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The case for books: past, present and future – DARNTON (RBH)
DARNTON, Robert. The case for books: past, present and future. New York: Public Affairs, 2009. 240p. Resenha de: ARAÚJO, André de Melo. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.30, n.59, jun. 2010.
Com base nas correspondências trocadas entre editores, filósofos escritores e livreiros, como também nos contratos de concessão de direitos de impressão e comercialização da Encyclopédie, Robert Darnton identifica, em O Iluminismo como negócio (1979), conflitos editoriais e manobras lucrativas no mercado da cultura letrada setecentista. Trinta anos após a primeira edição desse estudo, e ainda tendo em vista os mecanismos de controle da produção e circulação do conhecimento impresso, Darnton apresenta em The case for books (2009) divergências desafiadoras e identidades lúcidas entre os (quase) dois séculos e meio que separam a França pré-revolucionária do final da primeira década do século XXI.
A identidade temática entre as duas obras se mostra presente já na recomposição atual da frase de abertura do texto de 1979. Em O Iluminismo como negócio Darnton expõe o resultado de suas pesquisas como “a book about a book”. Em The case for books, o historiador reexplora sua fórmula consagrada ao publicar um livro sobre livros: “this is a book about books” (p.vii). No plural, o autor inscreve a primeira situação divergente. Em 1979, Darnton estuda a história da publicação de um único livro, a Encyclopédie. Trinta anos depois, e já com a experiência de pouco mais de dois anos como diretor da rede de bibliotecas da Universidade Harvard, Darnton identifica no cargo que assumiu em junho de 2007 “uma oportunidade para fazer alguma coisa sobre as questões que … havia estudado como fenômeno histórico” (p.ix).1
E tais questões eram prementes: “assim que me transferi para o novo escritório, descobri que a Biblioteca de Harvard estava envolvida em conversas secretas com o Google sobre um projeto que tirou meu fôlego”, relata Darnton. “O Google planejava digitalizar milhões de livros, começando com o acervo de Harvard e de mais outras três bibliotecas universitárias, e comercializar as cópias digitais…” (p.ix). O projeto de comercialização de milhões de livros em formato digital faz o historiador relembrar os traités que lera ao estudar o grande negócio do Iluminismo e identificar a forma necessariamente plural do seu novo ponto de partida. Com base no grande volume de livros já digitalizados, Darnton resolve refletir principalmente sobre o papel das bibliotecas de pesquisa e seus possíveis caminhos na era do conhecimento armazenado em memórias de silício.
The case for books é uma coletânea de onze textos, publicados entre 1982 e 2009, dividida em três partes editadas nesta ordem: futuro, presente e passado. No título do livro, Darnton não só sugere a forma tradicional de se armazenar livros em uma estante – a book case -, como também faz ecoar por meio da assonância entre os termos four [quatro] e for [para] o núcleo da fantasia futurística de Louis Sébastien Mercier, conhecida desde 1771 e segundo a qual o volumoso conhecimento impresso seria coisa do passado. A verdade do futuro caberia em quatro estantes, “into the four bookcases” (p.44). Assim, Darnton parte do futuro do passado para fazer um alerta quanto ao presente do futuro: “Nós poderíamos ter criado uma Biblioteca Nacional digital – o equivalente, no século XXI, à Biblioteca de Alexandria. Já é tarde. Não somente fracassamos em conceber tal possibilidade, quanto, o que é pior, estamos permitindo que uma questão de política pública – o controle do acesso à informação – seja determinada por processo judicial de caráter privado [private lawsuit]” (p.17). Aqui resumo três preocupações centrais de Darnton quanto ao futuro.
1) Ao estudar a cultura letrada do século XVIII, o historiador localizava, a partir do caso francês, um projeto de abertura e divulgação do conhecimento que era, em princípio, universalista. No entanto, o projeto iluminista restringia paradoxalmente o seu universalismo à população economicamente favorecida. O primeiro alerta de Darnton quanto ao futuro diz respeito ao acesso pago às redes de conhecimento, controladas, por sua vez, por um monopólio privado. É certo que Darnton fala tanto do Google quanto de projetos de digitalização de acervos com bastante entusiasmo. Sua preocupação recai, no entanto, sobre o que ele chama de “tendências monopolistas” (p.33).
2) O autor insiste na presença mais ativa das instituições públicas nas decisões políticas de acesso ao conhecimento: “Sim, temos que digitalizar. Mas mais importante: temos que democratizar. Temos de abrir acesso à nossa herança cultural. Como? Reescrevendo as regras do jogo, subordinando interesses privados ao bem público…” (p.13). Desse modo, Darnton propõe a união das bibliotecas no futuro em nome do projeto de uma grande biblioteca pública digital (p.57): “Abertura, livre acesso [openness], é o princípio-guia que procuraremos seguir para adaptar as bibliotecas às condições do século XXI” (p.50).
3) Ao enfatizar o alto preço que as bibliotecas hoje já pagam para manter em dia seus acervos com periódicos, Darnton se preocupa com o comprometimento do orçamento das bibliotecas de pesquisa com as altas taxas de acesso aos acervos digitais, baseados originalmente em acervos públicos. Como consequência, as bibliotecas do futuro teriam de adquirir menos livros (p.18-19)!
Dessas três preocupações centrais decorrem ainda outros problemas estruturais. A instabilidade da informação, tal como Darnton a define (p.23), requer a possibilidade de exploração das mínimas variações no mundo das ideias: várias cópias de um mesmo título – algo que se pode deixar de lado para que o mundo digital se resuma em quatro estantes – podem apresentar dissonâncias reveladoras da cultura letrada (p.29-31). Historiador de profissão, o novo bibliotecário desconfia da eficácia do sistema de preservação de acervos digitais: a materialidade temporária – ou quase “imaterialidade” – dos livros nascidos em formato digital pode se dissipar no espaço cibernético (p.37). Darnton ainda amplia o alerta ao mencionar a fragilidade do registro das comunicações no mundo contemporâneo (p.53). Sua tônica incide principalmente sobre a necessidade de discutir as políticas públicas de preservação de acervos e de controle dos canais de divulgação do conhecimento. E esse é o motivo pelo qual a responsabilidade das bibliotecas aumenta na era digital, não apenas por terem em vista o ideal de livre acesso a fontes de pesquisa, mas também por se verem responsáveis por preservar o passado do futuro. O pressuposto de todo historiador é bem conhecido: se o presente não deixar rastros para o futuro, ele jamais poderá ser passado.
Algumas das preocupações de Darnton quanto ao futuro se repetem na segunda parte do texto, ou seja, no presente. As repetições dos argumentos, quando não dos próprios exemplos, marcam a leitura dessa coletânea de textos em que se procura destruir o mito de que o futuro eletrônico coloca em risco a tradição dos livros impressos (p.67). De forma a explorar a convivência da tinta sobre papel com as tecnologias da informação eletrônica no mundo contemporâneo (p.77), The case for books foi lançado simultaneamente tanto como livro eletrônico (e-book), quanto no formato tradicional do códice impresso.
No último capítulo, ou seja, na parte que diz respeito mais diretamente ao passado, Darnton reedita seu estudo clássico de 1982 sobre a história dos livros, já disponível ao público brasileiro há duas décadas em O beijo de Lamourette. Nesse texto, discute como as formas de transporte e de comunicação influenciaram decisivamente a história da literatura (p.199). Ao revisar recentemente o artigo de 1982, Darnton insiste no caráter material do objeto chamado livro,2 e tal insistência se faz mais uma vez presente em The case for books. Familiarizado com o mundo em que as notícias se viam atreladas à forma em papel (p.109), Darnton aponta a importância para o historiador do contato material com as suas fontes de pesquisa: a cor, o tamanho das páginas (p.125), até mesmo a experiência de passá-las uma a uma fazem parte do estudo das práticas de leitura.
E como Darnton insiste em buscar uma saída conciliatória entre a forma impressa e a forma eletrônica para o passado, para o presente e para o futuro dos livros – ao dar provas de que o historiador não se ocupa apenas do passado -, também prefiro aqui esboçar um caminho conciliador das duas atividades profissionais de Robert Darnton, historiador do Iluminismo francês e diretor da rede de bibliotecas da Universidade Harvard. Parto do núcleo deflagrador das divergências – entre o passado e o futuro – que desafiam o presente e a partir do qual Darnton procura com lucidez indicar, em The case for books, algumas identidades.
O projeto de digitalização – e comercialização – de milhões de livros, tal como Darnton o descobriu em seu novo escritório em Harvard, relembra o modelo econômico e epistemológico de filiação iluminista, para o qual The case for books oferece uma resposta cética e um desafio. No plano epistemológico, o modelo das Luzes procura ordenar e encadear o conhecimento dos homens – tal como D’Alembert propunha no discurso preliminar da Encyclopédie, em 1751 – ou ainda reunir o conhecimento disseminado na face da Terra, como Diderot sugere no quinto tomo da mesma obra. Aqui atua o ceticismo de Darnton, ao apontar lacunas e fragilidades em projetos de caráter supostamente totalizante. No caso dos acervos digitais, páginas incompletas e ausência potencial de variantes são índices claros de tal fragilidade.
Do ponto de vista econômico, a promessa de acesso a volumes compactos da cultura escrita mais uma vez se mostra como um grande negócio. Mas eis que o desafio proposto por Darnton procura renovar, no século XXI, os termos da utopia setecentista, segundo a qual uma grande biblioteca pública digital asseguraria o acesso universal ao conhecimento. Ou seja, se por um lado as reflexões publicadas em The case for books ensaiam a crítica ao projeto das Luzes, ao identificar com lucidez semelhanças entre os interesses de mercado dos grandes negócios do passado e do futuro, bem como entre as formas de privilégio de acesso à cultura escrita, por outro, Darnton procura ampliar o mesmo projeto que havia estudado como fenômeno histórico, na medida em que aposta na redefinição dos mecanismos de acesso universal ao conhecimento letrado. Em The case for books, o futuro do presente é uma aposta ao fracasso do universalismo do passado.
Notas
1 As traduções do texto de Robert Darnton foram feitas pelo autor da resenha, o qual agradece ao prof. dr. Luiz Sávio de Almeida a leitura crítica de todo este texto.
2 Cf. DARNTON, Robert. “What is the history of books?” Revisited. Modern Intellectual History , Cambridge: Cambridge University Press, v.4, Issue 3, p.495-508, 2007. [ Links ]
André de Melo Araújo – Kulturwissenschaftliches Institut Essen (KWI). Institute for Advanced Study in the Humanities, Goethestr. 3145128 Essen Germany. E-mail: andre_meloaraujo@yahoo.com.br.
[IF]America between the wars: from 11/9 to 9/11 | James Goldgeiger
Após o fim da Guerra Fria, o debate acerca de qual seria a melhor estratégia para os Estados Unidos adotarem em substituição à contenção se tornou um tema muito controverso para os analistas de Relações Internacionais e, principalmente, para os formuladores de política e tomadores de decisão do país. A dificuldade para se encontrar um novo termo e um projeto de ação de longo prazo se tornou um desafio instigante. Em tal contexto, examinando a história recente da política externa norte-americana de 09/11, a queda do Muro, à 11/09, os atentados terroristas ao território continental, James Goldgeiger e Derek Chollet em America Between the Wars oferecem uma interessante análise desta fase 1989/2009.
Passando pelos governos Bush sênior (1989/1992), Bill Clinton (1993/2000) e George W. Bush (2001/2008), o texto define estas duas décadas como “os anos modernos entre guerras” (modern interwar years). A obra discorre sobre os principais acontecimentos, os diferentes conceitos cunhados no período e o debate acadêmico e político que vigorou ao longo destes anos, mostrando de forma perspicaz a dificuldade dos EUA em reencontrar um sentido norteador de sua atuação no Sistema Internacional após a eliminação do rival soviético. Mais do que diferenças, os autores apontam as semelhanças em táticas e retóricas entre as administrações (em particular o recorrente tema da democracia e do lugar especial da liderança no mundo, associada ao seu intervencionismo) que enfrentaram estes momentos do pós-Guerra Fria, identificando-os, como indica o subtítulo do livro de “os anos mal-compreendidos entre a queda do Muro de Berlim e o começo da Guerra Contra o Terror (GWT)”. Leia Mais