Na Primeira Presidência da República Portuguesa. Um rápido relatório – ARRIAGA (LH)

ARRIAGA, Manuel de. Na Primeira Presidência da República Portuguesa. Um rápido relatório (estudo introdutório e notas de Joana Gaspar de Freitas e Luís Bigotte Chorão). Horta: Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta, 2013. Resenha de: MATOS, Sérgio Campos. Ler História, n.66, p. 174-178, 2014.

1 Em boa hora decidiu a Associação dos Antigos Alunos do liceu da Horta reeditar esta obra do primeiro presidente da República portuguesa, publicada originalmente em 1916, um ano depois da sua demissão. A nova edição em fac simile vem enriquecida com um estudo introdutório e anotações da autoria de Luís Bigotte Chorão e Joana Gaspar de Freitas que contribuem para a compreensão deste relevante testemunho político, não raro esquecido pelos historiadores. Refira-se de passagem que as notas dos referidos historiadores, muito úteis do ponto de vista informativo, alargaram o formato do livro numa margem direita que, além do valor das notas, oferece ao leitor espaço para nele inscrever apontamentos pessoais manuscritos.

2 Como se pode caracterizar esta obra? Trata-se de «um rápido relatório», como refere o subtítulo. Mas, mais do que isso, diremos que, em larga medida, o texto se inscreve no género memorialístico, não fosse a intenção de Manuel Arriaga deixar um testemunho pessoal sobre o seu exercício da função presidencial. E não só, também envolve uma memória do seu percurso político anterior.

3 Há neste livro uma preocupação do seu Autor que comanda a escrita, numa luta contra o tempo: a de registar a sua versão dos acontecimentos em que estivera envolvido enquanto presidente da república (1911-1915). Tanto mais que fora muito criticado e, em conjunturas como a do início de 1915, acusado de ter sido ditador. Arriaga já tinha uma idade avançada e sentia a morte rondar. Queria deixar para a posteridade o testemunho de alguém que vivera por dentro os acontecimentos. Salientemos, em primeiro lugar, os problemas centrais que a leitura da obra suscita. Num segundo momento, destacaremos o contributo que os organizadores desta nova edição fornecem ao leitor.

4 Note-se o lugar donde fala o autor e a obsessão memorial de Arriaga que não pode deixar indiferente o leitor. Arriaga não se considerava «político de profissão» e posiciona-se num lugar acima dos conflitos de facção entre os republicanos. Diz a certa altura que só podia candidatar-se à presidência em nome da união dos portugueses e das diversas tendências políticas. Nunca como representante de uma facção. Antecipava assim o lema «presidente de todos os Portugueses» que será nos finais do século XX, num contexto bem diverso, invocado por outros presidentes da República. Constrói-se neste livro uma ética da independência em relação aos partidos políticos que se afirma na intenção de conciliar interesses partidários e de acabar com lutas entre facções. Insinua-se neste plano um discurso utópico que o leva, quase nas «últimas palavras» a pronunciar a seguinte exortação: «Acabem, pois, com as discórdias entre cidadãos da mesma Pátria; com a intolerância das ideias contrárias que arrasta consigo a incompatibilidade das pessoas; com os enredos, as maledicências e as calúnias que deturpam a verdade dos factos, e nos deixam ficar aos olhos dos estrangeiros numa situação deprimente!» (p. 189). Arriaga distanciava-se assim de uma intriga política que se esgotava em pequenos conflitos de interesses pessoais e de clientelas. Mas seria possível acabar com os conflitos em política? Veremos adiante como esta aspiração se traduz numa visão idealizada da política.

5 No que toca a estratégia memorial, Manuel de Arriaga erige-se a si próprio no estaututo de «cronista de si mesmo», partindo do princípio que a sua verdade não poderá ser relatada senão por si próprio. Daí correr contra o tempo. Mas também Arriaga selecciona documentos – e são muitos os que transcreve, especialmente cartas que lhe foram dirigidas por protagonistas políticos ou que ele próprio expediu. E há um relevante documento que Joana de Freitas e Luís Bigotte Chorão transcrevem: o seu testamento, publicado na imprensa periódica da época (O Século de 6 de Março de 1917) mas logo esquecido. O testamento é muito revelador da personalidade do primeiro presidente da República, na detalhada especificação dos objectos pessoais – incluindo livros – que deixa a familiares e ao amigo António José de Almeida. Destaque-se a passagem em que refere que deixa os documentos do seu arquivo pessoal ao seu filho Roque de Arriaga «para fazer deles o uso que melhor entender, com a condição expressa e categórica de inutilizar, de reduzir a cinzas, na sua presença, todos os papéis que se refiram a desinteligências e intrigas entre republicanos (ou que se dizem republicanos), pois não desejo ver ligado o meu nome, por qualquer forma, a uma causa que tanto conturbou a minha vida política e a encheu de inquietações e de torturas durante a minha presidência da República» (p. 53). Insinua-se aqui uma estratégia memorial que, todavia, não terá sido inteiramente cumprida pelo seu filho (vd. Correspondência política…). Se Roque tivesse cumprido rigorosamente esta instrução do pai, muita correspondência teria sido destruida, inclusivamente algumas das cartas que o próprio Manuel de Arriaga transcreveu nesta obra e que, justamente, dão conta de profundas divergências entre republicanos. Donde, pode concluir-se que no testamento há sobretudo uma intenção de distanciação relativamente ao grande obstáculo que o ex-presidente encontrou na sua acção política: a impossibilidade de construir uma estratégia consensual entre os partidos em que se fragmentara o velho PRP. Refira-se ainda que o próprio governo não cumpriu uma outra vontade do testamento: que o seu funeral fosse singelo, «sem convites, sem coroas, sem discursos» como pretendia o primeiro presidente da república. Na verdade, acabou por ter honras de Estado, com a presença do Presidente Bernardino Machado e de diversos políticos no velório, entre eles o chefe do governo, Afonso Costa e vários minsitros, Norton de Matos e Augusto Soares.

6 Teve Arriaga uma estratégia política? Sem dúvida. Essa estratégia ficou marcada pela intenção de, a partir de uma reconciliação entre católicos e não católicos, entre ultramontanos e anticlericais, entre republicanos e monárquicos, construir uma convergência nacional que, em torno dos valores republicanos, superasse as clivagens que se haviam acentuado na sociedade portuguesa desde 1911. Daí, em 1913, as suas propostas de clemência em relação aos bispos e padres que se haviam oposto às medidas laicizadoras da República. Mas sobretudo essa estratégia estava centrada na nomeação de ministérios suprapartidários. É verdade que Arriaga nomeou personalidades prestigiadas para chefiar esses governos: João Chagas, Augusto de Vasconcelos e Duarte Leite. Em princípios de 1913, esgotada esta via, e ante a recusa de António José de Almeida em chefiar um governo «por lhe faltar apoio parlamentar» (p. 80), acabou por nomear o lider do partido maioritário, Afonso Costa. Apesar da sua larga maioria parlamentar, a pressão política e da opinião pública contra a prática do governo (caso do não cumprimento das disposições do artº 25 da Constituição) terão levado o Presidente da República a dirigir uma carta-programa aos lideres dos três partidos políticos republicanos solicitando o seu apoio para um governo extra-partidário. O próprio Arriaga reconhece que foi esta sua proposta que levou à demissão Afonso Costa (p. 84). Insistiu depois na construção de um pacto de compromisso dos três partidos. Mas este pacto envolvia um programa: «revisão da lei da separação (…) uma amnistia ampla para os crimes políticos» e novas eleições (p. 91). Afonso Costa não aceitou o pacto, alegando que «embora determinada pela intenção de bem servir o país, está em contradição com os princípios constitucionais» e saía «inteiramente para fora do quadro constitucional das atribuições do Chefe do Estado, e não corresponde a menhuma indicação parlamentar» (p. 93). E demitiu-se. Por seu lado António José de Almeida considerou a proposta utópica. E Brito Camacho mostrou-se disponível para a apoiar. Teve Arriaga consciência de que exorbitava dos poderes que a Constituição atribuia ao Presidente? Creio que sim, pois em diversas passagens se refere às limitações dos seus poderes, até mesmo em política externa. «A nossa liberdade de acção, além de restrita pelo código, está sujeita ao referendo dos respectivos ministros e à ditadura permanete das maiorias parlamentares que, como se sabe, não derivam da pureza do sufrágio» (p. 129).

7 Se é inegável que Arriaga desenvolveu uma estratégia e intentou arbitrar a vida política, também é evidente que a constituição de 1911 não lhe fornecia instrumentos para o fazer: não podia dissolver o congresso, não dispunha de um conselho de estado para se aconselhar, os seus actos tinham que merecer a aprovação dos ministros. É neste quadro que deve entender-se o seu isolamento. Um exemplo: em 15 de Janeiro de 1915, numa conjuntura difícil, Arriaga convocou diversas personalidades para consultas sobre a política a adoptar em relação à Grande Guerra, incluindo os principais lideres partidários. A essa reunião faltaram os seus ex-apoiantes António José de Almeida e Brito Camacho (p. 122).

8 A ausência de um forte partido conservador que alternasse no poder com o Partido Democrático, e dificuldade em encontrar políticos independentes e em constituir ministérios suprapartidários fragilizava ainda mais a posição do Presidente da República. Compreendem-se assim os apelos quase desesperados a homens como João Chagas (p.66) e depois a Pimenta de Castro («não me abandone»). E a ilusão de que este último «poderia salvar-nos» (p. 170). Exorbitou dos seus poderes? Sem dúvida. Como explicá-lo se, tudo indica, Arriaga não tinha perfil para ser um ditador? Aliás a ditadura de Pimenta de Castro corresponde ao tipo de ditadura praticada no século XIX, quando os executivos funcionavam prescindindo do parlamento e depois mediante o chamado bill de idemnidade se aprovavam ou não as medidas promulgadas por decreto pelos executivos anteriores.

9 Manuel de Arriaga foi não raro qualificado de idealista na política. Acrescente-se que foi idealista não só na intervenção política mas também na visão que construiu do povo português e da sua história. Por diversas vezes refere-se à revolução republicana do 5 de Outubro como «a mais bela que até hoje se arquiva na história» (p.24). Olha o passado nacional numa óptica que coincide no essencial com a narrativa que os historiadores republicanos haviam construido, responsabilizando a monarquia e a Companhia de Jesus pelo desvio da missão histórica da nação. E caracteriza o povo português como «afectivo» e «apaixonado pelas belezas do seu país», «meio panteísta e meio pagão./Adora o cristianismo porque está de acordo com a sua indole bondosa; ama as parábolas de Cristo e não se importa com os dogmas da Irgeja» (p. 26).

10 Voltemos à presente edição e, particularmente ao aprofundado estudo introdutório da autoria de Joana G. de Freitas e Luís Bigotte Chorão. Em primeiro lugar, é de louvar o distanciamento crítico dos seus autores em relação à fonte que estão a examinar. Em segundo lugar são de registar as novidades que este estudo encerra, entre elas, a receptividade que a obra teve, com três tiragens logo em 1916, num total de 3000 exemplares, o que mostra a elevada procura que teve na época, decerto não apenas entre a elite política: a memória dos primeiros anos da I República e da presidência de Arriaga estava ainda muito viva. Depois os autores chamam a atenção para uma posição política que Manuel de Arriaga adoptou em finais de Julho de 1911 e que terá deixado marcas: no entender de Arriaga, nenhum dos membros do governo provisório deveria ser elegível no acto eleitoral que se ia seguir para escolher quem iria desempenhar o cargo de Presidente da República. As notas fornecem ainda elementos valiosos para que se compreenda a resistência que as iniciativas presidenciais desencadearam entre os seus adversários políticos, nomeadamente as razões porque escolheu Pimenta de Castro. Podemos então concluir com uma pergunta: porque razões acabou Manuel de Arriaga por adoptar uma prática política presidencial que ultrapassou os limites constitucionais? Creio que esta pergunta só pode encontrar resposta se tivermos em conta o profundo sentimento de crise, agravado pela Grande Guerra, que se vivia nesse anos. E, porventura, as insuficiências da Constituição de 1911.

Sérgio Campos Matos – Faculdade de Letras da UL. E-mail: sergiocamposmatos@gmail.com.

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A Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo – MATOS (LH)

MATOS, Luís Salgado deA Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo. Lisboa: D. Quixote, 2011. Resenha de: CARVALHO, David luna de. Ler História, v.65, p. 179-181, 2013.

1 O livro A Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo de Luís Salgado Matos apresenta logo no subtítulo uma indicação preciosa sobre o seu contributo para a historiografia, a de que também houve concórdia no processo de separação do Estado da Igreja! Segundo o autor, o próprio processo de implementação da Lei da Separação demonstra mesmo que numa fase inicial o projeto da lei era de molde a não levantar problemas; devido a um acordo tácito entre o Estado e a Igreja as cultuais eram, na prática, voluntárias e o culto paroquial livre.

2 Não saindo da tradicional vertente da história da I República – a História Política – Luís Salgado Matos inova no entanto ao demonstrar que cada um dos dois intervenientes no processo em análise, o Estado e a Igreja, longe de serem entidades homogéneas, decompunham-se numa heterogeneidade de protagonistas e interesses contraditórios. Para exemplo podemos ver como o autor avalia a sensibilidade em matéria religiosa por parte do Estado, ou seja dos republicanos. A existência de diversas sensibilidades como as dos evolucionistas e unionistas, adeptos de uma política de atração e para quem a Igreja só devia ser reprimida se fizesse política contra a República, até aos democráticos, considerados como os mais radicais e para quem defender a República era reprimir a igreja já era conhecida, mas Salgado Matos debruça-se ainda sobre outra categoria, a dos laicistas. O autor demonstra que os mais radicais não foram os democráticos, mas sim os laicistas. Estes consideravam a religião como algo a extinguir ao contrário dos democráticos que a concebiam de um modo positivo.

3 Partilhando a conceção de que a questão religiosa foi central na «vida e morte» da I República, Salgado Matos demonstra como a organização política esteve refém da «dialética dos extremos», quer no interior do Estado Republicano quer no da Igreja Católica. No campo republicano, o do Estado, a tendência laicista mais radical pressionava a corrente laica e no campo do Catolicismo os católicos monárquicos constitucionais, representados pelo rei exilado, D. Manuel, pressionavam a hierarquia eclesiástica e os partidários da indiferença face à questão do regime político, como os membros do Centro Católico.

4 Os republicanos laicos, pretendendo um relacionamento com o topo da hierarquia católica, o Vaticano, não conseguiam dissociar-se de um laicismo intolerante, de tal modo que fundamentavam a importância dessa relação praticamente apenas na salvaguarda do empreendimento colonial. A hierarquia católica, reforçada por já não partilhar o seu poder com o Estado Regalista, não se demarcou das ofensivas monárquicas e do próprio constrangimento proveniente do rei exilado ser considerado um rei «fidelíssimo», tornando-se «refém do seu imaginário de vítima perseguida».

5 No cerne de toda a questão religiosa esteve, segundo o autor, a questão da personalidade jurídica da Igreja Católica. Contrariamente às teses que consideram que o Estado republicano era irredutível, atribuindo a personalidade jurídica apenas à associação dos cidadãos crentes em cultuais e que a Igreja também o era, considerando apenas a hierarquia eclesiástica, para Luís Salgado Matos houve entendimentos que consideravam soluções intermédias. Estas soluções existiam no próprio texto da lei, pois as cultuais aí consagradas constituíam mais de que uma categoria, além das cultuais a serem criadas de novo existiam também as cultuais baseadas em organizações tradicionais como as misericórdias, irmandades e outras instituições seculares da Igreja. Ainda que as Irmandades tivessem de alterar os seus estatutos, muitas não o fizeram, não sendo postas em causa e, além disso, não tardou que existisse legislação atribuindo ao clero a acreditação dos membros cultualistas como católicos. Esta foi uma solução de compromisso aceite pelos moderados de ambas as partes e contrariada pelos seus extremistas, demonstrando que a Lei da Separação portuguesa não era uma cópia da lei francesa de 1905, mas sim uma lei original.

6 As irmandades foram, segundo o autor, o terreno de encontro entre o Estado e a Igreja e esta prática remontava ao Estado monárquico liberal. O desejo dos republicanos laicos era o de uma reconfiguração que não abandonasse totalmente o regalismo, tendo chegado a negociar com o Vaticano e com os bispos antes da publicação da Lei da Separação, algo que o papa de então, Pio X não aceitou. Posteriormente, sobretudo devido a um novo papa, Bento XV, advogando uma política de ralliement, e a Sidónio Pais, com medidas segundo as quais os associados teriam de ter o aval do clero, a questão religiosa foi resolvida em termos institucionais.

7 Com o cuidado de não equiparar a separação da Igreja do Estado com a Lei da Separação, pois que aquela foi realizada também em muitas medidas anteriores a esta, a tese fundamental de Salgado Matos é a de que nem o Estado nem a Igreja pretendiam a separação que acabou por ocorrer, mas após o processo se ter iniciado cada uma das entidades foi ultrapassada e os seus objetivos alterados de um modo antes inimaginável. A divulgação da pastoral dos bispos em fevereiro de 1911 constituiu o marco dessa clivagem, não obstante o culto ter prosseguido com normalidade na maioria das paróquias. Mesmo com a sua conciliação depois da primeira guerra, nem o Estado republicano nem a Igreja católica tinham conseguido dominar os seus extremistas.

8 Sendo eu próprio um historiador da «Separação» em Portugal, embora numa perspetiva menos política e mais social e cultural, as conclusões de Luís Salgado Matos são particularmente preciosas, não apenas por aquelas que são coincidentes, mas também devido às que são divergentes.

9 No que respeita a conclusões convergentes com as minhas existe uma coincidência fundamental, concluímos ambos não ter existido uma guerra religiosa no processo de laicização e o autor considera que esse processo não constituiu uma perseguição, mas apenas um combate, com a «violência de forças opostas».

10 No respeitante a conclusões divergentes será muito interessante tentar perceber a sua razão de ser. Pela minha parte pude concluir que a faceta mais conflitual da «Separação» se tinha verificado no contexto da realização dos cultos, pois a grande maioria dos tumultos inventariados referia o constrangimento desses atos como pretextos de rebelião. Para Luís Salgado Matos, porém, o fulcro do conflito entre o Estado e a Igreja foi o da organização dos cultos uma vez que colocava em causa a personalidade jurídica da Igreja. Creio que esta divergência se deve exatamente ao diferente tipo de universo que ambos estudámos, no meu caso observei as reações dos fiéis comuns face aos implementadores locais da lei, enquanto Luís Salgado Matos observou essas reações sobretudo no topo das duas esferas, o Estado e a Igreja. Mais difícil de explicar é o autor não ter atribuído importância à «Lei do Registo Civil Obrigatório», anterior à «Lei da Separação», no que diz respeito à sua prescrição de proibição do cortejo fúnebre religioso no espaço público. Na minha inventariação de conflitos o maior pico mensal de tumultos verificou-se precisamente após a implementação dessa medida. Porque não terá havido eco nas esferas superiores da contenda, quando sabemos que foi a única ocasião em que os mais altos representantes do Estado republicano consideraram a possibilidade de um «conflito passional de natureza religiosa»?

11 A terminar uma breve alusão positiva à preocupação do autor em explicitar constantemente o significado de muitos conceitos pouco acessíveis a quem não tiver alguma especialização neste domínio, algo que não é muito vulgar!

David Luna de Carvalho – Doutorado em História Contemporânea e investigador do Centro de Estudos de História Contemporânea (ISCTE-IUL). E-mail: davidlunadecarvalho@gmail.com.

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