O protagonismo das mulheres negras na escrita da história dos brasis / Revista Transversos / 2020

Ao olhar a arte da capa desta edição (MARIELLE CHRIST, Laucas [1], 2020), não pela aceleração da vida moderna, que sacrifica o tempo presente em nome de um futuro unidirecional, e sim por um tempo Sankofa [2] , que traz as histórias de ancestralidades sócio-históricas negadas pela nossa neurose cultural brasileira: o racismo (GONZALEZ, 1984), podemos sentir-pensar sobre a miríade de significados e potências entorno da vida de Marielle Franco, uma grande protagonista da história recente do Brasil. Elementos ocidentais se conectam a afro-diaspóricos, de(s)colonizando as artes plásticas e os significados pré-determinados entorno das representações das mulheres negras na sociedade brasileira. Afinal, ruminar sobre essa imagem é se confrontar com as sensações entorno de uma complexidade heterogênea de identidades políticas, culturais, sociais, econômicas, espirituais, filosóficas, sexuais e de gênero que não se encaixam no nosso capitalismo racista e patriarcal de todos os dias. É com as potências transgressoras e re-existentes de MARIELLE CHRIST que a Revista TransVersos tem o prazer de apresentar sua 20ª edição.

Número cuja chamada recebeu a maior quantidade de artigos da história da revista, o que é mais um dado comprobatório da demanda e relevância social da temática. Fato que, junto às dificuldades e desafios do contexto pandêmico, nos levou a dividi-la em duas edições para manter nosso compromisso ético-político e acadêmico de combate ao epistemicídio, pois só convidamos pareceristas engajades na produção de conhecimento que possa combater o racismo científico. Racismo este praticado, por exemplo, em pareceres às cegas em que especialistas impõem a colonização do saber ao desqualificar teorias e metodologias que não se apresentam como neutras e universais – como as dos pensamentos feministas negros e de(s)coloniais -, justamente, porque essa suposta imparcialidade do fazer científico esconde um lugar de poder que é a imposição homogeneizadora do sujeito homem-branco-ocidental. Exagero? Até hoje para se tornar historiador(a) no Brasil, os cânones vão exigir a leitura da clássica interpretação marxista de um muito importante sujeito homem-branco de escrita moderna-ocidental, Caio Prado Júnior, que nega não só as epistemologias afro-brasileiras, como a própria condição de sujeito humano à população negra. “Definitivamente, Caio Prado Júnior ‘detesta’ nossa gente’ (GONZALEZ, 1984: 235); no entanto, impossibilita que a resposta da intelectual Lélia Gonzalez a tal especialista seja considerada também como um clássico da historiografia ao não incluí-la nas referências canônicas da disciplina.

É por Lélia Gonzalez, é por Marilene Rosa Nogueira da Silva, mulher negra fundadora desta revista, e por inúmeras mulheres negras que sempre protagonizaram e protagonizam outras histórias dos Brasis, silenciadas pela historiografia hegemônica, que a Revista TransVersos apresenta a sua atual edição.

Autodefinções, oralidades, ancestralidades e de(s)colonialidades de corpos e epistêmicas entram para a história da construção da cidade de Florianópolis no artigo de Carol Lima de Carvalho. A autora nos apresenta os desdobramentos do racismo estrutural, tão invisibilizado pela tradicional historiografia brasileira, por meio de uma análise interseccional da vida de mulheres que atuaram na ocupação e construção de espaços culturais negros na cidade. Resistências ao entrecruzamento das opressões de raça, gênero e classe nos são apresentadas por meio das histórias dessas sujeitas protagonistas da história de Florianópolis.

Como seria a história do cotidiano do Rio de Janeiro por meio das narrativas de uma mulher negra líder de comunidade da zona norte da cidade? Esta é a proposta do artigo de Maria Angélica Zubaran e Denise Bock de Andrade, no qual o conceito de escrevivências de Conceição Evaristo se transforma em operador metodológico na (re)construção da história do Morro do Andaraí, por meio das narrativas autobiográficas de Jurema Batista. As autoras nos apresentam alguns dos efeitos das ressignificações de identidades sócio-históricas de “raça” e “gênero” tecidas por mulheres negras desta comunidade em suas buscas por constituições de si positivas, relacionadas diretamente com a luta por conquista de direitos à comunidade.

Cláudia Gomes Cruz, Ana Lúcia da Silva Raia e Mônica Regina Ferreira Lins contribuem para as análises e discussões sobre as escritas de Maria Carolina de Jesus como decoloniais ao romper com a colonização do saber em sua vida e escrita. Por meio das obras: Quarto de Despejo: diário de uma favelada e Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada, problematizam a intelectualidade de Maria Carolina de Jesus, entrecruzando perspectivas dos feminismos negros e feminismos decoloniais.

Beatriz do Nascimento Preche, em: O imoral escândalo da prostituição de escravas: pensando a prostituição a partir das mulheres negras no Rio de Janeiro (1871), apresenta uma significativa renovação historiográfica sobre o tema ao romper com o tradicional destaque dado a prostituição de europeias no período em destaque. O artigo problematiza a tensão não apenas de gênero, como também de raça que entrecruzam as tecnologias da moderna colonialidade de gênero (LUGONES, 2008). As autoras analisam transformações e continuidades efetivadas pela interferência do público em uma relação até então de domínio privado.

O apagamento de intelectuais negras – epistemicídio- é constante no Brasil, bem perceptível na vida de Virgínia Bicudo, que Rosa Coutinho Schechter e Paulo Eduardo Viana Vidal aqui retiram do silenciamento. Na década de 1950, Virgínia Bicudo, socióloga e psicanalista negra conduziu profundas pesquisas sobre racismo no Brasil, nas quais afirma a cor da pele como obstáculo para a ascensão social, pois apenas a ascensão econômica não era suficiente para demover os preconceitos em relação aos negros. Divergindo assim da “democracia racial”, amplamente aceita pela intelectualidade da época.

Clécia Aquino Queiroz e Vítor Aquino Queiroz apresentam a trajetória de vida de cinco sambadeiras, as quais atuaram para dar continuidade à tradição transmitida por seus antepassados. Os autores mostram como o samba proporciona conexão com ancestralidades africanas, significado, para estas mulheres, como um “lugar de alento, onde as dimensões corporais e espirituais se complementam”, tomado, assim, como elemento vital para os seus enfrentamentos diários. O texto contribuiu para os estudos sobre rito e performance, problematizando o Samba de Roda como potencializador de empoderamentos a estas “donas”, as quais exercem importantes papéis na produção de realidades nas comunidades negras do Recôncavo baiano, com atenção especial ao papel fundamental das mulheres na organização do ritual. Luciana Falcão Lessa discute os efeitos da colonização, da escravidão e do racismo na subjetividade de mulheres negras. A pesquisa multidisciplinar traz os principais conceitos e teorias a respeito dos sentimentos partilhados pelas integrantes da Rede de Mulheres Negras da Bahia, a partir de suas experiências cotidianas, familiares, afetivas e políticas. A autora apresenta os efeitos que a memória da escravidão e o racismo produziram nas experiências subjetivas destas mulheres e busca entender esse processo a fim de discutir se sua reversão é possível, visibilizando estratégias para o enfrentamento do racismo e fortalecimento da identidade e autoestima dessas sujeitas racializadas. O texto valoriza a subjetividade e afetividade, trazendo as experiências vividas e as emoções como objeto de estudo da História, a partir dos principais referenciais teóricos dos feminismos negros e estudos decoloniais.

Lucymara da Silva Carvalho, Maria Aparecida Prazeres Sanches, em diálogo com estudos historiográficos, sociológicos, filosóficos e do pensamento feminista negro, analisam as inquietações, angústias e alegrias sentidas por mulheres negras retintas. A partir dos conceitos de “escrevivências” e “corpo-território”, entendem que a escrita de si para as mulheres negras se constitui como um ato de desobediência e insubordinação, proporcionando um movimento de encontro, reconhecimento e superação. O texto mostra como o entrecruzamento das opressões de gênero e raça impõem limites na vivência afetiva e sexual das mulheres negras e traz o autoamor como uma fonte de cura, bem como analisam a escrita negra e feminina como ferramentas de empoderamento.

Sirlene Ribeiro Alves Correio nos apresenta Cacilda Francioni de Souza, mulher preta que viveu dois tempos: o da escravidão e o do pós-abolição. Por meio de suas reflexões, a autora nos convida a refletir sobre o apagamento sofrido por esta mulher pela historiografia. Sua trajetória inclui ações abolicionistas, produção de livros didáticos, literários e docência, demarcando o lugar de Cacilda como intelectual negra numa sociedade marcada pelo patriarcado racista.

A autora Juçara Mello nos brinda com o protagonismo de mulheres negras no contexto da cultura fabril nos anos 1950-1960, em Santo Aleixo, distrito de Magé, no Rio de Janeiro. Refletindo acerca da invisibilidade legada pela historiografia à mulher negra operária, a autora apresenta olhar peculiar revisitando histórias marcadas pela interseccionalidade. O encontro entre duas mulheres negras – Lúcia de Souza, operária e Ruth Telles, professora – assinala, “a projeção de uma representatividade determinante na construção da identidade étnico racial”.

Roberta Santos Fumero e Veronica Cunha Correio, na sessão: Experimentações, refletem a partir de diferentes intelectuais negras – brasileiras e estrangeiras – a trajetória de mulheres negras moradoras da Baixada Fluminense no Estado do Rio de Janeiro. O modo como essas mulheres, por meio da escrita transformam seus mundos, suas realidades, suas perspectivas concretizaram-se por meio da mobilização política ao criarem um coletivo, o Mulheres do Ler.

Por último, mas não menos relevante, na seção: Artigos livres, Roberto Augusto A. Pereira Correio apresenta a “Companhia Brasiliana e a constituição do Teatro Folclórico no Brasil”, entre os anos de 1949 e 1951. O autor analisa o protagonismo do grupo que atuou entre intelectuais e jornalistas. Como tema central, tais grupos refletiam sobre a identidade nacional brasileira e sua relação dialógica com a chamada cultura negra e popular.

O presente número da Transversos vem, portanto, produzir visibilidade historiográfica as mulheres negras da nossa história, entendidas como sujeitas da transformação social e da produção de realidades e sentidos, capazes de possibilitar à luta contra a opressão e violência vivenciadas há séculos nestes Brasis. Os artigos aqui reunidos não apenas denunciam epistemicídios e silenciamentos operados sobre as práxis das mulheres negras, mas trazem também, em seu conjunto, novas perspectivas teórico-metodológicas, que reconhecem os sentimentos e aflições da(os)s sujeita(o)s histórica(o)s.

As leitoras e leitores encontrarão aqui outras formas de produzir historiografia, de construir ciências humanas, em que as experiências interseccionais (CRENSHAW, 2002) das mulheres negras atravessam e significam as realidades sócio-históricas. As protagonistas negras emocionam e encantam com suas dores e conquistas e, através de suas trajetórias, podemos identificar diversas possibilidades de re-existências ao longo da história deste país. Apresentamo-las em suas potências de ação e transformação, as quais, individual ou coletivamente, carregam a possibilidade de alterar as subalternizações que as tecnologias de poder do patriarcado branco colonial insistem em condicioná-las. Esperançamos que as escritas aqui presentes reguem as sementes plantadas pela agora ancestral Marielle Franco, em seus ensinamentos potencializadores da necessária esperança. Não a que se prende na imobilização da espera e sim como pensada por Paulo Freire (2002), a qual permite compreender a história não como pré-determinada, mas sim como contingencial porque aberta a transformação construída por diferentes sujeita(os). Neste dossiê, destacamos as possibilidades de construção de uma sociedade contrária a colonialidade do capitalismo racista e patriarcal, esperançando o florescer de temporalidades mais justas e humanas para todes.

Notas

  1. Contato: @daniellaucas
  2. “O ideograma Sankofa pertence a um conjunto de símbolos gráficos de origem akan chamado adinkra […] significa ‘voltar e apanhar de novo aquilo que ficou para trás’” (NASCIMENTO, 2008: 31).

Referências

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171- 188, jan. 2002.

EVARISTO, Conceição. Becos da memória. Belo Horizonte: Mazza, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje. Anpocs, p. 223-244, 1984.

LUGONES, María. Colonialidad y género. Tabula Rasa. Bogotá, nº09, p. 73-101 2008.

NASCIMENTO, Elisa Larkin. A matriz africana no mundo. São Paulo: Selo Negro, 2008.

Marina Vieira de Carvalho – Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com período sanduíche em Université Paris VII (Paris- Diderot), fomentado pela CAPES. Possui mestrado em História pelo PPGH / UERJ; Pós-Graduação Lato Sensu em História do Brasil pela UFF; Licenciatura e Bacharelado em História pela UGF. É professora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre (CFCH / UFAC), coordenadora de pesquisa do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI / UFAC), pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos das Diferenças Desigualdades Sociais (LEDDES / UERJ) e ao Grupo de Pesquisa Descoloniais Carolina Maria de Jesus. Atualmente desenvolve pesquisas sobre de(s)colonialidades, com destaque para os femininos de(s)coloniais.

Iamara da Silva Viana – Professora do Departamento de História da PUC-Rio. Doutora em História Política UERJ com estágio na EHESS / Paris (2016); Mestre em História Social UERJ / FFP (2009); Bacharel e Licenciada em História UFRJ (2004). Professora Colaboradora do PPGHC / IH / UFRJ; Coordenadora da Pós em África e Cultura afrodescente PUC-Rio, Pólo Duque de Caxias; Coordenadora do Laboratório de Ensino de História e Patrimônio Cultural (LEEHPAC / PUC-Rio); Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afrodescendente (NIREMA / PUC-Rio); Pesquisadora do Laboratório de Estudos de História Atlântica das Sociedades coloniais e pós-coloniais (LEAH / IH / UFRJ). Desenvolve pesquisa sobre Escravidão no Brasil no século XIX e suas conexões Atlânticas, Caribe Francês, Corpos escravizados e pensamento médico, Ensino de História, Cultura Material, Patrimônio Cultural e Relações étnico raciais.

Mariana Bracks – Mestre e doutora em história pela USP, com estágio pós-doutoral na UFMG. (Futura) Professora de história da África na Universidade Federal de Sergipe. Autora dos livros Nzinga Mbandi e as guerras de resistência em Angola (Mazza, 2015), Ginga de Angola: memórias e representações da Rainha guerreira na diáspora (Brazil Publishing, 2019) e do livro em quadrinhos Rainha Ginga guerreira de Angola (Ancestre, 2016).


CARVALHO, Marina Vieira de; VIANA, Iamara da Silva; BRACKS, Mariana; MBANDI, Nzinga. Apresentação. Revista Transversos, Rio de Janeiro, n.20, set. / dez., 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossi

Protagonismos Indígenas no Espaço Escolar / Revista Espacialidades / 2020

A sociedade atual, cada vez mais heterogênea, tem mostrado a necessidade de reconhecimento e representatividade dos diversos grupos que a compõe e nos seus mais variados âmbitos, seja político, econômico ou cultural. No Espaço escolar não seria diferente, este que pode ser entendido como um espaço de vivências sociais capaz de amalgamar a diversidade existente, assume uma posição de extensão da sociedade e, portanto, também precisa assegurar o princípio da equidade. Desse modo, o presente dossiê visa trazer discussões que privilegiem a participação direta ou indireta dos povos indígenas no processo educacional, que entre lutas e desafios, tem consolidado importantes conquistas de direitos no Brasil, como por exemplo, desde a Constituição de 1988 até ao Decreto Lei nº 6861, de 27 de maio de 2009 – no qual aprovava e definia a organização da Educação Escolar Indígena –, passando pela Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008 com a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena na Educação básica da rede pública e privada.

No decorrer da História do Brasil, os índios tiveram lugares bem específicos, em grande medida aqueles de negação e esquecimento. Contudo, uma onda de movimentos liderados por grupos indígenas em prol da defesa de seus direitos ganhou ainda mais força durante a década de 1970, período que marcou o início das articulações sociais de resistência às políticas repressivas dos governos militares. Desde então, os índios têm buscado ainda mais assumir os rumos de suas próprias histórias, construindo suas narrativas, protagonizando-as, e efetivando sua participação nos mais diversos espaços.

Aqui, o fio condutor dos debates levantados será a noção espacial, em vista que esta constitui o foco e escopo da Revista. Portanto, através dos diálogos que intersecionam o Protagonismo indígena e o Espaço escolar, reforçar-se-á a importância de abordagens que tratem dos grupos indígenas e de suas demandas, principalmente, do dever de se oferecer elementos que corroborem para a construção de uma consciência social voltada ao respeito da alteridade no meio escolar. Sendo assim, esse dossiê torna-se pertinente no sentindo da valorização da educação pautada na diversidade sociocultural e linguística dessa parcela da população, na sua reafirmação identitária e na manutenção de sua cultura.

Destarte, as pesquisas apresentadas neste dossiê através de diferentes abordagens, metodologias, fontes e arcabouço teórico, cumprem com um objetivo em comum: servirem de contribuição para endossar os debates em torno dessa temática.

Abrindo o Dossiê temático, Arthur Ramalho Freire, mestrando em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB, contribuiu com sua pesquisa “As intervenções estatais na Educação Escolar Indígena: da colonização a política pública, uma análise bibliográfica”, na qual realizou uma discussão perpassando por diversos momentos históricos em que os índios do Brasil foram submetidos a ações educativas pelo Estado, muitas delas impositivas. Na ocasião, portanto, o autor tratou desde o ensino proposto nas missões jesuíticas até àquele operacionalizado pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Já no artigo “Educação escolar indígena: o processo de gestão como forma de organização e respeito aos conhecimentos”, escrito por Oséias Poty Miri Florentino, pedagogo pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, Mariana Ferreira Bayer e Suzete Terezinha Orzechowski, ambas Professoras do Departamento de Pedagogia da UNICENTRO. Os autores analisam a gestão democrática de escolas indígenas no município de Mangueirinha, no Paraná, sendo uma Guarani e outra Kaingang, identificando o envolvimento dos índios nesse processo através de visitas de campo e levantamento bibliográfico e documental.

Em sequência, há outro estudo em uma comunidade Kaingang, porém, localizada no município de Redentora, no Rio Grande do Sul. No trabalho “O espaço reservado à formação de professores em uma comunidade Kaingang”, os autores Juliana Tatsch Menezes, Especialista em Linguagem e Docência pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, Ânderson Martins Pereira, doutorando em Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e Ariane Avila Neto de Farias, doutoranda em Letras na Universidade Federal do Rio Grande – UFRG, por meio de entrevistas realizadas com Professores da Escola indígena, investigaram como se dava a prática do ensino de Língua Portuguesa e se essa atendia às determinações oficiais.

Em seguida, a próxima discussão visou elaborar mapas mentais da Reserva Indígena Caramuru Paraguaçu, no Sul da Bahia, afim de servir como material didático na escola indígena local. Portanto, o trabalho “Etnomapeamento na Reserva Indígena Caramuru Paraguaçu” foi resultado de uma pesquisa integrada por Adriana Silva Souza, graduanda da Licenciatura Intercultural Indígena no Instituto Federal da Bahia – IFBA, Campus Porto Seguro, juntamente com os Docentes da mesma Instituição de Ensino, Ana Cristina de Sousa, Carla Sandra Silva Camuso e Leonardo Thompson da Silva. O grupo de pesquisadores realizou um levantamento histórico da ocupação do território Pataxó Hãhãhãe, coletando dados referentes às construções espaciais desse povo que viessem a subsidiar o etnomapeamento.

Para encerrar esse dossiê temático, apresentou-se o artigo “O índio na escola do imperador: retomada de terreno por indivíduos que foram expulsos de seus espaços originais”, cujos autores, Marcello Miranda Ferreira Spolidoro e Beatriz Mota Ferreira, respectivamente, doutorando e mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, analisaram o aumento da comunidade indígena na instituição pública federal de educação Colégio Pedro II. Além da observação desse movimento, ao qual eles atribuíram como “retomada de terreno”, foi colocada em questão também a importância da descolonização do currículo escolar, objetivando a valorização de práticas pedagógicas contra-hegemônicas.

O presente volume contou ainda com outros quatro trabalhos na Sessão livre, sendo o primeiro deles de autoria de Thaina Morais Avelino Maia, mestranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, intitulado “Da cidade imaginada à cidade escrita: o espaço urbano na narrativa do livro Constantinopla (1889)”. Neste artigo, a autora propôs uma análise do relato de viagem do escritor italiano Edmondo De Amicis (1846-1908) à capital do Império Otomano e de suas impressões descritivas também imbuídas de suas leituras fantasiosas.

O artigo seguinte, “Integralismo ‘racial’: a figura do judeu no projeto nacional brasileiro de Gustavo Barroso (1930)”, de Cícero João da Costa Filho, Doutor em História pela Universidade de São Paulo – USP, versa sobre o caráter antissemita presente nas produções bibliográficas do chefe de milícias Gustavo Barroso (1888- 1959) e, em especial, daquelas que tratavam do seu projeto de nação baseado na elite e no estado forte. Cícero Costa Filho apresentou as concepções integralistas, as noções de raça e o conservadorismo que compunham as narrativas de Gustavo Barroso sobre como deveria ser o Brasil de acordo com sua visão.

Já Lucas Aleixo Pires dos Reis, graduando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, no artigo intitulado “O espaço senegambiano: uma percepção de conformação espacial a partir do comércio de ferro – século XVI” abordou a conformação das relações sociais na Senegâmbia através do comércio interno de ferro. Por meio da análise de relatos de viajantes, o autor problematizou a hierarquização existente entre povos ao norte e povos ao sul da região, baseando-se nos espaços sociais construídos durante o século XVI.

Por fim, Cristiane da Rosa Elias, mestranda em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, contribuiu com o seu trabalho “Língua, colonização e resistência: uma discussão sobre os usos da linguagem”. Nele, a autora objetivou refletir a respeito das formas de dominação exercidas sobre a linguagem, entendendo-a como meios de disseminação de modos de ser e pensar. Dessa maneira, associou as línguas africanas a uma alternativa de resistência desses povos, em enfrentamento ao sistema colonial e as estratégias de submissão dos grupos.

Esse volume também contou com a contribuição, na sessão “Entrevista”, do Professor José Luiz Soares ou Luiz Katu como é mais conhecido, sendo uma das principais lideranças indígenas do Rio Grande do Norte, cacique da aldeia Catu, que fica entre os municípios de Goianinha e Canguaretama, e é interlocutor não apenas dos Potiguara, mas também de outros povos indígenas do estado junto aos agentes governamentais. Essa entrevista compõe o trabalho de dissertação “‘Não há conflito se for feita releitura’: a experiência escolar dos Potiguara do Catu no contexto de convivência intercultural numa escola não indígena (Goianinha / RN, 2015-2019)”, de autoria de Tiago Cerqueira Santos vinculado ao Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA UFRJ / UFRN), e contou com a preparação, discussão e contribuições do professor Lígio José de Oliveira Maia, Professor Associado do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Como Professor e articulador de movimentos de luta, Luiz Katu detalhou as ações executadas na tentativa de dirimir os preconceitos e os estigmas sofridos, ressaltando a importância das Escolas Indígenas João Lino e Alfredo Lima, localizadas no estado Potiguar, e do seu exercício político também enquanto docente, assim como sua preocupação com o ensino da História nas escolas não indígenas. Além disso, a liderança concedeu informações sobre os desafios enfrentados e os avanços conquistados no Catu, e pontuou ainda as principais dificuldades que passam os alunos egressos das duas Escolas Indígenas da aldeia as quais ele leciona, após a conclusão do Ensino Fundamental I.

Sendo assim, o primeiro número de 2020 da Revista Espacialidades apresenta aos leitores e às leitoras um conjunto de artigos acompanhado de uma rica entrevista, afim de corroborar com o preenchimento de lacunas na historiografia referente ao protagonismo indígena, em especial no âmbito escolar. Através das investigações e pesquisas elaboradas pelos autores e autoras, estimulam-se os diálogos e as problematizações, e assim, enriquecendo os debates históricos.

O Editor Chefe e a Equipe Editorial da Revista Espacialidades desejam a todos uma excelente leitura!

Clara Maria da Silva (UFRN) – Vice Editora Gestora

Douglas André Gonçalves Cavalheiro (UFRN) – Editor

Edcarlos da Silva Araújo (UFRN) – Gerenciador do site

Lígio José de Oliveira Maia (UFRN) – Editor Chefe

Ristephany Kelly da Silva Leite (UFRN) – Editora Gestora

Rodrigo de Morais Guerra (UFRN) – Secretário de Comunicação e Mídias Sociais

Thiago Venicius de Sousa Costa (UFRN) – Editora de texto (normatização)

Victor André Costa da Silva (UFRN) – Secretário Geral


MAIA, Lígio José de Oliveira et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.16, n. 01, 2020. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Índios e Espaços: visibilidade e protagonismo históricos / Revista Espacialidades / 2019

Cada vez mais articulados, os povos indígenas nas Américas têm conquistado espaço e atuado nas mais diversas áreas. Grupos antes negligenciados, agora ocupam lugares de destaque nos meios políticos, artísticos, acadêmicos, religiosos e todos os mais que permeiam a sociedade. Se hoje o número de trabalhos acadêmicos que buscam explicitar os protagonismos e agências indígenas aumentaram é porque houve uma renovação teórico-metodológica contra a perspectiva na qual, por muito tempo, estes povos apareciam na história nacional de maneira alegórica, datada e estereotipada, pouco condizente com sua realidade e com os processos históricos pelos quais passaram desde o momento do contato.

Impossível não destacar a aproximação entre a Antropologia e a História para o enriquecimento das produções acadêmicas sobre estas populações e para o adensamento teórico das discussões desenvolvidas nas Universidades, que não se limitam ao meio acadêmico. O diálogo com outras disciplinas, como a Geografia, gerou pesquisas sobre os elementos culturais característicos de povos específicos sendo determinantes para migrações e estabelecimento de assentamento, bem como o diálogo com a História do Direito possibilitou compreender as bases legais para o trabalho (escravo ou livre) dos índios desde o período colonial.

Perceber integrantes destes povos ocupando espaços na sociedade que antes lhes eram negados ou aos quais eram desestimulados a ocupar, como as Universidades, o Congresso Nacional, ou mesmo o cotidiano de centros urbanos, nos faz perceber a importância de relatá-los historicamente como o são: agentes de suas próprias histórias. Expor artigos sobre as articulações políticas destes povos em momentos cruciais de nossa história nacional, sobre a importância de seus elementos culturais em sua organização social, sobre sua constante busca por direitos enquanto povos diferenciados, traz à luz a atuação constante e imprescindível desta população nos processos históricos nos quais estão inseridos.

Neste sentido, o dossiê Índios e Espaços: visibilidade e protagonismo históricos reúne artigos que mostram, de diversas formas, como os povos indígenas atuam e atuaram nestes diferentes espaços e como suas agências são imprescindíveis na escolha de seus elementos culturais diacríticos, formação de seus grupos e na luta por seus direitos, além de trazer artigos que contemplam discussões conceituais que vêm sendo travadas no universo acadêmico nos últimos anos.

Exemplo disso é a discussão sobre os conceitos de território e territorialidades nos estudos sobre os processos de transformação do meio em que os povos indígenas coloniais habitavam e como estes tiveram que lidar com estas transformações, como mostra Marcos Felipe Vicente, doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF, no artigo de abertura deste dossiê, intitulado “Transformação dos espaços indígenas coloniais: algumas reflexões conceituais”.

Da mesma forma que os conceitos estão sendo revistos, a historiografia de partes específicas do país também está sendo revisitada, como a região sul de Minas Gerais, que teve grande importância no período colonial pelas minas auríferas que abrigava. Gustavo Uchôas Guimarães, professor de História na rede pública de Minas Gerais, no artigo “O trabalho de visibilização dos indígenas nos estudos sobre Minas Gerais: o caso sul-mineiro de Virgínia e seus arredores” propõe uma revisão histórica do que vem sendo produzido sobre esta região, mais especificamente sobre a Serra da Mantiqueira e o rio Verde.

O terceiro artigo desta edição traz um debate historiográfico sobre as contribuições e limitações do Estruturalismo enquanto vertente explicativa de análise dos povos indígenas, a partir de respostas às críticas tecidas por Claude LéviStrauss, publicadas no periódico L’Homme, em 2001. O artigo “Críticas ao Estruturalismo na virada do século: o debate nas páginas de ‘L’Homme’ e ‘The Americas’ (2001-2003)”, escrito por Caio Rodrigues Schechner, mestrando em História Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, traz este debate tão caro ao campo da História e das Ciências Sociais.

Em “À luz da ‘civilização’: representações indígenas nas narrativas dos viajantes (MT, séc. XIX-XX)”, Carlos Alexandre Barros Trubiliano, Professor Adjunto de História da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, utiliza a análise de discurso nos relatos de viajantes para perceber como o Estado de Mato Grosso e seus habitantes eram representados nestes relatos. Também utilizando crônicas, relatos e cartas de viajantes e conquistadores, Bruno Oliveira Castelo Branco, doutorando em História Moderna pela Universidade Federal Fluminense – UFF, investiga a etapa inicial de colonização do Paraguai, analisando a problemática das categorias de trabalho atribuídas aos povos Guarani, em “‘Paraíso de Maomé’, terra de escravos: as categorias de trabalho indígena Guarani na etapa inicial da conquista. Paraguai e Rio da Prata (1541-1556)”.

Assuntos também importantes nas produções acadêmicas sobre os povos indígenas são as questões de migrações e mobilidades espaciais. “Xukuru-Kariri: mobilidades espaciais indígenas em Alagoas na segunda metade do século XX”, escrito por Adauto Santos da Rocha, mestrando em História pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, e Edson Silva, Professor Titular de História na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, buscam evidenciar as mobilidades dos Xucuru-Kariri que residem em Palmeira dos Índios-Alagoas, para trabalhos sazonais, discutindo os percursos entre as cidades nas quais os trabalhos são realizados e as aldeias Xukuru-Kariri, durante a segunda metade do século XX.

Partindo da região Nordeste para o Norte do Brasil, no sétimo artigo do dossiê, de Daniel Belik, Doutor em Antropologia Social pela Universidade de St. Andrews-Escócia, procurou compreender as experiências espaciais dos indígenas na Amazônia ao percorrer caminhos pela floresta e como a relação deste bioma com povos externos a ele ocorre de forma distinta em “Caminhos Indígenas: Espaços de movimentação pela Amazônia”.

“Migrações Terena para a periferia de Campo Grande (MS): a manutenção de relações tradicionais de parentesco em contextos urbanos”, escrito por Luiz Felipe Barros Lima da Silva, mestrando em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, e Victor Ferri Mauro, Docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, também abordam a temática dos deslocamentos. Além de analisarem os deslocamentos espaciais de um pequeno grupo Terena, os autores investigam a manutenção de redes de parentesco e compadrio.

Vinícius Alves de Mendonça, graduando em História pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, analisa as pinturas corporais dos indígenas Jiripankó enquanto elemento representativo da memória e da identidade étnica deste povo, no artigo “História e grafismos: estudos sobre a pintura corporal entre os indígenas Jiripankó”. Assim como os Jiripankó tem em suas pinturas corporais um elemento representativo da memória, os Kaingang acionaram elementos identitários culturais na luta pela demarcação de suas terras. A paisagem, juntamente com outras atividades culturais, apresenta-se como lugares de memória que foram fundamentais para a consecução da demarcação da Terra Indígena Toldo Pinhal-SC, exposta no artigo “Places of memory and cultural re-signification in the indigenous land Toldo Pinhal, Brazil” escrito por Jesssica Alberti Giaretta, graduada em História pela Universidade Federal da Fronteira do Sul – UFFS, e Jaisson Teixeira Lino, Professor Adjunto na mesma instituição e Doutor pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro(UTAD) de Portugal.

Por fim, o último artigo desse dossiê, intitulado “Um quase eterno reencontro: Ailton Krenak e a Assembleia Nacional Constituinte (1987)” e escrito por Rômulo Rossy Leal Carvalho, graduando em História pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, e Rafael Ricarte da Silva, Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí – UFPI. Neste artigo, os autores analisam as participações dos indígenas nos processos da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), especialmente, a atuação de Ailton Krenak, da comunidade Krenak.

Na sessão “Entrevista” do presente volume, contamos com a colaboração da Professora Doutora Patrícia Maria de Melo Sampaio, pesquisadora premiada da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, que durante toda sua vida acadêmica se debruçou no estudo das desigualdades, buscando compreender o universo do trabalho dos povos indígenas, africanos e as fronteiras existentes entre estas populações.

Fechando este volume, contamos com a contribuição do Doutor Francisco Cancela, Professor Efetivo da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, na sessão “Corpo documental”. “Leis municipais ou posturas da câmara e concelhos desta Vila de Porto Alegre: Notas para o estudo sobre política e administração nas vilas de índios”, apresenta as posturas municipais da câmara de uma vila de índio da antiga capitania de Porto Seguro chamada São José de Porto Alegre, lançando notas para futuras pesquisas sobre política e administração das Vilas de índios.

Desta forma, o presente volume da Revista Espacialidades busca corroborar com os estudos que versam sobre os múltiplos aspectos da experiência indígena e sua atuação nos mais diversos espaços. Através de artigos que abordam aspectos teóricos e metodológicos da produção acadêmica sobre estes povos, que trabalham suas migrações e / ou deslocamentos espaciais, bem como elementos culturais distintivos e sua atuação na política e na luta por seus direitos, busca-se contribuir de maneira proveitosa com esta temática tão importante e necessária.

O Editor Chefe e a Equipe Editorial da Revista Espacialidades desejam a todos uma excelente leitura!

Clara Maria da Silva (UFRN) – Editora de texto (normatização)

Douglas André Gonçalves Cavalheiro (UFRN) – Editor

Edcarlos da Silva Araújo (UFRN) – Gerenciador do site

Lígio José de Oliveira Maia (UFRN) – Editor Chefe

Ristephany Kelly da Silva Leite (UFRN) – Editora Gestora

Rodrigo de Morais Guerra (UFRN) – Secretário de Comunicação e Mídias Sociais

Thiago Venicius de Sousa Costa (UFRN) – Vice Editor Gestor

Victor André Costa da Silva (UFRN) – Secretário Geral


MAIA, Lígio José de Oliveira et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.15, n. 02, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Gênero e protagonismo na História (I) / História Unisinos / 2005

Gênero e Protagonismo na História é o tema do dossiê publicado no volume que ora apresentamos. Afora a importância e recorrência com que vem sendo estudado, sua definição encontra-se vinculada à realização da III Jornada de Estudos de Gênero- Feminismo e Gênero na Academia: protagonismos, tensões e perspectivas e do III Encontro de Protagonismo, Educação e Gênero, realizados simultaneamente, de 8 a 31 de março de 2005 na Unisinos. O evento se caracterizou pela abordagem interdisciplinar, razão pela qual algumas das comunicações apresentadas contemplaram o tratamento dado ao tema por várias áreas de conhecimento. Dessa forma, os artigos desse volume abordam as questões de gênero sob o “olhar” de várias disciplinas, como a História, a Teologia, a Psicologia, a Literatura, a Saúde Pública.

Convém ressaltar, entretanto, que os artigos publicados não resultam exclusivamente do evento acima referido. Esse é o caso dos dois primeiros, Masculinidades plurais: a construção das identidades de gênero em obras literárias, de Pedro Vilarinho, e Mulheres na militância: trajetórias femininas na construção do PT do Rio, de Ana Maria Mauad e Fernanda Lima Rabelo.

O artigo do Dr. Paulo Vilarinho, professor do PPG em História da Universidade Federal do Piauí, aborda um tema original e relevante para a historiografia brasileira, resultando numa contribuição significativa, não só para os estudos de gênero, mas também para a história cultural e intelectual. Indica novos padrões da cultura masculina relacionados à modernidade, mostrando como a dominação do masculino sobre o feminino se transforma, mas não desaparece. Partindo de um caso específico, os intelectuais piauienses, o texto aponta, também, conexões entre um campo cultural mais restrito e um universo mais amplo.

O artigo da Dra. Ana Maria Mauad, docente do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense e de Fernanda Lima Rabelo, mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro é outro texto instigante que evidencia como um conjunto de entrevistas, coletado e organizado na modalidade de Histórias de Vida, pode contribuir para a construção de uma história mais ampla do movimento político que derivou na criação do Partido dos Trabalhadores do / no Rio de Janeiro, nos anos 80 do século XX e como se fez, nele, a participação, em grau e importância, de mulheres militantes.

Movimentos Sociais e Serviço Social: protagonismo ético-político de mulheres, da assistente social e professora da Unisinos Ms.Clair Ribeiro Ziebel, é o primeiro dos artigos publicados que têm relação com o evento anteriormente citado. Nele, a autora, evidencia o caráter multidisciplinar da temática focalizada em nosso dossiê, descrevendo um trabalho de relevância social, mais especificamente o de assessoria a movimentos sociais em São Leopoldo. Enfatiza a trajetória percorrida por um movimento de mulheres, hoje organizadas no Fórum de Mulheres de São Leopoldo (FMSL) e seu protagonismo na cidade em torno das políticas públicas de gênero.

Em A história de uma história – o protagonismo das mulheres na Teologia Feminista, a teóloga e professora da Escola Superior de Teologia Dra. Marga Ströher, articula a área da História com a da Teologia ao relatar a experiência de implementação de uma cátedra de teologia feminista na instituição em que atua. Ao refletir sobre os propósitos e fundamentos da teologia feminista como campo de conhecimento e campo político, a autora relaciona a experiência relatada com as relações de força existentes no interior do campo religioso regional, nacional e internacional.

O artigo Industrialização, urbanização e disciplinamento. O discurso moral como justificativa dos internamentos de homens e mulheres em uma instituição psiquiátrica (Hospital São Pedro, de Porto Alegre, 1930-1947), da professora do PPGH da Unisinos Dra. Cleci Favaro e seus bolsistas de Iniciação Científica Adriana Lopes Ávila e Wagner Pedroso, realiza a análise de um corpo documental específico – os prontuários de um asilo de alienados, no período 1930- 1947 – visando observar a construção dos discursos de gênero. Focaliza a temática a partir das transformações que ocorriam nas relações de trabalho e do êxodo rural provocado pela industrialização a fim de demonstrar que os motivos justificadores de internação estavam permeados pela moral e pelos valores burgueses vigentes.

Em O feminismo marxista e o trabalho doméstico: discutindo com Heleith Saffioti e Zuleika Alembert, a Dra. Joana Maria Pedro, juntamente com suas bolsistas de Iniciação Científica Carolina de Melo e Veridiana Oliveira, contribuem para uma revisão historiográfica, destacando a relação efetuada, por autoras feministas que se encontravam sob influência da perspectiva marxista nos anos 1970 e 1980, entre o tema da exploração das mulheres e o surgimento da propriedade privada.

Gênero, uma palavra para desconstruir sentidos e construir usos políticos, do Professor Losandro Antonio Tedeschi da Universidade Regional Integrada / RS e doutorando do PPGH da Unisinos, é outro artigo de dimensão multidisciplinar, no qual a Sociologia e a Psicologia contribuem para refinar o uso do conceito “gênero” pelos historiadores. Nele, a discussão do conceito é inovada ao identificar seus usos empíricos e analíticos, os quais extrapolam a dimensão acadêmica e produzem efeitos de ganhos políticos.

O volume nº12 da História Unisinos dedica uma sessão especial ao Professor Leopoldo Zea que, por muitos anos e até seu falecimento, integrou o Conselho Consultivo da Revista. O Dr. Werner Altmann, professor do PPG História, em reconhecimento a essa importante contribuição, escreveu um artigo em que examina a vinculação da filosofia de Leopoldo Zea com a circunstância histórica que lhe tocou viver e coteja sua produção com os fatos marcantes da História da América Latina, verificando as influências deles recebidas. Ao valorizar as três etapas fundamentais da sua reflexão- a da História das Idéias na América Latina, a da Filosofia da História da América Latina e da Filosofia da Libertação Latino-americana buscamos evidenciar sua contribuição ao campo intelectual em que se destacou.

A sessão Resenhas divulga duas obras publicadas no exterior, uma no México e outra no Uruguai. Com elas, buscamos reafirmar nosso vínculo com temas da história latino-americana e nosso compromisso em destacar obras recentes que possam interessar os estudiosos dessa subárea de conhecimento.

Antes de encerrar, queremos alertar nossos leitores de que, devido ao grande número de artigos recebido sobre a temática Gênero e Protagonismo na História, decidimos que esse dossiê será mantido em nosso próximo número.

Comissão Editorial


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.9, n.2, maio / agosto, 2005. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Gênero e protagonismo na História / História Unisinos / 2005

Neste número, a revista História Unisinos apresenta novamente o dossiê Gênero e protagonismo na História, devido ao grande número de artigos de qualidade recebidos.

Publica, também, artigos sobre vários temas, todos inéditos e relacionados com a ciência histórica ou áreas afins. Sendo assim, dá continuidade à sua linha editorial, que é a de estimular a relação da História com outros campos de conhecimento.

Notas de Pesquisa e Resenhas são sessões que, igualmente, integram esse último número do ano 2005.

Merece destaque especial a publicação da relação dos pareceristas ad hoc que contribuíram com a revista ao longo desse ano. Seus pareceres, favoráveis ou não à publicação, sempre foram criteriosos e de alto nível acadêmico.

A Comissão Editorial aproveita a ocasião, pois, para agradecer a esses colaboradores e estender seus agradecimentos aos autores que enviaram artigos e a todos os membros do Comitê Científico.

Comissão editorial


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.9, n.3, setembro / dezembro, 2005. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê