteridade no contexto dos estudos da linguagem em perspectiva bakhtiniana, ilustrando-o com situações pedagógicas de diversas origens para, por fim, analisar situações de aulas de história. No texto “A leitura na aula de história como experiência de alteridade”, Helenice Rocha vai discutir a leitura comentada, uma prática comum no ensino de história, mediante a análise de aulas observadas na sua pesquisa. No capítulo intitulado “Do colorido à cor: o complexo identitário na prática educativa”, Júnia Sales Pereira busca discutir as polêmicas e disputas em torno das relações raciais no Brasil e os seus impactos na prática docente daqueles que se veem confrontados com essas questões em sala de aula.
Outra temática especialmente cara ao ensino de história é o objeto de três textos dessa última parte: o tempo. Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro, no texto “Tempo presente no ensino de história: o anacronismo em questão”, aborda a questão do presente no ensino de história, recorrendo aos conceitos de regimes de historicidade e de acronia para lançar uma nova luz sobre esse problema. Em “Que passados e futuros circulam nas escolas de nosso presente?”, Carmen Teresa Gabriel aposta na análise de temporalidades recontextua–lizadas no ensino de história apropriando-se especialmente das reflexões teóricas de Paul Ricoeur sobre o tempo e a narrativa. “Aprender e ensinar o tempo histórico em tempos de incertezas: reflexões e desafios para o professor de história”, de Sonia Regina Miranda, aponta alguns desafios contemporâneos enfrentados pelos professores de História ao lidar com a complexa questão do tempo histórico através da análise das representações do tempo encontradas em livros didáticos.
Esta breve apresentação das temáticas de cada uma das três partes do livro e um breve panorama dos objetos e objetivos de cada um dos seus capítulos serve apenas como um convite para aqueles que se interessam pelo ensino de história. O que constitui o maior mérito do livro é a maneira coerente como os diversos capítulos convergem de diferentes maneiras no enfrentamento da inquietação presente em seu título e a atualidade das discussões e referenciais teóricos utilizados. Mas o livro traz outra marca, além da inquietação com relação ao valor da história hoje: a tentativa de lidar com a perda do professor Manuel Salgado Guimarães, citado e mencionado em diversos textos que fazem parte desta coletânea. Os capítulos da obra reconhecem e valorizam a importância das obras de Guimarães para o estudo da historiografia, do ensino de história e da relação entre esses dois campos de pesquisa. O livro Qual o valor da história hoje? acaba por constituir uma bela homenagem à herança intelectual de um colega que fará tanta falta nas oficinas da História e de seu ensino.
Notas
1. ROCHA, H.; REZNIK, L.; MAGALHÃES, M. (Org.). A história na escola: autores, livros e leituras. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009. [ Links ]
2. ROCHA, H.; MAGALHÃES, M.; GONTIJO, R. (Org.). A escrita da história escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009. [ Links ]
Fernando de Araujo Penna – Doutor em Educação (UFRJ), professor de história do Colégio Santo Inácio. R. São Clemente, 226, Botafogo. 22260-000 Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: f_penna@yahoo.com.
GONÇALVES, Marcia de A.; ROCHA, Helenice Ap. de B.; RESNIK, Luís; MONTEIRO, Ana M. F. da C. (Org.) Qual o valor da história hoje?. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. 328p. Resenha de: PENNA, Fernando de Araujo. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.33, n.65, 2013. Acessar publicação original [IF]
Qual o valor da história hoje? | Márcia A. Gonçalves, Helenice Rocha, Luís reznik e Ana Maria Monteiro
Coletânea resultante de um seminário ocorrido em 2010, intitulado o valor da história hoje, o livro organizado pelos historiadores Márcia de Almeida Gonçalves, Helenice Rocha, Luís Reznik e Ana Maria Monteiro, lança uma interrogação que desloca a certeza presente no título original para um ponto ignoto, ao qual concorrem os mais diversos juízos, e que como a própria apresentação da obra sugere, tem a intenção de indicar o caráter movediço do dilema.
Qual o valor da história hoje? revisita a problemática relação constituída entre a teoria da história e a didática da história, só que com a singularidade de uma argumentação tecida com base em objetos pouco habituais neste tipo de tema: é a tensão resultante da inter-relação entre memória e história, e a necessidade do ingresso de debates sobre questões do tempo presente – ou ao menos que estabeleçam ligações com ele – na sala de aula, que orientam as discussões.
A obra reúne as reflexões de um significativo contingente de pesquisadores com estudos voltados principalmente para questões de teoria e método. O desafio do livro reside na conciliação entre as abordagens mais atinentes à epistemologia da disciplina histórica e aquelas que partem de elementos vinculados aos aspectos cognitivos da pedagogia. O primeiro ponto de convergência é a temática que atravessa as divisões do livro: as permissões e interdições impostas pelos sentidos atados à experiência – a vivência e a sua correlata memória –, ao estabelecimento do discurso histórico. Um segundo ponto, este inferido por um menor número de textos, está no entendimento de que um dos lugares onde essa questão se apresenta com maior riqueza é a sala de aula.
O efeito das aproximações e distanciamentos entre os textos se nota na ordem instituída pela organização dos capítulos. Como as rubricas, memória, tempo, e ensino de história, perpassam a maioria dos textos, de fato, parece impossível que se imputasse classificações fechadas que satisfizessem indubitavelmente alocações conjuntas ou separações dos textos. Ainda assim, o resultado é bastante inteligível.
A coletânea se divide em três partes: Formas de escrever e ensinar história, Memória e identidade e Tempo e alteridade. Apesar de atenderem a designação dos subcapítulos, a organização dos textos indica o estabelecimento de uma gradação que ultrapassa os aspectos mais visíveis. Tempo e alteridade relaciona os artigos que melhor trataram da relação entre os formatos e tipos de transmissão da narrativa e a sala de aula; Memória e identidade se apresenta como uma miscelânea de textos que guardam significativa distância entre si, aproximadas em grande parte por discussões que circundam a bandeira do nacionalismo e os sentidos de identidade; e Formas de escrever e ensinar história ensaia uma discussão relativa à variação de tropos, problemas, e parâmetros de subjetividade na escrita da história.
Uma característica que fica clara é que enquanto alguns textos, como os de José Ricardo Oriá Fernandes e Margarida de Souza Neves, acerca da literatura de Viriato Correa, e da relação entre cartografia e memória, respectivamente, buscam suas respostas em elementos pertinentes à pesquisa no âmbito acadêmico, salientando um determinado valor da cultura histórica que se prolonga até o espaço escolar, outros se baseiam em manifestações contíguas à sala de aula, atentando para aspectos que vão das interpretações e entonações presentes no discurso do professor ao desdém dos alunos quanto à possibilidade de futuro, como é o caso dos textos Alteridade e ensino de história: valores, espaços-tempos e discursos de Cecília M. A. Goulart e Aprender e ensinar o tempo histórico em tempos de incerteza: reflexões e desafios para o professor de história, de Sônia Regina dos Santos.
Apesar da existência de dois vieses de análise, a prevalência dos questionamentos acerca das vicissitudes de uma pedagogia da história, para o entendimento do valor da história hoje, fica clara mesmo quando olhamos os artigos em separado. Embora a Parte I seja, dentre as três divisões, a única a trazer no título uma referência direta ao ensino, a temática predomina nos títulos ou conteúdos dos textos. As exceções ficam por conta dos artigos: O valor da vida dos outros… de Márcia de Almeida Gonçalves, Uma província em disputa: como os fluminenses lidaram com a memória imperial na década de 1920, de Rui Aniceto Nascimento Fernandes, e Memória e reconhecimento: notas sobre disputas contemporâneas pela gestão da memória na França e no Brasil, um trabalho conjunto de Lucianna Heymann e José Maurício Arruti.
Apresentando, respectivamente, a singularidade dos valores cognitivos dos relatos vivenciais, os usos políticos da construção memorialista, e as disposições e disponibilidades da gestão da história quanto às reivindicações e anseios reparatórios, os citados artigos procuram a atualidade da disciplina na reavaliação de velhos tópicos. A vinculação destes textos com os demais artigos se dá, principalmente, pelas opções de abordagem e teóricos mobilizados. É nítida a preocupação em estabelecer as diferentes modalidades de apreensão de passagem do tempo, e as subjetividades que derivam de cada definição.
Da fenomenologia de Husserl à crítica moral nietzschiana, vemos uma variedade de formas de inquirição das bases teóricas das principais acepções e conceitos de tempo histórico, e de suas inclinações meta-históricas, trabalhadas por um copioso número de perspectivas, tanto em função dos objetivos dos autores dos artigos, quanto pela diversidade de pensadores evocados. Apesar disto, no conjunto da obra, as preferências são claras: Wilhelm Dilthey, François Hartog, Reinhart Kosseleck, Jörn Husen, e Paul Ricouer recebem um tratamento mais aprofundado.
A pluralidade dos usos da história é uma premissa fundamental na organização da obra. Dado que, inclusive, engendra interessantes antíteses. Se na narrativa sobre as transformações das percepções do conceito de história, de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, mergulhamos na história da história e somos apresentados às dissoluções e afirmações de sentido desta maneira de explicar o mundo, mais adiante recebemos a interdição de Valdei Lopes de Araújo à imputação de sentido, e somos recomendados a também mostrarmos aquilo que, do ponto de vista de uma tradicional ética presente nas análises historiográficas, não encontram amparo. Em que pese o fato de que mostrar: “a tragédia, a injustiça, o, o horror como parte integrantes de nossa condição”, nem sempre fez parte do discurso historiográfico, a asserção nos remonta a uma perspectiva contemporânea de história.
Este é um ponto fundamental. A condição humana como o valor premente da história hoje, surge como um discurso comum, e dá a uniformidade à coletânea para apresentar experiências e olhares distintos sobre a história, sobre a educação, ou sobre ambos. Se as definições, e conceitos sobre temporalidade ocupam uma parte considerável do livro, remetendo a uma maior proximidade com a academia, o reconhecimento de como esses conceitos podem ser instrumentalizados para produzir uma ética – vincada ao presente e a partir da sala de aula – nos dá a conhecer uma série de pesquisas e propostas que instigam a construção de um ensino de história diferente, abrangendo desde as séries mais elementares. Indo além, podemos dizer que os artigos colocam em xeque o próprio modelo de ensino de história.
O panorama que os textos descortinam reflete a preocupação em levar para o ambiente escolar a perspectiva de uma necessária orientação em relação a cultura histórica ampla, oferecendo alternativas à dominante narrativa canônica, muitas vezes derivadas do livro didático, e às concepções que parecem atemporais. É nessa chave que podemos interpretar as investigações encetadas pelas supracitadas Cecilia M. A. Goulart e Sônia Regina Fernandez, e por Luis Fernando Cerri e Helenice Rocha.
Esses textos ilustram a diversidades de interpretações que atualmente suscitam os relatos ou as conformações históricas. Tomando como referência apenas os dois últimos: em Nação, nacionalismo e identidade do estudante de história, de Cerri, se destacam as tonalidades e margens de discordância sobre os aspectos tradicionais e as novas questões em relação à nação e ao sentimento nacional entre os alunos. Já em A leitura da aula de história como experiência de alteridade, de Helenice Rocha, é reveladora a discussão que apresenta a maneira como os comentários e leituras com base no livro didático são modeladas pelas representações construídas pelo docente, não somente acerca dos conteúdos, como também da capacidade de entendimento do corpo discente.
Está claro que a publicação indica a ideia de que a história hoje é móvel, e essa mobilidade confronta tabus e abre novas perspectivas. Prova disso são as reiteradas citações sobre as possibilidades de produção de saberes pela incorporação de um viés anacrônico na aula de história. Perpassa-se o juízo de que os embates em torno do tempo, em torno da história, estão presentes de diversas formas a todo tempo, e em todo lugar; o que de maneira implícita reforça a sua contraparte: a experimentação da história está para além dos formatos que procura imprimir o historiador. Por isso, o livro também ilustra uma imposição de um fazer específico e profissional sobre um campo aberto.
A concepção da vigência de uma atualidade permeada de referências históricas, presente com clareza em Ana Maria Monteiro, com Tempo presente no ensino de história: o anacronismo em questão e Carmem Teresa Gabriel, e seu Que passados e futuros circulam nas escolas de nosso presente?, por exemplo, também circunda os outros textos. Eles sinalizam para o ensejo de uma reelaboração da figura do historiador/ educador diante deste quadro, em que a apreciação das narrativas põe em evidência um caráter valorativo da história concernente tanto à sua faculdade de orientação, quanto à sua capacidade em reafirmar e desqualificar memórias no jogo de legitimação de legados e realidades, que se sobrepõe, excluem-se e se complementam.
Apesar da miríade de possibilidades sugeridas e defendidas, e questões postas, a sintonia entre os artigos, e o objetivo claro da realização de uma problematização do campo, arrefecem, no leitor, o típico afã da obtenção de respostas definitivas. Todavia, os encaminhamentos são muito sugestivos. Na verdade, a sensação é de que a vertigem causada pelo profundo abismo, derivado do afastamento entre a sala de aula e a academia, já nos deixa menos mareados. Como ‘orientação’ desponta como a insígnia de Qual o valor da história hoje?, reafirmando a incerteza e a condição humana do fazer histórico, pode-se atribuir está qualidade à publicação, em termos de mapeamento das dificuldades a serem enfrentadas e de propostas que precisam ser evidenciadas.
O que se vê não é uma contraposição, e nem mesmo de complementaridade entre teoria da história e didática da história, mas a idéia de um prolongamento não-hierárquico entre os dois fatores. Se durante muito tempo, o precipício forjado entre ensinar e pesquisar se afigurou como virtualmente intransponível, hoje os esforços de superá-lo são explícitos, sendo Qual o valor da história hoje? parte integrante desse movimento. Fincando estacas nos dois lados do dilema, os artigos reunidos na coletânea procuram estender uma ponte obre a falha, possibilitando que a interpenetração de conceitos e a circulação de saberes gere para a disciplina histórica algo maior que a soma das partes.
Welinton Serafim da Silva.
GONÇALVES, Márcia de Almeida; ROCHA, Helenice; REZNIK, Luís; MONTEIRO, Ana Maria Orgs). Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. Resenha de: SILVA, Welinton Serafim da. Construindo pontes, superando abismos: o valor da conciliação entre o ensino e a pesquisa em história. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, v.8, n.8, p.345-350, 2012. Acessar publicação original [DR]