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Práticas religiosas no Mundo Antigo / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2012
Neste dossiê perpassaremos pelos caminhos da religião, do mito e a magia na Antiguidade. Poderíamos afirmar que os referidos temas foram abandonados com o advento da modernidade, confirmando, assim, a famosa teoria da secularização; ou que as narrativas míticas e as práticas da magia se esvaíram do mundo em meio ao processo de desencantamento? A temática religião, mito e magia, são inerentes as sociedades humanas desde os primórdios da humanidade e permanece no cotidiano de inúmeros grupos sociais nos séculos XX e XXI como resultado de uma busca por certezas as quais a Ciência demonstrou certa incapacidade de explicação.
Na Antiguidade, é perceptível a ação do sagrado regendo diversas etapas da vida dos indivíduos. O Dossiê: Práticas Religiosas no Mundo Antigo objetiva conceder a comunidade acadêmica e aos demais interessados em História Antiga, através do diálogo interdisciplinar, a possibilidade de desvendar como as práticas religiosas nas sociedades egípcia, judaica, romana e grega serviram como cenário histórico-sociológico para o desenvolvimento das relações políticas, econômicas e sociais entre indivíduo e sociedade, alterando em alguns casos as relações culturais entre as diversas sociedades mediterrâneas.
O Dossiê dessa edição apresenta dez artigos produzidos por historiadores e pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento. O primeiro deles se trata de uma produção do Prof. Mestrando Alex Aparecido Costa da Universidade de Maringá. Costa aborda o tema “Aspectos da divinização do príncipe na concepção pliniana” objetivando analisar alguns aspectos relativos ao culto imperial e à divinização dos imperadores romanos durante o Alto Império a partir da análise do Panegírico de Trajano de Plínio, o Jovem. Segundo ele, condição especial para a divinização dos imperadores era a posse do imperium, um poder recebido do deus Júpiter e que estava presente no pensamento romano para indicar uma força capaz de criar e ordenar, agindo sobre a realidade de acordo com a vontade de seu detentor. Na obra de Plínio, diz Costa, o imperador é apresentado como um legado do deus, encarregado de administrar o mundo enquanto Júpiter governa o céu.
O segundo artigo do Dossiê, “De Thot a Hermes Trismegisto: o Egito antigo e o hermetismo árabe” foi desenvolvido pela Profª. Drª. Cintia Prates Facuri da Universidade de São Paulo. Facuri procura demonstrar o modo como ocorreu a transmissão dessa lenda e de seus conhecimentos, com enfoque principalmente na formação do Hermes árabe e o papel por ele exercido, levando em conta o estatuto desse material no mundo e no pensamento árabe.
Em terceiro lugar, orientado pela Profª. Drª. Cláudia Beltrão da Rosa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Jhan Lima Daetwyler apresenta o artigo “DEAE SVLI MINERVAE: os pedidos de justiça à deusa das águas medicinais”. Nele Daetwyler faz uma abordagem das interações religiosas romano-bretãs na Britannia romana, tratando mais especificamente das práticas religiosas vinculadas aos defixiones bretões encontrados na nascente do templo de Sulis Minerva, buscando compreender o modo de vida dos grupos humanos no passado.
No quarto artigo do Dossiê: Práticas Religiosas no Mundo Antigo, o Prof. Ms. João Batista Ribeiro Santos do PPGH-UERJ aborda o tema “As fontes epigráficas e as antigas narrações judaicas da origem mediterrânea do antigo Israel”. Ribeiro Santos coloca as narrações mais antigas da Bíblia hebraica sobre os eventos fundadores do povo de Israel em diálogo com os testemunhos materiais, apresentando sua hipótese de que existiu um povo israelita no final do segundo milênio a. C. e uma dinastia davidica no início do primeiro milênio a. C., e que esse povo manteve relações diplomáticas e períodos de guerra com os países da Transjordânia pelo predomínio na terra de Canaan.
Após o artigo de Ribeiro dos Santos, encontramos o trabalho do Prof. Mestrando José Provetti Júnior da Unioeste, na qual o autor discute sobre “A alma na Hélade”. Nele Provetti Júnior investiga o conceito de alma na Hélade, em especial na filosofia présocrática, enquanto conceito que encerra em si os princípios da teoria do conhecimento e da criatividade científica dos primeiros físicos, responsáveis pela reedição do modo discursivo mítico da palavra eficiente para o modo discursivo racional da palavra representação, instaurando nova concepção e equipagem teórica adequada às novas tecnologias provenientes da reintrodução da escrita, possibilitando assim, o que o filósofo da ciência Karl R. Popper indica como o “resgate” da inventividade crítica dos primeiros tempos da Filosofia e sugere a superação da exclusividade do método indutivo criado por Aristóteles e endossado posteriormente por Francis Bacon como paradigma irrefutável do fazer ciência.
O sexto artigo do Dossiê foi desenvolvido pela Profª. Doutoranda Liliane Cristina Coelho – “Arquitetura doméstica e uso dos espaços: o exemplo da vila de trabalhadores de Akhetaton”. Segundo a autora, não é correto afirmar que toda cidade egípcia surgiu em função de um templo, mas a importância de um deus local é facilmente perceptível pela presença de pelo menos um local de adoração em cada assentamento urbano. Cristina Coelho pretende a partir do estudo das Estelas de Fronteira de Akhetaton – uma cidade erigida na região conhecida atualmente como El-Amarna, a estreita relação existente entre o indivíduo e sua cidade e, consequentemente, com o deus associado à localidade.
Em seguida, sendo orientado pela Profª. Msª. Ana Paula Magno Pinto da Universidade Gama Filho, Marco Aurélio Neves Junior trata do tema “Mito egípcio da criação do mundo – Versão Heliopolitana”, objetivando mostrar o quanto a religião e a mitologia do antigo Egito e da humanidade pode ser belas e tentar explicar os diversos termos de religião, aplicadas ao antigo Egito e mostrar que esta civilização poderia não ser politeísta no sentido da palavra que entendemos hoje, ensinando conceitos de religião como monoteísmo, politeísmo, monolatria, henolatria.
O oitavo artigo do Dossiê: Práticas Religiosas no Mundo Antigo se trata de uma ação conjunta dos professores Orestes Jayme Mega, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e Lennon Oliveira Matos. Os autores abordam o tema “Arqueologia mítica: um breve esboço sobre a importância de abordagens mitológicas na arqueologia”, esboçando as inquietações levantadas à Arqueologia que se pratica sem a preocupação de se estabelecer diálogos mais profundos com outras fontes além da cultura material. Os autores defendem um maior uso dos mitos e da ciência da mitologia comparada, além da psicologia analítica, como fontes importantes de reflexões que podem se revelar de grande auxílio na interpretação do registro arqueológico.
Em seu artigo “A religiosidade dos construtores de tumbas no Egito antigo”, Rennan de Souza Lemos, orientado pelo Prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso estuda a religiosidade dos antigos egípcios do Reino Novo (c. 1550-1070 a. C.), com base no material escavado em dois sítios arqueológicos do período: a Vila dos Trabalhadores em Amarna e a vila de Deir el-Medina. Segundo ele, esta última abrigou, durante a maior parte do Reino Novo, os encarregados da construção e decoração das tumbas reais no Vale dos Reis, na parte ocidental de Tebas, enquanto a Vila dos Trabalhadores em Amarna possivelmente serviu para o mesmo propósito: abrigar os trabalhadores responsáveis pela construção e decoração das tumbas real e da elite na parte oriental de Amarna.
No penúltimo artigo do Dossiê, Renato Nunes Bittencourt analisa as críticas de Giorgio Colli sobre a interpretação nietzschiana acerca da tipologia valorativa do princípio apolíneo – expressão de uma experiência ética e religiosa caracterizada pelo rigoroso respeito pela justa-medida, em seu trabalho “Apolo de duas faces”. E, finalmente, concluindo o Dossiê: Práticas Religiosas no Mundo Antigo publicamos o artigo da Profª. Doutoranda Sandra Ferreira dos Santos do PPGArq-UFRJ, intitulado como “A magia para o amor e para a fertilidade no mundo grego”. A autora utiliza os katadesmoi para postular que a prática da magia no mundo grego pretendia, em especial, vingar uma ofensa ou proteger o seu realizador, mas, também, era empregada com finalidades amorosas e para propiciar a fertilidade – ou, ao contrário, a contracepção. Segundo ela, o estudo dessas fontes pode nos trazer novos olhares sobre as relações sociais neste período da História. Nesta edição da Revista Eletrônica de Antiguidade Nearco também publicamos outros artigos de interesse da comunidade científica e demais interessados em História Antiga, além de uma resenha do livro “Escrita e Poder na Antiguidade”.
Concluímos que o mundo foi e permanece sendo um entrelaçado de tradições, superstições, magia e religiões as quais impregnam os indivíduos e as comunidades nas suas formas de pensar e agir. Essa visão esclarece como a magia fazia parte do cotidiano romano e de outras sociedades. Notamos que pensar em superioridade da religião sobre a magia é esvaziar todo o contexto social que a prática mágica possuía. Um dos principais desafios na atualidade é justamente o de compreender o espaço da magia na sociedade e as motivações dos indivíduos, para recorrem a elas. Em suma, como o antropólogo Bronislaw Malinowski, nos apontou a relação homem-religião-magia são elementos existentes desde a Antiguidade e se encontram imbricados nas mais diversas sociedades (MALINOWSKI, 1948:01).
Referências
MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciência e Religião. Tradução de Maria Georgina Segurado. Rio de Janeiro: Edições 70, 1948.
MAUSS, Marcel e HUBERT, Henri. Ensaio Sobre a Natureza e a Função do Sacrifício. In; Ensaio de Sociologia, 2º ed., São Paulo, Perspectiva, 2001.
Carlos Eduardo Campos (UERJ)
Junio César Rodrigues Lima (UERJ)
Maria Regina Candido (UERJ)
CAMPOS, Carlos Eduardo; LIMA, Junio César Rodrigues; CANDIDO, Maria Regina. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.5, n.2, 2012. Acessar publicação original [DR]