«Les péruviens auparavant nommés indiens ». Discours sur les populations autochtones des Andes dans le Pérou indépendant (1821-1879) | Maud Yvinec

Las Prensas Universitarias de Rennes nos ofrecen, con este volumen, un detallado estudio textual sobre la representación del indio en el Perú, desde la declaración de independencia en 1821 hasta la guerra con Chile, dos momentos que interrogan los fundamentos ideológicos y políticos del país. Al prefacio de Bernard Lavallé (p. 9-11) le siguen una introducción general (p. 13-25) y cuatro partes temáticas que reúnen tres capítulos cada una. La conclusión general (p. 298-293) cierra el contenido de la obra, mientras que dos anexos (el mapa del Perú de Mariano Felipe Paz Soldán en 1865 y una lista de eventos cronológicos) completan el trabajo. El libro pone a dialogar escritos políticos de circunstancia, producción científica, discursos parlamentarios y piezas literarias diversas. La variedad de fuentes constituye, en este sentido, un primer punto notable de esta obra. Una centena de periódicos permiten cubrir, globalmente, un periodo en el que la irregularidad de la prensa es, salvo raras excepciones, la regla. A lo que se suma un volumen considerable de impresos de la época. El resultado es un análisis textual, a la vez general y detallado, de las concepciones que representan a la población autóctona, comenzando desde los padres fundadores y pasando por la juventud romántica, la naciente arqueología nacional, los debates sobre el tributo indígena y las preocupaciones sobre el analfabetismo. La obra ofrece una síntesis ambiciosa y muy bien lograda.

La introducción general señala la perspectiva y las definiciones que estructuran el conjunto del libro. Analizando la circulación y la evolución de estereotipos y lugares comunes, la obra logra exitosamente une historia cultural de las representaciones. Basta dar un vistazo a la historia intelectual del Perú para ver hasta qué punto la cuestión indígena estructura el debate ideológico desde sus inicios republicanos. Leia Mais

Tras el amparo del rey. Pueblos indios y cultura política en el valle del río Cauca/1680-1810 | Héctor Cuevas Arenas

La historiografía colonial colombiana y colombianista todavía requiere sendos análisis sobre los indios, sus pueblos y comunidades, su composición social y cambios demográficos, sus adaptaciones o resistencias al dominio de la monarquía, así como las relaciones tejidas con distintos actores y grupos sociales. Por supuesto, no se carece de estudios clásicos y recientes acerca de algunos de estos aspectos. Sin embargo, es notable lo poco que sabemos sobre los indios y sus formas de vida en las variadas regiones del Nuevo Reino de Granada a expensas de otros grupos sociales. Precisamente, en esta apertura historiográfica podemos inscribir el libro de Héctor Cuevas, quien ya ha dedicado libros y artículos a los pueblos de indios de la ciudad de Cali en el siglo XVIII. En esta ocasión, como producto de su tesis doctoral, amplía la geografía para abarcar los pueblos de indios del valle del río Cauca entre 1680 y 1810. Leia Mais

Povos indígenas no Brasil: opressão histórica e perspectivas atuais

Indigenas ocupam sede da Funai na BA em protesto contra PL que pretende modificar processo de demarcacao de terras 16 jun. 2021 Imagem TV Santa Cruz 1
0Indígenas ocupam sede da Funai na BA em protesto contra PL que pretende modificar processo de demarcação de terras (16 jun. 2021) Imagem: TV Santa Cruz

Colegas, boa noite.

Bem-vindos ao curso "Povos indígenas no Brasil: opressão histórica e perspectivas atuais". O título (que enuncia a proposta) é uma criação do nosso programa de Pós-Graduação. A escolha dos textos e do método de ensino-aprendizagem é minha. Por isso, leia com atenção para se convencerem de que este é realmente o curso que vocês querem ou necessitam seguir.

Objetivos

Com este curso, quero fornecer informação autorizada e atualizada sobre a pesquisa que tem os povos indígenas e o indigenismo como objeto de conhecimento, principalmente, nos últimos cinco anos. Um segundo objetivo é ampliar as habilidades de leitura e crítica de textos acadêmicos. O terceiro é ampliar a habilidade de produção escrita e estimulá-los a publicar trabalhos acadêmicos, simultaneamente à produção de suas dissertações.

Metodologia

Privilegio metodologias ativas, ou seja, a preleção professoral somente ocupa 1/4 da carga horária. Isso significa que vocês atuarão, coletiva e individualmente, na leitura, produção de textos, apresentação e publicação de resenhas.

O curso é modular. No primeiro, problematizo ideias de ontologia (ocidental e extra ocidental), ideias sobre o ser indígena professadas por antropólogos e historiadores e visões gerais sobre o ser indígena no Brasil e na Bahia. A exposição é combinada com a leitura coletiva em voz alta, por parte dos alunos, e questionamentos sobre o texto lido. Ao final do primeiro módulo, promovo exercícios de leitura, crítica e composição de histórias indígenas, com vistas ao trabalho final que cada aluno deverá produzir.

No segundo módulo, alunos que pretendem pesquisar questões indígenas durante o mestrado são convidados a produzir resenhas sobre suas respectivas questões, orientados (em pesquisa, escrita e exposição) pelo professor. A leitura é orientada pelo professor em sala de aula e inclui o levantamento preliminar de artigos referentes à questão central que orienta o livro escolhido para a resenha (sobretudo para quem não possui familiaridade com o tema), a leitura instrumental da obra e a aprendizagem de estratégias de coleta e processamento das anotações e, por fim, a apresentação de modelos de arquitetura da informação para a resenha. Os alunos, por fim, são convidados a finalizarem as resenhas, também sob supervisão do professor, e a apresentarem-nas aos colegas dos cursos de graduação e de pós-graduação do Pólo da Uneb em Irecê.

Avaliação

O curso é atravessado por avaliações diagnósticas a respeito das habilidades listadas nos objetivos listados acima. O conceito final, que dá direito à obtenção dos créditos, dependerá da apresentação e da entrega (até o último dia do curso), da resenha finalizada e autorizada para a publicação.

Programação

Primeiro módulo (20h)

25-27/10/2022 - Das 08h às 12 e das 14h às 18h

  1. Acolhimento e apresentação do curso (diálogos)
  2. Seleção de livros para a produção textos autorais (Lista reproduzida abaixo)
  3. Ontologias do Ocidente - leitura e discussão de textos da Bíblia (Gênesis), de Immanuel Kant (Probable Inicio de la historia humana)
  4. Ontologias indígenas - leitura e discussão de elementos cosmogônicos Yanomami, Mundurucu e Xocó, colhidos, respectivamente por David Kopenawa (O primeiro xamã), Daniel Munduruki (Origem dos Munduruku) e de Jan Hoffman French (Danças sagradas, encontros secretos e estados alterados)
  5. O Ser indígena entre antropólogos e historiadores: posições de Roberto Cardoso de Oliveira (Vídeo), Eduardo Viveiros de Castro (Vídeo) João Pacheco de Oliveira (Entrevista) e João Monteiro (Texto).
  6. Histórias sobre identidades indígenas produzidas por indígenas e não indígenas (Texto)
  7. Histórias indígenas no Brasil e na Bahia (Leitura comentada em forma de resenhas)

Segundo módulo (16h)

15/11/2022 - Das 8hàs 12 e das 14 às 18h

  • Leitura dos livros e artigos selecionados para a exposição oral (Carga horária distribuída pelos alunos)

10/11/2022 - Das 18h às 22h

10/11/2022 - Das 18h às 22h

  • Exercícios de composição textual - apresentação, contextualização, descrição e avaliação de histórias indígenas (com o livro selecionado pelo aluno) - Texto: Modelos de composiçãoMedindo as palavras

Terceiro módulo  (14h)

05/12/2022 (Segunda-feira) Das 14h às 17h e 18h às 21h

  • Correção individual das resenhas e revisões (Agendamento a cargo da turma)

06/12/2022 (Terça-feira) Das 14h às 17h

  • Correção individual das resenhas e revisões (Agendamento a cargo da turma)

06/12/2022 (Terça-feira) Às 20h30h

  • Palestra "O papel da crítica na educação contemporânea" (Não inclusa na carga horária do curso) / Lançamento do livro "Uma introdução ao método histórico" - Itamar Freitas

07/12/2022 (Quarta-feira - Das 14 às 17h

  • Apresentação das resenhas na "Seção de comunicações dos alunos e professores do PPGAFIN"

08/12/2022 (Quinta-feira) - Das 14h às 17h

  • Oficina "Letramento Histórico para professores" (Não inclusa na carga horária do curso

09/12/2022 (Sexta-feira) - Das 08h às 12h

  • Oficina "Letramento Histórico para professores" (Não inclusa na carga horária do curso

09/12/2022 (Sexta-feira) - Das 14h às 18h

  • Registro de frequências e notas e encerramento do curso (Não inclusa na carga horária do curso)

Orientações para a apresentação oral das  resenhas e revisões

É uma comunicação formal ao mundo acadêmico sobre o que você produz.

  1. Formule um texto para ser falado entre DEZ e QUINZE minutos, no máximo. Seja claro/a e conciso/a e original.
  2. Apresente-se de forma sumária - nome, filiação institucional e natureza da pesquisa.
  3. Em seguida, apresente a questão ou o objetivo.
  4. Por fim, apresente resultados.
  5. Encerre com uma conclusão em duas ou três frases que você julga derverem ficar na memória de quem te assiste.
  6. Evite a linguagem rebuscada e a linguagem chula. Foque no que você produziu e não na revisão da literatura ou no quadro teórico. Reserve 70% do tempo para tratar das suas conclusões (parciais ou finais).
  7. Se for usar slides, prepare não mais que cinco, considerando que cada um ocupa três minutos da sua apresentação, em média. Reserve alguns segundos para demonstrar que registrou as referências bibliográficas no penúltimo slide. O último deve registrar um cordial "muito obrigado".
  8. Prefira linguagem tópica. Se usar linguagem dissertativa, evite ler o slide (pecado mortal). O slide serve também para descansar a vista do leitor e te deixa livre.
  9. Se estiver inseguro na fala (memória), use apenas um slide como sumário da comunicação, passando a vista, de vez em quando, para não perder o fio da narrativa.
  10. Se o moderador avisar que faltam dois minutos (ou algo do tipo), salte imediatamente para as conclusões. Você poderá retomar a fala ausente no momento das perguntas.

Os instrumentos de interação

A comunicação é formal também em termos de etiqueta.

  1. Use a primeira pessoa durante as falas.
  2. Use roupa e formal: "da formalidade a gente nunca se arrepende".
  3. Não se coce, não mastigue, não interrompa uma frase para tomar água.
  4. Responda exatamente o que o mediador quer saber. Você pode dizer não sei. Pode dizer não é bem esse o foco da minha pesquisa etc. Só não pode ser indelicado com Se o questionador (embora ele não deva, mas) for indelicado com você, não revide.
  5. Assista todas as apresentações.
  6. Faça ao menos uma pergunta inteligente a um dos apresentadores.

Livros sugeridos para as resenhas individuais

  1. Política Externa e povos indígenas: Um tema para empresários, políticos e sociedade civil organizada | Cesar Santos (2022)
  2. Direitos dos povos indígenas em disputa no STF | Manuela Carneiro da Cunha e Samuel Barbosa (2018)
  3. Povos Indígenas e Direitos Territoriais | Leandro Ferreira Bernardo (2021)
  4. Terras indígenas e o STF: análise de decisões numa perspectiva decolonial (2009-2018) | Luiz Henrique Matias da Cunha (2021)
  5. Gênese e evolução do Direito Indigenista no Brasil: Contextualização Histórica | Tatiana Larissa Pendiuk Mendes (2021)
  6. O Direito Indígena e a Corte Interamericana de Direitos Humanos | Erick Linhares (2021)
  7. Jurisdição Indígena: fundamento de autodeterminação dos povos indígenas na América Latina e no Brasil | Victor Melo Fabrício da Silva (2022)
  8. O Movimento Indígena e a Luta por Emancipação | Catiúscia Custódio de Souza (2018)
  9. Histórias e culturas indígenas na Educação Básica | Giovani José da Silva, Anana Maria Ribeiro F. M. da Costa (2018)
  10. Aproximando universidade e escola: Ensino de histórias e culturas indígenas | Éder da Silva Novak e Luís César CAstrillon Mendes (2021)
  11. A persistência do aviamento: colonialismo e história indígena no Noroeste Amazônico | Márceio Meira (2018)
  12. História dos povos indígenas no Espírito Santo. Volume 1: os Puri | Julio Bentivoglio (2020)
  13. Visões de Catimbó: Elementos da História Indígena e do Catimbó-Jurema do Rio Grande do Norte | Rômulo Angélico, Ana Paula Cichelero e Charles Boeira (2018)
  14. Sem Vieira nem Pombal: índios na Amazônia no século XIX | Márcio Couto Henrique (2018)
  15. A resistência indígena ao projeto colonial castelhano nas provincias do Guairá e do Itatim (1593-1632) | Sandra Nara da Silva Novais (2021)
  16. Histórias e culturas indígenas na Mantiqueira e Vale do Rio Verde | Gustavo Uchôas Guimarães (2019)
  17. O retorno da terra: As retomadas na aldeia tupinambá da Serra do Padeiro, Sul da Bahia | Daniela Fernandes Alarcon (2020)
  18. Os Índios na História da Bahia | Fabrício Lyrio Santos (2022)
  19. Os Payayá no sertão das jacobinas (1851-1706) | Solon Natalício Araújo dos Santos (2019)
  20. Os índios e a colonização na antiga Capitania de Porto Seguro: políticas indigenistas e políticas indígenas no tempo do Diretório Pombalino | Francisco Cancela (2018)
  21. Rondon: Uma biografia | Larry Rohter (2019)
  22. Os fuzis e as flechas: História de sangue e resistência indígena na ditadura | Rubens Valente (2017)
  23. Etnocomunicação Indígena como Prática de Liberdade Decolonialista e Ancestral | Letycia Gomes Nascimento (2021)
  24. Xukuru: Memórias e história dos índios da Serra do Orurubá (Pesquieira/PE), 1950-1988 | Edson Silva (2014/2017)
  25. Guarani e Kaiowá: Modos de Existir e Produzir Territórios – Vol. II | Levi Marques Pereira e Jones Dari Goettert (2022)
  26. Mulheres indígenas do Rio Negro: uma viagem-escuta  | Naiara Alice Bertoli (2022)
  27. A Amazônia e os Povos Indígenas: Conflitos Socioambientais e Culturais | Aparecida Luzia Alzira Zuin, Vinicius Valentin Raduan Miguel (2020)
  28. Identidades Indígenas em Perspectiva: Ressignificação, Negociação e Articulação entre Espaços Formativos | Maria Iabel Alonso Alves (2022)
  29. Políticas culturais e povos indígenas | Manuela Carneiro Cunha e Pedro de Niemeyer (2020)
  30. Políticas antes da política de saúde indígena | Ana Lúcia de Moura Pontes e Felipe Rangel de Souza Machado (2021)
  31. Contaminação, Doenças e Assassinatos: Meio século de garimpo na Floresta Amazônica e os danos causados às TIs Munduruku, Yanomami, Waiãpi e Kayapó  | Arlete Bonelli (2022)
  32. A terra dos mil povos: História indígena do Brasil contada por um índio | Kaká Werá (2020)
  33. Ideias para adiar o fim do mundo (Nova edição) | Ailton Krenak (2019)

Cada aluno deve escolher um livro para resenhar e indicar a sua escolha até um dia antes do início do primeiro módulo. As escolhas serão imediatamente registradas aqui para evitar a repetição de leituras e resenhas.

Informe aqui a sua escolha.

Material de ensino

A bibliografia básica e o material complementar de ensino (documentários, entrevistas etc.) são constituídos ao longo da primeira semana de curso porque dependem do interesse e das escolhas dos alunos em termos de leitura (conectada à investigação pessoal no mestrado e ao trabalho de produção, apresentação e publicação de resenhas). Independentemente desse condicionante, segue-se uma pequena amostra do que consideramos "literatura básica" sobre povos indígenas e indigenismo.

Bibliografia básica (Versão inicial)

Excertos

ARRUTI, José Maurício. Etnogêneses indígenas. In: ricardo, fANY (Org.). Terras indígenas & Unidades de Conservação da natureza: o desafio das sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2004. p.26-36.

CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CANCELA, Francisco. Os índios e a colonização na antiga Capitania de Porto Seguro: políticas indigenistas no tempo do Diretório Pombalino. Jundiaí: Paco Editorial, 2018.

FLECX, Eliane Cristina Deckmann. Hostilidade e cordialidade: a face dupla dos contatos (Brasil, séculos 16 e 17). SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, Londrina. Anais... Londrina: Associação Nacional de História, 2005. 1 CD-ROM.

MONTEIRO, John. Redescobrindo os índios da América Portuguesa: incursões pela história indígena e do indigenismo. In: Tupis, Tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas, 2001. Tese. Livre docência em Etnologia. Departamento de Antropologia, Universidade Estadual de Campinas. p. 1-11.

KRENAK, Aílton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Sobre o diálogo intolerante. IN: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; VIDAL, Lux Boelitz; FISCHMANN, Roseli (Org. Povos indígenas e tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade. São Paulo: Editora da USP, 2001, p.245-252.

SANTOS, Fabrício Lyrio. Os índios na história da Bahia. 2ed. sdt.: Fino Traço, 2020.

SANTOS, Natalício Araújo dos. Os payayá no sertão das jacobinas (1651-1706). Curitiba: Appris, 2019.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. São Paulo: Ubu Editora, 2018.

Sites

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL. Disponível em <https://apiboficial.org/> Consultado em 21 ago. 2022.

MÍDIA ÍNDIA. https://www.facebook.com/VozDosPovos/

FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. Índios do Brasil: quem são? Disponível em <https://www.gov.br/funai/pt-br/atuacao/povos-indigenas/quem-sao>. Consultado em 21 ago. 2022.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Indígenas. <https://indigenas.ibge.gov.br/> Consultado em 21 ago. 2022.

SOCIOAMBIENTAL.ORG. Povos indígenas no Brasil. Disponível em<https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal> Consultado em 21 ago. 2022.

TERRAS INDÍGENAS.ORG. Terras indígenas no Brasil. Disponível em <https://terrasindigenas.org.br/> Consultado em 21 ago. 2022.

RESENHA CRÍTICA.COM.BR. Base de dossiês de artigos sobre: Campo Indigenista, Coletivos Indígenas, Cultura Indígena, Culturas Afro-Brasileiras e Indígenas, Dança IndígenaDiretório dos Índios, Educação Escolar Indígena, Ensino de História Indígena, Etno-história indígena, Filosofias Indígenas Amerídias, História dos Índios, História dos Povos Indígenas, História Indígena, Histórias Afro-Brasileiras e Indígenas, Historiografia indígena, Identidades Indígenas, Indígenas, Indigenismo, Índios, Pensamentos Indígenas, Políticas Indígenas, Políticas Indigenistas, Povos indígenas, Protagonismo Indígena, Protagonismos Indígenas, Questões IndígenasSociedades Indígenas; base de resenhas de livros sobre: Aldeamento Indígena, Arte Indígena, Colonization of Indigenous Kinship, Conceito de Perspectivismo cosmológico ameríndio, Conversão dos Índios, Convfederação de Nacionalidades Indígenas, Cosmopolíticas Indígenas, Cultura indígena, Educação indígena, Genocídio Indígena, História da Educação Indígena, História dos povos indígenas, História indígena, Identidade indígena, Indígena, Indígenas, Indígenas Abipones, Indígenas Apache, Indígenas Baniwa, Indígenas Guarani, Indígenas Kaingang, Indígenas Potiguara, Legislações Indigenistas, Mitologias Ameríndias, Mobilizações Indígenas, Modernidade indígena, Movimentos Indígenas, Mulheres Indígenas, Nova História Indígena, Poder Indígena, Poesia indígena, Política Indigenista, Políticas indigenistas, Populações indígenas, Povos Ameríndios, Povos indígenas, Relações entre Índios e Brancos, República dos Índios, Revista de História Indígena, Sociedades Indígenas, Sociodiversidade indígena, Tecnologias indígenasTrabalho Indígena.

Os militares e a crise brasileira | João Roberto Martins

Joao Roberto Martins Filho Foto Gabriela Di BellaThe Intercept
João Roberto Martins Filho Foto: Gabriela Di Bella/The Intercept

Em 2020, João Roberto Martins Filho publicou a segunda edição de O palácio e a caserna: a dinâmica militar das crises políticas na Ditadura (1964-1969), adaptação da sua tese de Doutorado em Ciência Política, orientada por Décio Saes e defendida em 1989. Nesse livro, manteve a proposição de que as forças armadas brasileiras configuram um partido político fortalecido na emergência uma “ideologia militar fortemente calcada na repulsa à política civil”, cujas pautas correlatas e consequentes seriam a estabilidade social e a garantia da ordem. (p.55). A tese contrapunha-se à interpretação da experiência militar como um conflito entre dois ideais capitalistas: o internacionalismo da Escola Superior de Guerra (ESG) e o nacionalismo de grupos minoritários. Um ano depois da republicação, Martins Filho nos brinda com outro estudos sobre “militares” e “crise” dos anos recentes, reunindo dezessete autores vinculados a instituições de ensino e pesquisa nas áreas de Estudos de Defesa, Segurança Internacional, Relações Internacionais, Estudos Estratégicos, Ciência Política e História Contemporânea, Antropologia e, ainda, profissionais do jornalismo e da área militar.

Os militares e a crise brasileiraSe o organizador registra que a proposição de 1989 ficou no limbo até 2005, agora restam poucas dúvidas de que os militares representam funções e estratégias de um partido político para si mesmos e que são corresponsáveis pelos ataques à democracia liberal brasileira, perpetrados, por exemplo, desde 2013. O leitor, contudo, encontrará alguma dificuldade para chegar às provas dessa responsabilização. A coletânea é qualitativamente desequilibrada e variada em termos de gênero textual. Verá divergências compreensíveis e saudáveis, em termos de fontes e interpretações. A credibilidade das Forças Armadas (FA), na última década, por exemplo, é tida como em declínio e em ascensão; as políticas dos governos progressistas em termos de defesa são vistas positivamente e negativamente; e a profissionalização dos militares é fundamental e nula para a sua submissão ao controle político civil. Leia Mais

Naturales de una ciudad multiétnica. Vidas y dinámicas sociales de los indígenas de Quito en el siglo XVII | Carlos Daniel Ciriza-Mendívil

Carlos Daniel Ciriza Imagem UPNA
Carlos Daniel Ciriza-Mendívil | Imagem: UPNA

La imagen tradicional de la América hispana durante el periodo colonial ofrecía una sociedad estática, de divisiones internas y compartimentos estancos basados en diferencias étnicas, raciales y socioeconómicas. En primer lugar, estarían las autoridades españolas; en segundo lugar, las masas de indígenas casi anónimas y, en tercer lugar, los grupos de esclavos africanos llegados al continente desde comienzos del siglo XVI. Esta impresión se habría aplicado a prácticamente todo el Nuevo Mundo, tanto a los espacios rurales como urbanos, con el matiz de una mayor presencia indígena en el campo frente a los espacios urbanos primordialmente “castellanos”. Desde hace unos cuantos años diversos trabajos están dejando esta visión simplista fuera de lugar.

Jorge Cañizares-Esguerra resume claramente la idea al considerar que no se pueden describir las sociedades coloniales simplemente añadiendo a indígenas, negros o latinos a un lienzo narrativo predeterminado, para concluir que sin estos grupos simplemente “no hay lienzo”.1 Varios trabajos recientes han contribuido a ensanchar y complicar ese lienzo, incluyendo también de manera notable la participación de las mujeres indígenas, europeas y africanas como parte sustancial de esta renovación. El trabajo de David Wheat ha reconsiderado la sociedad caribeña entre los siglos XVI y XVII para sacar a la superficie la presencia africana como una mayoría demográfica, pero también como una pieza clave en diversas esferas sociales más allá de la esclavitud.2 A su vez, en un reciente libro, Amelia Almorza Hidalgo concluye que la participación de mujeres fue radical para la creación y funcionamiento de las sociedades americanas; señala que “no se hacía pueblo sin ellas”.3 Leia Mais

Naturales de una ciudad multiétnica. Vidas y dinámicas sociales de los indígenas de Quito en el siglo XVII | Carlos D. Ciriza-Mendívil

Ocurre cada vez más a menudo y ya deberíamos ir acostumbrándonos: a un investigador se le ocurre buscar algo en algún sitio y lo encuentra. Pero el sitio ha sido estudiado repetidas veces, y se daba por hecho que ese algo no estaba. Pero no acabamos de aprender, seguimos dando por hecho lo que ya está hecho y no nos molestamos en practicar “algo de ciencia”, que en este caso quiere decir formular hipótesis y contrastarlas por la experimentación o por la documentación.

En el caso que nos ocupa el sitio es Quito en el siglo XVII principalmente, pues como es costumbre los acontecimientos no gustan de ceñirse a nuestros marcos temporales. Y el algo es la presencia de los indígenas en la ciudad y su papel en la misma, no como un mero relleno, sino como artífices de sus destinos, como protagonistas de sus vidas. Todo dentro de un orden claro, pues no podría ser de otra manera. Con una bibliografía muy completa y un trabajo de archivo de mérito, Carlos Ciriza-Mendívil construye un cuerpo de cinco capítulos, una introducción y unas conclusiones. En el capítulo 1, “En esta república”, se presenta el tema del libro y se hace un repaso historiográfico sobre el desarrollo del mismo, con especial atención a los trabajos que se han venido haciendo en otras regiones, preferentemente la Nueva España, sobre el papel de los indios urbanos en diferentes ciudades. El capítulo 2, “El movimiento de una sociedad”, presenta una nueva caracterización de la sociedad quiteña, en la que los indios son mayoría y actúan por sí mismos y en su beneficio propio. La lectura de los diferentes epígrafes en los que se divide el capítulo deja muy claro el contenido del mismo. No podemos dejar pasar aquí la sugerencia de que estos epígrafes se hubieran desglosado en el índice para mayor facilidad e información del lector, además de que los duendes editoriales han hecho desaparecer del mismo el capítulo 1. Cosas de la imprenta. Pero volvamos al capítulo: “Punto de partida. De las dos repúblicas, de la identidad a la identificación”, en el que vemos que algo aparentemente claro, como es quién es un indio, no lo es en absoluto. De especial relevancia es la diferenciación entre identidad e identificación y es que resulta que hay identidades múltiples e identidades cambiantes y eso nos lleva al siguiente epígrafe, “Estrategias de cambio y utilización”, en el que una pequeña muestra espero que sirva de ánimo para emprender la lectura. Se dice en la p. 99: Pronto los naturales advirtieron las posibilidades que la modificación de las calidades otorgaba a sus estrategias sociales, colectivas e individuales. Consecuentemente transformaron una sociedad de barreras étnicas inmutables en un espacio de fronteras étnicas porosas y cambiantes. Leia Mais

Where caciques and mapmakers met: border making in eighteenth-century South America | Jeffrey Alan Erbig Júnior

John Fea Lucy Barnhouse e Jeffrey Alan Erbig Junior Imagem Current
John Fea,  Lucy Barnhouse e Jeffrey Alan Erbig Júnior | Imagem: Current

Bons livros, nas ciências humanas ou na literatura, são aqueles que fisgam o leitor com personagens ou situações paradoxais. Assim faz Where caciques and mapmakers met: border making in eighteenth-century South America. Em cinco capítulos originados de um périplo de dez anos de pesquisas por 27 arquivos e sete países, Jeffrey Erbig Jr. mostra como o processo de territorialização dos Estados ibéricos na fronteira luso-platina da América ocorreu em estreita dependência e subordinação às relações e permissões dos grupos indígenas locais autônomos.

Where caciques and mapmakers metNos últimos vinte anos várias têm sido as contribuições para a discussão de processos como esse (Guy, Sheridan, 1998Adelman, Aron; 1999Gil, 2007Garcia, 2007Herzog, 2015Prado, 2009Lennox, 2017) e o livro de Erbig Jr., atualmente professor no Departamento de Estudos Latinos e Latino-americanos da Universidade da Califórnia,1 soma novos inquéritos e respostas a essa literatura. Leia Mais

Resistencia y Negociación. Milicias guaraníes, jesuitas y cambios socioeconómicos en la frontera del imperio global hispánico (ss. XVII-XVIII) | Pedro Miguel Omar Svriz Wucherer

Este libro del historiador argentino Pedro Miguel Omar Svriz Wucherer, adaptación de su tesis doctoral realizada en la universidad sevillana Pablo de Olavide, aborda el estudio de las milicias guaraníes de las reducciones jesuíticas y su participación e importancia en el esquema de defensa de la frontera chaqueña durante los siglos XVII y XVIII. Esto tiene una enorme importancia ya que en el particular esquema defensivo regional –donde hasta mediados del siglo XVIII los milicianos guaraníes constituían la principal fuerza militar, eran reconocidos como milicianos del rey y portaban armas de fuego con el consentimiento de los gobiernos regionales– el autor ve una de las claves para entender la forma en que el imperio hispano articulaba la defensa de la frontera en sus áreas más periféricas. En el Nordeste Rioplatense la participación de agentes “no estatales”, como jesuitas y guaraníes, en el sostenimiento de la defensa, la centralidad de la negociación y colaboración para establecer la misma y el peso determinante que tuvieron en esas negociaciones las contraprestaciones y beneficios no monetarios, le permiten al autor cuestionar la noción de un Military Fiscal State aplicable a todo el territorio americano.

Este sistema defensivo negociado, que el autor denomina “pacto conflictivo”, involucraba la articulación entre los imperios ibéricos, diversos actores locales (habitantes de las ciudades, indígenas) y agentes globales (la Compañía de Jesús). Esta integración entre espacios regionales y redes globales se muestra como un gran acierto del libro, permitiendo inscribir la problemática misionera y sus milicias en un contexto más amplio. Además, es posible advertir en estos aspectos la influencia de Bartolomé Yun Casalilla –director de tesis de Svriz y también prologuista del libro– y de toda una historiografía preocupada por las interacciones a través de los espacios transnacionales. Leia Mais

Los “indios de la Pampa” a través de la mirada misionera: un relato fotográfico del “dilatado yermo pampeano” | Ana María T. Rodríguez

Esta publicación es un nuevo aporte a uno de los objetivos que desde hace más de una década se incorporó a las distintas líneas de investigación y de extensión universitaria en el Instituto de Estudios Socio-Históricos (FCH-UNLPam): la inclusión de un área transversal destinada a la recuperación de fuentes y documentación histórica. De ese modo, se pretende socializar documentación, imágenes y testimonios para futuros estudios y la consulta del público.

En la línea de lo que podríamos denominar genéricamente “estudios de la religión”, el equipo dirigido por Ana María T. Rodríguez (2008) publicó inicialmente la traducción al español de Nella Pampa Central, donde el padre inspector salesiano José Vespignani historiza la presencia de los salesianos entre 1895 a 1922. El manuscrito, precedido por tres textos que lo contextualizan, fue redactado para dar cuenta del accionar religioso de esa congregación en esta región. Leia Mais

Ideias para adiar o fim do mundo | Ailton Krenak

Ailton Krenak, 66 anos, filósofo, escritor, jornalista, ativista e líder do povo krenak, é considerado um dos mais importantes pensadores brasileiros. Desde o seu discurso na Assembleia Nacional Constituinte em 1987, o intelectual indígena luta pelos direitos dos povos tradicionais indígenas, por política socioambiental e medidas assertivas sobre proteção ao planeta Terra. Leia Mais

En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latin | Luis Fernando Granados

 

Resenhista

Tony Wood – Princeton University.


Referências desta Resenha

GRANADOS, Luis Fernando. En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latina. México City: Ediciones Eras, 2016. Resenha de: WOOD, Tony. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 197-200, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

El Programa Indigenista Andino/1951-1973. Las mujeres en los ensambles estatales del desarrollo | Mercedes Prieto

 

Resenhista

Rosa Huayre Cochachin – FLASCO. Sede Ecuardor.


Referências desta Resenha

PRIETO, Mercedes (Comp.). El Programa Indigenista Andino, 1951-1973. Las mujeres en los ensambles estatales del desarrollo. Quito: FLACSO Ecuador-IEP, 2017. Resenha de: HUAYRE COCHACHIN, Rosa. Historia Agraria De América Latina, v.1, n.2, p. 142-145, nov. 2020. Acesso apenas pelo link original

A descolonizar las metodologías: investigación y pueblos indígena | Linda Tuhiwai Smith

Professora de educação da Universidade de Waikato (Nova Zelândia), Linda Tuhiwai Smith dedica-se especialmente ao estudo das comunidades indígenas, em particular dos maoris, povos nativos da Nova Zelândia. Seu estudo sobre o papel da pesquisa ocidental voltada às comunidades indígenas no contexto da colonização e da neocolonização, aqui resenhado, foi traduzido para diversas línguas, tendo recebido o prêmio New Year Honours (2013), em seu país de origem. Publicado pela primeira vez, em inglês, em 1999, foi traduzido para o espanhol, nesta edição chilena, por Kathryn Lehman.

Sem se preocupar exatamente com o método, mas com o contexto em que os problemas de investigação são pensados e projetados, bem como com as implicações da pesquisa para o investigador e o investigado (em especial os indígenas), a autora propõe tratar das relações entre um conhecimento colonizador e povos colonizados. Daí entender, de início, a investigação como “um conjunto de ideias, práticas e privilégios que está embutido no expansionismo imperial e na colonização, e institucionalizado nas disciplinas acadêmicas, escolas, currículos, universidades e poder” (SMITH, 2016, p. 13). Desse modo, não se trata de ir contra a investigação ou o conhecimento, mas de propor novas maneiras de conhecer e descobrir, novas maneiras de pensar a investigação com povos indígenas. Leia Mais

Marx Selvagem | Jean Tible

A relação entre o pensamento marxiano e as cosmopolíticas indígenas ainda não foi suficientemente escrutinada nas ciências sociais ou na historiografia brasileiras por um conjunto de razões: primeiro, as sociedades indígenas não foram levadas a sério durante muito tempo; segundo, o alegado caráter eurocêntrico das análises de Marx. Por fim, cabe observar que o marxismo não é uma base teórica usualmente empregada pelos historiadores da “Nova História Indígena”.

Mas é justamente este diálogo improvável que encontramos no livro Marx Selvagem, de Jean Tible. Originalmente tese de doutorado, Marx Selvagem foi publicado pela primeira vez em 2011, conhecendo acolhida positiva. Em 2018 foi publicada a terceira edição do livro, revista e ampliada. Leia Mais

¿Pactos de sumisión o actos de rebelión? – Rolf Foerster

FOERSTER, Rolf. ¿Pactos de sumisión o actos de rebelión?
Rolf Foerster (centro) e Camilo Rapu (direita) / twitter.com/rapucamilo/status.

FOERSTER R Pactos de sumision o actos de rebelionFOERSTER, Rolf. ¿Pactos de sumisión o actos de rebelión? Una aproximación histórica y antropológica a los mapuches de la costa de Arauco. Santiago de Chile: Pehuén Editores, 2018. Resenha de: GONZÁLEZ, Damián Gálvez. Estudios Atacameños, San Pedro de Atacama, n.65, set., 2020.

Varios años tuvieron que pasar para que este libro finalmente se volviera a publicar. En el intervalo, numerosas fueron las intervenciones en las que Foerster expuso un sólido trabajo intelectual respecto a la situación de los pueblos indígenas en Chile, colocando especial énfasis en las relaciones interculturales y en la problemática mapuche actual. Las funciones del parentesco, las organizaciones políticas, las luchas por el reconocimiento y el colonialismo del Estado chileno sobre los mapuche son los temas principales que le dan cuerpo a su programa de investigación, así como a este indispensable volumen que la editorial Pehuén ha hecho bien en publicar. Análisis, observación y convivencia con los mapuche lafkenche de la costa de Arauco grabados en una excelente reedición de su tesis de doctorado.

Los cruces entre antropología e historia son obligados en toda la lectura del libro. En ese gesto resalta la potencia de una tradición que se funda y se define en la profundidad del tiempo, entre la fragilidad del presente y la fragmentación del pasado. Probablemente, el núcleo de esta voluntad analítica se condense en la hipótesis de trabajo que propone el autor:

en primer lugar, se trata de una reflexión diacrónica que parte del supuesto que los actuales conflictos con el Estado nacional -que generan las demandas de reconocimiento por parte de los mapuche- están en una relación de continuidad con el pasado colonial y con la peculiar forma con que la sociedad indígena ha encarado el asunto del poder (p. 20).

En mi opinión, el mérito más importante de esta conjetura, clara y precisa en su formulación, es que aborda las “transformaciones y las continuidades históricas de la sociedad mapuche” (p. 26), y junto con ello, desvela procesos de largo aliento que tratan de explicar la dinámica política que ha desplegado el movimiento mapuche, en las diversas modalidades de su gama, para relacionarse con el poder estatal, las fuerzas del capital y la sociedad chilena en general.

El libro consta de cinco capítulos y de un prólogo firmado por Fernando Pairican. En el capítulo primero, el autor construye un argumento profusamente bien documentado en torno a la estructura social de los mapuche antes de mezclarse con la administración colonial española. Leamos el siguiente pasaje que ilustra con exactitud el sentido de este apartado. “Hemos configurado una imagen de la sociedad reche-mapuche, previa al contacto, que nos debería servir para lograr una mejor comprensión de lo que va a acontecer en el siglo XVI y XVII, cuando los reche se enfrentan por segunda vez a una sociedad con Estado” (p. 88). Podríamos decir que su análisis es, sobre todo, para explicar desde el pasado remoto las conexiones más actuales entre identidad, cultura y territorio.

Otro aspecto relevante del libro es el lúcido tratamiento historiográfico con el que Foerster describe las continuidades y rupturas que se dieron al interior de las comunidades mapuche lafkenche, antes y después de la construcción de una nueva comunidad política en forma de república. Respecto al objetivo general del capítulo segundo, Foerster dice:

Aquí el centro de nuestro interés es, por un lado, analizar la política hispana en el mundo mapuche con especial énfasis en la zona de Arauco, y por otro, ver cómo la sociedad reche reacciona vía la aculturación negativa. Se trata de observar el peso o solidez de sus reestructuraciones territoriales (los ayllarehue, el butalmapu) y el efecto especular del ‘pacto colonial’ como forma de poner fin a la guerra y al establecimiento de la frontera (p. 21).

La vida social y cultural mapuche se transformó de manera irreversible luego de la ocupación militar del Wallmapu en la segunda mitad del siglo XIX. Como lo muestra Foerster en el capítulo tercero, el proceso de colonización que impulsó el Estado-nación chileno produjo un quiebre en lo que atañe a las relaciones interétnicas que se habían cultivado durante el régimen colonial español.

Dos hechos grafican esta situación. En primer lugar, el abandono de una política de regulación de la frontera, es decir con esa suerte de pacto que se sellaba en los parlamentos, en las que intervenían tanto las autoridades hispano criollas como indígenas […]. En segundo lugar, se transitó de un reconocimiento del territorio indígena al sistema reduccional, que si bien entregó medio millón de hectáreas, prácticamente pulverizó la propiedad indígena en un amplio archipiélago a lo largo de la región de La Araucanía (p. 224).

He aquí otro elemento importante que permite visualizar el flujo de los cambios en la vasta frontera del sur y que culminará con la “subordinación de los mapuche al Estado chileno como campesinos” (p. 27).

A partir de un marco temporal que abarca casi todo el siglo pasado, en los capítulos cuarto y quinto Foerster profundiza en una constelación de temáticas destinadas a desvelar el mundo de las reducciones, la pérdida del territorio, la reforma agraria en la provincia de Arauco, las violaciones a los derechos humanos durante la dictadura cívico-militar, la expansión de las empresas forestales en un momento de globalización económica, los conflictos ambientales y las diferentes modalidades de acción colectiva que ha adoptado el movimiento mapuche una vez iniciada la transición a la democracia. Este último aspecto es significativo para abordar dos dimensiones que están profundamente conectadas. Por una parte, los procesos de articulación política que los mapuche lafkenche han desplegado para reivindicar su derecho al territorio y a la autodeterminación como pueblo autónomo. Y por otra, los alcances y las limitaciones del multiculturalismo y las políticas de reconocimiento en un contexto de hegemonía neoliberal.

¿Pactos de sumisión o actos de rebelión?, en definitiva, es un libro que merece ser leído con atención para poder comprender mejor una larga y compleja historia de conflictos no resueltos entre la sociedad mapuche y el poder estatal que siguen estando presentes en el Chile de hoy.

Damián Gálvez González – Lateinamerika Institut, Freie Universität Berlin, ALEMANIA. Email: dgalvezfu@zedat.fu-berlin.de. Centro de Estudios Interculturales e Indígenas (CIIR), Santiago, CHILE.

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Discursos de identidad y geopolítica interior. Indios/gaúchos/ descamisados/ intelectuales y brujos | Ana Teresa Martínez

En principio, me gustaría señalar la satisfacción que representó para mí leer este volumen colectivo, con perspectiva interdisciplinaria, que surge en el marco de un grupo de investigación interinstitucional que articula una universidad pública y un instituto de investigación del CONICET ubicados en el noroeste argentino, es decir, un lugar de enunciación periférico que ya nos interpela en tanto construcción situada del conocimiento. Aun cuando el libro, como producto de una apuesta polifónica, propone como objetos de estudio prácticas y discursos muy diferentes a los que han formado parte de mi propio derrotero de investigación, para decirlo más rápidamente mis anteojeras disciplinares considerando que vengo del campo de las letras, me resulta muy valioso porque muestra en ese tránsito de investigación diferente ecos y resonancias cercanos a mis propios intereses. Leia Mais

Os antigos habitantes do Brasil | Pedro Paulo Abreu Funari

FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Os antigos habitantes do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2019. Resenha de: SILVA, Filipe Noe da. Arqueologia para uma outra história do Brasil. Revista Nordestina de História do Brasil. Cachoeira, v. 2, n. 4, p. 243-247, jan./jun. 2020.

Mesmo se considerarmos o abismo provocado pela desigualdade social, ainda nos parece possível afirmar que o vastíssimo (e diverso) universo escolar brasileiro, nos dias atuais, funciona a partir de metodologias e ferramentas de ensino bastante variadas. Apesar da paulatina informatização do ensino, com o uso cada vez mais frequente de videoaulas, canais e redes sociais, as apostilas e livros didáticos de todas as disciplinas ainda constituem suportes informativos de ampla difusão no quotidiano das escolas brasileiras1. Em muitos casos, pode-se mesmo conjecturar que o material didático é o primeiro livro da vida de muitos de nossos estudantes, e permanece como “[…] o principal instrumento do qual se podem valer os professores” 2.

No ensino de História, em particular, os livros didáticos e paradidáticos coexistem com documentos que, a priori, não foram elaborados com finalidades pedagógicas, mas que são empregados na sala de aula para tal fim: filmes, músicas, imagens, fotografias, documentários, obras de arte, poemas e artefatos arqueológicos, com frequência, são convertidos em documentos de grande valia para o estudo da História3. Do mesmo modo, narrativas pessoais e memórias orais, igualmente convertidas em fontes históricas, têm revelado aos(às) jovens estudantes as percepções daqueles e daquelas que, em muitos casos, testemunharam as inúmeras transformações, invenções e rupturas que atingiram suas sociedades no último século4.

São muitas as investigações sobre os discursos históricos apresentados pelos livros didáticos do presente e do passado: além das tradicionais memórias nacionais, temas referentes às questões étnico-raciais, às relações de gênero e ao silenciamento das populações subalternas, em geral, têm colocado em evidência os propósitos políticos e identitários das publicações didáticas mundo afora5.

Como no caso do estudo da Antiguidade, cujos livros didáticos apresentam “[…] anacronismos, erros, simplificações, juízos de valor e, principalmente, falta de atualização dos assuntos tratados” 6, não é raro encontrarmos, em muitos materiais voltados ao ensino da História, narrativas eurocêntricas, elitistas e baseadas em uma perspectiva “civilizadora” dos colonizadores. Dentro dessa perspectiva histórica, como constatou Francisco Silva Noelli7, a experiência dos povos indígenas do Brasil, por vezes, figura de maneira apenas preambular nos livros escolares: “[…] se compararmos o status desses temas com os demais conteúdos do currículo básico de História do Brasil e das Histórias Regionais, facilmente constataremos que eles são irrisórios em termos quantitativos”8.

Apesar de não ser um livro didático stricto sensu9, a segunda edição d’Os antigos habitantes do Brasil, de Pedro Paulo Funari, docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), oferece uma alternativa valiosa para o atual ensino da História das populações indígenas do território brasileiro. Em consonância com as teorias sociais pós-colonialistas, sua narrativa constitui uma ferramenta pedagógica fundamental para a superação do senso comum e dos muitos estereótipos racistas e etnocêntricos associados a esses povos. Ao demonstrar, por exemplo, que a ocupação humana no Brasil extrapola os 10 mil anos, a referida publicação coloca em xeque a hipótese, ainda vigente em âmbito escolar, de que não existe História onde inexiste a escrita. Frente à escassez de documentos escritos, por sua vez, o autor recorre à Arqueologia, ao estudo da cultura material produzida de maneira espontânea e quotidiana pelos próprios indígenas.

Reconhecida no Brasil e em âmbito internacional, a trajetória acadêmica do professor Funari promove uma profícua (e original) amalgamação de estudos sobre História Antiga (com ênfase nas camadas populares sob uma perspectiva da História Cultural), Antropologia e Arqueologia: reflexo de uma formação híbrida e da abertura, por parte do autor, ao diálogo e à interdisciplinaridade. Ao converter tal erudição em uma linguagem acessível e agradável aos estudantes de nível Fundamental e Médio, Funari, em seu livro sobre Os antigos habitantes do Brasil, aproxima seus leitores e leitoras de temas particularmente complexos à História e à Arqueologia contemporâneas, tais como a origem das populações ameríndias e as transformações (territoriais, sociais e faunísticas) decorrentes das mudanças climáticas.

A relação entre os seres humanos e o meio-ambiente, fonte fundamental de sobrevivência às populações indígenas, não é apresentada de maneira determinista, como se as populações nativas fossem apenas submissas e passivas frente às imposições da natureza hostil. Ao contrário, com o intuito de evidenciar o protagonismo e a originalidade desses povos, o autor demonstra, de maneira sutil e didática, que atividades como a caça, a coleta e a pesca teriam coexistido com a agricultura no território brasileiro desde antes da chegada dos portugueses.

Devido às escolhas curriculares, é bastante usual nas escolas brasileiras que a agricultura seja apresentada enquanto um apanágio restrito às civilizações localizadas no Crescente Fértil mesopotâmico, e que dali teria se difundido a outros povos e lugares. Nas escolas do estado de São Paulo, por exemplo, o desenvolvimento da agricultura, outrora denominado por Vere Gordon Childe como “Revolução Neolítica”, ou simplesmente a “[…] progressiva utilização de técnicas para a produção de alimento (agricultura e criação de gado) em substituição das técnicas da simples exploração (caça e coleta) de tudo quanto já estava presente na natureza”10 tem integrado, ainda que de maneira subordinada ao tema do “Oriente Próximo”, o grupo de habilidades e competências previstas para o 4º e 6º anos do Ensino Fundamental e à 1ª série do Ensino Médio. Em nenhum dos currículos11 (2010 ou 2019), no entanto, há qualquer referência aos processos de desenvolvimento agrícola ocorridos de maneira independente no continente americano em períodos pré-coloniais, ou noutras localidades do planeta12.

Sobre a chegada dos primeiros seres humanos à América, em particular, o autor apresenta duas hipóteses principais: por um lado, os ameríndios seriam descendentes de asiáticos que teriam atravessado os noventa quilômetros do chamado Estreito de Bering em uma época em que o nível das águas teria sido mais baixo. Por outro lado, devido à presença de restos mortais de indivíduos oriundos da Oceania, outras possibilidades de povoamento, seus limites e incertezas, também são apresentadas de maneira didática e elucidativa. O uso de mapas e ilustrações na explicação das duas hipóteses também constitui uma boa opção pedagógica acerca do tema.

Por meio da cultura material produzida pelos indígenas, Funari demonstra toda a diversidade, autonomia e criatividade das etnias espalhadas pelo Brasil. Entre tupis e marajoaras, a cerâmica, as habitações, os sambaquis, os artefatos líticos e as pinturas, todos ilustrados pelos belíssimos traços de Isabel Voegeli Stever, aproximam alunos e alunas de civilizações complexas e cuja produção material, segundo o próprio autor, nada deixaria a desejar se comparada àquela dos gregos e egípcios da Antiguidade, por exemplo. Sem prescindir do rigor necessário às investigações sobre o passado, os inúmeros artefatos arqueológicos são apresentados em fotografias de alta resolução e suas descrições convidam os(as) estudantes a tecerem suas próprias interpretações sobre esses objetos.

Para além do eventual diálogo com as teorias pós-processualistas da Arqueologia13 e sua respectiva ênfase na subjetividade do conhecimento arqueológico, também julgamos pertinente uma aproximação às considerações do educador Paulo Freire sobre o respeito às formas de conhecimento trazidas pelos(as) discentes como forma de respeito e estímulo à autonomia intelectual:

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária (…). Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm dos indivíduos?14

Temas contemporâneos, como a divisão social do trabalho e o protagonismo das mulheres nas sociedades indígenas, ajudam a compor um livro que, embora verse preponderantemente sobre o passado, fá-lo a partir das demandas e reivindicações sociais do tempo presente. Conforme consta na recente Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a compreensão sobre “Os povos indígenas originários do atual território brasileiro e seus hábitos culturais e sociais”15 constitui um objeto de estudo a ser explorado nas aulas de História do 6º Ano do Ensino Fundamental. Se for este, de fato, o documento fundamental que norteará os rumos da educação básica no Brasil durante os próximos anos, o livro Os antigos habitantes do Brasil, uma vez inserido nos currículos estaduais e municipais, parece-nos profundamente necessário e atual, principalmente porque apresenta uma perspectiva democrática e inclusiva sobre a História dos indígenas a todos os estudantes brasileiros.

Notas

1. CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 549-566, set./dez. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a12v30n3.pdf  Acesso em: 12 abr. 2020; BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História. Fundamentos e Métodos. São Paulo: Editora Cortez, 2005.

2. SILVA, Glaydson José. Os avanços da História Antiga no Brasil. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais eletrônicos […]. São Paulo: ANPUH, 2011.

3. BITTENCOURT, op. cit.

4. Sobre este tema, em particular, vide: BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1979.

5. CHOPPIN, op. cit., p. 554.

6. SILVA, Semíramis Corsi. Aspectos do Ensino de História Antiga no Brasil: algumas observações. Alétheia: Revista de estudos sobre Antiguidade e Medievo, São Paulo, v. 1, p. 145-155, jan./jul. 2010. Disponível em: https://periodicos.unipampa.edu.br/index.php/Aletheia/article/view/73/62. Acesso em: 12 abr. 2020.

7. NOELLI, Francisco Silva. Resenha: Os antigos habitantes do Brasil. Educ. Soc, Campinas, v. 24, n. 82, p. 341-342, abr. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302003000100027.  Acesso em: 12 abr. 2020.

8. Ibidem, p. 341.

9. De acordo com Circe Bittencourt, os livros didáticos convencionais estariam sujeitos a interesses editoriais e de mercado: “[…] Como produto cultural fabricado por técnicos que determinam seus aspectos materiais, o livro didático caracteriza-se, nessa dimensão material, por ser uma mercadoria ligada ao mundo editorial e à lógica da indústria cultural do sistema capitalista”. Ver: BITTENCOURT, op. cit., p. 301.

10. LIVERANI, Mario. Antigo Oriente. História, Sociedade e Economia. São Paulo: EDUSP, 2016. p. 71.

11. No antigo currículo (2010), o tema do “Oriente Próximo” integrava os estudos de História do 6º Ano do Ensino Fundamental e 1ª Série do Ensino Médio. Conferir: SÃO PAULO. Currículo do Estado de São Paulo. Ciências Humanas e suas tecnologias. São Paulo: Secretaria da Educação, 2010. Já o novo Currículo Paulista aborda o tema da Agricultura de maneira genérica por meio do objeto de conhecimento: “A ação das pessoas, grupos sociais e comunidades no tempo e no espaço: nomadismo, agricultura, escrita, navegações, indústrias, entre outras”. Cf.: SÃO PAULO. Currículo Paulista. São Paulo, 2019. p. 466.

12. Para uma síntese desses processos, vide: MAZOYER, Marcel; ROUDART, Laurence. História das agriculturas no mundo. Do neolítico à crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. p. 66-67.

13. HODDER, Ian. Interpretación en Arqueología. Barcelona: Crítica, 1994. p. 195; TRIGGER, Bruce Graham. História do Pensamento Arqueológico. São Paulo: Editora Odysseus, 2004. p. 373.

14. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz & Terra, 2011. p. 21-22.

15. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ensino Fundamental. Brasília: MEC, 2018.

Filipe Noe da Silva –  Doutorando em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Professor das Faculdades Integradas Maria Imaculada (FIMI) Mogi Guaçu, SP, Brasil. E-mail: filipe.hadrian@gmail.com  Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5075-0131

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Devastación. Violencia civilizada contra los indios de las llanuras del Plata y del Sur de Chile (Siglos XVI a XIX) | Sebastián Alioto e Juan Francisco Jiménez

La historiografía argentina sobre los estudios indígenas y fronterizos puede datar su completa renovación con respecto a las miradas tradicionales a inicios de la década de 1980. Varios trabajos se han referido a las temáticas y aportes que fueron surgiendo a lo largo de las décadas siguientes, por lo tanto me limitaré aquí a señalar solo algunos datos que considero pueden contribuir a una mejor contextualización del libro que se reseña. En esos primeros momentos, las investigaciones históricas y antropológicas siguieron muy de cerca los avances que se producían en Chile y confluyeron en revisar el carácter esencialmente violento de la relación interétnica y, de manera paralela, a redefinir la frontera como un lugar de encuentro de diversos grupos sociales. En la década siguiente, las investigaciones comenzaron a tomar como referencia a otros espacios fronterizos y a incorporar nuevos conceptos y modelos historiográficos, fundamentalmente los desarrollados en torno a la expansión fronteriza del oeste norteamericano, del norte de México y la expansión imperialista en África. Sin duda, este período que se prolonga aproximadamente hasta inicios del siglo XXI, fue el más fructífero en cuanto a la diversidad de temáticas y de metodologías innovadores utilizadas en la investigación y, asimismo, en la aparición de revistas centradas casi exclusivamente en la historia indígena y en la proliferación de espacios de discusión y de mesas temáticas en las jornadas más relevantes de la disciplina histórica. Destaco como puntos principales de esta etapa, el predominio de una perspectiva microanalítica en los estudios y los esfuerzos por integrar la historia indígena a la historia nacional. Ambos puntos se aplicaron fundamentalmente al estudio de ejes que se complementan: la conformación de liderazgos étnicos mediante el análisis de las trayectorias de los caciques como experiencias políticas localizadas, y los estudios puntuales sobre algunos espacios fronterizos que ahondaban en la variedad de relaciones que se anudaban en ellos. Los compiladores de este libro fueron protagonistas, con distinta intensidad, de este momento de auge e innovación.

Lo que puede observarse desde hace casi una década es una escasa renovación en los temas trabajados, primando profundizaciones de enfoques ya conocidos. Lo que puede señalarse como novedad en esta “meseta” historiográfica es el debate en torno a la pertinencia de utilizar el concepto de genocidio/prácticas genocidas para los procesos de ocupación del espacio indígena a finales del siglo XIX, restableciéndose de algún modo la centralidad de la violencia fronteriza para explicar procesos pasados. En general, estos enfoques se encuentran muy vinculados y son interpelados por los movimientos indigenistas que están cobrado más visibilidad en la esfera política. La creación en 2004 de la Red de Investigadores sobre Genocidio y Política Indígena en Argentina en la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires es un reflejo de esta posición y en ella se nuclean gran parte de los investigadores que sostienen esta postura. El uso académico del concepto de genocidio está apoyado en una extensa bibliografía producida por historiadores y sociólogos nucleados en el grupo de Genocide Studies. Recientemente, dos publicaciones en revistas de amplia circulación reflejan la vitalidad de esta problemática: un debate en Corpus (2011) y un dossier en Memoria Americana (2019). Leia Mais

Los indígenas y la construcción del Estado-Nación. Argentina y México, 1810-1920: historia y antropología de un enfrentamiento – BERNAND (FH)

BERNAND, Carmen. Los indígenas y la construcción del Estado-Nación. Argentina y México, 1810-1920: historia y antropología de un enfrentamiento. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: Prometeo, 2016. Resenha de: ZAPATA, Horacio Miguel Hernán. Los pueblos indígenas en la construcción Nacional de Argentina y México: un contrapunto de experiencias sociohistóricas (1810-1820). Faces da História, Assis, v.7, n.1, p.480-485, jan./jun., 2020.

La participación de las sociedades indígenas dentro de los procesos de creación y afianzamiento de los Estados nacionales constituye una de las tantas problemáticas que ha marcado tanto la historiografía como la antropología latinoamericanas de las últimas décadas. Sin duda, a ello han contribuido de forma significativa, por un lado, antropólogos formados en la tradición de una Etnohistoria interesada por entrever la “perspectiva del otro indígena en las situaciones de dominación colonial y estatal” (ROJAS, 2008). En segundo lugar, han contribuido a ello también aquellos historiadores enrolados en una historia social y política “desde abajo”, preocupados por ofrecer nuevas aproximaciones a las diversas experiencias históricas de los grupos sociales subalternos – en relación con los grupos hegemónicos– a lo largo la historia. En efecto, el desarrollo de investigaciones empíricamente fundadas en la interpretación de viejas y nuevas fuentes a partir de enfoques y metodologías renovadas, ha permitido que historiadores y antropólogos pudiesen “ensanchar la base de la historia” (SAMUEL, 1984, p. 17) y explorar “una dimensión desconocida del pasado” (HOBSBAWM, 1998, p. 207-208) o, más bien, un aspecto de las culturas nacionales mal conocidas y sobre las que pesan no pocos mitos y polémicas. A partir del fortalecimiento de esta línea de trabajo innovadora, contamos con más elementos para acabar con las miradas que han concebido a las comunidades indígenas como objetos pasivos de las políticas impuestas en el pasado y el presente.

Como consecuencia, en los nuevos estudios e interpretaciones histórico-antropológicas los pueblos indígenas se nos presentan como verdaderos actores, sujetos constructivos y activos frente a la realidad que los contiene y que se transforma continuamente a través de las sucesivas adecuaciones, inventivas e impugnaciones barajadas gracias a su capacidad de agenciar – de manera armónica o contradictoria – distintos bienes, prácticas y representaciones del mundo en que viven. Precisamente gracias a que existen estos incesantes esfuerzos de distintos académicos por producir conocimiento social sobre las comunidades originarias es que hoy contamos con el libro Los indígenas y la construcción del Estado-Nación. Argentina y México, 1810-1920, de la afamada etnohistoriadora francesa Carmen Bernand. Elaborado y publicado originalmente como un manual destinado a abordar el tema del concurso de acceso a la condición de profesor de la enseñanza pública en Francia, el presente libro constituye la versión traducida al castellano y mejorada por su propia autora, convirtiéndose en una voluminosa obra dedicada a presentar – como bien indica su título – un estudio de antropología histórica comparada de los complejos vínculos entre los indígenas y los nuevos Estados nacionales surgidos a partir del descalabro del otrora imperio español.

Como podrá advertir el lector avezado, su redacción obligó a reunir y compaginar un creciente y heterogéneo universo de resultados de investigación sobre diferentes objetos y en diversos registros, propios y ajenos, cuya articulación no siempre resulta evidente, en una narración atrapante donde su objeto nunca se desdibuja. Su composición permite ver con claridad tanto las líneas maestras del oficio como la manera, precisa y elocuente, de trabajar con un corpus significativo de fuentes (correspondencia oficial y personal, periódicos, informes de comandancias de frontera, los registros de gastos de compensaciones, memorias particulares y diarios de viajeros) en un esfuerzo para comprender, de manera vívida y sugerente, los significados que una sociedad atribuye a los acontecimientos en los que participa. Si bien los argumentos vertidos a lo largo del libro – en la mayor parte de los casos – no son naturalmente novedosos para los especialistas, el mismo no carece de la profundidad propia de las obras que obligan a ajustar cuentas con los estudios anteriores y marcan pautas para futuras investigaciones, sobre todo en lo que se refiere a la principal hipótesis de la autora. Y es que el objetivo central de Bernand es demostrar que los grupos indígenas fueron partícipes de los dramáticos avatares derivados de la conformación de los actuales Estados republicanos de México y Argentina a lo largo del siglo XIX, ya que – en tanto agentes activos – tejieron relaciones de negociación, conflicto y subordinación con las elites en el poder.

Sin embargo, pese a su nueva adaptación, la investigadora logró conservar esa particular “identidad mestiza” (VIAZZO, 2003), que supo imprimirle al ensayo original, desdibujando las fronteras entre Antropología e Historia, combinando un conjunto de preocupaciones teóricas del campo antropológico con el andamiaje empírico que provee del decurso histórico. En este sentido, el lector podrá observar que en la arquitectura global del libro hay secciones que resultaron más históricas, mientras que otras se tornaron más antropológicas; ello no quita que, por momentos, el abordaje conjugue ambos enfoques. Ciertamente, la obra divide el estudio de las trayectorias indígenas en dos grandes partes. Bajo el subtítulo de “Jalones”, la primera parte expone y analiza los principales hechos en el orden cronológico en el que se presentaron a lo largo de un apartado introductorio y siete capítulos. Los capítulos, a su vez, se hallan delimitados a partir de distintos clivajes temporales que responden – en términos generales – a una periodización secular significativa para ambos países, cuyo inicio arranca en el año 1810 y su cierre alrededor de inicios de la década de 1920. Si bien la decisión de Bernand de recurrir a una periodización inconveniente (por su apego a efemérides patrias o convenciones historiográficas tradicionales, pero no así a las dinámicas del mundo indígena), es indudable que la misma se convierte en un mapa de lectura muy útil.

De ese modo, en el capítulo introductorio se presentan cuestiones que la autora entiende como fundamentales para la comprensión del recorrido histórico de los siguientes acápites, como la situación en los Virreinatos de Nueva España y del Río de la Plata a fines del siglo XVIII, dos territorios mucho más extensos que las repúblicas que llevaran los respectivos nombres de México y Argentina, los caracteres y dinámicas sociales de los grupos indígenas que habitaban más allá de las fronteras de ambas jurisdicciones, las descripciones etnográficas sobre éstos legadas por funcionarios, misioneros y viajeros y los fundamentos políticos sobre los que se erigieron las jóvenes repúblicas. Seguidamente, en los capítulos primero y segundo, la autora describe los corolarios producidos sobre las poblaciones indígenas por el proceso de la insurgencia en México y en las Provincias Unidades del Sur. A continuación, los capítulos tres y cuatro reconstruyen el largo período caracterizado por una sucesión de guerras civiles y de conflictos internacionales abiertos luego de la independencia política de ambos países.

Allí, Bernand sitúa al indígena dentro del conjunto de grupos socioétnicos que tomaron parte, según sus propios intereses y oportunidades, en los conflictos que forjaron los Estados republicanos modernos, historizando las acciones emprendidas por las distintas facciones políticas criollas en pugna (caudillos unitarios y federales en el caso del Río de la Plata y liberales o conservadores en el caso del México), para ganar la colaboración militar de algunas de las parcialidades indígenas y los diversos posicionamientos que éstas últimas adoptaron. Resultado de esa participación fueron, como muy bien explica la autora, la progresiva pérdida de la autonomía y los enfrentamientos interétnicos que comenzaron a vivirse dentro de las propias sociedades indígenas. A su vez, a lo largo de los capítulos cinco, seis y siete, se explora cómo el triunfo de las políticas librecambistas, la vinculación de ambas regiones con el mercado mundial y los procesos de consolidación de la soberanía territorial exigieron la anexión de nuevas áreas productivas y un fuerte disciplinamiento social, acentuando las políticas ofensivas de ambos Estados contra los aborígenes y volviendo imposible su existencia de éstos como formaciones sociales independientes. El relato prosigue con la situación de las comunidades una vez que las empresas de expansión territorial colocaron paulatinamente las últimas “fronteras interiores” bajo el control del nuevo Estado. Se examina la forma en que los miembros de comunidades indígenas que sobrevivieron a tal embestida perdieron total autonomía y pasaron a ser incluidos en forma subordinada a las sociedades nacionales de Argentina y México, como ciudadanos de segunda clase entre fines del siglo XIX y principios del XX.

Al finalizar este primer gran apartado, cualquier lector quedará con la sensación de haber recorrido una historia propiamente hablando, en la cual es posible identificar algunas coyunturas claves o episodios específicos, que operan como disruptivos en la dinámica de interacción socio-política general y, sobre todo, ciertas transformaciones ocurridas en los vínculos entre indios y cristianos a lo largo del período de estudio, sin perder de vista las continuidades que se manifestaron en la larga duración. Además, desde ese marco temporal amplio, el lector también podrá observar las rupturas y continuidades en la vida de los pueblos indígenas durante la formación de las culturas nacionales de cada país, así como también las similitudes y contrastes que existieron entre los casos argentino y mexicano. Ello, sin duda, llevará a los lectores a prestar atención a las características regionales; al tipo de intereses conjugados en las relaciones interétnicas; al carácter de frontera o de dominación ya consolidada de los ámbitos que estructuraban estas relaciones; a las modalidades jurídicas y legales ofrecidas por los sucesivos gobiernos en los diferentes contextos sociohistóricos; y, finalmente, a los rasgos sociopolíticos de las poblaciones indígenas. De allí se desprende la intención de dar cabida a ciertas individualidades a medida que entran en escena, en función de ciertos problemas y la importancia asignada a correspondencias con la trama social en la que se insertan. En efecto, a lo largo del libro las ejemplificaciones ofician como una herramienta interpretativa – no la única, por supuesto – capaz de dar cuenta del carácter complejo de las interacciones y conflictos que caracterizaron el vínculo de los indígenas con las diversas instancias estatales de cada país y de las miradas opuestas o alternativas que unos y otros construyeron en aras de definir la forma de inclusión de “lo indígena” a las culturas nacionales en definición. Para la autora, el hecho que las sociedades indígenas fueron las grandes derrotadas en la construcción estatal constituye un desenlace humanamente trágico a la vez que paradójico, puesto que en ese mismo momento ambas sociedades atravesaban sus primeras experiencias de ampliación política democrática: ya sea a través de la vía reformista seguida en Argentina y expresada en la ley Sáenz Peña (que garantizaba el derecho al voto universal, secreto y obligatorio), cuya aplicación llevó a la presidencia al radical Hipólito Yrigoyen en las elecciones de 1916; ya sea a través de la vía revolucionaria ocurrida en México, la cual se manifestó en el estallido de la Revolución agraria en 1910 y concluida en 1917.

Bajo el título de “Problemáticas”, la segunda parte del libro comprende un conjunto de textos que se alejan de un abordaje de tipo cronológico y, organizados en los restantes cinco capítulos, tienen por propósito profundizar la complejidad de los modos de organización y cosmovisión de las sociedades indígenas y sus transformaciones a lo largo del período analizado. Consciente del desafío de bosquejar esta complejidad lo más claramente posible para el lector no especialista, alejado de las eruditas y no siempre fáciles discusiones metodológicas, la autora estudia – del capítulo ocho al once – el largo devenir de la agencia indígena desde ciertos nudos problemáticos. De ese modo, Bernand explora la estructura y funcionamiento de los cacicazgos, las múltiples dinámicas (alianzas políticas, conflictos armados, intercambios comerciales y procesos de mestizaje) que tenían lugar en los espacios de frontera, la conversión de los indígenas en proletarios a partir de su desarticulación (en el caso argentino), la pervivencia de las economías campesinas a partir de los procesos de comunalización (en el caso mexicano) y, finalmente, el impacto heterogéneo del catolicismo – con sus misiones y cofradías, fiestas y rituales – sobre la cultura de los pueblos nativos. Por último, en el capítulo doce, Bernard analiza el vínculo entre los indígenas y la memoria a partir de los distintos significados adjudicados a este último concepto como narración identitaria, como representación visual y como relato experiencial. Para ello la autora identifica y describe los contrastes existentes entre las configuraciones particulares que asumen las formas de recuerdo (u olvido) de “lo indígena” en el arte, la fotografía, el folklore, las coleciones patrimoniales de los museos y las etnografías. Si bien los temas nativos fueron retomados por ciertas vertientes del nacionalismo cultural de las décadas de 1910 y 1920, Bernand indica que los indígenas fueron valorados únicamente en función de ciertas producciones estéticas de su cultura que, desde una mirada occidental, resultaban curiosas, llamativas y exóticas. Esta apreciación prejuiciosa y estereotipada tuvo su correlato en el largo y progresivo proceso de negación y olvido generalizado de la participación del indio en la historia patria. Sin embargo, Bernand concluye que esa misma memoria oficial se ha visto impugnada a partir de los procesos de reemergencia identitaria y, en particular, de las acciones llevadas adelante por líderes y organizaciones indígenas para la reivindicación de sus derechos y territorios, tanto en México como en Argentina, a finales del siglo XX y principios del nuevo milenio.

Por lo antedicho, no solamente nos hallamos frente a un insumo bibliográfico básico para el investigador y para el formador de docentes e investigadores, sino también una muy buena obra de divulgación, adecuada e interesante para un público que rebasa el ámbito de los especialistas en temas indígenas. Y es aquí donde reside una de sus principales virtudes: logra brindar al lector lego una imagen clara, precisa y equilibrada de las diversas contingencias que atravesaron las relaciones que los diversos gobiernos establecieron con los indígenas durante la formación del Estado en ambas experiencias nacionales a través de una síntesis elaborada con un lenguaje sencillo y desprovisto de los tecnicismos propios de la jerga académica. Pero otra virtud del libro, quizás menos visible pero ciertamente válida, es que se trata de una obra que saca a la luz significados que son posibles de extraer a través de un minucioso trabajo forjado donde el pasado histórico nos sacude y nos arroja involuntariamente a reflexionar sobre el presente y el futuro de los pueblos originarios en América Latina.

Referencias

HOBSBAWM, Eric. Sobre la Historia. Barcelona, España: Crítica, 1998.

ROJAS, José Luis de. La Etnohistoria de América. Los indígenas, protagonistas de su historia. Buenos Aires, Argentina: Editorial SB, 2008.

SAMUEL, Raphael. Historia popular y teoría socialista. Barcelona, España: Crítica-Grijalbo, 1984.

VIAZZO, Pier Paolo. Introducción a la Antropología Histórica. Lima, Perú: Pontificia Universidad Católica del Perú, 2003.

Horacio Miguel Hernán – Magister Internacional en Ciencias Humanas y Sociales por el Instituto de Desarrollo Humano de la UNESCO, Madrid, España. Docente-Investigador de la Universidad Nacional del Nordeste (UNNE), Resistencia, Argentina. Formador de Formadores en la Dirección de Nivel Superior del Ministerio de Educación de la Provincia de Corrientes, Argentina. Correo electrónico: horazapatajotinsky@hotmail.com.

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Os Indígenas e as justiças no mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI – XIX) – DOMINGUES et al (FH)

DOMINGUES, Ângela; RESENDE, Maria Leônia Chaves de; CARDIM, Pedro (orgs). Os Indígenas e as justiças no mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI – XIX). Lisboa: Atlantica Lisbon Historical Studies. Centro de História da Universidade de Lisboa, CHAM – Centro de Humanidades (NOVA FCSH-UAc) e Programa de Pós-Graduação em História/Universidade Federal de São Joao del-Rei (PPGH-UFSJ), 2019. 364 p. Resenha de: ARAÚJO, Lana Gomes de. Protagonismos indígenas e as justiças no mundo Ibero-Americano. Faces da História, Assis, v.7, n.1, p.486-492, jan./jun., 2020.

Em 2019, sob a organização de Ângela Domingues, Maria Leônia Resende e Pedro Cardim, foi publicado o livro Os Indígenas e as justiças no mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI – XIX) composto por vários artigos de pesquisadores que entendem a sociedade colonial não só como um espaço dinâmico, mas complexo, diverso e criativo, onde o tratamento dado aos indígenas gerava uma pluralidade de respostas e das suas justiças frente à cultura jurídica da sociedade colonial da América espanhola e portuguesa.

Abrindo as discussões, Ailton Krenak denuncia as violências reais e simbólicas sofridas pelo povo Krenak ao longo dos séculos. Foram perseguidos, tiveram suas famílias escorraçadas, massacradas, despejadas, expulsas de suas próprias terras e perambularam por diversas regiões do Brasil. Situação agravada durante o regime militar, quando juntamente com outras etnias foram jogados em um Reformatório, sob a desculpa governamental de que precisavam ser reeducados, enquanto tomavam-lhes as suas terras. Terras que as famílias indígenas nunca desistiram.

Em Os Povos Indígenas, a dominação colonial e as instâncias de Justiça na América portuguesa e espanhola, Pedro Cardim discute os esforços dos próprios indígenas ao longo da história em se afirmarem enquanto grupo étnico. Apontando que o movimento indígena, a produção acadêmica mais recente desenvolvida pelos próprios pesquisadores indígenas, a aproximação da história com outras disciplinas, métodos, conceitos, assim como as técnicas de manuseio de fontes documentais e as influências do conceito de subaltern studies1, têm sido importantes ferramentas para “superação dos silêncios nada inocentes e mostrar a voz e o rosto dos ameríndios”2. (FISCHER, 2009 apud CARDIM, 2019, p.31)  Apesar dos avanços, Pedro Cardim destaca que é preciso estar atento ao “vocabulário da conquista” (CARDIM, 2019, p. 41), referindo-se aos termos comumente encontrados nos documentos coloniais como “índio”, “gentio”, “bárbaro” e outros. Uma vez que estes possuíam efeitos jurídicos diferentes dentro do cenário da América portuguesa e podiam significar manutenção ou perda de direitos, por exemplo.

Em Da ignorância e rusticidade: os indígenas e a inquisição na América portuguesa (séculos XVI-XIX), Maria Leônia Resende traz uma importante abordagem sobre a atuação do Tribunal da Inquisição e como a produção historiográfica sobre tratou o tema, apresentando uma luta ideológica entre as diversas facções religiosas da Europa na Idade Moderna: ora uma visão detratora por sua crueldade, ora pelo certo grau de misericórdia diante aos considerados ataques ao catolicismo.

Todavia a história institucional do dito Tribunal se deu no plural na Europa e nos domínios ultramar, ao ponto de podermos afirmar que houve Inquisições. E, os estudos das denúncias e processos têm mostrado as maneiras que a Inquisição lidou com as expressões das práticas religiosas, costumes e culturas indígenas tendendo, muitas vezes, em uma interpretação jurídica-canônica mais benevolente para as “populações desprotegidas”, fundamentada no uso do conceito “persona miserabilis” e da “ignorância (in)vencível”.

O conceito de persona miserabilis permeia o debate de outros pesquisadores, como o de Jaime Goveia, Maria Regina Celestino de Almeida, Hal Lagfur e de Pedro Cardim. Este último, inclusive, compreende que a classificação de miserabile garantia certa proteção aos indígenas, situando-os numa condição especial frente à Inquisição, aos tribunais ordinários, ou ainda, aos colonos, sustentadas por uma posição evangelizadora mais benevolente. Esse entendimento, de pessoas “miseráveis, ignorantes, pessoas rústicas”, fazia com que acreditasse que os indígenas eram incapazes de dar conta dos seus próprios erros, por não terem consciência plena do “pecado”.

As principais denúncias contra os indígenas fundamentavam-se em questões de feitiçaria, adivinhações, bigamia, blasfêmias, por comerem carne em dias proibidos e até por pequenos roubos, como foi o caso de Anselmo da Costa. Este, um jovem índio de 14 anos, confessou ter roubado pequenos adereços e pedaços de fita do berço do Menino Jesus para confeccionar uma bolsa de mandigas, a fim de se livrar dos perigos de mordidas de cobras e onças. O jovem passou 4 anos no cárcere, mas teve seu processo encerrado quando o Tribunal alegou sua capacidade de discernimento (RESENDE, 2019, p.113).

Em Sem medo de Deus ou das justiças (…), a professora Ângela Domingues analisou os “poderosos do sertão” através dos discursos do capitão-mor e governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado na Capitania do Grão-Pará e como eles estavam alinhados com a política pombalina. De acordo com ela, através da análise desse período administrativo é possível perceber as estratégias, alianças e negociações interétnicas, revelando situações em que os indígenas passaram a ser considerados infratores por não se enquadrarem nos projetos do Estado para a Amazônia e desafiarem a vontade dos poderosos da região.

Em Índios, territorialização e justiça improvisada nas florestas do sudeste do Brasil, Hal Langfur levanta uma interessante questão acerca da implementação da justiça no Brasil colonial imposta em prejuízo aos indígenas. Segundo ele, a legislação colonial mascarou uma realidade jurídica, retirou os índios das suas terras, legitimou o trabalho forçado etc., mas “os indígenas não aceitaram esta perseguição jurídica sem resistência” (HANGFUR, 2019, p.157).

Jaime Gouveia, em Os indígenas nos auditórios eclesiásticos do espaço luso-americano, debate sobre as relações envolvendo os povos indígenas e a justiça episcopal no período colonial, tema que gerou algumas generalizações equivocadas, sobretudo, por não ter existido no caso português um “direito canônico” como existiu na América hispânica.

No Brasil, os auditórios tinham alçada sobre todo o clero secular – excetuando alguns crimes (como os de lesa-majestade e disputas relativas aos bens da Coroa) – e leigos (membros da Capela Real e das ordens militares). E poderes quanto a matéria, ou seja, sobre a natureza dos delitos, abrangendo os pecados públicos, independente dos autores serem leigos ou eclesiásticos. Mas, não tinha competência para julgar as consideradas heresias indígenas.

Porém, com os índices populacionais nos territórios indígenas, as necessidades de evangelização esbarravam na escassez de estruturas necessárias a esse exercício, passando a exigir responsabilidades mais amplas. De todo modo, os processos judiciais contra os réus indígenas decorriam na mesma formalidade de praxe dos não-indígenas, com exceção do privilégio jurisdicional de miserabilidade, que era visto como concessão de uma graça do direito canônico aos indígenas.

No sétimo artigo, Maria Regina Celestino de Almeida apresenta uma nova versão de dois capítulos de seus livros publicados em 2005 e 20093, desenvolvendo uma relevante análise sobre a cultura política indígena e política indigenista no Rio de Janeiro colonial através das disputas jurídicas sobre as terras e a identidade étnica dos índios aldeados entre os séculos XVIII e XIX. Evidenciando o fato de que, para evitarem a perda total de suas terras, os indígenas passaram a assumir nitidamente a identidade de índios aldeados e súditos cristãos, assumindo uma posição de privilégios em relação aos negros e índios escravos (ALMEIDA, 2019, p. 221).

Isso porque, assumindo essa condição, podiam solicitar mercês, ter direito à terra, embora uma terra reduzida. Tinham direito ainda a não se tornarem escravos, embora obrigados ao trabalho compulsório. Por fim, o direito a se tornarem súditos cristãos, embora tivessem de se batizar e abdicarem de suas crenças e costumes. Sendo que as lideranças ainda tinham direito a títulos, cargos, salários e prestígio social, o que dentro de condições limitadas, restritas e opressivas, eram possibilidades de agir para valer o mínimo de direito assegurado por lei.

Como parte das investigações mais recentes, escrito em espanhol, o artigo de Pablo Ibáñez-Bonillo, Procesos de Guerra Justa en la Amazonía portuguesa (siglo XVII), aponta a influência indígena na construção das fronteiras coloniais, partindo da premissa de que a guerra justa é uma ferramenta para se explorar as relações de fronteira. Com isso, a construção de alteridades e a influência das dinâmicas indígenas na história colonial não podem ser vistas como um mecanismo de dominação, mas sim um processo mais amplo de negociação e resistência.

O texto do professor Juan Marchena e da Nayibe Montoya (2019) traz um valioso estudo sobre as justiças indígenas andinas e sua relação com a aprendizagem da cultura escrita. Os autores destacam que as sociedades originárias lutaram e lutam permanentemente pela independência, justiça, dignidade e necessidade de combater a pobreza, não se renderam, não se deixaram comprar, mesmo enquanto eram abatidos e destruídos. Sendo que, com a luta mantida durante os séculos até o presente, por suas terras, cultura e identidade, representam uma luta que deveria ser de todas e todos nós.

Por fim, o artigo de Camilla Macedo alude sobre a propriedade moderna e a alteridade indígena no Brasil entre meados de 1755-1862, partindo da análise da implementação do Diretório dos Índios e suas implicações para as questões de terra e propriedade privada, observando as rupturas e continuidades através das políticas indigenistas na transição da jurisdição eclesiástica para a secular, envolvendo os indígenas, administradores coloniais, religiosos etc.

Com esta obra, os autores dão continuidade ao relevante trabalho que o movimento indígena juntamente com os historiadores e antropólogos vêm desenvolvendo ao longo das últimas décadas. As reflexões contribuem para a percepção de que os homens e mulheres indígenas foram e continuam sendo protagonistas das suas próprias histórias através das suas ações, ressignificações e agenciamentos4 frente aos ditames da Coroa portuguesa.

As pesquisas apresentadas nos permitem refletir acerca dos regimes de memória5, trabalhados e discutidos por João Pacheco de Oliveira (2011), que construíram no Brasil imagens preconcebidas sobre os índios, definindo-os e limitando-os negativamente, condicionando o indígena exclusivamente ao passado colonial e estereótipos como de nomadismo, bravura ou de exuberante beleza extraído da literatura romântica.

Além de ressaltar as questões de estratégias e que interações proporcionadas pelos contatos interétnicos na realidade política colonial eram plurais, como fez a professora Maria Cristina Pompa (2001). E problematizar sobre a circularidade cultural entre os indígenas e os outros agentes coloniais, como fez Gláucia de Souza Freire (2013), ao apontar que os missionários religiosos se prevaleciam de práticas ritualísticas dos indígenas que eram consideradas “feitiçarias”, como o uso da jurema sagrada.

Os diálogos contrariam ainda a historiografia dita oficial que reservava aos indígenas um papel secundário e descarta antigas concepções sobre “índio puro”, “índio aculturado”, “resistência”, “aculturação”, embasados nas tentativas de reduzir a participação dos indígenas a um processo inevitável de extinção e desaparecimento. Sendo que os indígenas estão cada vez mais presentes nas questões políticas, se apropriando e ressignificando sua cultura e lutando pelo reconhecimento de seus direitos constitucionalmente garantidos após muita persistência do próprio movimento indígena.

Notas

1 O conceito de Subaltern Studies trabalhado por Florencia Mallon (1994) foi utilizado para tratar da análise de “baixo para cima” realizada por um grupo de estudiosos sobre a Índia e o colonialismo, mas que forneceu inspiração para historiadores americanicistas. MALLON, Florencia. The Promise and Dilemma of Subaltern Studies: Perspectives from Latin American. History. The American Historical Review: 1491-1515. DOI:10.1086. 1994.

2 FISHER; O’HARA. Introduction Racial Identities and their Interpreters in Colonial Latin America. In: FISCHER, Andrew; O’HARA, Matthew Imperial Subjects. Race and Identity in Colonial Latin America. Durham: Duke University Press. 2009. p. 1-37.

3 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Índios, Missionários e Políticos: Discursos e Atuações Político-Culturais no Rio de Janeiro Oitocentista.” In: SOIHET, Racehel el al (org). Culturas Políticas. Ensaios de História Cultural, História Política e Ensino de História. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, p. 235-255; ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Cultura Política Indígena e Política Indigenista: Reflexões sobre Etnicidade e Classificações Étnicas de Índios e Mestiços no Rio de Janeiro – Séculos XVIII e XIX. In.: AZEVEDO, Cecilia et al (org.) Cultura, Política, Memória e Historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p. 211-228

Referências

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DOMINGUES, Ângela; RESENDE, Maria Leônia Chaves de; CARDIM, Pedro (orgs). Os Indígenas e as justiças no mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI – XIX). Lisboa: Atlantica Lisbon Historical Studies. Centro de História da Universidade de Lisboa, CHAM – Centro de Humanidades (NOVA FCSH-UAc) e Programa de Pós-Graduação em História/Universidade Federal de São Joao del-Rei (PPGH-UFSJ), 2019. 364 p.

FISHER; O’HARA. Introduction Racial Identities and their Interpreters in Colonial Latin America. In: FISCHER, Andrew; O’HARA, Matthew Imperial Subjects. Race and Identity in Colonial Latin America. Durham: Duke University Press. 2009. p. 1-37.

MALLON, Florencia. The Promise and Dilemma of Subaltern Studies: Perspectives from Latin American. History. The American Historical Review: 1491-1515. DOI:10.1086. 1994.

MONTEIRO, John. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

OLIVEIRA, João Pacheco de (org). A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro: Contra Capa. 2011.

POMPA, Maria Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil Colonial. 2001. 455 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 2001.

SOUZA, Glaucia Freire. Das “feitiçarias” que os padres se valem: circularidade cultural entre indígenas Tarairiú e missionários na Paraíba setecentista. 2013. 159 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Campina Grande, PB, 2013.

Lana Gomes Assis Araújo – Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Unifacisa, Campina Grande – PB, licenciada em História pela Universidade Federal de Campina Grande – PB, mestre em História pela Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande – PB, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Recife – PE. Bolsista CAPES. E-mail: lana.araujo@ufpe.br.

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Frontiers of Science: Imperialism and Natural Knowledge in the Gulf South Borderlands, 1500-1850 – STRANG (THT)

STRANG, Cameron B. Frontiers of Science: Imperialism and Natural Knowledge in the Gulf South Borderlands, 1500-1850. Williamsburg, VA: Omohundro Institute of Early American History and Culture and Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2018. 376p. Resenha de: CLUXTON, Hadley Sinclair. The History Teacher, v.52, n.4, p.728-730, ago., 2019.

On the cusp of the nineteenth century, astronomers employed by Spain and the United States set out to survey the boundary between Spanish Florida and the United States as negotiated in the 1795 Treaty of San Lorenzo. Armed with a variety of scientific apparatus and a bevy of enslaved black men, the two imperial parties—both, ironically, headed by men of British descent—began the arduous task of making the astronomical observations that would establish the new line between nations. Each side boasted of their astronomical prowess, and each side denigrated the other’s supposed failures. However, it was not these imperially funded astronomers who ultimately decided the fate of this expedition. By their own admission, the surveyors never could have hacked their way through the dense foliage or persevered through the Mississippi River’s swamplands without the involuntary assistance of the enslaved black men rented out from nearby plantations. Furthermore, the entire expedition came to a screeching halt in 1800, when the armed resistance of Creek and Seminole peoples forced the empires to abandon their boundary survey. This is but one of many fascinating case studies that historian Cameron B. Strang presents on the production of natural knowledge in the Gulf South in Frontiers of Science: Imperialism and Natural Knowledge in the Gulf South Borderlands, 1500-1850.

Taking cues from one of his mentors, the inimitable historian Jorge Cañizares- Esguerra, Strang joyously exhumed from the archives rich and entangled narratives on the production of natural knowledge in the Gulf South borderlands and presented these histories in all their glorious complexity. The positive influence of other mentors can also be seen in Strang’s work: Jan Golinski’s constructivism, James Sidbury’s work on race, and Julia Rodriguez’s histories of science in Latin America. In Frontiers of Science, Strang presents a mosaic of case studies highlighting a diversity of Gulf South borderlands places, voices, and branches of natural knowledge. Incorporating a variety of knowledge practices—including astronomy, cartography, conchology, now-debunked phrenology, botany, and ethnography—these case studies defy the myth that only Anglo-Americans in the original thirteen colonies participated in the production of natural knowledge in America, or that scientific knowledge merely diffused outward from metropole to periphery. Rather, Strang argues that “natural knowledge and imperialism evolved together” (p. 21) and that indigenous peoples; free and enslaved blacks; Europeans from France, Spain, and Britain; Anglo-Americans; and creoles all formed part of a rich, polycentric network of intellectual exchange often characterized by loyalties as malleable as political boundaries.

The case studies in Frontiers of Science could make worthwhile readings for undergraduate or graduate classes in the history of science, intellectual history, U.S. history, Latin American history, indigenous history, or black history, just to name a few. Although Strang regularly emphasizes the interconnectedness between imperialism and the production of knowledge, he also builds a strong case demonstrating the importance of free and enslaved blacks in the history of natural knowledge that could (and should) be included in any classroom, given appropriate professorial curating. Until U.S. imperialism ossified the United States’ control over the region, blacks in the Gulf South participated at nearly every level of natural knowledge production. In addition, Anglo-American plantation owners who generously supported the advancement of science did so with wealth created through the labor of enslaved blacks—blacks who were actively oppressed intellectually as well as physically. To this end, Strang presents evidence that white supremacists in the Gulf South wielded science to actively construct the lie of black intellectual “inferiority” in order to justify slavery. As Strang stated, “the routes that supported slavery and science were often one and the same throughout the greater Caribbean” (p. 178). Students at every age deserve to learn about the historical ways in which Anglo-Americans created and perpetuated the structural inequality that persists to this day.

One challenge with incorporating this book into a pre-existing curriculum is the fact that it defies easy categorization. While the book flows well through a variety of case studies, Strang does not oversimplify his narratives. Furthermore, the histories stretch from 1500 to 1850 and include multiple imperial, indigenous, and African or African-descended groups, which poses serious issues of periodization.

This (much-needed) presentation of the entangled nature of knowledge production creates problems when trying to squash a round story into a square framework.

If a curricular rewrite is not feasible, one suggestion might be to excerpt case studies where they fit into a pre-existing outline. Another suggestion is to change the frameworks within which we study and teach history.

Strang calls for diversity in places and voices, as well as a more inclusive understanding of what constitutes “science.” Apart from a dearth of female perspectives, this book achieves that goal. Frontiers of Science is an intellectual love song to the Gulf South’s forgotten histories of natural knowledge, a quilt of intriguing case studies that relish in their inability to be readily categorized and constrained within our narrow historiographic frameworks. Strang’s book is a solid contribution to a burgeoning field—the history of natural knowledge in the Atlantic World—a field perhaps not in the process of consolidation, but rather in the process of decolonization.

Hadley Sinclair Cluxton – Odyssey School (Asheville, North Carolina).

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Descobrir | Tzvetan Todorov

Tzvetan Todorov foi um filósofo e linguista búlgaro, com formação acadêmica na Universidade de Sofia, Bulgária. Influenciado pelo seu instrutor Roland Barthes, um dos mais respeitados teóricos do estruturalismo (método no qual elementos da cultura humana devem ser entendidos em face de sua relação com um sistema ou estrutura mais abrangente), o pensamento de Todorov direciona-se para a filosofia da linguagem, numa visão estruturalista que a concebe como parte da semiótica (saussuriana).

Todorov foi professor da École Pratique Des Hautes Etudes, da Universidade de Yale, diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris (CNRS) e dirigiu o Centro de Pesquisa sobre as Artes e a Linguagem da mesma cidade. Ele produziu vastas obras na área de pesquisa linguística e teoria literária e que estão hoje traduzidas em vinte e cinco idiomas. Em sua obra: “A conquista da América: A questão do outro”, Tzvetan Todorov analisa a conquista da América sob a questão do outro, a qual ele estabelece como unidade de ação a percepção que os espanhóis têm dos índios nesse contexto de conquista, além de expor suas pesquisas a respeito do conceito de alteridade, existentes na relação de indivíduos pertencentes a grupos sociais diversos, cujo objeto central justifica-se na própria situação do autor, que é imigrante na França, um país onde supostamente a relação entre nacionais e estrangeiros é historicamente marcada por um xenofobismo não declarado. Leia Mais

O nascimento do Brasil e outros ensaios: pacificação, regime tutelar e formação de alteridades | João Pacheco de Oliveira

O presente trabalho trata-se de uma resenha sobre o prefácio da obra O nascimento do Brasil e outros ensaios: pacificação, regime tutelar e formação de alteridades, cujo o autor é João Pacheco de Oliveira, antropólogo e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicada no ano de 2016, segundo Oliveira, o livro reúne textos escritos nos últimos anos para eventos e conferências das quais ele foi convidado por colegas historiadores, explicitando que seu objetivo não é ordená-los de forma cronológica ou de modo casual, e sim atribuirá cada tema/capítulos olhares específicos numa perspectiva etnográfica, levando em conta alguns episódios históricos, a fim de discutir as inúmeras formas de agência e participação indígena na construção da nação brasileira.

É possível perceber como o autor se posiciona no que tange a dicotomia entre a História e a Antropologia, demonstrando que é possível dialogar entre as duas áreas, lembrando que um dos seus objetivos é recolocar as populações indígenas como agentes efetivos, ou seja sujeitos que agem, operam e atuam na construção do Brasil, para isso é necessário ir além dos instrumentos da etnografia, como por exemplo o estudo das relações e ações somente do presente, é preciso olhar o passado, estudá-lo, examiná-lo a partir de outras abordagens, como o próprio autor afirma: “[…] longe de se limitar, assim, de um exercício circunscrito de história indígena, etno-história ou etnologia indígena, os artigos desse livro constituem exercícios de uma antropologia histórica” (p. 08), enfatizando ainda as relações e outras forças que compõem a sociedade. Leia Mais

1499: o Brasil antes de Cabral – LOPES (RMAE)

LOPES, Reinaldo José.  1499: o Brasil antes de Cabral. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017. 246 p. Resenha de: CAVLAC, Carolina Limonge. Uma incursão à pré-história brasileira. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, v.31, p.131-134, 2018. LOPES, Reinaldo José.

Este livro do jornalista Reinaldo José Lopes, publicado em 2017, é uma incursão ao universo pré-histórico da região hoje chamada Brasil. Ele publicou outros livros de divulgação científica: Além de Darwin (2009), Os 11 maiores mistérios do universo (2014), Deus: como Ele nasceu (2015), Luz, ciência e muita ação (2016) e Darwin sem frescura (2019). Lopes é também repórter, colunista e blogueiro do jornal Folha de S.Paulo. É autor do blog Darwin e Deus e youtuber, com o canal “Reinaldo José Lopes – Darwin Deus Tolkien Mozart”. Além de escrever sobre história e pré-história, Lopes tem grande interesse por narrativas de ficção com temas medievais e as influências histórico-culturais que as permeiam.

Nesta obra, Lopes traz informações para um público abrangente, que vai de curiosos não acadêmicos a estudiosos de várias áreas de conhecimento – arqueologia, história, antropologia, sociologia, paleontologia, biologia, geologia, geografia etc. Ele oferece um texto de leitura fluida, com muito bom humor e embasamento científico. Com incursões explicativas, nas seções explicação técnica” aborda assuntos específicos, como datação radiocarbônica, análise genética e isotópica, e deriva linguística, incluindo ainda assuntos mais complexos e que não são o tema central da narrativa, deixando o leitor inteirado do que há por vir.

Na introdução “O passado não é mais como era antigamente”, o autor trata brevemente de alguns dos principais temas abordados no livro: a chegada dos seres humanos nessa região onde é hoje o território brasileiro, as hipóteses sobre essa chegada e as descendências dos povos nativos atuais, a famosa Luzia (nome dado ao fóssil humano mais antigo encontrado na América do Sul, de uma mulher, que foi descoberto numa gruta da Lapa Vermelha/MG), as comunidades criadoras dos sambaquis, o surgimento da agricultura da Amazônia, a chamada “terra preta de índio”, algumas sociedades pré-históricas que se estenderam da Amazônia central até o litoral oceânico e em direção ao Alto Xingu, a complexidade linguística registrada nesse território e uma contextualização do limiar entre a pré-história e a história propriamente dita. O autor trata de uma questão genética, comentando algumas pesquisas que abordam a descendência da população brasileira atual, incluindo a dos povos nativos, mostrando que no Brasil também ocorreu o padrão de colonização humana amplamente difundido no mundo: os homens dos grupos vencidos são mortos ou escravizados, e as mulheres viram concubinas.

[…] Para ser mais exato, entre 20% e 30% dos brasileiros vivos hoje descendem de uma tataravó índia, como mostra o mtDNA (DNA mitocondrial). Enxergar com mais clareza a ascensão e queda de povos e culturas do Brasil pré-histórico abre, portanto, uma janela com vista para o passado familiar remoto de quase todos nós (Lopes 2017: 23).

Finaliza a introdução trazendo uma questão para seus leitores: como o que está sendo descoberto sobre a pré-história do antigo território do Brasil pode ter implicações no modo de vida que temos hoje? No capítulo um, “Quem é você, Luzia?” o autor traça um contexto “pré-histórico” faunístico da cena sul-americana há cerca de 12 mil anos, quando viveu Luzia. Ossadas de muitos exemplares da megafauna extinta encontradas nessa região e em outros locais do Brasil, como as preguiças gigantes (Catonyxcuvieri, Eremotheriumlaurillardi), o dente-de-sabre (Smilodonpopulator), os tatus gigantes, conhecidos como gliptodontes, os toxodontes, parecidos com o hipopótamo, e macrauquênias, parecidas com lhamas de tromba. O autor foi bem feliz na contextualização da megafauna, mas o achei bem diplomático ao tratar da extinção desses grandes mamíferos, mantendo-se longe da discussão atual da ciência: mudanças climáticas versus ação antrópica/caça. Ele comenta também a colonização das Américas por (outros) primatas e roedores, e o intercâmbio faunístico entre as Américas do Norte e do Sul.

Grande parte da discussão sobre Luzia gira em torno da polêmica sobre os traços africanos de seu rosto. Lopes mostra informações de pesquisas genéticas com dados moleculares de outros paleoíndios, de populações pré-históricas nativas com morfologia mongoloide e dos povos nativos atuais, e esmiúça as hipóteses da origem dos paleoíndios e desses traços, que apresentam morfologia autralomelanésia (negra) em contraste com a morfologia mongoloide (traços asiáticos) dos nativos atuais e de nativos pré-históricos mais recentes. Justifica ter mantido a narrativa na região de Lagoa Santa por ter mais informações diretas e dados mais consensuais. Lopes comenta ligeiramente os vestígios dos sítios arqueológicos encontrados no Parque Nacional da Serra da Capivara/PI e a contradição entre as possíveis datações desses sítios, propostas por diferentes pesquisadores.

Porém, a enorme coletânea de sítios que apresentam inscrições rupestres e material lítico atualmente no Brasil me deixa a sensação de que Lopes poderia ter explorado o assunto muito mais.

No capítulo dois, “As conchas e os mortos”, Lopes discute a cultura e os modos de vida dos antigos habitantes do litoral brasileiro, os criadores dos “morros de conchas” conhecidos como sambaquis. Para que serviam? Que tamanho têm? Em quanto tempo esses povos os construíam? De que são feitos? Quão abrangente se tornou essa cultura na costa do Brasil? O autor tenta responder essas e outras perguntas citando pesquisas atuais, que curiosamente se valeram da exploração mineradora irregular dos séculos anteriores, que usou os sambaquis como matéria-prima para a construção civil. Sem querer, essa exploração revelou (juntamente com pesquisas arqueológicas) informações cruciais sobre a cultura e ecologia dos povos dos sambaquis.

O capítulo três, “Revolução agrícola made in Brazil”, funciona como uma coletânea de informações sobre a temática do manejo e cultivo de vegetais nativos da região amazônica.

Trata do surgimento de florestas antropogênicas e das plantas nativas domesticadas, como a mandioca, a pupunha, o abacaxi e o cacau, e traça algumas possíveis rotas de domesticação, como a difusão da mandioca da Amazônia até o Pacífico, e do milho, domesticado na região do México e espalhado pelas Américas.

Os modos de vida dessas sociedades, que passam a ter uma diversidade de alimentos manejados ou cultivados, formam um elo com as informações e hipóteses abordadas sobre a “terra preta de índio” encontrada em muitos locais da Amazônia.

Nos capítulos quatro (“Os filhos da serpente”) e cinco (“No reino das Amazonas”) o autor trata das culturas dos antigos marajoaras, povo que residiu na Ilha de Marajó e dos povos de diversos outros locais na Amazônia, respectivamente. De cerca de 2 mil a.C. aos primeiros séculos da Era Cristã, o autor identifica o crescimento da densidade populacional como indicador para tratar da complexidade social, política e cultural dessas sociedades estabelecidas ao longo do Rio Amazonas. Os antigos marajoaras aproveitavam as condições do ambiente, como a topografia, o clima, o solo e a maré, para criar intervenções em seu ambiente natural, como os Carolina Limonge Cavlac 133 tesos, morros artificiais criados para formarem lagos rasos que armadilhavam uma grande variedade de peixes nas “cheias”. A complexidade das intervenções do ambiente natural e da produção da cerâmica marajoara marcou a cultura e o modo de vida desse povo.

Nos arredores da atual Santarém se estabeleceu o domínio dos Tapajós. Descritos como um povo guerreiro e com uma poderosa chefia ribeirinha, os Tapajós também possuíam ampla diversidade de cultura material, abrangendo artefatos em madeira, algodão e cerâmica, como os muiraquitãs, estatuetas replicadas e bem conhecidas hoje. No atual território do Amapá, a cultura Maracá tem instigado pesquisadores, tanto por conta do sítio com estruturas megalíticas quanto das grutas descobertas com grandes quantidades de urnas funerárias antropomórficas ricas em detalhes. Utilizadas em cerimônias religiosas, tal como os artefatos das culturas Tapajó e Marajoara, essas cerâmicas podem ser indicadores da complexidade econômica e social desses povos.

No Alto Xingu, as estruturas das aldeias pré-históricas descritas eram compostas de enormes áreas circulares, algo em torno de dez vezes maior que as aldeias atuais da mesma região. Elas possuíam áreas com lavouras de milho, mandioca, pequi e outros cultivos, assim como florestas manejadas nas proximidades da região habitada. Os antigos xinguanos dispunham de lagos artificiais e armadilhas nos cursos dos rios.

Pontes, muralhas, grandes fossos e estradas largas e limpas que cortavam as aldeias e as conectavam, também faziam parte da exímia organização estrutural que comportava milhares de moradores. Na região da atual Manaus os pesquisadores identificaram uma grande variedade de tradições de produção cerâmica, pois esses objetos são os mais preservados naquelas condições de clima.

O texto descreve algumas poucas características dos sítios associados à fase Manacapuru, à fase Paredão, à fase Axinim e à fase Guarita. Lopes menciona sítios com estruturas de defesa, como valas, paliçadas e trincheiras, que datam da mesma época em que as aldeias circulares são substituídas por povoados lineares à beira dos rios. Essas mudanças levaram pesquisadores à hipótese da ocorrência de importantes alterações socioculturais. A mais recente incógnita da Amazônia pré-histórica são os geoglifos (estruturas geométricas no solo) encontrados no atual território do Acre e do Amazonas. Essas estruturas foram descobertas recentemente por conta da intensificação do desmatamento na região. Cerca de trezentas estruturas identificadas até agora foram feitas provavelmente em uma época em que o território era muito mais densamente habitado e a floresta era manejada, com forte presença de espécies nativas úteis ao consumo humano.

Apesar de dar grande ênfase à Amazônia e deixar de trazer informações importantes de sítios das áreas abertas, o autor alcança muitas “Amazônias”, como citado neste trecho: “Não existe ‘uma’ Amazônia, mas uma imensa variedade de florestas ditas ‘de terra firme’ e alagadas, áreas de savanas e de campos abertos, matas mais ou menos sujeitas à seca e até uma ou outra região montanhosa” (Lopes 2017: 86).

No capítulo seis, “Tupi or not tupi”, o autor descreve a diversidade linguística dos povos nativos, quão diversa pode ter sido a árvore linguística dessa região no passado e como ela está representada hoje. É estimado que, no contato inicial com os europeus, havia cerca de 1.500 línguas nessa região. Essa diversidade se expressa atualmente em 108 famílias linguísticas sul-americanas (de um total de 420 no mundo). Essa diversidade é inigualável em qualquer outra região do planeta. Os principais grupos linguísticos tratados nesse capítulo são: (1) o Aruak, com aproximadamente sessenta línguas atuais, espalhadas na América Central, Pantanal e Chaco, além da Amazônia; (2) o Tupi, com perto de quarenta línguas, ocupando áreas enormes do Brasil, em especial no litoral e na Amazônia; (3) o Carib, com cerca de trinta línguas, espalhadas pela parte norte da Amazônia, Xingu e algumas ilhas do Caribe; e (4) o Macro-Jê, que soma entre vinte e trinta línguas, que hoje ocupam regiões abertas (o Cerrado) ao sul da Amazônia e áreas de mata de araucária de São Paulo e da Região Sul do Brasil. O autor relata um pouco da cultura e distribuição dos povos falantes dessas línguas, as relações entre eles, com o ambiente e com os europeus. Comportamentos diplomáticos, com relativo pacifismo, habilidades de navegação, boas redes de trocas, alianças matrimoniais intergrupos, generosidade e habilidade de fala se contrapõem a comportamentos de agressividade, com ideologia bélica, rituais antropofágicos, dominação de novos territórios com ciclos intermináveis de vingança. Esses são comportamentos culturais descritos de alguns povos nativos da época da colonização, que representam as extremidades de uma palheta muito diversa e complexa da estrutura cultural dessa grande quantidade de povos.

Por fim, no epílogo, “Por que o Brasil préhistórico foi derrotado”, o autor conta como uma região habitada por cerca de 8 milhões de pessoas não impediu a colonização ou por que essa colonização não ocorreu de outra forma. Entre os maiores culpados desse roteiro, estão as reações biológicas que levaram às epidemias. A falta de contato dos nativos com muitos dos micro-organismos trazidos pelos europeus e seus animais causou devastações populacionais generalizadas nos grupos nativos, muito mais do que a presumível superioridade bélica dos portugueses e espanhóis e o uso da cavalaria.

Também foi marcante a desconexão da comunicação e a (des)organização entre as chefias dos grupos nativos, quando havia chefias, frente à organização estatal dos europeus ao longo do processo. Assim, a dominação e a expansão das áreas conquistadas pelos europeus foram aumentando, como mostra nesse trecho: “muitas das sociedades ameríndias do litoral ficavam cada vez mais desarticuladas diante das epidemias, da conversão religiosa e das exigências de mão de obra dos colonizadores – uma desarticulação demográfica, política e cultural que provavelmente foi sendo transmitida pouco a pouco” (Lopes 2017: 227).

O livro de Lopes aborda a arqueologia do território brasileiro e cumpre muito bem o seu papel de obra de divulgação científica, com a explanação das muitas pesquisas que envolvem o tema. Como não poderia deixar de ser, traz muito mais dúvidas do que certezas, de forma elegante. Apesar de ter deixado de abordar centenas de sítios com inscrições rupestres e com material lítico de que temos registros hoje, a obra contribui muito para a importância da arqueologia dessa parte do mundo, ainda tão pouco explorada. Prova disso é a frase final do livro:

“A pré-história é a chave para entender a importância dessas condições iniciais e para demonstrar – como espero ter demostrado – que o passado profundo do Brasil é tão rico e complexo quanto o do Velho Mundo. Em nome dos que são herdeiros dele, convém não esquecê-lo” (Lopes 2017: 232).

Lopes finaliza assim o livro, mostrando mais uma vez, com excelência, que debruçar o olhar curioso e metódico sobre o passado pode também apontar direções para o futuro.

Referências

Lopes, R.J. 2017. 1499: o Brasil antes de Cabral. Harper Collins, Rio de Janeiro.

Carolina Limonge Cavlac – Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável, no Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de Brasília. E-mail: ina.cavlac@gmail.com.

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Mil 1499: O Brasil Antes de Cabral – LOPES (RA)

LOPES, Reinaldo José. 1499: O Brasil Antes de Cabral. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017. 248p. Resenha de SOUZA, João Carlos Moreno de. Resenha de: SOUZA, João Carlos Moreno. Revista de Arqueologia, v.31, n.1, 2018.

Reinaldo José Lopes é jornalista científico, escreve para a Folha de São Paulo e é autor do blog ‘Darwin e Deus’. A publicação de matérias de temas arqueológicos é muito frequente, e tornam o autor um dos maiores divulgadores do conhecimento arqueológico para o grande público a nível nacional, e ‘1499: O Brasil Antes de Cabral’ é uma prova disso.

O livro se propõe a realizar um apanhado geral da história pré-colonial do território atualmente conhecido como Brasil. O autor, no entanto, pouco escreve sobre as ocupações mais antigas que 14 mil anos atrás ou sobre o povoamento inicial da Américas, provavelmente para evitar ir de frente ao consenso da arqueologia norte-americana, começando a retratar a (pré-) história do Brasil a partir de 13.500 anos antes do presente. É importante notar que as idades mencionadas no livro são idades calibradas e podem dar a impressão de serem equivocadamente mais antigas do que costumamos ver em outras obras não acadêmicas, quando na verdade foram representadas de uma forma mais acurada.

A introdução do da obra realça o fato de que o entendimento que possuímos atualmente sobre o passado da humanidade é nitidamente diferente e muito mais detalhado do que tínhamos há poucos anos atrás e explicita a importância que os estudos sobre o passado humano têm nas sociedades atuais. Os próximos seis capítulos do livro são focados em realizar um apanhado cronológico dos grupos de primeiros habitantes do território brasileiro.

O primeiro capítulo trata sobre os grupos caçadores-coletores da transição Pleistoceno-Holoceno e Holoceno Inicial. Por um lado, o Lopes retrata muito bem aspectos biológicos destas antigas populações. Por outro lado, ignora os aspectos culturais. As únicas (e raras) menções às mais antigas indústrias líticas e representações rupestres brasileiras são todas relacionadas à microrregião de Lagoa Santa, em Minas Gerais, deixando de lado a associações de diferentes conjuntos de cultura material a diferentes grupos humanos.

Já o segundo capítulo é totalmente voltado aos grupos litorâneos, especialmente os Sambaquis. Mais uma vez, o autor se preocupa em retratar a biologia e a idade destes grupos humanos, mas ignora quase que totalmente os aspectos culturais e materiais destas sociedades. Não são retratadas as indústrias de artefatos de pedra e osso, é mencionada apenas brevemente a construção dos sambaquis, os zoólitos e os aspectos simbólicos dos sepultamentos.

Posteriormente, o terceiro capítulo retrata o início do manejo e domesticação das plantas, com foco na Amazônia. O autor descreve bem as principais hipóteses sobre os processos que iniciaram a domesticação das plantas, mas volta a ignorar a cultura material que acompanha esse novo modo de vida nas populações pré-cabralinas.

O quarto e o quinto capítulo também são voltados à “queridinha” da pré-história brasileira: a Amazônia. Ambos os capítulos, mais uma vez, retratam muito bem as discussões teóricas de complexidade social, política e econômica sobre as populações que ali viviam durante o Holoceno Tardio, e desta vez menciona alguns importantes aspectos de cultura material, como as estruturas de montículos e geoglifos, e a cerâmica tupi-guarani e marajoara.

Ainda, Reinaldo José Lopes, no sexto capítulo, trata de descrever a dispersão dos grupos ameríndios em território brasileiro, baseando-se nas famílias linguísticas destes mesmos grupos. Mais uma vez, o autor se prende na Amazônia, tendo como exceção uma menção aos estudos de grupos Jê em Santa Catarina.

Por fim, Lopes encerra o livro com um epílogo, em que discute como a chegada dos colonizadores (invasores) europeus causou diversos problemas para a sobrevivência das populações que vieram a ser referidas como indígenas, e como a relação entre as sociedades indígenas e a sociedade “moderna” poderia ter sido diferente desde o começo.

A obra não é voltada ao público acadêmico, mas a um público muito mais abrangente. O autor escreve de forma pela qual a leitura flui facilmente, evitando o uso de termos técnicos os quais apenas arqueólogos e outros cientistas entendem. No entanto quando o faz, o autor busca explicá-los de uma forma simples, porém acurada, para que o leitor os compreenda. Quando o autor entende que o assunto tratado no livro é muito complexo para a maioria dos leitores, ele se dá ao direito de realizar pausas para “explicações técnicas” e elucida estes mesmos assuntos, tais como datação radiocarbônica, análise genética, análise isotópica e estudos de complexidade social. Apesar de não ser um arqueólogo, Lopes, enquanto jornalista científico, toma o cuidado para respeitar e utilizar termos que evitam a propagação de estereótipos pré-históricos. Um exemplo disso é a aplicação correta do termo “humanos anatomicamente modernos”, ao invés de Homo sapiens, para se referir aos seres humanos atuais em certos momentos.

As principais falhas do autor estão em retratar a pré-história brasileira com um foco quase que limitado aos aspectos biológicos dos primeiros grupos humanos do atual território brasileiro, e no foco quase que limitado à Amazônia ao tratar de grupos menos antigos. Lopes é muito preciso no apanhado que realiza sobre a pré-história, mas esta poderia ser muito mais acurada se ele tivesse descrito os principais conjuntos de materiais (representações rupestres e indústrias de artefatos líticos e cerâmicos) que levaram arqueólogas e arqueólogos a identificar diferenças culturais em todo o território brasileiro. Talvez em uma segunda edição da obra algumas páginas que descrevam resumidamente a diversidade de cultura material pré-histórica brasileira seja possível.

Apesar das falhas em sua obra, Reinaldo José Lopes claramente tem uma noção excelente da importância da arqueologia para as sociedades atuais e é muito feliz em transmitir esta mensagem. O último trecho da obra é a prova disso, sendo uma perfeita resposta à questão da importância dos estudos de arqueologia pré-histórica brasileira: “A pré-história é a chave para entender estas condições iniciais [de contato de indígenas e europeus] e para demonstrar que o passado profundo do Brasil é tão rico e complexo quanto o do Velho Mundo. Em nome dos herdeiros dele, convém não esquecê-lo” (p. 232). Enfim, ‘1499’ é uma obra que definitivamente despertará o interesse de muitas pessoas à pré-história brasileira e convém ser lida por acadêmicos não arqueólogos que buscam ter uma mínima noção no tema.

João Carlos Moreno de Sousa – PPGArq, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Índios cristãos / Almir D. Carvalho Júnior

Há muito que tardava, mas, finalmente, foi publicado, em meados do ano passado, o livro “Índios cristãos: poder, magia e religião na Amazônia colonial”, da autoria do professor Amir Diniz de Carvalho Júnior. De fato, a tese de doutoramento da qual a obra é resultado já havia sido defendida no ano de 2005, na Universidade de Campinas (UNICAMP)1. De certo modo, esta demora surpreende, se levarmos em conta a grande relevância que a pesquisa tem para a Historiografia Indígena e do Indigenismo no Brasil e, de forma mais específica, na Amazônia. Resta a esperar que o formato de livro contribua a tornar o estudo ainda mais conhecido no meio acadêmico!

O autor, professor lotado na Faculdade de História e credenciado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em Manaus, começa a apresentação de seu livro com a observação de que “toda criação é solitária”. Pode-se questionar esta afirmação, visto que Almir Diniz de Carvalho Júnior construiu seu estudo, à toda evidência, enquanto pesquisador bem conectado e inserido em uma rede com outros pesquisadores e pesquisadoras que, como ele, trabalharam e trabalham o protagonismo de indígenas na época colonial. Nesta rede, composta, em grande parte, de historiadores e antropólogos, seu orientador de tese, o já falecido John Manuel Monteiro – à memória do qual o livro é dedicado – ocupa um lugar central, além de Maria Regina Celestino de Almeida, que fez o prefácio, Marta Amoroso, Manuela Carneiro da Cunha, João Pacheco de Oliveira Filho, Ronaldo Vainfas, entre outros e outras. Todos eles e elas são prógonos conhecidos da Nova História Indígena e marcaram, como se percebe ao longo da leitura, as reflexões de Almir Diniz de Carvalho Júnior.

Como já indica o título da obra, os “índios cristãos” estão no cerne da pesquisa do autor. Não se trata, como ele deixa claro logo no início (pp. 21-29), de uma categoria supostamente compacta e genérica de subalternos, atrelados ao projeto de cunho colonial salvacionista. Ao contrário, ele se propõe a analisar sujeitos históricos que, apesar das relações e classificações assimétricas nas quais foram enquadrados, participaram da construção do universo colonial, dentro do qual conseguiram formar e ocupar espaços próprios. A partir desses espaços os índios engendraram, por meio de complexas mediações e negociações, práticas culturais, referências sociossimbólicas e balizas identitárias novas. O autor realça, sobretudo, a dimensão sociossimbólica, como o apontam os termos “poder”, “magia” e “religião”, que, por sinal, constam no subtítulo. Neste sentido, Almir Diniz de Carvalho Júnior consegue conjugar, em termos metodológicos, uma análise criteriosa das múltiplas fontes – que vão de crônicas missionárias a processos inquisitoriais – com o recurso a relevantes investigações antropológicas acerca das cosmologias indígenas.

O livro consiste – como também a tese – em três partes que, por sua vez, estão subdivididas em com um número variável de capítulos. A primeira parte (pp. 39-108) aborda, em dois capítulos, as complexas relações entre os colonizadores portugueses e os povos indígenas no espaço amazônico. No primeiro capítulo, aprofunda-se o processo de implantação e consolidação do projeto colonial e, no segundo, a instalação da rede de missões sob as orientações do padre Antônio Vieira. Em ambos os contextos, os índios não são tratados como meros figurinos, mas agentes centrais. Assim, o autor dá destaque à revolta dos Tupinambá, ocorrida na Capitania do Maranhão, em 1617-1619, logo no início da colonização, como também à reação dos índios da aldeia de Maracanã, lugar estratégico onde se situaram as importantes salinas no litoral do Grão-Pará, à prisão do principal Lopo de Souza, em 1660- 1661. Ambos os eventos apontam os impactos diretos de lideranças indígenas no processo da aplicação das políticas colonizadora e evangelizadora. Embora não tenha sido o objetivo da pesquisa, mas faltou, talvez, abordar também, paralelamente a estes aspectos etnossociais, a questão do espaço em sua dimensão geoétnica e geopolítica. Assim, teria sido interessante trabalhar a Amazônia dos séculos XVII e XVIII enquanto “fronteira”, que, conforme uma definição fornecida por Hal Langfur, seria:

aquela área geográfica remota da sociedade já estabelecida [ou em vias de se estabelecer], mas central para os povos indígenas, onde uma consolidação ainda não foi assegurada e onde ainda paira uma dúvida sobre o desfecho dos encontros culturais multiétnicos2.

A segunda parte (pp. 111-257), mais extensa, pois composta de quatro capítulos, versa tanto sobre os métodos aplicados pelos padres para doutrinar os índios quanto sobre as estratégias usadas pelos últimos ao se reconstituírem como “grupos étnicos autônomos”, incorporando, neste processo, padrões culturais barroco-cristãos. Desta feita, o terceiro capítulo, retoma o tema da centralidade dos grupos Tupinambá no contexto da colonização e evangelização; por sinal, um tópico muito defendido pelo autor. Neste contexto, é oportuno apontar pesquisas mais recentes que tendem a frisar a complexa mobilidade de grupos indígenas de troncos etnolinguísticos não tupi no vale amazônica em torno da chegada dos portugueses. Assim, a tese do pesquisador Pablo Ibáñez Bonillo chama a atenção a “sistemas regionais multiétnicos”, em razão das presenças (no plural) de falantes de idiomas aruaque e caribe, principalmente, no estuário e no curso inferior do rio Amazonas, relativizando, de certa forma, a suposta predominância tupinambá3. O quarto capítulo aprofunda o projeto de “conversão”, levado a cabo, sobretudo, pelos jesuítas, conforme diretrizes exatas e, também, pragmáticas. Neste contexto, o autor lança mão de duas fontes fundamentais acerca da presença e atuação inaciana na Amazônia: a crônica do padre luxemburguês João Felipe Bettendorff, redigido na última década do século XVII, e os tratados do padre português João Daniel, escritos no terceiro quartel do século seguinte. É com base nesta documentação que Almir Diniz de Carvalho Júnior delineia, de forma nítida e envolvente, a peculiaridade das práticas de missionação na colônia setentrional da América portuguesa. A análise teria ficado mais completa com a inclusão da rica correspondência interna dos inacianos, arquivada no Archivum Romanum Societatis Iesu em Roma4. O fato de esta ter sido escrita, em grande parte, em latim dificulta, infelizmente, o acesso de muitos autores às informações nela contidas. Estas fontes são interessantes, pois, em geral, não reproduzem o estilo marcadamente edificante e moralizante das crônicas, tratando de questões polêmicas ou de dificuldades experimentadas com mais franqueza. O quinto capítulo, que constitui, por assim dizer, o miolo da obra, é diretamente dedicado aos “índios cristãos”. Estes são descritos e analisados como sujeitos inseridos no universo colonial do qual são partícipes – mas, salvaguardando seus interesses –, enquanto principais, pilotos e remeiros, artesãos de diferentes ofícios e, também, guerreiros. Atenta-se igualmente aos “meninos” e às “mulheres” indígenas, o que não é de se admirar, pois ambos os grupos recebem destaque nas crônicas pelo fato de seus integrantes terem sido percebidos pelos missionários como mais acessíveis aos objetivos e pretensões de seu projeto salvacionista. Este capítulo demonstra, de forma “plástica”, o que o autor entende por “índios cristãos”, conceito que, com já mencionamos, foi elucidado no início do livro. Neste contexto, merece menção que refere, por diversas vezes, ao termo de “índios coloniais”, formulado, há quarenta e cinco anos, por Karen Spalding em relação à colonização hispânica5. Embora não cite o nome desta historiadora, Almir Diniz de Carvalho Júnior segue, mesmo em outras circunstâncias e com base em outras experiências, a pista lançada por ela. Enfim, o sexto capítulo, que já constitui uma transição para a terceira parte, apresenta os mesmos “índios cristãos” enquanto praticantes de diversos rituais considerados heterodoxos, resultantes do contato entre suas tradições e cosmovisões xamânicas – ou, como detalha o autor, tupinambá – com os dogmas ensinados e as liturgias encenadas no âmbito das missões.

Finalmente, a terceira parte (pp. 261-320) enfoca, em dois capítulos, os índios cristãos e as “heresias” geradas por eles nas suas interações com o universo católico ibero-barroco, tanto em sua dimensão disciplinadora/institucional como inspiradora/vivencial. Neste sentido, o sétimo capítulo familiariza o leitor com a organização e o funcionamento do Tribunal da Inquisição de Lisboa, que atuava na Amazônia desde meados do século XVII mediante um sistema de captação de denúncias6. Para compreender esta instituição e seu agenciamento na colônia, o autor coloca uma tônica especial na elucidação tanto da concepção erudita quanto da mentalidade popular acerca da magia e feitiçaria na cultura portuguesa da época. Faltou, talvez, neste capítulo um maior aprofundamento da percepção desses fenômenos por parte das autoridades locais e dos moradores do Grão-Pará, visto que o universo de crenças e práticas heterodoxas trazido da Europa se reconfigurou, também por iniciativa dos próprios “brancos”, no contato com as religiosidades indígenas. Implicitamente, isso fica evidente no oitavo, e último, capítulo que aborda casos concretos, bem apresentados e analisados, que envolvem “feiticeiros” e, sobretudo, “feiticeiras” indígenas. Comparando a interpretação inquisitorial, tal como ela transparece nas fontes, com as lógicas próprias do universo simbólico xamânico, estabelecidas por pesquisas de cunho antropológico, Almir Diniz de Carvalho Júnior conclui que as heresias eram “formas autônomas de novas práticas culturais”, engendradas não tanto numa postura de resistência, mas, antes, para fornecer sentido ao mundo ao qual foram forçados a inserir-se. Como já antes, na apresentação dos diferentes grupos de índios cristãos, também neste último capítulo, o autor permite, mediante o aprofundamento de diversos casos e personagens de feiticeiros e feiticeiras, mergulhar no universo ameríndio colonial. Com efeito, o emprego de uma linguagem clara e envolvente parece dar vida às índias Sabina, Suzana e Ludovina que, mesmo taxadas como “feiticeiras” ou “bruxas”, circularam amplamente pela sociedade colonial de seu tempo. Neste contexto, convém lembrar que – e a farta documentação inquisitorial o demonstra – os desvios morais e doutrinais dos “brancos” estiveram muito mais na mira dos oficiais da Inquisição do que os dos índios, mamelucos, cafuzos ou negros, mesmo quando esses eram cristãos. Para aprofundar este aspecto, teria sido interessante dialogar com as pesquisas recentes do historiador Yllan de Mattos, cujos trabalhos, aliás, enfocam a atuação inquisitorial na Amazônia colonial7.

Dito tudo isso, fica óbvio o quanto o livro de Almir Diniz de Carvalho Júnior se destaca por dar visibilidade aos indígenas e suas múltiplas (re)ações dentro das conjunturas e conjecturas que marcaram o processo de colonização do Estado do Maranhão e Grão-Pará. Este processo, em muitos aspectos, diferiu das dinâmicas colônias aplicadas na colônia-irmã mais ao sul, o Estado do Brasil, sendo que a evidência da peculiaridade da colônia amazônica, com seu grande contingente de povos indígenas – seja nas missões, seja nos sertões – constitui outro aspecto significativo da obra a ser retido.

Quanto à agência e ao protagonismo dos índios, o autor, ao examiná-los sob um prisma multifacetário, supera a visão binômica que, durante muito tempo, viu o índio, em primeiro lugar, como indivíduo oprimido e vitimado. A (re)leitura criteriosa feita nas entrelinhas das fontes coloniais deixou evidente o quanto os documentos, embora redigidos com um olhar unilateral – pois sempre imbuído do ensejo do respectivo autor de comprovar o suposto sucesso do projeto da colonização ou missionação – falam necessariamente do índio e trazem, assim, à tona suas práticas culturais heterodoxas e suas negociações ambíguas. Em última análise, estas agências “imprevistas” forçaram os missionários a abrir mão de suas pretendias ortodoxias para, num patamar ortoprático, poder se comunicar, mesmo incompletamente, com seus catecúmenos e neófitos indígenas8.

Enfim, vale ressaltar que a pesquisa Almir Diniz de Carvalho Júnior é uma contribuição fundamental para a Historiografia acerca da Amazônia Colonial, que, nos últimos anos, conheceu um crescimento significativo, sobretudo devido à consolidação dos Programas de Pós-Graduação em História em diversas universidades da região. A leitura da obra é, assim, imprescindível não só para aqueles e aquelas que pesquisam, academicamente, as agências indígenas na fase colonial, mas também para todos e todas que procuram entender mais a fundo o devir das populações e culturas tradicionais da Amazônia que, de uma forma ou outra, descendem e/ou emanam dos sujeitos analisados por Almir Diniz de Carvalho Júnior.

Notas

1 O título da tese foi “Índios cristãos: a conversão dos gentios na Amazônia Portuguesa (1653-1769)”. O autor jádivulgou antes, o resultado de sua pesquisa de doutoramento sob forma de artigo científico: CARVALHOJÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos no cotidiano das colônias do Norte (séculos XVII e XVIII). Revista deHistória. São Paulo, 2013, vol. 168, fasc. 1, pp. 69-99.

2 LANGFUR, Hal. The Forbidden Lands: Colonial Identity, Frontier Violence, and the Persistence of Brazil’s Eastern Indians, 1750-1830. Stanford: Stanford University Press, 2006, p. 5. Tradução do inglês pelo autor da resenha.

3 BONILLO, Pablo Ibáñez. La conquista portuguesa del estuario amazónico: identidad, guerra, frontera. Tese de doutorado, História e Estudos Humanísticos: Europa, América, Arte e Línguas, Departamento de Geografia, História e Filosofia, Universidad Pablo de Olavide, Sevilha, 2015, pp. 120-147. Em co-tutela com a University of Saint Andrews, Reino Unido.

4 No Archivum Romanum Societatis Iesu, os documentos referentes à Missão e, a partir de 1727, Vice-Província do Maranhão encontram-se, principalmente, nos códices Bras. 3/II, 9 e 25-28.

5 SPALDING, Karen. The Colonial Indian: Past and Future Research Perspectives. Latin American Research Review. Pittsburgh, 1972, v. 7, n. 1, pp. 47-76.

6 Neste sentido, os “Cadernos do Promotor”, arquivados no Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), em Lisboa, e muito citado Almir Diniz de Carvalho Júnior, são importantes.

7 MATTOS, Yllan de. A última Inquisição: os meios de ação e o funcionamento do Santo Ofício no Grão-Pará pombalino, 1750-1774. Jundiaí: Paco Editorial, 2012; MATTOS, Yllan de & MUNIZ, Pollyanna Mendonça (Orgs.). Inquisição e justiça eclesiástica. Junidaí: Paco Editorial, 2013.

8 Quanto à alteração da ortodoxia em “ortoprática” no processo de missionação, ver GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006, pp. 71-77.

Karl Heinz Arenz – Professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA).


CARVALHO JÚNIOR, Almir Diniz de. Índios cristãos: Poder, magia e religião na Amazônia colonial. Coritiba: Editora CRV, 2017, 355p. Resenha de: ARENZ, Karl Heinz. Canoa do Tempo, Manaus, v.10, n.1, p.216-221, 2018. Acessar publicação original. [IF]

 

Espírito Santo Indígena: Conquista, trabalho, territorialidade e autogoverno dos índios, 1798-1860 | Vânia Maria L. Moreira

Li com muito interesse – e fiquei encantado com o que li – o livro Espírito Santo indígena. Até porque ele nos dá pistas importantes daquilo que chamo da construção imaginária da sociedade capixaba, da sua identidade e do papel relativo de cada etnia neste contexto.

O livro, afirmo, é de leitura indispensável para os que querem compreender melhor a construção histórica da nossa sociedade. Seu nome expressa muito: Espírito Santo Indígena: conquista, trabalho, territorialidade e autogoverno dos índios, 1798-1860. Leia Mais

Temas de História e Cultura Indígena em Sergipe – MONTEIRO; RODRIGUES (PL)

As linhas escritas aqui compõem uma breve resenha do livro Temas de História e Cultura indígena em Sergipe, organizado pelos professores Diogo Francisco Cruz Monteiro e Kléber Rodrigues e publicado em 2016, pela Infographics, Aracaju, Sergipe. A publicação está organizada em três partes, a primeira composta por dois textos, “Ser índio no Brasil contemporâneo: novos rumos para um velho dilema”, da autoria de Clarice Novaes Mota, e “História de grupos indígenas e fontes escritas: o caso de Sergipe”, da autoria de Beatriz Góis Dantas.

A segunda parte da obra também é composta por dois capítulos, “Relação nominal dos índios de Sergipe Del Rey, 1825”, escrito por Luiz Roberto Mott, e “Alienação das terras indígenas em Sergipe no século XIX”, da lavra de Pedro Abelardo de Santana. A terceira parte contém mais dois artigos, “Os desafios pós-demarcatórios da territorialidade Xokó na terra indígena Caiçara / Ilha de São Pedro”, de Avelar Santos Araújo e Guiomar Inez Germani; “As representações sobre os índios no Ensino de História contemporâneo: como a comunidade escolar sergipana observa os indígenas nos livros didáticos”, escrito pelos organizadores, Diogo Francisco Cruz Monteiro e Kléber Rodrigues. Leia Mais

Hacia otra historia de América: nuevas miradas sobre el cambio cultural y las relaciones interétnicas – FEDERICO (RBH)

FEDERICO, Navarrete Linares. Hacia otra historia de América: nuevas miradas sobre el cambio cultural y las relaciones interétnicas. México: Universidad Nacional Autónoma de México (Instituto de Investigaciones Históricas), 2015. 178p. Resenha de: KALIL, Luis Guilherme Assis. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.37, n.75, mai./ago. 2017.

Pensemos em um membro de uma comunidade indígena do centro da Nova Espanha no século XVI. Ele poderia ter identidades culturais e de gênero, praticar determinado ofício, ser cristão e, no campo das identidades étnicas, estar associado a seu “barrio” e comunidade além de ser vassalo da Coroa espanhola. Esse exemplo hipotético analisado por Federico Navarrete Linares revela muitos dos temas abordados em sua obra, associados, principalmente, aos conceitos de alteridade e identidade.

Nos dois ensaios que compõem a obra,2 o professor da UNAM apresenta um amplo panorama das reflexões associadas a esses conceitos dentro da história do continente americano, bem como propõe caminhos de interpretação. Com esse intuito, Navarrete amplia os recortes temporal e geográfico em sua análise, adotando uma perspectiva continental ao longo de mais de cinco séculos, sob o argumento de que, a despeito das especificidades, existiriam muitas convergências entre as trajetórias históricas dos países americanos, como o pertencimento a um “sistema comum” centrado no mundo Atlântico.3 Da mesma forma, todos teriam se organizado após a independência dentro do marco das novas ideias liberais, o que o leva a defender a importância de uma perspectiva compartilhada – mais do que comparada – da história da América.

Em seu primeiro ensaio – “El cambio cultural en las sociedades amerindias: una nueva perspectiva” -, Navarrete analisa os diferentes tipos de relações culturais estabelecidas pelos ameríndios a partir dos primeiros contatos com o Velho Mundo, passando pelas múltiplas formas de resistência, alianças e lutas por direitos. O historiador inicia o texto analisando as formas em que os índios foram concebidos como objetos de conhecimento e dominação e os consequentes projetos de transformação cultural desenvolvidos. Entre os séculos XVI e XVII, a dimensão religiosa teria sido o foco principal de atenção dos europeus acerca das culturas ameríndias. Dessa forma, a transformação cultural dos considerados “bárbaros” e “pagãos” passaria, necessariamente, pela conversão. No século XVIII, com a ascensão das ideias ilustradas e do conceito de civilização, a religião teria perdido espaço para a educação como estratégia de incorporação dos indígenas. Uma nova mudança teria ocorrido a partir da segunda metade do século XIX, com a crescente hegemonia do pensamento científico associada ao evolucionismo biológico e cultural e a ideais positivistas. Nesse período de consolidação dos Estados nacionais, teriam surgido dois modelos de atuação diante da “raça” indígena: as políticas de mestiçagem, adotadas em países como Brasil e México, e de segregação estrita, presentes nos Estados Unidos e na Guatemala.

No século XX, Navarrete identifica o surgimento de outro projeto de interpretação e atuação sobre as culturas ameríndias: a teoria da aculturação, que reforça a pluralidade cultural e teria se institucionalizado mediante políticas que buscavam facilitar a integração final das culturas indígenas menos avançadas à cultura nacional. Nas últimas décadas, outras teorias teriam ganhado força, como as abordagens que destacam a resistência indígena diante dos europeus e as continuidades culturais com o período pré-hispânico, as interpretações multiculturais (associadas a diferentes formas de organização indígena que visam reforçar seu papel como atores políticos) e os projetos baseados em conceitos como o de hibridação e mestiçagem, que negam a existência de identidades ou culturas “puras”.4

Navarrete enfatiza que todas essas propostas não se limitaram ao campo intelectual, estabelecendo estreitas relações com as políticas de dominação e transformação cultural estabelecidas nos últimos cinco séculos. Além disso, seriam marcadas por forte conteúdo moral, baseado em concepções universalistas de verdade e sobre o curso da história. Mas o autor também ressalta que todas elas encontraram entraves e limitações, relacionados às divergências existentes entre os missionários, funcionários da Coroa ou dos Estados independentes e às formas de resistência, adaptação e criação por parte dos ameríndios.

Ao final, o autor substitui o caráter descritivo e analítico por uma abordagem propositiva, visando apresentar “un marco alternativo de comprensión de las transformaciones culturales de las sociedades amerindias” (p.15). Com base no conceito de rizoma proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari, Navarrete propõe uma abordagem das trocas culturais que prescinde de premissas como a unidade das culturas e a existência de fronteiras claras entre elas, além de colocar em xeque a ideia de que a “entrada de elementos exógenos debe provocar necesariamente una transformación en el conjunto de la cultura de un grupo y, sobre todo, en sus identidades culturales y étnicas y que el valor identitario de los rasgos externos está determinado por su origen” (p.47). Adotando essa perspectiva, o autor problematiza visões que abordam a conversão ao cristianismo ou a adoção do idioma espanhol como rupturas irreversíveis, apontando o conceito de etnogênese5 como importante ferramenta de interpretação para ressaltar a capacidade de invenção, renovação e redefinição cultural e étnica por parte dos indígenas, bem como superar perspectivas que veem as trocas culturais como um “jogo de soma zero”, onde a adoção de um elemento cultural ou identitário externo significaria necessariamente a perda de outro elemento indígena, gerando uma dissolução de sua identidade étnica (p.81-82).

No segundo ensaio, “Estados-nación y grupos étnicos en la América independiente, una historia compartida”, Navarrete concentra suas atenções no período pós-independência com base nas questões que envolvem a construção de identidades dentro dos Estados nacionais. Com a proposta de ressaltar que as definições das diferenças entre grupos humanos são produto de circunstâncias históricas e sociais de cada sociedade (não o reflexo de uma realidade biológica, racial ou cultural), o autor apresenta um panorama da dinâmica dos “regimes das relações interétnicas”, ressaltando os aspectos comuns a todo o continente bem como algumas especificidades nacionais.

O primeiro regime abordado é o “estamentário”, presente em países que conservaram durante parte de sua história independente a categorização étnica e a exploração do trabalho forçado, como a escravidão africana nos Estados Unidos e no Brasil e a tributação de indígenas bolivianos, peruanos e guatemaltecos. Em seguida, viriam os “regimes liberais discriminatórios”, implantados em quase todo o continente durante o século XIX e caracterizados por assumir a concepção liberal de cidadania universal e igualitária ao mesmo tempo que excluía amplos setores da população, formando o que Navarrete denomina como uma “cidadania étnica”. Os regimes “integradores” teriam surgido no século XX em países como México, Argentina e Brasil com uma perspectiva da nação como unidade racial, muitas vezes baseada na mestiçagem. Por fim, o historiador analisa os “regimes multiculturais”, surgidos na América do Norte a partir da década de 1960 e que teriam se espalhado pelo continente com a premissa da nação como um conjunto de grupos distintos cujos direitos deveriam ser reconhecidos e protegidos. Para o autor, esse novo modelo mantém e institucionaliza as diferenças entre uma maioria hegemônica e as minorias definidas como diferentes, além de conceber as identidades culturais e étnicas dos grupos minoritários como uma realidade quase inamovível.

Em ambos os ensaios, podemos observar que Navarrete se preocupa em ressaltar o caráter fluido, múltiplo e histórico das culturas e identidades, em de­trimento das abordagens que as imobilizam e essencializam. Outro aspecto comum é a busca por definir e sistematizar conceitos, projetos de transformação cultural e regimes de relações interétnicas tendo como premissa um recorte continental (ainda que dedique atenção às especificidades nacionais). Dessa forma, o autor aproxima a proibição do consumo de chicha na Colômbia, a perseguição à capoeira no Brasil e as leis Jim Crow nos Estados Unidos como práticas discriminatórias associadas a regimes liberais (p.134-135). Como apontado por Berenice Alcántar Rojas na introdução do livro, essa característica se revela como uma das principais virtudes, mas, simultaneamente, uma limitação da obra (p.12). Nesse mesmo sentido, a identificação de grandes movimentos, projetos ou regimes ao longo dos séculos sugere uma linearidade combatida pelo próprio autor.

Contudo, ao final, esta obra se apresenta como importante contribuição que aprofunda conceitos e questões fundamentais não só às pesquisas acerca da História das Américas, mas também a debates que ocupam espaços centrais na política e na cultura brasileira e de outros países americanos, como as políticas de ações afirmativas e as demarcações de terras para grupos indígenas e comunidade quilombolas, que ganham novos contornos quando analisadas sob uma abordagem continental.

Notas

2 Disponível gratuitamente em: http://www.historicas.unam.mx/publicaciones/catalogo/ficha?id=633.

3 Navarrete faz referência nesse trecho à abordagem de “sistema-mundo” trabalhada por Immanuel Wallerstein, apontando seu caráter “eurocêntrico”, que impediria maior compreensão das complexidades dos espaços “periféricos” (p.70 e 101).

4 O autor identifica duas vertentes associadas a essa perspectiva. A seguida por autores como Serge Gruzinski e Néstor García Canclini, em que a expansão ocidental é vista como marco do início do processo de hibridização e mestiçagem; e outra, apontada por Navarrete como mais interessante, a qual assume que as culturas têm sido híbridas e mestiças desde sempre (p.37-38).

5 Navarrete remete a origem desse conceito à antropologia russa e afirma que estudiosos como Cynthia Radding e Jonathan Hill o utilizaram para analisar o continente americano: “Aunque estos autores lo utilizan exclusivamente para explicar la adaptación de pueblos indígenas a la dominación europea, me parece que puede ser empleado de manera más amplia para todos los procesos de conformación de identidades étnicas” (p.97).

Luis Guilherme Assis Kalil – 1 Professor adjunto A-1 de História da América Colonial e América Independente no século XIX da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ-IM). Doutor em História cultural pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ-IM). Nova Iguaçu, RJ, Brasil. E-mail: lgkalil@yahoo.com.br.

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Os fuzis e as flechas: história de sangue e resistência indígena na ditadura – VALENTE (RBH)

VALENTE, Rubens. Os fuzis e as flechas: história de sangue e resistência indígena na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 518p. Resenha de: ASCENSO, João Gabriel. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.37, n.75, mai./ago. 2017.

Os fuzis e as flechas: história de sangue e resistência indígena na ditadura é um trabalho verdadeiramente monumental, publicado em edição impecável pela Companhia das Letras como segundo livro da coleção Arquivos da Repressão no Brasil. Ao longo de 398 páginas de texto e mais de cem de notas, referências e imagens, Rubens Valente monta uma série de painéis que reconstroem paisagens, cenários, trajetórias individuais e eventos que marcaram a atuação de diversas personalidades envolvidas na chamada “questão indígena”, entre os anos 1960 e o início da década de 1980. A pesquisa, que contou com um ano de entrevistas e 14 mil quilômetros atravessados entre dez estados do país, incluindo dez aldeias, é tributária da própria trajetória de Valente, que, desde os anos 1990, realizou diversas reportagens em terras indígenas e, a partir de 2010, escreve para a sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo.

Os fuzis e as flechas é, portanto, um texto jornalístico. Seu tom biográfico é fruto do uso de um amplo leque de fontes orais cruzadas com material escrito, como entrevistas de época, relatórios e comunicações oficiais sobre casos ou indivíduos específicos. Trata-se de documentos muitas vezes sigilosos e que apenas puderam vir à tona depois do fim da ditadura – relativos, por exemplo, ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Ministério do Interior e à Assessoria de Segurança e Informação (ASI) instalada na Funai como braço do Serviço Nacional de Informação (SNI). A própria relação desses documentos, ao fim do livro, constitui referência de riquíssimo material para pesquisadores que resolvam dedicar-se ao estudo desse período.

Entretanto, o livro não tem um problema, uma questão central a ser perseguida dentro do amplo eixo temático “indígenas durante a ditadura militar”. Não há uma linha de investigação definida nessas quase quatrocentas páginas – o que resultaria em uma hipótese a ser comprovada. As ações do Estado, dos indígenas, ou dos indigenistas indicados carecem de contornos mais nítidos e contextuais. Deve-se destacar, de qualquer forma, que, ainda que isso gere um estranhamento imediato por parte dos historiadores, a construção desses contornos não é objetivo do livro, como obra jornalística que é. De todo modo, uma convicção, elaborada empiricamente com base no amplo material analisado, atravessa toda a obra: o genocídio indígena não foi fruto de mero descaso, irresponsabilidade ou falta de preparo, ele foi consentido pelo Estado.

A apresentação biográfica de alguns personagens destacados puxa um fio que leva a outros personagens, contextos e depoimentos. Ocorre que a passagem de um tema específico para o outro não tem uma direção certa: há um eixo mais ou menos cronológico a partir do qual assuntos e eventos se aglutinam, sem que sua escolha seja clara ao leitor. Para que possamos nos movimentar por um conjunto tão pouco coeso de informações, entretanto, contamos com um excelente índice remissivo, que nos socorre muitas vezes. O livro se inicia quando somos apresentados à figura do sertanista do SPI Antonio Cotrim, a partir de quem se desenha o primeiro quadro de uma tônica que se fará presente ao longo de todo o livro: o massacre de índios (neste caso, os Kararaô, do Pará) como resultado do despreparo das chamadas “frentes de atração”, que acabavam levando doenças para as terras nativas.

Daí, passamos pelo tema das remoções forçadas (como a dos Xavante do Mato Grosso) e pelas denúncias de violações de direitos humanos de grupos indígenas contidas no chamado Relatório Figueiredo. Passamos, ainda, pela atuação dúbia das missões religiosas junto aos indígenas: há evidência de uma mentalidade integracionista que desprezava as culturas nativas, ao mesmo tempo que os próprios missionários aparecem, algumas vezes, como defensores da integridade física desses povos. A ação de missionários religiosos num sentido oposto ao da assimilação também é discutida, particularmente a partir da formação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que, dentro da perspectiva da Teologia da Libertação, articulou as chamadas “assembleias indígenas”, mobilizando diferentes lideranças de todo o país e viabilizando a resistência desses grupos à ditadura.

A mentalidade integracionista do Estado e sua truculência são ainda apresentados pela criação da famigerada Guarda Rural Indígena (Grin) e pelo plano do ministro do Interior Maurício Rangel Reis de “emancipar” os índios, retirando-lhes o direito à terra. Além disso, discute-se o projeto de grandes obras de integração nacional, como a Transamazônica e diversas outras rodovias, que tiveram consequências fatais sobre os Parakanã, Asurini e Waimiri-Atroari, por exemplo, bem como a evidência do favorecimento, por parte do Estado, de grupos de mineradores, fazendeiros e empreiteiras com interesses em terras indígenas.

Em meio a isso tudo, um grande acerto de Valente é mostrar que a conivência de instituições como o SPI e a Funai com a ofensiva da ditadura não significou a concordância dos sertanistas e funcionários, que muitas vezes reagiram de maneira veemente, articulados a antropólogos e membros da sociedade civil e, sobretudo a partir dos anos 1970, com o apoio de boa parte da opinião pública internacional. Além disso, figuras que se tornariam icônicas no indigenismo brasileiro, como os irmãos Villas-Bôas, Francisco Meireles e seu filho José Apoena Meireles, e mesmo Darcy Ribeiro, são representados com a complexidade de figuras humanas. Ainda que nem sempre o autor consiga escapar de certa heroicização, aspectos controversos desses homens são destacados, como o relacionamento claramente abusivo de alguns dos Villas-Bôas com mulheres indígenas, a opinião dos Meireles de que o indígena fatalmente seria integrado à sociedade nacional, ou a recusa de Darcy Ribeiro em reconhecer a existência do povo Ofayé, dando argumentos aos fazendeiros que pretendiam tomar as terras desse grupo. Tanto por parte dos Villas-Bôas quanto dos Meireles, a crítica interna à Funai se alternava com uma defesa da instituição, em momentos nos quais graves denúncias pareciam caminhar para escândalos – levando-os até mesmo a posicionamentos contrários ao Cimi.

Na segunda metade do livro, tomam vulto algumas lideranças indígenas que se tornariam referência da luta dos anos 1970 e 1980. A trajetória do guarani Marçal de Souza (cuja foto serve de capa ao livro) ganha muito destaque: seu engajamento político, seguido de deportação interna, sua fala de denúncia junto ao papa João Paulo II e, finalmente, seu assassinato na aldeia Campestre. Outra liderança, o xavante Juruna, também recebe grande atenção: primeiro (e, até hoje, único) deputado federal indígena, com seu gravador em punho, sua trajetória no livro é retratada em todas as suas contradições, que evidenciam a dificuldade de articulação de um indígena em um modo de fazer política que não lhe é, a princípio, próprio. Além disso, instituições como a União das Nações Indígenas (Unid, posteriormente UNI) e o Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), origem do atual Instituto Socioambiental (ISA), são descritas como resultado do processo de mobilização pela causa indígena – ainda que a afirmação de que a UNI “deu errado” seja bastante questionável.

Contudo, outras importantes lideranças, como o cacique Raoni e seu sobrinho Megaron Txucarramãe, Marcos Terena, o kayapó Paulinho Paiakan e o yanomami Davi Kopenawa são mencionados muito brevemente, sem que possamos entender o que levou à escolha de certas lideranças em detrimento de outras. No epílogo do livro, discute-se a rearticulação da Funai após a ditadura, a permanência da visão integracionista da cúpula militar e, chegando aos anos 2010, até mesmo as atuais propostas de emenda à Constituição de 1988, que recuam direitos conquistados. Mas essa Constituição não é analisada, embora seja o primeiro documento do Estado brasileiro a garantir ao indígena o direito de permanecer em sua terra e com a sua cultura, sem a necessidade de uma assimilação, e a articulação em torno da Assembleia Constituinte não é sequer mencionada. Surpreende negativamente a total ausência da figura de Ailton Krenak, que se notabilizou por sua potente fala na Constituinte, e o segundo plano a que são relegados a CPI do Índio, de 1968, e o Estatuto do Índio, de 1973. Mais uma vez, o que fica patente é a falta de clareza quanto às opções do autor a respeito de quais temas priorizar.

Toda obra tem lacunas, e uma com o porte e a ambição de Os fuzis e as flechas não poderia ser exceção. Se essas lacunas saltam aos olhos dos historiadores, de forma alguma desmerecem o esforço tremendo de Valente em reunir um corpo documental volumosíssimo e apresentá-lo em um texto muito bem escrito. Ao fim, em meio aos retrocessos de nossa década em relação aos direitos indígenas, o autor encontra espaço para a esperança, destacando os altos índices de natalidade dos povos indígenas e a resistência de suas culturas. Tanto em aldeias quanto nas cidades, muitos indígenas afirmaram que “preferem viver entre os seus, a despeito do preconceito, da marginalização e da incompreensão geral”, o que nos leva a perceber “um tipo de vitória, entre tantas derrotas”.

João Gabriel Ascenso – Doutorando em História Social da Cultura, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: jgascenso@gmail.com.

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O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades – OLIVEIRA FILHO (BMPEG-CH)

OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016. 384p. Resenha de: ROSA, Marlise. O nascimento do Brasil: releituras a partir da antropologia histórica. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.12, n.2, mai./ago. 2017.

O livro “O nascimento do Brasil e outros ensaios: ‘pacificação’, regime tutelar e formação de alteridades”, organizado pelo antropólogo João Pacheco de Oliveira Filho, reúne artigos de sua autoria, escritos em diferentes momentos de sua carreira. Professor-titular de Etnologia no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ), com mais de quatro décadas de experiência em pesquisas sobre povos indígenas da Amazônia e do Nordeste, nos últimos anos vem desenvolvendo estudos relacionados à antropologia do colonialismo e à antropologia histórica, concentrando-se, principalmente, no processo de formação nacional, na historiografia, em museus e em coleções etnográficas. Nesta obra, resultado destas reflexões, o autor nos apresenta, além de um denso prefácio, outros nove textos, nos quais busca “[…] reexaminar criticamente as interpretações atribuídas à presença indígena, explicitando as múltiplas formas de agência e participação que as populações autóctones tiveram na construção da nação” (p. 7). Por meio deste exercício, João Pacheco de Oliveira Filho chama a atenção para a inexistência de uma história indígena singular e contínua, demonstrando haver uma multiplicidade de histórias, com experiências e temporalidades diversas.

A reflexão introdutória, de certo modo, consiste em um capítulo à parte, no qual o autor não somente problematiza as formas de incorporação dos índios à história e a participação deles à formação do Brasil, mas também critica o próprio fazer antropológico, que negligenciou os modos pelos quais, mesmo em um contexto de dominação, os indígenas resistiram, organizaram-se e continuaram a atualizar sua cultura. Afirma, portanto, que houve uma anistia aos aspectos violentos da colonização por parte de intelectuais não indígenas, ao fazerem do relativismo a ferramenta única de seu horizonte ideológico e inviabilizarem a elaboração de etnografias sobre a tutela. Fala, ainda, sobre os múltiplos regimes de memória e a necessidade de entender a presença indígena em cada um dos contextos históricos em que tais representações foram formuladas. Nestes regimes, os indígenas são relatados como portadores de características variáveis, que podem, inclusive, ser antagônicas em contextos diferentes e sucessivos, pois cada fala corresponde a um regime específico. Por isso, o pesquisador não pode se fixar em apenas um deles, devendo também se beneficiar de pesquisas antropológicas e históricas contemporâneas.

No primeiro capítulo – “O nascimento do Brasil: revisão de um paradigma etnográfico” –, como o título sugere, o autor propõe uma revisão do paradigma historiográfico utilizado, a fim de compreender a presença indígena no Brasil atual, que, segundo ele, é baseado em categorias coloniais e em imagens reificadoras, sem utilidade à pesquisa e ao aumento do protagonismo indígena. Tais narrativas apresentam três grandes equívocos: 1) independentemente do período histórico, de região ou de etnia, os discursos sobre os indígenas passam pela polaridade proteção versus extermínio, legitimando, assim, a tutela; 2) a paz, enquanto objetivo da ação colonial, corresponde a um estado jurídico-administrativo que reflete apenas o ponto de vista dos colonizadores, negligenciando os modos como os indígenas recepcionam e se utilizam destas normas; 3) há o estabelecimento de uma clivagem radical entre índios e não índios, inspirado no modelo religioso de pagão versus cristão, que, diferentemente da questão do negro, não admite misturas, sobreposições ou alternâncias. Estes discursos, portanto, legitimam e naturalizam a ação tutelar, inviabilizando formas de resistência cultural e omitindo situações de incorporação de indígenas a famílias brancas.

Na sequência, com o artigo “As mortes do indígena no Império do Brasil: indianismo, a formação da nacionalidade e seus esquecimentos”, Oliveira Filho constrói uma reflexão sobre narrativas e imagens de indígenas produzidas no século XIX, sobretudo durante o Segundo Reinado, momento no qual os ‘índios bravos’, por representarem empecilho para a expansão colonial, tornaram-se o centro do regime discursivo. As manifestações artísticas e expressões populares analisadas pelo autor indicam um conjunto de seis eixos geradores de sentido: 1) o nativismo; 2) a nobreza pretérita dos indígenas; 3) a morte gloriosa dos guerreiros; 4) o índio como elemento exterior à fundação do país; 5) a morte como o destino trágico dos indígenas; 6) a morte ‘quase vegetal’ do indígena. Em todas estas narrativas e imagens, a morte como elemento central tem efeitos sociais que implicam o esquecimento da presença indígena na construção da nacionalidade, relegando ao índio um lugar na história anterior ao Brasil.

No capítulo três – “A conquista do Vale Amazônico: fronteira, mercado internacional e modalidade de trabalho compulsório” –, contrapondo-se ao que denomina como “história geral” da borracha na Amazônia, Oliveira Filho propõe que o seringal seja pensado como uma fronteira, “[…] isto é, como um mecanismo de ocupação de novas terras e de sua incorporação, em condição subordinada, dentro de uma economia de mercado” (p. 118). O pesquisador demonstra que, devido às condições favoráveis do mercado internacional da borracha em meados do século passado, o ‘seringal de caboclo’ transformou-se no ‘seringal do apogeu’, instaurando uma nova modalidade de trabalho compulsório e de usos distintos da terra e dos recursos naturais. Diante disso, defende que a história da Amazônia, ao ser escrita a partir da fronteira, contemplaria não somente a heterogeneidade deste processo histórico, mas também a pluralidade de sentidos assumidos pelos agentes que lhe foram contemporâneos.

A ideia de fronteira continua sendo seu objeto de análise no capítulo seguinte – “Narrativas e imagens sobre povos indígenas e Amazônia: uma perspectiva processual da fronteira” –, voltado para a análise das representações sobre as populações indígenas amazônicas e sobre a expansão da fronteira nesta região. Para o autor, a singularidade histórica da Amazônia só pode ser entendida quando são analisadas as diferentes formas de fronteiras que ocorreram no Brasil, com características e temporalidades distintas. Sua reflexão é iniciada com a problematização dos dois modelos de colonização vigentes na América portuguesa – a colônia do Brasil e a do Maranhão e Grão-Pará –, abordando, na sequência, as representações sobre o primeiro encontro nas “costas do litoral atlântico e no interior do vale amazônico” até chegar ao cerne do artigo, apresentando “[…] diferentes temporalidades, narrativas e regimes que singularizam essa trajetória histórica das populações autóctones da Amazônia até o momento atual” (p. 185).

No capítulo cinco, Oliveira Filho muda o foco para os povos indígenas do Nordeste, apresentando o artigo “Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais”, trabalho muito conhecido, escrito em 1997 para o concurso ao cargo de professor-titular do MN-UFRJ. Nele, o autor problematiza a ‘emergência’ de novas identidades étnicas no Nordeste, chamando a atenção para o fato de que, embora este fenômeno seja recente, a população se considera originária – são coletividades indígenas convertidas ao cristianismo e que, hoje, vivem como camponeses, parceiros e assalariados. Sua reflexão perpassa questões referentes à formação do objeto de investigação – os ‘índios do Nordeste’ –, discute conceitos-chave para a análise da etnicidade e, por fim, debate a respeito do americanismo, refletindo sobre as perspectivas para o estudo de populações tidas como culturalmente ‘misturadas’.

O capítulo seguinte – “Mensurando alteridades, estabelecendo direitos: práticas e saberes governamentais na criação de fronteiras étnicas” – consiste na análise, a partir de três aspectos específicos, de materiais quantitativos produzidos sobre os povos indígenas. O primeiro é o aspecto demográfico, apresentado por meio de censos nacionais e outros levantamentos; o segundo é o aspecto econômico, representado por meio de dados sobre terras, recursos naturais e conflitos fundiários; e o terceiro é representado pelas divergências em torno da compreensão da presença indígena nos dias atuais. Conforme o autor, o ato de contar sujeitos e processos sociais traz, implícito, os procedimentos de comparação e de normatização; o primeiro como parte do processo cognitivo e o outro como parte do ordenamento político. O ato de contar, portanto, quando realizado por um sujeito que detém algum tipo de poder ou autoridade sobre aqueles a quem observa, arbitra sobre direitos e, no que toca aos povos indígenas, “atropela as alteridades e engendra os subalternos” (p. 230).

Tais dados, contudo, “[…] sugerem um novo perfil demográfico, em que as unidades societárias e a situação de contato dos índios brasileiros já não mais correspondem às antigas interpretações sobre frágeis microssociedades isoladas na floresta amazônica” (p. 265). Por isso, no capítulo seguinte – “Regime tutelar e globalização: um exercício de sociogênese dos atuais movimentos indígenas no Brasil” –, Oliveira Filho analisa o processo de formação do movimento indígena brasileiro, identificando algumas estratégias, alianças e projetos que compõem o universo político contemporâneo. Sinteticamente, o autor agrupa as estratégias políticas dos indígenas a partir de três rótulos: índios funcionários, lideranças e organizações indígenas. Estas estratégias têm em comum a luta por uma cidadania indígena, construída por meio do território étnico; porém, divergem no que toca ao fortalecimento da sociedade civil e à defesa de interesses corporativos.

No oitavo capítulo – “Sem a tutela, uma nova moldura de nação” –, a reflexão tem como tema os dispositivos jurídicos que tratam das populações indígenas. O autor fala sobre os embates de forças durante o processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, destacando a importância atribuída aos índios, bem como o protagonismo indígena, com presença massiva nas audiências públicas, em subcomissões e no debate diário com os parlamentares. Destaca, ainda, a originalidade da nova Constituição, quando comparada a outros marcos jurídicos voltados à regularização da presença indígena na história do Brasil. Em diálogo com a ciência política e a história, o artigo demonstra que a questão indígena impacta não somente os próprios índios, estendendo-se à estruturação do Estado e ao processo de construção de uma identidade nacional.

Para concluir, Oliveira Filho apresenta o texto “Pacificação e tutela militar na gestão de populações e territórios”, cuja proposta é refletir sobre alguns usos, presentes e passados, da categoria ‘pacificação’. A sua intenção é analisar como esta categoria, por cinco séculos empregada apenas para a população autóctone, foi divulgada e celebrada como intervenção do poder público nas favelas cariocas. Em sua concepção, há uma clara analogia entre as ‘pacificações’ contemporâneas e as coloniais, pois ambas fazem referência à intervenção dos poderes públicos em áreas que antes escapavam ao seu domínio, recuperando “[…] a retórica da missão civilizatória da elite dirigente e dos agentes do Estado” (p. 338). Assim como os índios bravos da época colonial, os moradores das favelas são pensados como uma alteridade totalizadora, situada nos limites da criminalidade, por isso não são tratados como cidadãos comuns, sendo sujeitados a uma tutela de natureza exclusivamente militar e repressiva, implementada por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

A intenção do autor, nesta obra, foi abordar os fenômenos sociais a partir de uma postura etnográfica e dialógica, conjugando o olhar antropológico e a crítica historiográfica. Esse movimento rumo à chamada ‘antropologia histórica’, como ele mesmo destaca, reúne um conjunto de antropólogos, de diferentes países, que convergem no desconforto com relação ao antigo olhar imperial da disciplina e, por isso, propõem novos objetos de investigação e novas abordagens.

A inserção de Oliveira Filho nessa seara não se dá com o intuito de contrapor a história nacional, mas sim de – ao contemplar situações históricas e eventos em que agentes com interesses antagônicos interagem – demonstrar que, conjuntamente, esses sujeitos constroem instituições, significados e estratégias. Em outras palavras, é perceber que os sujeitos imersos nesse encontro colonial estão, apesar das assimetrias do contato, igualmente envolvidos no processo de intercâmbio cultural. Ele chama a atenção, portanto, para a necessidade de revermos, de forma crítica, os modos de construção de uma história nacional e as etnificações produzidas pelo saber colonial.

Por tudo isso, os diferentes eventos, personagens e momentos da história dos indígenas no Brasil analisados nesta obra, bem como as particularidades dos olhares empregados, fazem de “O nascimento do Brasil e outros ensaios” uma leitura fundamental, não somente para os estudiosos do tema, mas também para aqueles que se interessam por uma outra história de nosso país, que reconheça e problematize a dissonância entre os fatos concretos e as grandes interpretações.

Marlise Rosa – Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: marlise.mrosa@gmail.com

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Letra de índios: cultura escrita, comunicação e memória indígena nas Reduções do Paraguai – NEUMANN (RBH)

NEUMANN, Eduardo. Letra de índios: cultura escrita, comunicação e memória indígena nas Reduções do Paraguai. São Bernardo do Campo: Nhanduti, 2015. 240p. Resenha de: FELIPPE, Guilherme Galhegos. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.36, n.73, set./dez. 2016.

Os estudos sobre a experiência missionária vivenciada por indígenas e catequizadores na região da Bacia do Rio da Prata colonial beneficiam-se da profícua produção textual que acompanhou toda a época da empresa missional. A grande quantidade de registros, apesar de marcada pela diversidade e riqueza de informações contidas em relatos, é caracterizada por ser predominantemente uma escrita produzida pelos estrangeiros. A escrita, para os membros da Companhia de Jesus, era prática de obediência às determinações da Ordem – que remontavam às Constituições de Inácio de Loyola – e ratificação da hierarquia que determinava a eficácia da circulação da correspondência e, consequentemente, das informações merecedoras de serem compartilhadas, a fim de estabelecer a união dos seus membros (Arnaut; Ruckstadter, 2002, p.108).

A escrita epistolar jesuítica, essa “laboriosa persistência na missão” (Hansen, 1995, p.99), garantia a contínua construção da retórica da evangelização do selvagem americano por meio do discurso edificante: escrever não era apenas registrar para manter a comunicação; era, também, justificar a conversão. O trabalho catequético, no cotidiano do meio reducional, implicava aos missionários uma aproximação com os indígenas que deveria ir além do ensino diário de bons comportamentos e das genuflexões nas missas. Os membros da Companhia de Jesus destacaram-se dos missionários de outras Ordens pela imersão que realizaram no contato e convívio com os índios reduzidos por meio da linguagem. A conversão, souberam desde o início, só seria uma possibilidade se os obstáculos da língua fossem superados com o desenvolvimento de meios materiais e simbólicos pelos quais os nativos se incorporassem às relações coloniais por seus próprios termos (Montero, 2006, p.41). Em dois movimentos vetoriais aparentemente contraditórios, os jesuítas aprenderam a língua dos índios para depois ensiná-los a escrevê-la (Agnolin, 2007, p.293).

O domínio da escrita foi, pode-se arriscar, o maior legado que os jesuítas deixaram aos Guarani na época das missões platinas. Contudo, isso não quer dizer que houve uma simples transmissão de conhecimento, em que o indígena, receptor passivo, tenha adquirido os manejos de uma tecnologia da qual não dava conta a não ser no âmbito da repetição e da cópia. É o que Eduardo Neumann procura demonstrar em seu livro Letra de Índios: os Guarani não só aprenderam a escrever – em espanhol e em sua língua nativa -, como, também, apropriaram-se dos métodos, técnicas e funcionalidades que a escrita possibilita para adaptarem-na às suas necessidades.

Publicado pela Nhanduti – editora especializada em estudos indígenas -, o livro de Eduardo Neumann apresenta a sua pesquisa realizada no Doutorado em História Social pela UFRJ, defendida em 2005. Em exaustiva pesquisa em arquivos do Brasil, da Argentina, do Paraguai, de Portugal e da Espanha, o autor coletou dados empíricos que lhe forneceram evidências suficientes para compreender “como os guaranis reorganizaram suas atitudes e seus costumes diante das novas demandas e desafios da sociedade colonial” (Neumann, 2015, p.30).

Para isso, o autor desconstruiu duas considerações que por muito tempo foram tomadas como dados irrefutáveis da história das reduções jesuítico-guaranis: que os poucos indígenas que tiveram acesso ao papel e à pena só haviam conseguido exercer a função de copistas, anulando-se, assim, qualquer possibilidade de uma atuação deliberativa por parte dos índios; e, em decorrência disso, que os missionários foram os únicos a produzirem registros que poderiam ser usados como fontes de pesquisa sobre as Missões. A documentação cotejada por Eduardo Neumann comprova não apenas uma intensa e contínua produção textual realizada pelos indígenas durante o período tardio das missões platinas (segunda metade do século XVIII), como, também, uma importante atuação no que competia aos trâmites internos da administração e da burocracia das reduções, principalmente naquilo que cabia às responsabilidades do Cabildo.

A partir disso, o autor ressalta que quase toda a produção escrita pelos indígenas foi produzida, fundamentalmente, por uma elite missioneira composta por membros que ocupavam cargos administrativos. Isto é, o ensino da escrita foi uma atividade restrita àqueles indígenas cuja apreciação, por parte dos missionários, posicionava-os em um grupo seleto, com prestígio e responsabilidades específicas. Escrever possibilitou a essa elite destacar-se dentro das reduções, principalmente para atuar na organização e definições dos expedientes da administração local, mas, também, “adquirindo competências e habilidades que os credenciam como mediadores e protagonistas nesse novo mundo letrado” (Neumann, 2015, p.53).

O acesso à escrita permitiu aos índios a produção de uma variedade de obras, dentre as quais o autor destaca as memórias, as atas administrativas, os vocabulários, as gramáticas e uma importante participação na elaboração de textos devocionais – sem contar os inúmeros bilhetes e cartas, escritos em guarani ou espanhol (algumas vezes, nas duas línguas), que as lideranças indígenas fizeram circular entre si, diminuindo as distâncias entre as reduções e dinamizando a comunicação oficial com as autoridades. Esse intenso trânsito epistolar demonstra “o quanto os guaranis não eram passivos, e como atuavam a partir de dinâmicas emanadas da interação com a sociedade colonial” (Neumann, 2015, p.90).

O livro, dividido em cinco capítulos, inicia apresentando o problema do contato linguístico, em que os jesuítas, que pretendiam fundar as reduções na Bacia do Rio da Prata, buscaram normatizar a língua guarani por meio de uma “redução gramatical” (Neumann, 2015, p.49). Ao definir a escrita como um instrumento a serviço da conversão, os esforços dos missionários voltaram-se para traduzir os signos linguísticos do Guarani a fim de torná-lo o idioma oficial da sociedade missioneira. Como consequência imediata, os índios apropriaram-se da escrita sem, com isso, inferiorizar a importância da oralidade enquanto tradição coletiva. Apesar disso, escrever não foi uma tarefa difundida entre todos os Guarani, restringindo-se apenas à elite que ocupava cargos administrativos nas reduções.

Assim, o Cabildo é descrito como espaço de atuação dos índios que possuíam a habilidade da escrita. A instrução escolar era oferecida a um seleto grupo de meninos e homens nos quais os jesuítas depositavam a expectativa de virem a ser colaboradores no funcionamento e bom andamento da redução. Não demorou muito para que os índios alfabetizados passassem a ter autonomia no envio de correspondências e, por isso, revelassem seu engajamento às causas que lhes eram pertinentes. Exemplo disso foi a época da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, e a consequente Guerra Guaranítica. Não só os conflitos armados e as diferenças ideológicas potencializaram a troca de correspondência, como o próprio fato de a aliança entre os jesuítas e as lideranças indígenas ter se enfraquecido em razão das desavenças no que competia à administração das reduções: “a escrita, nesse momento, conferia uma identidade comum no modo de fazer política por parte dos índios rebelados, ao expressarem suas insatisfações com os acontecimentos em curso” (Neumann, 2015, p.125).

Se, por um lado, o uso da escrita esteve reservado a um grupo restrito de índios, por outro, o formato dessa escrita não ficou preso às demandas da burocracia missioneira. Fica evidente que “qualquer novo sistema de escrita constitui-se e é reformulado na dependência de fatores que, além de serem de natureza ‘técnica’ ou ‘científica’, são políticos, ativos ou reativos” (Franchetto, 2008, p.32). Ainda que grande parte dos textos escritos pelos índios fosse de cunho administrativo, os indígenas letrados escreveram memoriais e diários que se tornam fontes para “avaliar os modos pelos quais os índios percebiam os acontecimentos e o seu interesse em estabelecer um registro dos mesmos” (Neumann, 2015, p.144).

Com a expulsão dos jesuítas do território da América espanhola, em 1767, a instalação de uma administração laica nas reduções alterou consideravelmente a forma como a elite indígena passou a se comportar frente à gestão reducional. O novo contexto retirou as reduções e suas lideranças do isolamento político, elevando o grau de relação que os indígenas instruídos passaram a manter com as autoridades coloniais, refletindo-se em um aumento da correspondência trocada – até mesmo em um maior número de cartas bilíngues. Ainda assim, mesmo que a expressão escrita tenha sido fundamental para que as lideranças pudessem deixar registradas as suas opiniões e descontentamentos em relação à nova ordem administrativa, não houve uma disseminação do aprendizado da escrita entre os índios, mantendo-se restrita a uma elite que escrevia entre si, mas assinava por todos.

Referências

AGNOLIN, Adone. Jesuítas e Selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (século XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007. [ Links ]

ARNAUT, Cézar; RUCKSTADTER, Flávio M. Martins. Estrutura e organização das Constituições dos jesuítas (1539-1540). Acta Scientiarum, v.24, n.1, p.103-113, 2002. [ Links ]

FRANCHETTO, Bruna. A guerra dos alfabetos: os povos indígenas na fronteira entre o oral e o escrito. Mana, v.14, n.1, p.31-59, 2008. [ Links ]

HANSEN, João Adolfo. O Nu e a Luz: Cartas Jesuíticas do Brasil. Nóbrega – 1549-1558. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, v.38, p.87-119, 1995. [ Links ]

MONTERO, Paula. Índios e missionários no Brasil: para uma teoria da mediação cultural. In: _______. (Org.) Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006. p.31-66. [ Links ]

Guilherme Galhegos Felippe – Doutor em História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Pós-doutorando, PUC-RS. Professor Colaborador (PNPD/Capes) do Programa de Pós-Graduação em História da PUC-RS.

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Lealdades negociadas: povos indígenas e a expansão dos impérios ibéricos nas regiões centrais da América do Sul (segunda metade do século XVIII) – CARVALHO (RBH)

CARVALHO, Francismar Alex Lopes de. Lealdades negociadas: povos indígenas e a expansão dos impérios ibéricos nas regiões centrais da América do Sul (segunda metade do século XVIII). São Paulo: Alameda, 2014. 596p. Resenha de: MAIA, Lígio de Oliveira. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.36, n.71, jan./abr. 2016.

Índios missioneiros, infieles, “administrados”, “apóstatas”, cabildantes e índios comuns, usados como canoeiros, ferreiros, carpinteiros, “presidiários”, escravos e força militar; aqueles não integrados à política indigenista eram os índios “independentes”, os “bárbaros”: conhecida imagem política e/ou jurídica a justificar ora a guerra ofensiva ora a guerra defensiva. Entre uns e outros e os diferentes sistemas de integração dos povos indígenas em áreas de fronteira em disputa entre Portugal e Castela, nas regiões centrais da América do Sul, os caciques, figuras coloniais que terão novas atribuições com a secularização das missões religiosas a partir da segunda metade do século XVIII, constituíam outras personagens imprescindíveis na formulação das políticas ibéricas. Mas não só. Juntem-se a esse cadeirão cultural nas “raias dos impérios” – como afirma o autor mais de uma vez ao longo da obra – quilombolas, “renegados”, vadios, negros escravos e forros, colonos pobres livres e toda forma arbitrária de identificação de marginalizados, e ter-se-á o elenco da experiência humana daquelas fronteiras setecentistas apresentado em Lealdades negociadas, livro de Francismar Lopes de Carvalho.

Quanto ao cenário, trata-se de espaço fronteiriço entre a capitania de Mato Grosso e as províncias espanholas de Mojos, Chiquitos e Paraguai, no âmbito das indefinições do Tratado de Madri de 1750, impelindo a política de expansão dos impérios ibéricos à promoção de atração de populações indígenas e colonos a partir do princípio da uti possidetis. Nessa perspectiva, missões religiosas, vilas e fortes militares eram planejados e construídos não somente como marcadores de domínio, mas como centros de atração de lealdades em disputa, vassalos de todo tipo que, em maior ou menor grau, tiveram a oportunidade de negociar suas lealdades a um ou ao outro monarca.

Lealdades negociadas deve ser apontada como uma contribuição original a devassar mais uma de nossas “fronteiras” – histórica e historiográfica, vale dizer – pela densa compreensão da configuração espaço-territorial daqueles espaços liminares. Não se trata, contudo, de mera análise comparativa de viés “nacional” bastante conhecida entre nós, historiadores brasileiros, com raras exceções, quando os temas abordados são os limites setentrionais ou meridionais da América portuguesa no âmbito das disputas diplomáticas entre portugueses e outros europeus.2 Caudatário de uma perspectiva mais fluida e dinâmica do conceito de fronteira, em boa medida advinda da historiografia norte-americana, o autor reflete sobre diferentes tipos de instituições coloniais de ambos os impérios, por exemplo, a política indigenista, o recrutamento militar, os sistemas de trabalho e abastecimento, o funcionamento da administração local, a gestão espacial das missões e dos pueblos, as formas típicas de ascensão social etc., naquilo que ele denomina “abordagem relacional da situação de fronteira” (p.35). Graças a esse deslocamento, a política indígena dos “índios submetidos” – por meio de seus caciques nos pueblos e cabildos, no lado de Castela, bem como dos índios principais e câmaras municipais, nas vilas pombalinas -, mas também dos “índios independentes” – ainda não integrados à vassalagem de suas Majestades Católica ou Fidelíssima -, a ação consciente (agency) dessas personagens históricas pode ser mais bem dimensionada em sua extensão mais ampla (p.34).

Quanto a esse último aspecto, basta mencionar que a política indigenista de atração pacífica de povos não integrados dependia da situação política da área em disputa. Contribuição inovadora, ao enfatizar as noções de “fronteira externa” e “fronteira interna” – respectivamente de áreas mais claramente disputadas entre os impérios ibéricos e aquelas já pacificadas -, o autor demonstra que, nessas áreas, governadores ilustrados reformistas e elites locais, em ambos os domínios, tinham pouco ou nenhum interesse na manutenção dessa forma pacífica de aliança com os povos indígenas. Logo, da “fronteira externa à interna, a passagem era também da força do simbólico ao simbolismo da força” (p.183).

Conscientes de que tinham sua lealdade em disputa, os índios Guaykuru, por exemplo, no final do século XVIII, não se fizeram de rogados. Para aceitarem os dispositivos do diretório, no lado português, exigiram de seus interlocutores, autoridades locais, que se lhes fossem dados escravos para iniciarem as plantações de milho e feijão, “porque eles não eram captivos”; quanto à construção das casas na nova vila ou povoação a que seriam transferidos, os mesmos índios diziam “que as madeiras para ellas [casas] eram muito duras, e molestavam os hombros que todos as queriam, mas que lh’as fossem fazer os portugueses”; ainda no âmbito do diretório quanto à promoção dos casamentos mistos, “disseram todos queriam mulher portuguesa; mas com a condição de as não poderem largar até a morte, lhes pareceu inadmissível” (p.311). Esse parecer do comandante Ricardo Franco Serra, em 1803, apontava que a mo- bilidade, a guerra e a aversão dos Guaykuru aos costumes ocidentais eram elementos impeditivos de um aldeamento permanente entre eles.

Altivos, guerreiros equestres e nunca plenamente integrados à vassalagem na forma de quaisquer das políticas indigenistas de ambos os impérios, os índios da família linguística Guaykuru – os Mbayá, na documentação espanhola (p.38, nota 64) – eram exemplos modais quanto às indefinições de fronteira de domínio e de seu próprio efeito na experiência do colonialismo. Da parte dos domínios castelhanos, uma das soluções efetivas foi introduzir 25 famílias Guarani na redução de Belén, em 1760, de modo a garantir o abastecimento agrícola e servir de exemplo a aqueles “índios cavaleiros”, pois sabia-se no Paraguai e nas missões jesuíticas que os Guaykuru “desprezavam o trabalho agrícola” (p.312-313).

Entretanto, nem sempre a política de pacificação precisava culminar numa missão ou redução, pois a integração desses povos numa rede de comércio e mesmo de contrabando não era elemento menos importante em ambas as políticas.

Em Borbón, um dos 27 presídios que existiam no Paraguai no final do século XVIII e um dos dois em que os soldados venciam soldos, por inoperância deliberada da Real Hacienda era bastante comum o uso dos índios como fornecedores de provisões. O mesmo valia para o forte Coimbra, estratégica possessão portuguesa também no vale do rio Paraguai. Assim, a boa relação com os Guaykuru, então “índios amigos”, resultava em fornecimento de gado aos dois lados em disputa; da parte dos índios agricultores Guaná, recebiam porções de milho, mandioca, moranga, batatas, pescado e galinhas. Aos índios eram dados tecidos de algodão, redes e apetrechos de todo tipo, como tesouras, facões, machados etc. (p.435).

Essa dependência dos militares em relação aos índios e aos colonos moradores nas proximidades dos fortes e presídios advinha do precário tipo de “abastecimento das guarnições” (p.457). Aos governadores espanhóis e portugueses, a política de suas monarquias era a mesma: reduzir custos – da Real Hacienda e da Fazenda Real – e impelir seus soldados e oficiais a cuidarem de buscar o próprio sustento (p.471). De maneira mais abrangente, o estabelecimento dos vassalos nos territórios contestados passava pelo uso de dispositivos simbólicos de lealdades e pela transferência de gastos aos colonos (p.486). O autor nos ajuda então a compreender dois outros aspectos a partir dessas dependências: as construções tipicamente militares – fortes e presídios – adquiriram outra função para além da defesa e de postos avançados, pois eram também pontos de atração a colonos e índios não integrados; o segundo as- pecto diz respeito àquilo que o autor denomina “negociação assimétrica de lealdades” (p.30). Ora, mesmo sob condição precária, o serviço militar nunca deixara de ser um mecanismo importante de ascensão social, mesmo nas fímbrias daquela sociedade de Antigo Regime, impelindo quase todas as camadas sociais a, de alguma forma, dela participar. Entretanto, a remuneração real desses serviços tocava de maneira distinta as elites locais e os colonos pobres, homens de cor, mestiços livres e índios: “a Coroa assinalava a certos setores proprietários que não pretendia destruir suas propriedades”, pois, como assinala o autor, o pacto entre as elites locais e o poder central era a própria base da monarquia “de que estavam excluídos os despossuídos” e sobre quem recaía o recrutamento, especialmente aos “vadios” (p.345-346).

Outro ponto dos mais instigantes em Lealdadas negociadas diz respeito à política deliberada – ainda que secreta – de autoridades portuguesas em promover um sistemático circuito de contrabando no império rival. Assim, em 1761, dirigindo-se ao governador do Pará, o secretário de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado referia-se ao “político uso do commercio” desde que feito “cautelozamente com os padres castelhanos”; ao governador do Mato Grosso, a mesma dissimulação barroca – como se refere o autor – ganha maior dimensão diplomática: “por que assim He conveniente ao Serviço de S. Mag.e; conservando esta ideya no mais inviolável segredo” (citado na p.512).

Vale dizer que desse contrabando, um sucesso da parte da política portuguesa, resultou a construção do monumental Forte Príncipe da Beira, iniciada em 1776 e finalizada na década de 1780, garantindo a presença portuguesa no vale do rio Guaporé à custa de ninguém menos que os próprios vassalos da monarquia rival, uma vez que curas, mercadores, missionários, militares e até governadores colaboravam com esse circuito a ligar as regiões de Santa Cruz de la Sierra, Cochabamba e La Plata, drenando de quebra a produção dos povos indígenas das missões de Mojos e Chiquitos. Logo, a política espanhola de monopólio da produção das missões pós-jesuítas – os religiosos foram expulsos em 1761 -, acabou por estimular sobremaneira a fuga de recursos e produtos do fiscalismo da Real Hacienda.

Ao que parece, a lealdade de vassalos tão distantes de seus monarcas, especialmente em áreas de contestação, passava pelo crivo da experiência histórica de seus inúmeros atores: “as lealdades imperiais em nada se assemelhavam a quaisquer sentimentos ‘nacionalistas’; eram antes noções instáveis de pertencimento resultantes de dispositivos materiais e simbólicos do colonialismo” (p.522).

Diante da exiguidade de espaço, nem de longe foram apontados aqui todos os temas e questões relevantes do livro. A presença dos jesuítas e a história militar da capitania de Mato Grosso – “antemural da colônia” e “chave” do domínio português nas bacias do Amazonas e do Paraguai e Paraná, como constava em uma consulta ao conselho ultramarino, em 1748 (p.45) – são histórias ainda a ser sistematizadas; de maneira mais dirigida, o mesmo vale para as duas expedições espanholas, em 1763 e 1766, destinadas a desalojar os portugueses do Mato Grosso, assunto pouco discutido na historiografia brasileira (p.387, 444-445).

Resultado de 6 anos de pesquisa entre doutorado e pós-doutoramento, Lealdades negociadas recebeu o Prêmio Científico da América Latina/ Santander Totta (Portugal), edição 2014, na categoria de melhor Tese em Ciências Sociais. Abrangendo diferentes tipos documentais em arquivos e bibliotecas em Espanha, Portugal, Brasil, Paraguai e Argentina, além de um denso diálogo bibliográfico com a literatura histórica de língua inglesa e espanhola, essa edição parece ressentir-se apenas de traduções para o português das inúmeras citações presentes no livro. A julgar por nossos alunos brasileiros, quase todos monolíngues, esse aspecto da obra não é nada irrelevante.

Referências

FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Anpocs, 1991. [ Links ]

GARCIA, Elisa F. As diversas formas de ser índio: políticas indígenas e políticas indigenistas no extremo sul da América portuguesa. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009. [ Links ]

Notas

2 Nesse sentido, o trabalho do autor soma-se a outras pertinentes exceções. Cf. GARCIA, 2009FARAGE, 1991.

Lígio de Oliveira Maia

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América aborigen: de los primeros pobladores a la invasión europea – MANDRINI (S-RH)

MANDRINI, Raúl. América aborigen: de los primeros pobladores a la invasión europea. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2013. 289 p.  Resenha de: ZAPATA, Horacio Miguel Hernán. Um recorrido por la Historia de la América Precolombiana: uma reseña de homenaje y despedida. SÆCULUM Revista de História, João Pessoa, [34] jan./jun. 2016.

Reseñar un libro nunca es una tarea sencilla, pero siempre resulta apasionante, puesto que uno siente que realizar una lectura atenta, detenida y profunda de la obra con el fin de darla a conocer constituye, pues, un indudable privilegio que sólo puede presentarse en contadas ocasiones. Sí, escribir la reseña de un libro no es una tarea simple. Y en el caso del libro América aborigen. De los primeros pobladores a la invasión europea, resulta ser una tarea aún más difícil y compleja, puesto que nos enfrenta a una obra que fue escrita por un historiador de talla como Raúl Mandrini, uno de los investigadores más conocidos en el medio académico argentino y con una amplia proyección en el mundo latinoamericano y europeo. Habiendo atesorado una prolífica carrera académica docente e investigativa con el correr de los años2, Raúl Mandrini contribuyó – desde el regreso de la democracia en Argentina (1983) – a un giro fundamental en la historiografía de los pueblos indígenas, presentando una visión original y renovada de esos temas y dejando una fuerte impronta en los estudios históricos sobre las poblaciones indígenas y los múltiples contactos que existieron entre el mundo de los nativos y el de los “blancos” o criollos, con claras proyecciones en las producciones posteriores. Son numerosos los investigadores que completaron su formación y dieron los primeros pasos de una carrera de destacada producción académica gracias a su visión y generosa capacidad de reconocer talentos.  Y qué decir de los retos intelectuales frente al producto de uno de esos autores que, debemos confesarlo, concitó nuestra atención y entusiasmo desde temprano, al punto de que somos conscientes de que ha marcado – y sigue haciéndolo – nuestra propia y actual carrera como docente e investigador universitario. Para quienes tuvimos la posibilidad de conocer y conversar con Raúl Mandrini, nos encontramos con uno de esos grandes eruditos en un mundo de sabios del fragmento, sin por ello dejar de ser un especialista de la primera hora, muy riguroso y crítico; pero sobre todo, una excelente persona a nivel humano, un hombre amable, honesto, sensible, abierto y comprometido con una sociedad más democrática y plural. Más aún, cómo confeccionar una reseña cuando la triste noticia de que Raúl Mandrini ha fallecido recientemente – 23-XI-2015 – pareciera dejar sin sentido tal empresa, sugiriendo que la redacción de esas habituales “palabras de despedida” sería, en todo caso, la tarea más correcta y apropiada en este momento.  Frente a esta serie de condicionantes, nos preguntamos ¿cómo no caer en el terreno de un halago meramente formal que nos impidiera expresar nuestras propias opiniones en relación a los aportes del libro y, además, evitar el exceso descriptivo sin dejar de destacar la importancia que el contenido de la obra en cuestión puede ofrecer al lector? Por otro lado, ¿cómo soslayar el enfocarse en aquellos temas que resultan más afines a nuestro interés en desmedro de otros que no son tan atractivos para nosotros? Finalmente, ¿cómo evitar ser aburrido o reiterativo, sobre todo suponiendo que el que tiene el libro entre sus manos – o la posibilidad de acceder a él – lo leerá completamente? En definitiva, ¿de qué modo es posible congeniar la revisión crítica y la enorme responsabilidad del merecido homenaje a una persona cuya impronta se ha transformado en legado? Son estos interrogantes las razones que hacen que escribir una reseña del último libro del profesor, del historiador, de Raúl – como me dijo “tutéame sin problemas” – sea un gesto que (nos) cuesta mucho.   Sin embargo, decidimos construir esta recensión a partir del modo que, quizás, nos hubiera aconsejado seguir, procurando dar cuenta de la cantidad y densidad de los problemas abordados en las casi trescientas páginas que abarca el volumen de América aborigen. De los primeros pobladores a la invasión europea, una obra que ya constituye un referente obligado del mundo académico latinoamericano sin lugar a dudas. A riesgo de que esta última afirmación pueda resultar una fórmula muchas veces repetida, no queremos dejar de usarla por varios motivos. En primer y contenido en el título, puesto que justamente se aboca a recuperar la historia – mal conocida, cuando no expresamente borrada de la memoria histórica – de la vida y la cultura de los diferentes pueblos que ya llevaban habitando varios milenios el continente en los momentos iniciales de la conquista.  Este libro, enmarcado en el emprendimiento más amplio de la colección Biblioteca Básica de Historia del sello editorial Siglo XXI, es un producto de una historia social, esto es, una reconstrucción del pasado prehispánico diferente de aquellos análisis que pueden ofrecer los arqueólogos y antropólogos sociales, quienes por muchos años fueron los que indagaron acerca de estas sociedades dadas las tradiciones disciplinares forjadas al calor de las ideologías decimonónicas. Pero a la vez un tratamiento específico, que procura dejar en claro que la historia no es una verdad fijada de una vez y para siempre, sino que se trata de una construcción intelectual que forjamos desde el presente, producto de los trabajos sucesivos que en conjunto van modificando la comprensión del pasado prehispánico. De esa manera, el autor parte de una noción de que no sólo el futuro es impredecible – por el hecho de que está siendo construido – sino que incluso el ayer nunca es cerrado y definitivo. En concordancia con estas premisas, Raúl Mandrini cuestiona los parámetros sobre los cuales se asentó la historiografía americanista del siglo XIX y gran parte del XX, que mostró a estos colectivos sociales como “pueblos sin historia” o – en algunos casos – de poca antigüedad, homogéneos en términos culturales y raciales, primitivos y estáticos. Amparado en una concepción específica de la historia social, su propuesta contribuye a confirmar la antigüedad de la presencia de estas comunidades, su gran diversidad y heterogeneidad, la complejidad de sus formas de organización económica, social y cultural, sus elaboradas expresiones artísticas y estéticas, sus destrezas y habilidades para adaptarse a un medio a veces hostil, las profundas transformaciones que experimentaron y, en definitiva, el dinamismo de su vida histórica.  En segundo lugar, es una obra de síntesis que trata de delinear una perspectiva general, sistemática y organizada del pasado (o los pasados) de esas poblaciones originarias a partir de una narración atrapante donde su objeto nunca se desdibuja, por lo que su redacción no puede más que concebirse como un esfuerzo por compaginar el ingente volumen de información – producto de los impresionantes avances de la investigación arqueológica y la disponibilidad de un mayor número de testimonios – que conforma el estado actual de nuestro conocimiento sobre los entornos ecológicos y las prácticas socioculturales de aquellas sociedades. Por tanto, su composición deja entrever las virtudes de quien, como Mandrini, domina de modo magistral tanto la profesión docente como el oficio de historiador, permitiéndole ofrecer un texto de lectura sencilla, elocuente y accesible, sin que su apego a la rigurosidad del conocimiento científico signifique sobrecargar la obra con los tecnicismos de la jerga académica, las complejidades del lenguaje científico y el abuso de la cita erudita. Esto no ha impedido que el autor dote varias de sus afirmaciones con cierto tono hipotético o que no refleje las polémicas vigentes y si no las soluciones para las mismas, al menos algunas de las distintas interpretaciones que al día de hoy coexisten y compiten sobre una misma problemática. Y ello no sólo hace más interesante al libro, sino que además lo convierte en el reflejo de um mundo académico en perpetuo debate y construcción.  A lo largo del volumen se traza un cuadro de una historia cercana a veinte milenios, marcada por profundas y complejas dinámicas sociohistóricas, desde los primeros pobladores hasta el surgimiento de las formas económicas y sociopolíticas más complejas, expresadas en las dos grandes construcciones estatales encontradas por los españoles, los imperios azteca e inca. La obra concluye en torno al año siglo XV, momento en que la presencia de los europeos, a través de sus instituciones y prácticas políticas, económicas, sociales y culturales, trastocó definitivamente el mundo social y espiritual aborigen. En lo que atañe al marco espacial es necesario remarcar la flexibilidad y pertinencia de su dilucidación, en la medida en que Mandrini sortea los escollos de las historiografías latinoamericanas nacionalistas que proyectaron los límites geopolíticos y las jurisdicciones contemporáneas – nacionales o provinciales – sobre las realidades que se remontan milenios atrás y plantea que es preciso tener en cuenta que la percepción misma de los medios y paisajes, así como la organización del espacio, de las poblaciones indígenas eran distintas de las nuestras. Con destreza analítica el autor explicita que las experiencias vividas a lo largo de la historia de estas sociedades evidencian la ocupación de una gran heterogeneidad ecológica, en la cual se ven implicados una pluralidad de climas, suelos, ambientes y recursos, logrando así sintetizar tanto los cambios como las continuidades y mostrar que las comunidades humanas no eran receptoras pasivas de ellas, sino que actuaban sobre el medio y lo transformaban.  En vinculación con este conjunto de consideraciones, otro aspecto que diferencia este libro de otros volúmenes dedicados a la historia de la América precolombina es la organización de los contenidos y del relato, la cual en este caso se presenta alejada de los marcos historiográficos comúnmente aceptados, así como de las periodizaciones arqueológicas convencionales, al tiempo que enfatiza el análisis de los grandes procesos sociales que vivieron los pueblos indígenas americanos por sobre la descripción de la cultura material y documentos. Tampoco se arroga la ciclópea tarea de ensayar una historia total, sino que por el contrario se centra en las experiencias más significativas que atravesaron aquellas poblaciones originarias en el curso del tiempo y que permiten comprender de manera vívida y sugerente los significados que una comunidad atribuye a los acontecimientos en los que participa. Así, el libro consta de una introducción, diez capítulos, un epílogo y un acápite con bibliografía comentada, en el que el lector puede encontrar textos de referencia susceptibles de ser consultados ante cualquier duda o intento de profundización de una temática particular o un período específico. De igual modo, la presente edición se encuentra por fortuna profusamente acompañada por mapas, imágenes y fuentes, un aspecto que merece subrayarse precisamente porque en tanto recurso bien empleado, contribuye a hacer entender de mejor manera las explicaciones y reforzar el sentido del texto, haciendo más vivida la historia, pero también posibilita concientizar sobre el significado e importancia de ese patrimonio histórico y cultural.  Luego de la introducción, destinada a plantear sintéticamente algunas cuestiones vinculadas a los desafíos que significa construir una historia social del mundo indígena prehispánico, el primer capítulo ofrece un panorama general de las poblaciones del continente en la etapa inicial de las exploraciones españolas, hacia 1500. Además de reseñar lo que serán las “grandes civilizaciones” de Mesoamérica y los Andes, sobre las que profundizará más adelante, ofrece una breve aproximación a las sociedades de las tierras frías y templadas de América del Norte, el área intermedia y las zonas orientales y meridionales de regiones bajas tropicales y subtropicales de América del Sur. La decisión de comenzar el libro con ese momento encuentra su justificación en una doble premisa: en primer lugar, dejar en claro que América no era un continente vacío ni poco poblado, y que los espacios no ocupados eran aquellos donde las condiciones ambientales eran tan extremas que hacían imposible la vida humana; y en segundo lugar, mostrar la multiplicidad de adaptaciones creadas por las comunidades humanas, la variedad de formas económicas, sociales y políticas, y la diversidad y riqueza de sus manifestaciones culturales. Seguidamente a los procesos generales del poblamiento del continente, Mandrini aborda el carácter de los primeros antiguos cazadores-recolectores que pudieron adaptarse a ambientes desiguales y aprender a explotar una variedad de recursos a lo largo de diversas latitudes, entre cuyas transformaciones más fundamentales para hacerlo aparecen el paso al modo de vida sedentario en aldeas y la domesticación de plantas y animales.  En los siguientes acápites, el autor profundiza en las implicancias que tuvieron el avance de la producción de alimentos, el aumento sostenido de la población, el afianzamiento de las aldeas y la incorporación de la alfarería y la metalurgia para las poblaciones de Mesoamérica y los Andes centrales y meridionales, bases para el ulterior proceso de emergencia de desigualdades sociales, formación de grandes áreas de interacción e integración regional y, más tarde, de unidades sociopolíticas de tamaños variables en dichas macro-regiones. Se estudian las diferentes tradiciones político-culturales que resultaron en ambas áreas de la profundización de las diferencias sociales, la consolidación de las sociedades urbanas y la emergencia de los primeros Estados fuertemente regionalizados, fenómenos que a su vez implicaron la expansión de las economías políticas, el incremento del poder de las elites urbanas al vincularlo con el mundo de las divinidades y el surgimiento de estilos artísticos bien definidos. También se ocupa sobre los procesos de crisis y colapso de las unidades políticas, así como también de las nuevas tendencias a la regionalización que estuvieron acompañadas por el incremento de la violencia, la inestabilidad política, el retroceso en las condiciones medioambientales y el desplazamientos de poblaciones.  En último capítulo Mandrini enfoca su atención en la construcción de las formaciones políticas más extensas y complejas del mundo prehispánico con las que se toparon los españoles, los imperios azteca e inca, que dominaron más de la mitad del territorio mesoamericano y los Andes centrales y meridionales respectivamente. Una especial consideración merece en esta sección el profundo razonamiento explicitado por el autor acerca de que más allá de sus diferencias, las políticas imperialistas de estos Estados compartían un punto en común: recogiendo tradiciones y experiencias anteriores, ambos lograron someter a un abigarrado mosaico de poblaciones cultural, política y lingüísticamente diferentes, exigiéndoles tributos y distintas prestaciones o servicios. El libro se cierra con el epílogo donde se vierten algunas líneas acerca del impacto de la presencia europea sobre las sociedades aborígenes.

Sin demérito de las aportaciones mencionadas hasta el momento – ya que todas evidencian ser fruto tanto de una profunda investigación empírica como de una reflexión teórica sensata –, una cuestión que sorprende es la falta de una mayor atención sobre otras poblaciones amerindias, especialmente aquellas que habitaron en las llanuras y planicies del tercio meridional de América del Sur y las zonas interiores de las grandes cuencas fluviales tropicales del Orinoco, el Amazonas y el Plata, más allá de lo expuesto escuetamente en el capítulo segundo. Desde luego, este hecho no es el resultado de una decisión deliberada de excluir a tales sociedades indígenas, sino que puede obedecer a otra serie de razones. En principio, puede decirse a favor de Mandrini que gran parte de esas poblaciones originarias, en particular las comunidades que en el curso del tiempo vivieron en el actual territorio argentino y sus regiones vecinas, fueron objeto de otro de sus libros de divulgación que publicó en la misma colección y sello editorial3, por lo cual volver a trazar esa historia resultaba ser una elección poco inteligente cuando el campo historiográfico ya cuenta con un excelente volumen que pone el foco sobre los grandes procesos sociales atravesados por esas poblaciones. No obstante, no dejan de brillar por su ausencia algunos capítulos que reflejen la vida de las poblaciones originarias de la región amazónica de la América del Sur, sociedades suficientemente investigadas y documentadas en libros y artículos de revistas editados en las últimas décadas. En vistas de esto, hubiera sido deseable que Mandrini ahondara más en la experiencia de tales comunidades humanas, favoreciendo así a un mejor conocimiento – mucho más claro y explícito – de la antigüedad de su presencia en el entorno selvático, sus destrezas para adaptarse a un medio a veces hostil, su gran diversidad sociopolítica y heterogeneidad cultural y la complejidad de su universo simbólico. Esto permitiría entender los mecanismos concretos que les han posibilitado conservar modalidades de organización sociopolíticas laxas y segmentarias pese a estar en contacto con sociedades mucho más centralizadas, cuestiones tan centrales a la problemática que convoca el libro.  Respecto de esta llamativa ausencia temática en un producto de divulgación elaborado por un especialista como Mandrini, podemos enunciar – al menos – dos razones. En primer lugar, la larga vigencia, dentro del mercado editorial de contenido histórico, de una perspectiva historiográfica localizada casi exclusivamente en las denominadas “altas culturas” de Mesoamérica y Andes, fuente inagotable de orgullo nacionalista para ciertos países – como México, Perú y Bolivia – y objeto de numerosos proyectos de investigación, mientras que las sociedades de áreas culturales consideradas “marginales”, aquellas que usualmente habitaron las periferias de las “grandes civilizaciones”, no han recibido la misma atención por parte de los especialistas ni han sido objeto de una revalorización equivalente en las obras sobre historia indígena precolombina. Y en segundo lugar, el escaso diálogo del medio académico argentino con los estudios arqueológicos y etnohistóricos acerca de las poblaciones amazónicas, llevados a cabo principalmente por antropólogos, historiadores y arqueólogos de Brasil y que tanto han hecho para reconocer el lugar de la Amazonía antigua en la historia americana. Esta particular deuda con la historiografía amazónica constituye una situación que merece ser reevaluada en el futuro, procurando acortar la brecha aún existente entre ámbitos y especialidades, buscando ampliar los contactos personales de los estudiosos y potenciar la formación de redes académicas, propiciando tanto la articulación de proyectos individuales en programas más amplios de investigación interdisciplinaria como la organización de reuniones científicas internacionales que sirvan para socializar y discutir los resultados; todo un conjunto de actividades que permitan reconocer la variedad de formaciones sociales nativas que han coexistido e interactuado, contribuyendo a una comprensión más íntegra de un mundo indígena sumamente complejo, heterogéneo, dinámico y contrastante.  Más allá de estas últimas puntualizaciones críticas, es indudable que este último volumen que nos legó Raúl Mandrini constituye un gran aporte a la historiografía y antropología americanas al ofrecer, a través de una perspectiva original, sintética y rigurosa, una recorrido ágil y, sobre todo, una prosa sencilla y directa, una muy buena obra de divulgación para aquel que desee conocer el pasado de estas sociedades. Un libro como éste se convierte rápidamente – como ha ocurrido con otros materiales del mismo autor pensados con el mismo propósito4 – en un insumo básico y obligatorio para estudiantes, docentes e investigadores. Son éstos tipos de producciones sólidas las que motivan la disposición de continuar explorando novedosos medios para investigar y divulgar una amplia, prolífica y compleja realidad sociocultural que todavía ofrece mucha tela para cortar: las diversas historias de las sociedades originarias del continente americano.

Notas

2 Raúl Mandrini se graduó de Profesor de Historia en la Universidad de Buenos Aires. Se desempeñó como docente en las Universidades Nacionales de Buenos Aires (UBA), Lomas de Zamora (UNLZ), Salta (UNSa), del Centro de la Provincia de Buenos Aires (UNCPBA), Rosario (UNR), y Luján (UNLu). Se inició en la UBA como Ayudante de Trabajos Prácticos en 1965, culminando como Profesor titular en las tres últimas. Por razones políticas permaneció alejado de la vida académica entre 1975 y 1983. Entre enero y marzo de 1989 fue profesor invitado en la Universidad Autónoma de Puebla (México). En la UNCPBA, se desempeñó como Profesor Titular con dedicación exclusiva, cargo obtenido por concurso público en 1985, por segunda vez en 1991, renovado por el Consejo Superior en 1996, y renovado nuevamente por Concurso Público en 2004, teniendo a su cargo las cátedras de Historia General II (Antigua) e Historia de América I (Prehispánica). Renunció por jubilación en abril de 2009. Dictó además, como profesor invitado o visitante, seminarios y cursos especiales de grado y postgrado en universidades argentinas y del exterior (México, Uruguay, Chile, España). Inició su trabajo en investigación como Auxiliar de Investigaciones en el Instituto de Historia Antigua Oriental de la Facultad de Filosofía y Letras de la UBA entre 1965 y 1972. Durante 1985 fue becario del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) de la República Argentina, y adscripto al Instituto de Ciencias Antropológicas de la UBA. Ingresó por concurso al Sistema de Apoyo para Investigadores Universitarios (SAPIU) de CONICET. Desde su fundación en 1986, y hasta su jubilación en 2009, fue investigador titular del Instituto de Estudios Histórico-Sociales de la UNCPBA, institución de la que fue director entre 1992 y 2000. Fue además investigador visitante en el Instituto de Investigaciones Antropológicas de la Universidad Nacional Autónoma de México, el Centro Nacional Patagónico dependiente del CONICET, la Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales y la Universitat de Girona. Desde 2010 y hasta su fallecimiento fue Investigador adscripto, con categoría de Profesor Titular interino (ad-honorem), en el Museo Etnográfico “Juan Bautista Ambrosetti” dependiente de la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. Participó en congresos y jornadas científicas en Argentina y el exterior con presentación de ponencias; dictó seminarios, conferencias y cursillos sobre temas de su especialidad en instituciones públicas y privadas de distintas ciudades de la Argentina (Buenos  Aires, Bahía Blanca, Azul, Tandil, Balcarce, Olavarría, Salta, Jujuy, Río Gallegos, Mar del Plata, Posadas, Trelew, La Plata, Venado Tuerto, Carmen de Patagones, Santa Rosa, Neuquén, Necochea y Puerto Madryn) y del exterior (México, Monterrey, Saltillo, Temuco, Montevideo, Madrid, Barcelona, Gerona, Huelva, Sevilla, Cádiz, Providence, Pittsburgh y Filadelfia).   MANDRINI, Raúl. La Argentina aborigen. De los primeros pobladores a 1910. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2008.

Raúl J. Mandrini publicó Volver al país de los araucanos (en coautoría con Sara Ortelli, Buenos Aires: Sudamericana, 1992), Las fronteras hispanocriollas del mundo indígena latinoamericano en los siglos XVIII y XIX. Un estudio comparativo (compilado junto a Carlos Paz, Tandil: IEHS-UNICEN, 2002), Los indígenas de la Argentina. La visión del “otro” (Buenos Aires: Eudeba, 2004), Vivir entre dos mundos. Las fronteras del sur de la Argentina. Siglos XVIII-XIX (Buenos Aires: Taurus, 2006) y Sociedades en movimiento. Los pueblos indígenas de América Latina en el siglo XIX (compilado junto a Antonio Escobar y Sara Ortelli, Tandil: IEHS-UNICEN, 2007).

Horacio Miguel Hernán Zapata –  Historiador. Doctorando en Humanidades y Artes por la Universidad Nacional de Rosario. Becario del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – CONICET, Argentina. E-Mail: <horazapatajotinsky@hotmail.com>.

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Indios, cautivos y renegados en la frontera. Los blandengues y la fundación de Belén, 1800-1801 | Adriana Dávila e Andrés Azpiroz

El estudio de Dávila y Azpiroz se enfoca en el proceso de la formación social de la frontera del virreinato de Buenos Aires al norte de la banda oriental del Río de la Plata desde un punto de vista renovador.

Para ello realizan una revisión de los aportes teóricos clásicos y más recientes sobre el asunto de la historia de las fronteras en América del norte y en la región platense, ubicando en este marco el tratamiento de las fuentes documentales disponibles para su tema, algunas casi sin precedentes, como aclaran en su introducción. Leia Mais

Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia – JARAMILLO (A-RAA)

JARAMILLO, Pablo. Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2014. 292p. Resenha de: APARICIO, Juan Ricardo. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.22, maio/ago., 2015.

Como alguna vez lo plantearon Veena Das y Deborah Poole (2004), desde sus orígenes la antropología como disciplina ha sido acechada por el lenguaje del Estado asociado a los tropos del orden social, la dominación, la racionalidad, el monopolio y la legitimidad. Sin duda, la influencia de la Ilustración y otras corrientes posteriores y críticas a este mismo proyecto –como lo fue en su momento el romanticismo alemán (Herder)– ha sobredeterminado algunas de las apropiaciones conceptuales clásicas con las cuales en su momento los primeros antropólogos emprendieron el análisis de las “sociedades primitivas” (Bunzl, 1996). Ya sea para utilizar estos tropos heredados a su vez de los tres grandes hombres blancos –Marx. Durkheim y Weber–, o incluso para interesarse en sociedades que luchan en contra de la aparición de la forma de Estado (Pierre Clastres, e.g.), es evidente que la antropología, de formas muy diferentes y variadas –unas más cercanas a las corrientes durkheimianas enfatizando la función ordenadora de la sociedad y otras más cercanas a Marx y Weber enfatizando su dimensión conflictiva, contradictoria y eminentemente política, entre otras–, tomó prestado de los vocabularios estructuralistas y funcionalistas o su combinación para comprender la emergencia, el mantenimiento y reproducción de los órdenes sociales. Incluso, en sus escuelas de Cultura y Personalidad, mejor visibilizadas en los trabajos de Ruth Benedict, siempre se trató de encontrar los patrones y los estándares en la cultura. Pero Edmund Leach (1964: ix), en su prólogo al clásico estudio sobre las aldeas del Sudeste Asiático, ya indicaría una poderosa crítica sobre esta tradición: el uso sobresimplificado (oversimplified) de una serie de nociones asociadas al equilibrio derivadas del uso de las analogías orgánicas para estudiar las estructuras de los sistemas sociales. En términos concretos, indicaría que los sistemas sociales no son una realidad natural y que, a lo sumo, la presencia del equilibrio siempre será ficcional (1964: ix).

En este orden de ideas, y a lo largo de la larga y muy variada historia de lo que algunos llamarían antropología política, quiero pues enfatizar en la muy rica y compleja tradición del pensamiento antropológico, no pocas veces en diálogo con la filosofía política, que ha enfatizado y estudiado las prácticas que deshacen la misma idea del Estado con “E” mayúscula, así como sus fronteras territoriales y conceptuales (Das y Poole, 2004). El clásico estudio de Philip Abrams (1988) sobre el dilema de estudiar al Estado con “E” mayúscula ya anunciaba la dificultad de pensarlo como un objeto aislable y limitado de las otras dimensiones de la vida social. Haciendo una enorme generalización que corre el riesgo de borrar sus singularidades, se trata de una muy amplia variedad de estudios que han pensado al Estado desde las mismas prácticas que lo construyen, performan, reproducen y mantienen en el tiempo. Es así como Akhil Gupta (1995), por ejemplo, estudiaría el Estado desde los márgenes burocráticos de las aldeas y la misma percepción que tienen sus habitantes para terminar reificándolo como una entidad separada de la sociedad civil. En otro trabajo posterior sobre las burocracias, indicaría también la importancia de las redes locales y clientelistas que terminan construyendo al Estado lejos de la racionalidad burocrática weberiana (Gupta 2012). También, Winifred Tate (2007), en su estudio sobre la emergencia tanto del gobierno de los derechos humanos como de los movimientos sociales organizados en torno al mismo, indicaría cómo son los últimos los encargados también de reificar al Estado como una entidad homogénea y totalizadora a la cual se puede culpar y también demandar. La cara dual que tiene el Estado, como aquella entidad que se teme pero también que se desea (“Estado piñata”), fue descrita por Diane Nelson (1999) en el auge de la Guatemala multicultural de los noventa. En definitiva, para esta tradición de estudios etnográficos del estado (con “e” minúscula) –que no he querido intentar delimitar acá sino tan sólo mostrar algunos breves ejemplos–, el estado es analizado a través de las mismas prácticas que lo terminan construyendo y manteniendo en el tiempo. Para concluir con este breve apartado, quizás el cambio más radical de esta mirada desde una etnografía crítica que intenta desnaturalizar tanto el objeto de estudio del “Estado” como sus actualizaciones en el sentido común, lo aclararía Michel-Rolph Trouillot en su clásico artículo sobre el Estado: en una mirada donde la “materialidad del Estado residirá mucho menos en las instituciones que en la reorganización de los procesos y relaciones de poder con el fin de crear nuevos espacios para el despliegue de poder” (2001: 127).

Es pues desde estas coordenadas teóricas y metodológicas de las etnografías críticas del Estado que quiero leer el libro del antropólogo Pablo Jaramillo Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. El autor adelanta su investigación sobre la emergencia e inserción del sujeto indígena wayúu dentro del discurso de la víctima movilizado por las agencias internacionales y el Estado colombiano. Con fineza etnográfica, nos permite entender cuáles son las nuevas condiciones de posibilidad pero también de movilización estratégica de la noción de la víctima articulada tanto a lo indígena como a su particular feminización. Indagando acertadamente sobre la larga historia de alianzas, encuentros y desencuentros y relaciones entre las comunidades indígenas con el Estado y sus instituciones –por ejemplo, alrededor de la emergencia de las autoridades matrilineales resultado de los matrimonios de mujeres wayúu con intermediarios del Estado–, el autor logra ilustrar que estas identificaciones son más bien un terreno movedizo, contingente y lleno de mediaciones estratégicas. Lejos de la metáfora vertical de la soberanía o de la burocracia aséptica weberiana, el autor indaga sobre las prácticas mismas que permiten el despliegue de soberanías y su reacomodación contingente por parte de las comunidades y, también, de las autoridades del gobierno central.

Esto lo conduce a indagar el presente a través de una etnografía que lo llevaría tanto a foros en las Naciones Unidas como a las aldeas wayúu en La Guajira, para darnos luces sobre las respuestas de estas comunidades a las interpelaciones del Estado humanitario y multicultural y sobre las ansiedades que se generan alrededor de la mercantilizacion de la etnicidad y la gubernamentalizacion de la diferencia. Resalta la emergencia de las llamadas Autoridades Tradicionales como los vehículos mediante los cuales se ejerció una soberanía en la década de los noventa plegada a los intereses de las economías globales y útiles para la interlocución con las agencias del Estado. Con detalle etnográfico, por ejemplo, el autor ilustra estas ansiedades antes, durante y después de varios encuentros entre las comunidades indígenas y funcionarios de ONG y agencias internacionales a los cuales pudo asistir. También ilustra cómo estas mediaciones logran “inventar” comunidades a través de la mediación de un ejercicio burocrático dedicado a llenar formatos y en manos de representantes particulares de las comunidades. Y, por supuesto, dedica una buena parte de los capítulos a indagar sobre amenazas, alianzas, masacres, desplazamientos y desencuentros de los wayúu con los grupos armados que resquebrajaron sus propios procesos organizativos. Estos apartes sobre estos encuentros que tienen lugar tanto en rancherías como en oficinas en Nueva York son realmente fascinantes pues complican lecturas reduccionistas tanto sobre la interpelación como sobre la resistencia.Buscan más bien comprender cómo se experimentan en la cotidianidad estos desafíos.

El libro puede leerse también como una etnografía del Estado preocupado por entender que, lejos de la visión racionalista y pura de la burocracia moderna referida anteriormente o de la metáfora organicista, en realidad ésta es vulnerable a todo tipo de mediaciones, intermediarios y negociaciones. Es bien sugerente su complejización de la extrema racionalización y efectividad que se le quiere acordar a este gobierno de los otros; estoy menos de acuerdo con su crítica a un supuesto Foucault que correspondería a una noción totalitaria, vertical y totalmente eficiente de este arte de gobernar. Sólo revisar las últimas dos frases de Vigilar y castigar (Foucault, 1976: 214) para darse cuenta de las múltiples batallas que amenazan estos actos de gobernar a las poblaciones, incluso en medio de este proyecto panóptico que produce una “humanidad central y centralizante, efecto e instrumento de relaciones de poder complejas” . Incluso, el mismo Foucault dudaría de la misma efectividad y unilinealidad de las racionalidades de la misma gubernamentalidad. Parafraseando al pensador francés, afirma que después de todo el Estado no es más que una realidad compuesta (composed reality), una abstracción mistificada, que, finalmente, no es tan funcional ni tan eficiente como pretende serlo (Foucault, 2000: 220). Importante precaución que debería también producir lecturas más rigurosas sobre este pensador francés muchas veces asociadas a las metáfora de la administración vertical y eficiente de poblaciones.

Quiero terminar con dos comentarios donde veo, más que respuestas concluidas y acabadas en el libro de Jaramillo, proyectos que se abren para una antropología en un futuro. En primer lugar, el último capítulo, el más corto a mi modo de ver pero el más provocador, deja al lector queriendo saber más. Me explico: gran parte del libro se ha movido dentro de la movilización de los “esencialismos estratégicos” que han permitido que algunos sectores, familias, etcétera, entren a jugar dentro del mundo multicultural con todas las contradicciones y “confluencias perversas” del gobierno neoliberal (Dagnino 2004). El autor revisa en sus conclusiones distintos trabajos antropológicos en Colombia que han intentado analizar los procesos de endogénesis y deja la interesante observación de que muchos de éstos se han quedado parados “a medio camino” (p. 230). Indica, conversando con Restrepo (2004) y también distanciándose de él, que estos trabajos de endogénesis han desechado la pregunta sustancial por la experiencia y la identidad para pensarla dentro de las (únicas) coordenadas de los “esencialismos estratégicos” y las posiciones de sujeto. Dice Jaramillo (p. 230; el énfasis es mío): “De hecho, mucho del conocimiento sobra la etnicidad que se ha derivado de este acuerdo consiste en afirmar que estos usos son profundamente políticos y estratégicosPero quedarse ahí es parar a medio camino”. A continuación, el autor intenta posicionar conceptos elaborados y muy enriquecedores como el de la “etnogénesis radical” de James Scott y el de la “política de la vida densa” de Povinelli, para terminar concluyendo: “Sin embargo, el concepto apunta a un elemento clave de la etnicidad, y es que la contingencia existe dentro de un repertorio, aunque amplio, definido de concebir la existencia humana en relación con algo llamado ‘cultura’. En otras palabras, la etnogénesis depende de una ontogénesis” (p. 230). Así, frente a la noción instrumental del despliegue de los “esencialismos estratégicos”, Jaramillo (p. 231) reacciona argumentando que tales afirmaciones niegan que también la etnicidad sea también “una forma de experimentar y ser en el mundo”, sin desnudarla tampoco de su dimensión política.

El texto pasa luego, en verdad en pocas páginas, a repasar en qué consistirían estas “políticas de la vida densa”, tales como las respuestas por parte de algunos líderes indígenas a la llegada del Parque eólico Jepirachi, diseñado y dirigido por las Empresas Públicas de Medellín, que recibiría una cuantiosa suma de dinero del Fondo Prototipo de Carbono del Banco Mundial. Analizando las respuestas de algunos de estos líderes en Foros Internacionales frente al silencio del proyecto y sus diagnósticos sobre la violencia paramilitar, el autor piensa estas respuestas de rechazo al proyecto a partir de “la posibilidad de construir un sentido de colectividad y bien común entre los wayúu  apelando a formas alternativas de articular ‘la indigeneidad’ como parte de las movilizaciones políticas y las demandas de la justicia” (p. 236). En estos reclamos encuentra una relación entre el discurso de la victimización movilizado estratégicamente en estos foros y elementos constitutivos de la vida wayúu, como el viento. Según el autor, la Fuerza de Mujeres Wayúu, protagonista central de su libro, al plantear estos desafíos en estos foros, proponía que “el viento era un elemento fundamental en las nociones de llegar a ser wayúu” (p. 237); en ese mismo sentido, continúa el autor, se proponen “formas de interdependencia como piedra angular para la identificación wayúu” (p. 237). Sin duda alguna, tal dirección ubica al texto cercana a aquellas corrientes recientes de pensamiento antropológico que han pensado el tema de las “ontologías políticas” al reconocer la movilización de los antagonismos en “la misma gestación de las entidades que conforman un determinado mundo u ontología” (Blaser 2008: 82). Insisto, es una lástima que hayan sido pocas las páginas dedicadas a estos argumentos y acontecimientos que hacen mucho más complejo el análisis de estos procesos de endogénesis radical que van más allá de su instrumentalización política. Queda un camino abierto por recorrer por parte de futuros investigadores que intenten comprender estos procesos sin reducirlos a argumentos sustancialistas o estratégicos, como si fueran mutuamente excluyentes.

Por último, y sin entrar en hondas discusiones, quiero terminar indicando mi curiosidad por cómo va a ser leído este libro por parte de sus entrevistados/as y las organizaciones con las cuales Jaramillo debatió sus investigaciones por varios años. Mucha de la información recolectada de los testimonios, justamente habla de las ansiedades que viven estas comunidades y estos líderes frente al encuentro con las agencias estatales. Hay testimonios que podrían ser leídos de manera muy exagerada –como el intento de estas comunidades por “engañar” al Estado y a las ONG, o las alianzas, rupturas y luchas entre distintos sectores wayúu, con testimonios que hace una persona sobre otra persona o bandos contrarios–. El debate, por supuesto, lo quiero ubicar por fuera de la instrumentalizada noción de los códigos de ética que actualmente atraviesan nuestras investigaciones. Mi curiosidad es quizás la de todo etnógrafo sobre el destino de sus observaciones dentro de territorios marcados por tensiones, ansiedades y conflictos humanos.

Comentarios

* Jaramillo, Pablo. 2014. Etnicidad y victimización. Genealogías de la violencia y la indigeneidad en el norte de Colombia. Bogotá, Ediciones Uniandes, 292 páginas.

Referencias

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Bunzl, Matti. 1996. Franz Boas and the Humboldtian Tradition: From Volksgeist and Nationalcharakter to an Anthropological Concept of Culture. En Volksgeist as Method and Ethic: Essays on Boasian Ethnography and the German Anthropological Tradition, ed. George Stocking, pp. 17-78. Madison, University of Wisconsin Press.         [ Links]

Dagnino, Evelina. 2004. “Conflência perversa, deslocamentos de sentido, crise discursiva.” In La cultura en las crisis latinoamericanas, editado por Alejandro Grimson. Buenos Aires: CLACSO., pp 195-216.         [ Links]

Das, Veena and Deborah Poole (eds.). 2004. Anthropology and the Margins of the State. Santa Fe, School of American Research Press.         [ Links]

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Nelson, Diane. 1999.A Finger in the Wound: Body Politics in Quincentennial Guatemala.Berkeley, University of California Press.         [ Links ]

Restrepo, Eduardo. 2004. Teorías contemporáneas de la etnicidad. Stuart Hall y Michel Foucault.Popayán, Editorial Universidad del Cauca.         [ Links]

Tate, Winifred. 2007. Counting the Dead. The Culture and Politics of Human Rights Activism in Colombia. Berkeley, University of California Press.         [ Links]

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Juan Ricardo Aparicio – PhD. Antropología, Universidad de Carolina del Norte en Chapel Hill, Estados Unidos. E-mail: japarici@uniandes.edu.co
Universidad de los Andes, Bogotá, Colombia.

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História da educação indígena e colonialidade – PESOVENTO et al. (RBHE)

PESOVENTO, A; SÁ, N. P.; SILVA, S. J. História da educação indígena e colonialidade. Cuiabá: EdUFMT, 2012. Resenha de: QUINTERO, Sara Evelin Urrea. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 3 (36), p. 325-330, set,/dez. 2014.

Los pueblos indígenas, sus saberes, tradiciones, formas de ser, hacer y habitar el mundo han estado silenciados o nombrados desde voces occidentales en la mayor parte de la historia; fenómeno que hapermitido construirla en clave europea, desde sus tiempos y espacios constituyendo como lo señala Lander (2000 apud PESOVENTO 2012) una gran narrativa universal.

En la superación de la visión eurocéntrica/colonizadora de esta narrativa, han venido configurándose nuevos marcos teóricos que permiten una lectura desde otras ópticas, haciendo emerger estúdios tanto de los mecanismos de imposición y colonialismo de las culturas, como de las resistencias de las mismas.

El libro História da educação indígena e colonialidade1 de Adriane Pesovento, Nicanor Palhares Sá y Sandra Jorge da Silva (2012, p. 11), se presenta en esa perspectiva utilizando como “[…] fundamento os conceitos relativos à colonialidade, como defendido por Lander (2005), Castro Gómez (2005), baseado em Quijano (2005)”. Para hacer sobresalir la presencia y la resistencia de los pueblos indígenas en la Provincia de Mato Grosso del siglo XIX.

A través de 7 capítulos los autores discuten el proceso educativo colonizador que supera lo escolar, creando mecanismos de subyugación los cuales incluyen discursos, prácticas e imaginarios; legitimadores del modelo modernizador eurocéntrico, como el único posible y verdadero.

En el primer capítulo titulado ‘Saberes locais e o processo civilizatório pós-colonial’ los autores dilucidan un interés por comprender los saberes indígenas a través del reconocimiento de la marginalización a la cual fueron sometidos. Partiendo del concepto ‘gnosis fronteriza’ de Walter Mignolo (2005 apud PESOVENTO, 2012) se presenta un abordaje al conocimiento desde las ópticas historicamente subalternizadas, más que desde las lógicas colonizadores las cuales han opacado y despreciado los saberes diferentes al proyecto epistemológico occidental. Sin embargo, es reconocida la dificultad del acceso a las fuentes, pues estas, en el caso indígena, son dispersas y escasas, además, el silencio es latente en este asunto; es por ello que la búsqueda por comprender esa historia de la educación, inicia entrelazándola con la perspectiva occidental para hallar en registros (como el realizado por Antonio Pires de Campos) y discursos oficiales indicios o datos que posibiliten ampliar la mirada reconociendo la presencia y el saber indígena. Este primer capítulo se vincula con el segundo ‘Aspectos da educação e colonialidade indígena’ ubicado espacio-temporalmente en la capitanía de Mato Grosso, fundada en el año 1748, teniendo al frente a Don Antônio Rolim de Moura. Los estudios, a través de los escritos de Don Antônio permiten comprender los imaginarios construidos por los colonizadores frente a los indios, escritos que los describen como brutales, salvajes, y sin raciocinio por su desinterés frente a la adquisición de bienes propios (teniendo en cuenta que para los colonizadores lusitanos, la ambición y el deseo de vivir com ‘comodidades’ era símbolo de civilidad). Los autores describen algunas medidas educativas del momento, como la sugerencia de enviar índios para Europa, quienes aprenderían a comportarse civilmente, convirtiéndose a su regreso en maestros de los demás, y la catequización por parte de los Jesuitas (A pesar de esta sugerencia la presencia de la Compañía de Jesús no es muy significativa en Mato Grosso; según los autores lo anterior no implica que no hubiese religiosos en el área, por el contrario es posible encontrarlos aún hoy). En este capítulo se reconocen las intenciones políticas detrás de las educativas, en el marco de um período cruzado por las luchas de dominación y ocupación del território entre españoles y portugueses. Por lo cual, para la capitanía Matogrossense y el Directorio de los Indios era fundamental la utilización de

los indígenas como ‘guardianes de las fronteras’, tornándolos fieles al rey de Portugal.

Para el análisis de los aspectos de la educación, los autores recurren al documento donde se informa sobre la creación de comitivas para la búsqueda de Minas de oro y destrucción de Quilombos, organizado por el señor Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

Las descripciones de este viaje permiten conocer un modelo de educación de las comunidades próximas al Rio do Piolho, en donde moraban indígenas, cerca de viviendas de negros, generando relaciones y trocas culturas. Citando a los autores, es posible afirmar que fue “[…] na confluência de culturas que se dava a educação por meio de trocas apropriações e ressignificações dos diversos elementos próprios de cad povo, tecendo e tramando suas histórias para além dos domínios ocidentais e dos saberes coloniais” (PESOVENTO, 2012, p. 35) configurando una circularidad de significados, que pueden ser pensados como micro resistencias.

Finaliza el segundo capítulo reconociendo la permanencia de la colonialidad en el siglo XIX, a pesar de no existir ya el colonialismo com respecto a Portugal. Tal como lo define Mignolo (2004 apud PESOVENTO, 2012) el proyecto para la modernidad no existe sin colonialidad, por lo cual en Mato Grosso que camina hacia esta debieron ser aniquilados y sustituidos los saberes y tradiciones indígenas considerados como saberes incivilizados. Lo anterior sustenta la necesidad de educar al indígena a través de la Catequesis y el trabajo.

El tercer capítulo ‘Thereza Cristina: de colonia militar a colônia indígena’, presenta no sólo los mecanismos colonizadores, sino las resistencias que el pueblo Bororo-coroado generó frente a los processos educativos colonialistas tanto en manos de los militares como posteriormente de los salesianos. Los autores presentan un estudio de los informes oficiales de la época (presentados desde la dirección de la Colonia, la presidencia de la provincia de Mato Grosso, la dirigencia del Directorio de los indios, entre otros entes gubernamentales) que permiten encontrar en los objetivos de la creación de la Colonia (año 1887) um proyecto modernizador que garantizaría el progreso de la provincia de acuerdo con los imaginarios eurocéntricos, en el cual la integración del indígena como mano de obra, serviría en la explotación de la vasta riqueza natural mato-grossense; integración que se daría en tanto e pueblo indígena estuviese ‘civilizado’.

Bajo un ideal evolutivo los indígenas pasarían de un estado primitivo y bárbaro a uno civilizado y euro-céntricamente ‘adecuado’, proceso del cual el colonizador se sentía responsable, esto justificaba no sólo la fuerza utilizada sino la imposición de una cultura sobre otra. Sin embargo, tal como es señalado en el libro, este proceso de subyugación  subalternización no se dio pacíficamente en la colonia Thereza Christina, a pesar de las prácticas violentas y la vivencia al lado del colonizador ‘civilizado’, el proceso educativo (civilizador) era insuficiente; incluso con la posterior incursión de las misiones catequizadoras salesianas y la educación de los hijos indígenas, que servirían como intérpretes, no se consiguieron los objetivos planteados por las élites de la época.

En la misma línea de análisis, en donde el trabajo se constituye no sólo como el medio educativo sino como el objetivo mismo en el proceso civilizatorio, se presenta el cuarto capítulo ‘O trabalho como possibilidade de educar os indígenas’. A través del estudio de registros históricos (informes y correspondencias oficiales de la época) es realizada una reflexión teórica sobre el trabajo y la educación indígena como conceptos enlazados en la colonización de los pueblos indígenas mato-grossenses. Educación que no se limita al escenario escolar, constituyéndose en un fenómeno que permea discursos y prácticas cotidianas buscando inserir a los indígenas en el mundo occidental a través del trabajo y para este mismo, ya que era reconocida la necesidad de mano de obra en la explotación de la riqueza natural del estado. Sin embargo, los autores encuentran cautelas y silencios en los documentos frente al uso de mano de obra indígena, presentándose como uma recomendación que auxiliaría la ‘civilización’; permitiendo visualizar nuevamente el imaginario colonialista, que ubica a sus autoridades em estatus de héroes, redentores de la provincia, velando por el progreso y el buen curso de Mato Grosso hacia la modernidad.

La cultura tradicional indígena calificada como bárbara, primitiva, perezosa y salvaje, reforzaba la idea de inferioridad con respecto al colonizador, que era dotado por tanto de legitimidad para ‘civilizar’ estos pueblos a través de diversas formas: la fe cristiana, el trabajo, la fuerza e incluso la violencia, como lo relatan los autores en este capítulo.

Dichos procesos civilizadores poseen, además, un claro interés em borrar las huellas de las tradiciones indígenas que estuviesen en contra de las formas eurocéntricas, sin embargo algunas voces pueden ser descubiertas, aún, en registros oficiales, para desentrañar saberes y costumbres de los pueblos indígenas; es así como en el quinto capítulo ‘Imbuére: educação Apiaká’ , los autores recurren al documento Sobre los usos, costumbres y lenguaje de los Apiaccás, y el descubrimiento de las nuevas minas en la provincia de Mato Grosso, publicado por e Instituto Geográfico Brasileiro en el año 1844, para estudiar los mecanismos utilizados en la enseñanza, y el sentido que los Pueblo indígenas daban a la educación. Es importante señalar que la publicación de este documento se da en el marco de la búsqueda por crear uma identidad nacional, con la incorporación de los indígenas a través de su ‘civilización’.

Los autores, reconocen en el documento un proceso educativo que se da en la vida misma de los Apiaká, no se reduce a la idea occidental de control de los procesos de aprendizaje, pues este se genera en la cotidianidad, en la interacción, transmisión y recreación de sus sabere tradicionales, por lo cual describen las diversas prácticas educativas y la importancia de ellas en la permanencia de la cultura a través del tiempo.

La creación de imaginarios sociales se constituye, también, en uma herramienta educativa; es así como en el sexto capítulo ‘Um nome Occidental para un Terena: Alexander Buenose presenta la configuración de una imagen del indígena ‘civilizado’ que comprende su lugar en la jerarquía social y lucha por los intereses colonialistas en Mato Grosso de finales del siglo XIX. De acuerdo a los autores, el estúdio sobre este capitán, altamente influyente debido a su origen indígena y posteriores acciones militares, trasparece los mecanismos de construcción de modelos de comportamiento para los indígenas, que permitirían no sólo la ‘pacificación’ y ‘civilización’ de estos, sino la creación de un ambiente tranquilo para la sociedad no india, en tanto demostraría la capacidad de las élites en transformar los hábitos, costumbres y conductas indígenas.

El capítulo final titulado ‘A educação pós-colonial em O Selvagem’ cierra esta publicación presentando un estudio sobre la historia de la educación indígena a partir del documento O Selvagem de Couto de Magalhães (apud PESOVENTO, 2012) de finales del sigl XIX; el cual representa un registro valioso para la comprensión de la propuesta civilizatoria de este período. Los autores señalan cómo e amplio conocimiento de Magalhães sobre el territorio mato-grossense le permitía hablar con mayor facilidad sobre las características de los pueblos indígenas y por tanto de sus ‘necesidades’ educativas, visión que estaba dada desde un lugar colonialista y occidental, el cual, a través de una racismo epistemológico, negaba los saberes y mecanismos de transmisión y aprendizaje de los indígenas, para imponer las formas eurocéntricas de educación, que a su vez se presentaban como las redentoras de la cultura en el proceso de modernización de Mato Grosso.

Esta publicación consigue, a partir de los anteriores estudios, su propósito de hacer emerger la historia de la educación indígena desde dos ópticas diferentes, tanto la educación para el indígena como herramienta fundamental en los procesos ‘civilizatorios’ y colonizadores, como aquella propia de los pueblos indígenas que hacía resistencia a la imposición eurocéntrica, y velaba por la permanencia de la cultura y saberes locales. Es por ello que el libro Historia da educação indígena e colonialidade se hace relevante y cobra notable importancia para la historia de la educación mato-grossense y brasilera, y para la apertura investigativa hacia nuevos territorios y objetos de pesquisa.

Notas

1Estudio originado de las discusiones e investigaciones realizadas en el Grupo de

Pesquisa en Educación, Historia y Memoria (GEM) de la Universidad Federal de

Mato Grosso.

Sara Evelin Urrea Quintero – Licenciatura em Gestão Educativa pela Universidade de San Buenaventura –USB (2011). Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade

Federal de Mato Grosso (PPGE/IE/UFMT) pelo Convênio Organização dos Estados

Americanos (OEA) Grupo COIMBRA. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), integrante do Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória (GEM) da UFMT. Email: saraurrea0718@gmail.com

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Arqueologia Guarani na laguna dos Patos e serra do Sudeste – MILHEIRA (BMPEG-CH)

MILHEIRA, Rafael. Arqueologia Guarani na laguna dos Patos e serra do Sudeste. Pelotas: Editora da Universidade Federal de Pelotas, 2014. 306 Resenha de: RIBEIRO, Bruno Leonardo Ricardo. Arqueologia Guarani na ponta sul do Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.9, n.2, mai./ago. 2014.

Este livro é uma versão revisada da dissertação de mestrado de Rafael Guedes Milheira, composto por sete capítulos e prefácio de Paulo DeBlasis. A importância da obra é ressaltada já no prefácio, por ser a primeira a, de fato, sistematizar a ocupação Guarani no extremo sul do Brasil, mais precisamente na área entre a laguna dos Patos, a leste, e a região serrana, a oeste. Lançando mão de uma metodologia de enfoque regional, Milheira conseguiu realizar uma pesquisa arqueológica que possibilita o diálogo com a Antropologia e a História, além da “construção de uma História indígena propriamente dita” (p. 20), o que torna seu livro indispensável para aqueles que procuram estudar as ocupações Guarani no sul do Brasil, sejam eles especialistas da área ou estudantes.

Na introdução, Milheira informa que sua principal motivação para a pesquisa partiu da constatação da quase completa ausência de registros históricos que fizessem referência à participação da cultura indígena na formação identitária regional, relegando às populações indígenas um papel secundário e marginal no processo de construção social local. Ainda, e à contramão dos registros históricos, os achados arqueológicos atestam a presença significativa de variadas populações indígenas na região, envolvidas em um complexo sistema de relações e redes sociais que remetem a mais de 2.500 anos, sistematicamente eliminadas física e culturalmente desde a chegada dos primeiros colonizadores europeus. Mesmo que não levados ao completo extermínio, hoje ainda reside na região apenas uma parcela ínfima do que antes foi uma nação indígena sem precedentes.

Os dois primeiros capítulos são fundamentais para a compreensão da obra e da proposta do autor, e neles é apresentado um panorama geral da arqueologia Guarani, desde as primeiras pesquisas realizadas não apenas na área de estudo, mas também aquelas relacionadas às ocupações caracterizadas como pertencentes a este grupo em várias regiões do Brasil. É dada ênfase aos estudos realizados por Alfred Métraux na primeira metade do século XX e sua contribuição à formação do pensamento arqueológico brasileiro sobre os Guaranis, como as proposições que fez sobre a busca guarani pela ‘terra sem males’ e sobre a zona de fronteira entre os Tupinambás, ao norte, e os Guaranis, ao sul, no interior do estado de São Paulo – proposta posteriormente refinada por Scatamacchia (1990). O autor tece ainda algumas críticas sobre o papel pretensamente apolítico desempenhado pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) e seus impactos em estudos posteriores.

Em seguida, partindo de uma proposta que intercala informações em nível micro e macrocontextual, Milheira apresenta temas que vão desde a definição das estruturas arqueológicas pertinentes à interpretação dos dados empíricos por ele levantados – como estruturas funerárias e de combustão – até noções de territorialidade, organização social e expansão, definindo o processo de expansão territorial Guarani como ‘enxameamento’, conceito apresentado por Brochado (1984) e amplamente aceito na comunidade acadêmica. Essa definição parte da premissa de que o processo de expansão territorial Guarani foi contínuo, e a ocupação espacial se deu de forma radial, iniciada com uma grande pressão demográfica, que tornou obrigatória uma divisão celular da aldeia e a procura e obtenção por novas áreas de captação de recursos para ocupação e assentamentos permanentes (sobre este assunto, sugiro também o texto de Noelli, 1993).

Esse conceito é fundamental para o entendimento das áreas e dos tipos de atividades relacionados a cada sítio estudado, além de auxiliar na interpretação desses sítios como acampamentos temporários e/ou aldeias. Nessa parte do livro, torna-se claro o exaustivo levantamento bibliográfico realizado pelo autor no que tange à arqueologia Guarani.

Talvez uma única ressalva a ser levantada esteja relacionada ao caráter restritivo da discussão. Apesar de fazer um breve relato sobre o complexo panorama multicultural verificado na região quando da chegada do europeu, então compartilhada por grupos majoritariamente Guarani, mas também por povos Cerriteiros, Jê e Sambaquieiros, a pesquisa de Milheira quase não trespassa a temática Guarani ou extrapola o limite sul do Brasil, nem estabelece um diálogo significativo com pesquisadores ou estudos realizados acima do rio Paranapanema e referentes aos povos Tupi. Acredito que um maior diálogo com tal temática seria muito proveitoso, não apenas para a obra em si, mas também para pesquisadores futuros que utilizarão este livro como referência. Uma vez que Guaranis e Tupis são grupos similares, a ponto de representarem ramificações de um mesmo tronco linguístico ou, para alguns pesquisadores, uma mesma ‘tradição’ arqueológica, o estabelecimento de contraposições ou a verificação de similaridades, em qualquer nível ou de qualquer caráter, seria mais uma contribuição significativa para a construção do conhecimento arqueológico sobre estas populações de outrora.

No terceiro capítulo, partindo principalmente dos estudos realizados pelo Projeto RADAMBRASIL, o autor faz uma caracterização espacial e geomorfológica da área alvo da pesquisa. Salientando que ela abrange tanto a planície costeira quanto o escudo sul-rio-grandense, descreve sucintamente as paisagens serranas e litorâneas, logo iniciando a apresentação das metodologias adotadas em campo, onde articulou métodos de levantamento probabilístico e oportunístico com a proposta dos estágios múltiplos – reconhecimento geral da área de estudo, levantamento arqueológico, prospecção e escavação. Finalmente, mas não menos importante, Milheira explica sua opção por uma abordagem voltada à arqueologia regional. Sendo seu objetivo compreender o sistema de ocupação Guarani em uma área até então pouco pesquisada, tal enfoque lhe permitiria reconstruir o contexto de implantação dessas ocupações, em seu sentido mais amplo e em seu caráter de longa duração.

Os capítulos quatro e cinco são os mais densos do livro. No quarto, é apresentada a arqueografia de cada um dos sítios identificados ao longo da pesquisa, agrupados de acordo com a fisiografia local – cinco sítios identificados na região litorânea da lagoa dos Patos e dez sítios identificados na região serrana. A apresentação das intervenções realizadas e dos vestígios arqueológicos identificados em cada um destes sítios é extremamente detalhada e minuciosa. Cabe salientar que, sempre que possível, Milheira realiza inferências e proposições acerca da funcionalidade dos contextos arqueológicos verificados em cada um dos sítios, correlacionando suas impressões sobre as escavações com os resultados das análises posteriores.

No capítulo cinco, são apresentados os resultados das análises dos vestígios arqueológicos propriamente ditos. Partindo de uma proposta tecno-tipológica, a metodologia elaborada para a análise dos vestígios cerâmicos é construída principalmente sobre um ‘tripé’ composto por La Salvia e Brochado (1989), Shepard (1985 [1956]) e Orton et al. (1993). A ficha descritiva e os procedimentos de análise também são detalhadamente apresentados, além de várias páginas serem dedicadas à discussão crítica sobre as potencialidades e as possibilidades de erros relacionados às mais do que comuns projeções de forma, quando elaboradas a partir de fragmentos cerâmicos de tamanhos diminutos. A primazia verificada nesta seção da obra é sem igual, assim como a confiabilidade dos resultados obtidos.

Por outro lado, pouca ênfase foi dedicada aos vestígios líticos, possivelmente em função de sua menor recorrência entre os sítios arqueológicos. A metodologia adotada se pauta pela proposta de cadeia operacional sugerida por Schiffer (1972, 1987), e a análise é de caráter tecno-tipológica, embasada principalmente no esquema elaborado por Dias e Hoeltz (1997). Não pude deixar de pensar que os trabalhos de análise dedicados aos materiais líticos foram, em certo grau, muito sucintos, principalmente se comparados aos realizados com os vestígios cerâmicos, e que, talvez, se uma maior profundidade tivesse sido atribuída a eles, como a adoção de uma metodologia embasada em parâmetros tecno-funcionais, apontamentos mais significativos teriam sido alcançados.

Tais estudos tiveram como objetivo não apenas a caracterização destas indústrias líticas e cerâmicas, mas também o levantamento de apontamentos que possibilitassem pensar o domínio e o uso territorial dos Guaranis na região, sobretudo após a constatação do autor de que as matérias-primas identificadas nos sítios litorâneos não estão presentes in loco, e remeteriam a cinco jazidas diferentes, que distam entre 30 e 200 km da Lagoa dos Patos, nas terras altas da serra do sudeste. Vestígios arqueofaunísticos também foram identificados, em baixas quantidades e em estado de conservação insatisfatório, em dois dos sítios escavados na área litorânea. Perante esta baixa relevância, a análise esteve voltada à procura por informações relacionáveis à dieta e às espécies consumidas nos sítios da região, além da procura de possíveis elementos cabíveis de inferências que correlacionassem espécie, apreensão e habitat, e da distribuição espacial dos vestígios com áreas de atividades específicas.

Concluindo a obra, os capítulos seis e sete são dedicados à hipótese elaborada para a ocupação territorial da área-alvo pelos Guaranis e à apresentação do modelo interpretativo adotado pelo autor. Embasado majoritariamente na perspectiva sistêmica de Binford (1980, 1991 [1983]) e no modelo de ocupação proposto por Noelli (1993), Milheira pressupõe a existência de um contexto macroespacial, onde todos os sítios estudados, sejam eles entendidos como aldeias ou acampamentos temporários, estão interligados por uma imbricada rede de relações sociais, ideológicas, ambientais e econômicas. Tal contexto seria o do ‘Teko’a do Arroio Pelotas’, abrangeria aproximados 35 km de raio e se dividiria em litoral e serra, não apenas pelo tipo de ambiente ocupado, mas também pelas modalidades e características de cada assentamento verificado – além do domínio territorial projetado.

Segundo o autor, estes dois ambientes de ocupação estariam intrinsecamente interligados, sendo a porção litorânea uma extensão da porção serrana. As ocupações da região serrana apresentam distribuição espacial mais aglomerada, maiores dimensões e remetem a períodos mais antigos. Estão situadas em áreas de melhor acesso a recursos naturais e mais propensas à agricultura. As ocupações da porção litorânea, por sua vez, seriam mais recentes e periféricas às ocupações serranas, de distribuição mais esparsa e voltadas à obtenção de recursos marítimos. Seriam oriundas da necessidade por novos territórios, em função de pressões demográficas e do processo de expansão por enxameamento, e apresentariam certo grau de dependência em relação às aldeias serranas centrais (em relação à obtenção de matérias-primas líticas, por exemplo).

Não posso deixar de exaltar os esforços realizados por Milheira em relação ao levantamento das fontes de matéria-prima e à correlação perspicaz entre as distâncias, o estabelecimento de redes de troca e o ciclo de vida dos instrumentos líticos. Isso é algo de extrema importância para a interpretação e distinção relacionadas à funcionalidade de determinados acampamentos litorâneos e à organização do ‘Teko’a do Arroio Pelotas’ em nível Guará, uma vez que, segundo sua hipótese, apenas uma das cinco jazidas de matérias-primas estaria dentro dos limites deste ‘Teko’a’, o que demandaria, obrigatoriamente, outras formas de obtenção das matérias-primas, além do simples aprovisionamento.

Por fim, elogios devem ser feitos ao autor pela utilização de verbetes êmicos Guarani, retirados de leituras etno-históricas e utilizados ao longo de toda a obra, mas principalmente ao nomear as funções exercidas pelos instrumentos líticos, quando inova ao apresentar a outros pesquisadores interessados em estudos similares as possibilidades de um diálogo etnográfico, como há muito vem sendo realizado entre aqueles que estudam cerâmica arqueológica.

Referências

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BINFORD, L. R. Willow smoke and dog’s tails: hunter-gatherer settlement systems and archaeological site formation. American Antiquity, Washington, v. 45, p. 4-20, 1980.         [ Links ]

BROCHADO, J. P. An ecological model of the spread of potter and agriculture into Eastern South America. 1984. Tese (Doutorado em Antropologia) – University of Illinois, Urbana, 1984.         [ Links ]

DIAS, A. S.; HOELTZ, S. E. Proposta metodológica para o estudo de indústrias líticas do Sul do Brasil. Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 25, n. 21, p. 21-62, 1997.         [ Links ]

LA SALVIA, F.; BROCHADO, J. P. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato e Cultura, 1989.         [ Links ]

NOELLI, F. S. Sem Tekohá não há Tekó: em busca de um modelo etnoarqueológico da subsistência e da aldeia Guarani aplicada a uma área de domínio no delta do Jacuí/RS. 1993. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.         [ Links ]

ORTON, C.; TYERS, P.; VINCE, A. Pottery in archaeology. London: Cambridge University Press, 1993.         [ Links ]

SCATAMACCHIA, M. C. M. A tradição policrômica no leste da América do Sul evidenciada pela ocupação Guarani e Tupinambá: fontes arqueológicas e etno-históricas. 1990. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.         [ Links ]

SCHIFFER, M. B. Formation process of the archaeological record. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1987.         [ Links ]

SCHIFFER, M. B. Archaeological context and systemic context. American Antiquity, Washington, v. 37, n. 2, p. 156-165, 1972.         [ Links ]

SHEPARD, A. O. Ceramics for the archaeologist. Washington: Carnegie Institution of Washington, 1985 [1956]         [ Links ].

RIBEIRO, Bruno Leonardo Ricardo. Resenha: Arqueologia Guarani na ponta sul do Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 9, n. 2, p. 573-576, maio-ago. 2014

Bruno Leonardo Ricardo Ribeiro – Universidade Federal de Pelotas E-mail: brunoleo.ribeiro@gmail.com

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“Todavía no se hallaron hablar en idioma”. Procesos de socialización lingüística de los niños en el barrio toba de Derqui (Argentina) – HECH (BMPEG-CH)

HECHT, Ana Carolina. “Todavía no se hallaron hablar en idioma”. Procesos de socialización lingüística de los niños en el barrio toba de Derqui (Argentina). Munich: LINCOM Europa Academic Publisher, 2010. (LINCOM Studies in Sociolinguistics, 9). 282 p. Resenha de: OSSOLA, María Macarena. Crianças e línguas indígenas: contribuições para o debate sobre o deslocamento linguístico em comunidades indígenas urbanas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.9 n.1, jan./abr. 2014.

“‘Todavía no se hallaron hablar en idioma’. Procesos de socialización lingüística de los niños en el barrio toba de Derqui (Argentina)” é uma versão revisada da tese doutoral da autora, defendida na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (2009), e adaptada para a divulgação no formato de livro. O principal propósito da tese consiste em dar conta dos modos em que se usam e representam a língua indígena toba e o espanhol nas interações cotidianas de uma população Toba, composta por famílias migrantes que moram em um bairro situado em Derqui, província de Buenos Aires.

Os Toba, cujo etnônimo é Qompi, integram o grupo étnico e linguístico chamado Guaycurú (Messineo, 2003). A população Toba na Argentina é estimada em 69.452 pessoas, segundo dados da “Encuesta Complementaria de Pueblos Indígenas” (ECPI), realizada durante 2004 e 2005. Os Toba moravam em bandas bilaterais nômades compostas por famílias extensas que se dedicavam à caça e à coleta na região do Gran Chaco (Miller, 1979). A partir do século XIX, suas condições de vida foram cada vez mais adversas, iniciando-se o processo de desterritorialização e migração para as grandes cidades da Argentina, onde atualmente muitos deles moram e reivindicam seus direitos coletivos (Wright, 1999; Tamagno, 2001).

Em primeiro lugar, é preciso destacar que se trata de um livro que sintetiza o prolongado trabalho de campo feito pela autora na região, período no qual se dedicou não só à pesquisa, mas também coordenou oficinas de língua toba e fez enquetes, entre outras atividades. Por isso, o trabalho tem a riqueza de ser, ao mesmo tempo, o produto de um processo formativo, uma amostra de trabalho etnográfico reflexivo e a síntese da triangulação possível entre pesquisa e transferência.

A obra se organiza em quatro eixos, composto cada um por dois ou três capítulos, respectivamente. O primeiro eixo, intitulado “¿(Dis)continuidades lingüísticas y culturales? Entre la perspectiva sociolingüística y la antropológica”, repassa as explicações formuladas desde a sociolinguística e a antropologia linguística a respeito dos processos de deslocamento das línguas. Ela parte da formulação da pergunta: o que leva um grupo de falantes a mudar o uso de uma língua (toba) por outra (espanhol)? Então, faz uma detalhada descrição das teorias que intentaram fornecer as respostas a essa questão. Assim, a autora define três aspectos de relevância para a obra toda. Por uma parte, explicita sua intenção etnográfica: a etnografia é uma estratégia que não só lhe permite se centrar na cotidianidade da substituição linguística, mas também se colocar corretamente no debate a respeito da dualidade entre a análise macrossocial e a análise microssocial. Simultaneamente, destaca a complexidade do estudo dos processos de socialização, colocando as crianças como sujeitos ativos na transmissão de conhecimentos entre gerações. Finalmente, situa a linguagem em uma esfera social, política e cultural estendida.

“Entre el Chaco y Buenos Aires. Aproximación etnográfica y sociolingüística al barrio toba de Derqui” é o titulo do segundo eixo. Além de descrever as características físicas do bairro e as características fonológicas e morfológicas da língua toba (cujo etnônimo é qom l’aqtaqa, o idioma dos qom), esse capítulo oferece a oportunidade de conhecer como território(s), língua(s) e sentimentos de comunidade se encontram relacionados intimamente. A história do bairro toba de Derqui inicia-se no ano 1995 (quando sua edificação começou) e sua extensão física materializa-se nas trinta e duas casas que o compõem. Desse modo, a etnografia da autora aponta para a análise processual e nos remonta à história dos tobas habitantes do Gran Chaco e aos modos como essa história não só se recria nas interações cotidianas em Derqui, mas também como ela permeia os atuais processos de socialização e transmissão de conhecimentos entre gerações. A ênfase na desfolclorização e na desessencialização que a autora coloca ao traçar processos sociais vivenciados pelos moradores do bairro encontra-se presente também no momento de analisar as línguas. Assim, entrecruzando fragmentos de entrevistas com os vizinhos de Derqui, a autora refaz os espaços, os tons e os modos de uso de cada uma das línguas em contextos particulares.

O terceiro eixo, “Socialización en y a través del toba y el español durante la niñez”, é composto por três capítulos. Os dois primeiros ocupam-se do estudo das especificidades com que é percebida a infância como etapa do ciclo vital, de acordo com a perspectiva toba, ao tempo em que aprofunda sobre os tipos de atos comunicativos que privilegiam o uso de uma ou de outra língua segundo o contexto, a posição social e a idade das pessoas que intervêm na comunicação. Assinala-se, por exemplo, que, embora o deslocamento do toba para o espanhol seja constante, existem âmbitos nos quais a comunicação é realizada exclusivamente em toba (por exemplo, entre idosos emigrados da província do Chaco), ou com emissões em toba e respostas no espanhol (como no caso dos mandados ou ordens cotidianas que os pais indicam para seus filhos). A autora descreve também os espaços onde as interações se produzem exclusivamente em espanhol, como as que as crianças mantêm entre si, com crianças dos outros bairros e com adultos e crianças no âmbito escolar.

Dada à centralidade que tem esse último espaço formativo na configuração da identidade, no capítulo sete analisam-se os sentidos dados à experiência escolar por parte das crianças, complementando-os com as perspectivas das famílias, dos docentes e dos administradores. O título do capítulo, “Encrucijadas en la escuela”, faz uma síntese dos complexos processos experimentados pelas crianças em uma instituição educacional de nível primário, onde são interpeladas pelos docentes a partir de seu pertencimento étnico e pelas supostas dificuldades que também trouxe seu bilinguismo, entre outras representações. Simultaneamente, a autora nos mostra o quanto as famílias valorizam a escola como o espaço adequado para aprender o espanhol (particularmente a escrita), confiando em que o correto uso dessa língua permitirá a seus filhos terem acesso a melhores posições no mercado de trabalho e a projetos de vida mais amplos.

No último eixo, “Distancias lingüísticas, distancias generacionales. Reflexiones acerca del papel del habla en la vida social”, se faz uma proposta para a leitura dos dados apresentados, a partir da união, em duas ideologias linguísticas, das representações que os adultos têm a respeito da fraqueza do uso do toba nas crianças. Assim, uma “ideologia do receio” condensa aqueles sentidos que observam a troca do toba pelo espanhol como um processo irreversível, ao tempo em que desde uma “ideologia do anseio” se coloca nas crianças a esperança de uma revitalização futura da língua toba.

Com a claridade e consistência que caracterizam o livro, Hecht nos oferece uma conclusão na qual são apresentados os resultados da pesquisa. Eles nos fazem um convite para refletir sobre as ideias nativas com relação às necessidades comunicativas das crianças em um cenário complexo, atravessado pelos repertórios linguísticos em toba e em espanhol. Nessa seção, fica explícita a contribuição do livro nas suas duas direções principais: de um lado, (a) o avanço na documentação dos processos de socialização linguística a partir das construções de sentido feitas pelas próprias crianças e, do outro lado, (b) a utilização de uma perspectiva etnográfica que permite configurar uma leitura renovada e criativa nas discussões sobre o deslocamento linguístico e a perda das línguas indígenas.

Com relação ao primeiro ponto (a), a autora nos apresenta uma proposta original para realizar o trabalho etnográfico com e entre meninos e meninas. A estratégia de lançar mão, primeiramente, das perspectivas nativas, ao invés de recorrer às categorias sociológicas no que diz respeito às classificações etárias, nos introduz em uma leitura onde tanto a ‘infância’ como seus atributos são compreendidos como construções feitas desde a própria práxis etnográfica. Assim, o livro traz uma valiosa contribuição ao conhecimento dos usos das línguas a partir do olhar das crianças de Derqui, demonstrando que eles ocupam uma posição dinâmica nos processos de transmissão cultural, organizando ativamente a informação que lhes é comunicada, e articulando uma concepção própria da sua identidade.

Em paralelo, a obra avança no campo da etnolinguística contemporânea ao oferecer uma perspectiva renovada dentro do debate a respeito da perda das línguas indígenas (b). Desse modo, ao estudar os processos de socialização das crianças tobas de Derqui, a autora sublinha que, frente às visões duais que proclamam a irreversível perda da(s) língua(s) indígena(s), de um lado, e a esperança da revitalização e do ‘retorno às origens’, do outro, existem múltiplos espaços locais onde as pessoas e os grupos participam ativamente da criação, do uso e da ressignificação dos elementos linguísticos. Os mesmos provêm de diferentes contextos e são válidos enquanto tornarem possível a comunicação cotidiana e a elaboração de projetos de vida e de identidade comum.

“Todavía no se hallaron hablar en idioma” é um livro que nos coloca frente às complexidades dos processos linguístico-culturais vivenciados pelas comunidades indígenas argentinas contemporâneas. A partir da análise do bairro toba de Derqui e das línguas que ali são utilizadas, a etnografia de Hecht nos mostra o contexto de redefinições (linguísticas, identitárias, geográficas, educativas) no qual essas populações se encontram atravessando e disputando. Com base em um rigoroso registro do campo etnográfico, a autora afirma que as análises sociais referidas ao deslocamento linguístico devem ser lidas no marco das disputas e tensões interculturais de maior escala, levando em conta que as práticas linguísticas – enquanto práticas sociais – se encontram estreitamente relacionadas com outras (políticas, socioculturais e econômicas), que constantemente as condicionam, possibilitam e interpelam.

Referências

MESSINEO, Cristina. Lengua toba (guaycurú). Aspectos gramaticales y discursivos. Munich: LINCOM Europa Academic Publisher, 2003. (LINCOM Studies in Native American Linguistics, 48).         [ Links ]

MILLER, Elmer. Los Tobas argentinos: armonía y disonancia en una sociedad. México: Editorial Siglo XXI, 1979.         [ Links ]

TAMAGNO, Liliana. ‘Nam Qom Hueta’a na Doqshi Lma’. Los tobas en la casa del hombre blanco. Identidad, memoria y utopía. La Plata: Ediciones Al Margen, 2001.         [ Links ]

WRIGHT, Pablo. Histories of Buenos Aires. In: MILLER, Elmer (Ed.). Peoples of the Chaco. Westport: Bergin & Garvey, 1999. p. 135-156.

María Macarena Ossola – Universidad Nacional de Salta – CONICET. E-mail: maca_ossola@yahoo.com.ar

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Arqueología de la frontera. Los vestigios de una sociedad de las pampas argentinas – ROCHIETTI et al (RAHAL)

ROCHIETTI, Ana María; OLMEDO, Ernesto; RIVERO, Flavio. Arqueología de la frontera. Los vestigios de una sociedad de las pampas argentinas. Buenos Aires: Editorial Aspha, 2013. Resenha de: LANDA, Carlos. Revista de Arqueología Histórica Argentina y Latinoamericana, Buenos Aires, v.1, n.8, p.85-88, 2014.

Este libro, cuya autoría corresponde a Ana María Rochietti, Ernesto Olmedo y Flavio Ribero, tiene como finalidad el abordaje de la “Frontera del Sur” desde una perspectiva que integra las miradas de la Arqueología histórica y la Etnohistoria. Los autores poseen una amplia trayectoria en esta temática, siendo miembros de un equipo de investigación afín inscripto en la Universidad Nacional de Rio Cuarto. La obra se encuentra conformada por una introducción, cuatro capítulos y un final o epílogo. Si bien sus autores no lo explicitan directamente en el libro, puede deducirse de algunos breves comentarios intercalados, que el mismo posee carácter de síntesis en torno a la vasta producción por ellos desarrollada. También evidencia esta condición el glosario ubicado al final del libro en donde se definen -por capítulos- diversos términos esgrimidos. Su lectura apunta a un público variado, su lenguaje es accesible y evita abundar en la jerga específica de las disciplinas implicadas, tornándolo ameno tanto para especialistas como para legos.

Ya desde su introducción se destacan el rol del conflicto y la guerra fronteriza -escenario de confrontación entre indígenas e hispano-criollos- como configurativa de la formación social colonial y republicana. Se resalta el rol de las investigaciones arqueológicas dado que el estudio de la cultura material permite entender al espacio fronterizo del sur como producto de procesos colonialistas específicos, por ende los autores refieren a una Arqueología de Frontera como significante a la hora de estudiar su materialidad y entenderla como expresión de su propia vida social.  El primer capítulo denominado “Arqueología del país fronterizo” se erige, a modo de ejemplo, sobre el relato manifestado en Viaje a caballo por las Provincias Argentinas [1853] del comerciante inglés William Mac Cann. Los autores consideran la descripción hecha por el viajero británico como “(…) un testigo narrativo entretenido y objetivo que nos muestra como era aquel país” (2013:17) y la utilizan para dar cuenta no solo del contexto histórico político sino de la cotidianidad de los diversos grupos sociales -estancieros, gauchos, parcialidades indígenas- que la habitaron sino también las múltiples prácticas en las que se vio inmersa su materialidad (vivienda, tejidos, adornos, higiene, caza y consumo de fauna, entre otros). Más allá de la supuesta mirada objetiva y carente de prejuicios eurocéntricos de Mac Cann, el uso de esta fuente es acertado a la hora de pintar para el lector el panorama complejo de la frontera.  El concepto de frontera, tan discutido en las ciencias sociales (Antropología, Historia, Arqueología, Geografía, etc.) al menos desde la tesis clásica de Fredrik Turner (1893), es abordado por los autores sin mayor densidad teórica -entendible dado el objetivo de divulgación de esta producción. La Frontera del Sur es considerada sucintamente como “condición”, “proceso” y “espacio”, un ámbito constituido en una praxis social. Se aborda historiográficamente sus génesis, sus políticas (externas e internas), su constante estado de potencial conflicto así como su final, los bienes consumidos por sus habitantes; siempre destacando su condición entendida como de producto del colonialismo.

La Arqueología histórica como campo de conocimiento -cuya definición y constitución también ha sido objeto de debate- es caracterizada en términos generales como “(…) una disciplina que intenta una visión totalizadora sobre la naturaleza e historia de la cultura material (…)” en donde se integra información provista por fuentes documentales (otro ámbito de discusión en torno a su uso). Destacan el rol de esta sub-disciplina en el estudio de las clases subalternas dominadas en Latinoamérica. Un planteo de Arqueología de la Frontera debe dar cuenta de ellos: indios y criollos pobres así como de los latifundistas, políticos y oficiales castrenses dominadores. Por ende se permiten distinguir entre tres tipos de “arqueologías”: de fuertes y fortines, de los parajes y de las tolderías. En relación a esta última, en este apartado, los autores enfatizan en la dificultad que presenta la delimitación de territorio indígena basándose solo en fuentes documentales, resaltando los diversos sesgos de las mismas. Destacan así la labor arqueológica de Alicia Tapia en torno a sus estudios de los cacicazgos ranqueles, que según ellos constituyen una verdadera Arqueología del territorio indio.  El segundo capítulo: “La vida militar en la frontera”, se centra en la línea de asentamientos militares así como en la vida de la oficialidad y soldadesca que allí habitaba. En una primera instancia se realiza una distinción tipológica entre estos asentamientos dividiéndolos, de acuerdo a diversas características, en: fuertes, fortines, campamentos y postas. Dicha división, basada en documentación histórica, es útil no solo para otorgar funcionalidad a los sitios estudiados arqueológicamente sino para poder establecer comparaciones en torno a la materialidad tanto intra como intersitio. Por otra parte, se llevó a cabo una revisión en torno a las diversas formas de reclutamiento mediante las cuales las fuerzas armadas conformaba su tropa (casi todas ellas de forma coercitiva), a las precarias condiciones en que estaba sometida y las múltiples deserciones, sublevaciones y motines acaecidos. Los autores, teniendo en cuenta los sesgos de las fuentes escritas por oficiales, postulan a la frontera como un ámbito de creciente militarización y a sus fortificaciones como una forma de castigo para los sectores sociales subalternos. Dada la sólida producción en torno al mundo castrense de la frontera de Río Cuarto, resulta llamativo que no se haya citado la producción de Facundo Gómez Romero quien en sus estudios sobre la Frontera del Sur (específicamente su sector bonaerense) desde un enfoque basado en la teoría de Foucault ha desarrollado numerosos trabajos arqueológicos vinculados con el castigo y el desarrollo de micro-poderes, entendiendo a los fortines como panópticos imperfectos, donde el que vigila desde el mangrullo, no es un superior, sino un par imbuido momentáneamente de poder (Gómez Romero 2002, 2005 y 2007).

El tercer capítulo llamado “Arqueología de los fuertes y fortines” se centra específicamente en la extensa línea de fortificaciones militares así como sus avances y retrocesos a lo largo de más de un siglo. Se describen los rasgos arquitectónicos de fuertes y fortines (dependencias y foseados), su armamento, características de los asentamientos aledaños (pueblos que fueron constituyéndose y tolderías de indios amigos). También se exponen y comentan los, según los autores, escasos trabajos arqueológicos realzados en asentamientos militares de frontera. En ellos dan cuenta de la metodología empleada y sus resultados, con gran cantidad de imágenes y fotografías de materiales que permiten dimensionar el importante aporte de la Arqueología histórica al estudio de la Frontera del Sur. Podría agregarse a esta exhaustiva lista los trabajos llevados a cabo por Alicia Tapia en el “Fortín La Perra” -Depto. De Loventué, La Pampa-, un puesto de control de los territorios anexados durante las últimas campañas militares al denominado desierto (ca 1883) y la producción de Facundo Gómez Romero en el sitio Fortín Otamendi (1858-1869) (Tapia 1999; Gómez Romero y 2007).

Por último, el cuarto capítulo, titulado “arqueología de los asentamientos civiles” destaca la significancia de los muy escasos estudios arqueológicos de asentamientos civiles establecidos en la Frontera del Sur (específicamente en el sector de Rio Cuarto). Se describen las actividades productivas de las estancias de la época y se caracterizan los trabajos arqueológicos llevados a cabo en la Estancia de Chaján (asentada sobre Landa 2014: 85-88 (Reseña) 88  territorio indígena) y la Posta el Pantanillo (un asentamiento rural con capilla) y se estimó el potencial arqueológico de la Posta de Achiras.  Arqueología de la Frontera…, constituye un aporte esclarecedor y enriquecedor, tanto para especialistas en los estudios de frontera, como para aquellas personas interesadas en estos vastos y complejos universos. Como los propios autores afirman “Este libro ofrece una historia basada en la arqueología como prueba testimonial de los acontecimientos del pasado” (2013:14). Esta mirada integradora permite vislumbrar un mundo fronterizo alejado de la estática que implica la liminalidad, un mundo que es atravesado por un dinamismo heterogéneo, efervescente y creativo. Su valiosa contribución radica en que instala en la memoria a la frontera -espacio, historia y materialidad- que como sostienen los autores, casi nadie recuerda, pero en ella se gestó la Argentina moderna”.

Referências

Gómez Romero, F.  2002. Philoshophy and Historical Archaeology: Foucault and a singular technology of power development at the nineteenth century, Argentina. Journal of Social Archaeology. Vol. 2 Nº3: 402-429 2005. Fortines del desierto como enclaves de poder en las pampas Argentinas. América Latina Historia y Sociedad. Laura Mamelli (Ed.). Universidad Autónoma de Barcelona, España. 2007. Se presume culpable. De los Cuatro Vientos. Buenos Aires.

Tapia A. 1999. Fortín La Perra. Entretelones de la dominación y la supervivencia militar en lapampa central. XII Congreso Nacional de Arqueología Argentina. Universidad Nacional Córdoba. Córdoba.

Carlos Landa – Es Licenciado en Ciencias Antropológicas (FFyL, UBA); Magister en Investigación en Ciencias Sociales (FCSoc, UBA) y Doctor en Arquelogía (FFyL, UBA). Es investigador asistente del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET). Se desempeñó en diversos proyectos de investigación radicados en la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. Excavó asentamientos militares de frontera, campos de batalla y sitios rurales de las provincias de La Pampa y de Buenos Aires (Argentina). Publicó numerosos artículos en revistas científicas nacionales e internacionales.

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Paisagens sobrepostas: índios, posseiros e fazendeiros nas matas de Itapeva (1723-1930) – CORRÊA (H – Unesp)

CORRÊA, Dora Shellard. Paisagens sobrepostas: índios, posseiros e fazendeiros nas matas de Itapeva (1723-1930). Londrina: EDUEL, 2013, 274 p. Resenha de: COLACIOS, Roger Domenech. História [Unesp] v.32 no.2 Franca July/Dec. 2013.

O resgate do lugar histórico de grupos antes relegados ou mesmo ignorados pela historiografia tem sido, nas últimas décadas, um campo fértil de pesquisas para muitos historiadores. Essa exumação do passado é realizada tanto fora quanto dentro do Brasil, comumente centrada em mulheres, crianças, indígenas e minorias em geral – atores que foram sistematicamente banidos pela história oficial ou pelas generalizações de linhas teóricas e metodológicas que dominaram a disciplina até grande parte do século XX.

É esta uma linhagem de pesquisa que encontrou fontes de origens diversificadas para dar voz aos esquecidos – desde o testemunho oral até os vestígios mais indistintos de sua presença no passado – em tentativa de escapar da documentação oficial, a qual orientaria o banimento desses grupos, cujo lugar seria mantido fora da história.

Lançado neste ano (2013), o livro Paisagens Sobrepostas, de Dora Shellard Corrêa, vem ao encontro deste trabalho de resgate ao trazer à luz aqueles que antes foram destinados à escuridão histórica. Porém, a autora segue por um caminho diferente do trilhado pela maior parte dos historiadores desta linha. Sua pesquisa e análise têm como orientação geral a história ambiental, e isto apresenta um viés próprio para a historiografia.

A história ambiental, apesar de ser uma área de estudos ainda recente – inaugurada por volta da década de 1970 -, conta com alguns pressupostos teóricos e ferramentas metodológicas consolidadas entre aqueles que nela pesquisam. Uma delas, que representa uma herança de uma corrente historiográfica anterior, é sua vinculação à geografia, particularmente ao trazer para os pesquisadores o espaço como objeto de análise.

No seu livro, Dora Corrêa trouxe à superfície os esquecidos da história de São Paulo, a partir da recuperação das paisagens dos lugares que habitavam. Na compreensão da autora, índios, posseiros e lavradores pobres em momentos históricos distintos tiveram seus espaços de existência – suas paisagens – alterados para a adequação daquilo que o Estado brasileiro entendia como ideal a seus interesses econômicos. Assim, esse processo de apropriação soterrou não somente o lugar, também os que ali existiam.

A definição de paisagem utilizada pela autora foi elaborada por Henri Lefebvre: uma forma de ação do ser humano sobre a natureza representando uma dominação, mesmo que pretensa, sobre o espaço. De forma geral, a paisagem no livro significa a produção do espaço. Ou seja, de como seres humanos de distintas raízes socioculturais modificam a natureza de forma a torná-la suscetível a sua sobrevivência ou a outros interesses.

Embora entendida por Dora Corrêa dessa maneira – como uma “elaboração intelectual” -, a paisagem no livro não passa pela interpretação da História Cultural, que a concebe como uma representação da cultura e dos valores de determinada sociedade – uma perspectiva utilizada por muitos historiadores ambientais. O filtro conceitual principal da autora, entretanto, é o econômico. Seguindo nesta linha de interpretação, a argumentação reorienta o significado de paisagem de Lefebvre, no qual esta não é somente a produção do espaço, mas a produção no espaço.

Porém, essa delimitação do conceito de paisagem feita pela autora não a impede de utilizá-la de formas diversas em sua argumentação que pode ser encontrada de dois modos e sob uma variedade de sentidos. Ora é entendida como abstração, ao representar um enquadramento ou imagem da realidade; outras vezes, traduzindo algo concreto, como natureza, recursos naturais ou lugar. Este procedimento consciente ou inconsciente da autora pode gerar certa confusão para os leitores ao longo do livro, porém, não é nada que prejudique a clareza do argumento.

Este argumento, aliás, se desenrola a partir de um recorte cronológico longo, de pouco mais de dois séculos: de 1723 a 1930. E a paisagem escolhida por Corrêa é uma região localizada no sudoeste do Estado de São Paulo, conhecida como “Matas de Itapeva”, que beira a divisa com o Paraná.

Embora extenso, o recorte histórico atende às intenções do livro, pois o processo de sobreposição de paisagens deve ser compreendido dentro desta longa duração, com atenção voltada para as mudanças e apropriações da área em foco. Isto não significa que o processo seja lento, pelo contrário, é movido por ações violentas de apropriação das áreas, alterando-se drasticamente a finalidade econômica do espaço e o cotidiano das pessoas que nele habitavam.

A autora estabelece três momentos que considera significativos destas sobreposições: 1845-1912-1930; indicam a passagem de sertão para área civilizada ou de terras devolutas para aldeamento indígena. Estes períodos mostrariam também o trato que o Estado brasileiro deu às paisagens da Mata de Itapeva e seus habitantes dentro da divisão tripartite da História do Brasil: Colônia, Império e República.

Apesar da abrangência temporal, o livro se restringe à história e ao espaço paulista. Com a dimensão geográfica reduzida para uma história regional de São Paulo, o foco da análise histórica fica também assim delimitado, inclusive suas fontes e o diálogo que tem com a historiografia, paulista em sua maioria.

Não significa que a autora não tenha expandido essas escalas com a inserção da região no contexto histórico brasileiro em cada um dos períodos analisados. Mas isto ocorre apenas de maneira relacional, ou seja, vendo-se São Paulo como parte do quadro maior do Brasil. Fica a sensação de que, se essa inserção fosse feita comparativamente, o livro se enriqueceria ainda mais, com identificação dos mesmos processos de sobreposição de paisagens aplicados a outras regiões. Por exemplo, o Norte do Paraná, onde se localizam Londrina e Maringá, cuja historiografia, mesmo com outras perspectivas teóricas e metodológicas, abordou justamente esse processo de apropriação de terras consideradas sertões, mas habitadas por seres humanos – índios ou caboclos –, tal como nos trabalhos de Rogério Ivano (Crônicas de Fronteira) e de Nelson Tomazi (Norte do Paraná: histórias e fantasmagorias).

As fontes podem atrair o interesse metodológico. Além dos tradicionais relatos de viajantes, especialmente Saint-Hilaire, a autora fez uso da documentação oficial, o que, levando-se em conta o resgate dos esquecidos, poderia ser considerado incomum. Entram no escopo de análise os itinerários de exploração de rios e caminhos, processos judiciais, memórias e relatórios. Esta documentação, apesar de apontar para o vazio histórico destas regiões, não levou Corrêa a legitimar o esquecimento. Pelos vestígios deixados nas descrições das paisagens, as camadas soterradas recuperaram sua existência.

Dora Corrêa faz surgir, a partir destas fontes, as paisagens sepultadas, tal como ocorre no “pentimento“, jargão das artes que usa e que significa uma alteração ocasionada pelo tempo em uma pintura, levando-se à revelação de outras pinturas sobrepostas num mesmo quadro. A analogia, apesar de todo o cuidado que a autora aplica a seu livro, se encaixa bem com o desenrolar da análise e a forma como ela monta sua narrativa.

Já o diálogo com a historiografia pode chamar atenção para uma releitura dos clássicos da historiografia nacional e paulista. A entrada de outros autores no argumento ocorre na maior parte das vezes como contraponto. Apesar de ressaltar a importância e trazer a historiografia para seu texto, a autora procurou mostrar os esquecimentos, especialmente os relacionados à história indígena, uma leitura montada basicamente nas obras de Caio Prado Júnior, Pierre Monbeig e Sérgio Buarque de Holanda. Os dois primeiros se teriam baseado na concepção de que os “sertões” teriam sido dominados pelos colonizadores, legitimando-se assim os vazios de história dessas regiões, um contraponto para a análise da autora. Já Holanda tratou as relações entre os habitantes destas paisagens e o Estado, entrando como reforço argumentativo.

Por fim, Paisagens Sobrepostas de Dora Corrêa traz para a História Ambiental brasileira mais um caminho de pesquisa e análise para ser seguido. Uma área que, no País, normalmente se leva pelas bases da historiografia estadunidense, a pesquisa de Dora e sua leitura dos clássicos da História do Brasil, moldados pela perspectiva econômica, possibilitam ao historiador ambiental ampliar suas ferramentas e formas de interpretação histórica.

Roger Domenech Colacios – Doutorando em História Social na FFLCH da USP e bolsista FAPESP.

 

 

Índios xokleng e colonos no litoral norte do Rio Grande do Sul (século XIX) – CUNHA (HU)

CUNHA, L.P. da. Índios xokleng e colonos no litoral norte do Rio Grande do Sul (século XIX). Porto Alegre, Evangraf, 2012. 236 p. Resenha de: MARTINS, Maria Cristina Bohn. Sobre histórias não contadas. História Unisinos 17(1):66-68, Janeiro/Abril 2013.

“Índios xokleng e colonos no litoral norte do Rio Grande do Sul (século XIX)” é produto da investigação desenvolvida por Lauro Pereira da Cunha para sua dissertação de mestrado, estudo que efetuou junto ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos2. Mas também é muito mais que isto.

Efetivamente, o texto, apresentado numa edição da Editora Evangraf de Porto Alegre, traz os resultados de vários anos de pesquisa e dedicação do autor, em iniciativas encetadas já muito antes que ele pretendesse dar aos seus estudos um arcabouço acadêmico. Seu comprometimento com a história dos índios é visível e está presente ao longo de todo o texto, assinalando a convicção do autor de que os historiadores, mas também a sociedade como um todo, têm um débito pelo seu desconhecimento dela.

O tema que mobiliza a inquietação intelectual de Lauro P. Cunha é o das populações indígenas do litoral norte do Rio Grande do Sul, envolvendo suas histórias, suas relações com a sociedade “branca” e suas demandas atuais. Neste sentido, a pesquisa pretendeu dar uma resposta àquilo que ele percebeu como uma grave lacuna na historiografia regional (e local): o silêncio em relação à presença e protagonismo histórico de índios do grupo Jê no litoral gaúcho, “como se esta região tivesse se tornado definitivamente ‘esvaziada de índios’ com a retirada dos Guaranicarijó pelas bandeiras escravagistas” dos séculos XVI e XVII (Cunha, 2012, p. 16).

A sua constatação de que as áreas da encosta oriental do Planalto Meridional cobertas pela Mata Atlântica eram, ainda no XIX, no atual RS, o extremo austral do “território de uso” dos xoklengs, levou-o a formular duas questões centrais que serão desenvolvidas na obra: (i) Como os indígenas agiram/reagiram diante da expansão da sociedade ocidental nestas regiões? Considerando os xoklengs como agentes dos processos históricos em curso, de que forma ocorreu sua interação com a colonização lusobrasileira e, depois, com as frentes de imigração europeia? (ii) Sob quais ideias “do outro”, brancos e índios se posicionaram e agiram neste processo? A busca por estas respostas guiou a reflexão proposta pelo autor, interessado que estava em conhecer “este ignorado cenário, composto por homens, mulheres, crianças, ‘índios selvagens’, ‘índios mansos’, brancos, negros e mestiços que não fazem parte dos relatos épicos da historiografia local, mas que desempenharam vários papéis nos projetos de ocupação econômica e populacional da região.

Resistindo, fugindo, matando, morrendo ou assustando, os índios xokleng também foram agentes históricos neste processo” (Cunha, 2012, p. 16).

Em nome deste interesse, Cunha percorreu muitos arquivos, na maioria das vezes para se frustrar diante da escassez de documentos que tratassem das relações entre os xoklengs e as populações ocidentais com os quais eles travaram contato. Também leu muitos livros, teses e dissertações sobre a história do litoral norte do Rio Grande do Sul, para novamente se desencantar diante da desatenção dos historiadores para com eles. Justamente por isto, a parcela da investigação que talvez lhe tenha sido mais cara – e que se apresenta muito rica para os leitores interessados – foi aquela que o autor conduziu visitando “comunidades tradicionais” do litoral, oportunidade em que conversou com moradores antigos e, principalmente, em que ouviu suas histórias. Histórias cheias de ação e vivacidade; histórias cheias de violência e pavor, como no caso das ações de “bugreiros” ou de “índias pegas no mato a cachorro”, que ele reproduz, discute e avalia.

A dissertação, que foi revista e adaptada para dar origem ao livro que aqui resenhamos, teve por título O botoque e o açúcar: índios xokleng e colonos no litoral norte do Rio Grande do Sul (século XIX), o qual, como reconhece o seu autor, é tributário da obra de Luíza Tombini Wittmann (2007), O vapor e o botoque, que estudou as relações entre colonos alemães e índios xokleng no Vale do Itajaí em Santa Catarina. Wittmann, neste trabalho, oferece uma rica contribuição a um tema que não é indiferente aos estudos historiográficos, arqueológicos ou antropológicos do estado vizinho3.

Não é o caso do Rio Grande do Sul, uma vez que se tornou regra aqui entender que os xoklengs “são índios de Santa Catarina”. Lauro P. da Cunha refuta esta ideia e maneja uma série de argumentos e dados empíricos, para evidenciar que os xoklengs estiveram presentes, também, no litoral norte do Rio Grande do Sul até que a intensificação da presença dos “brancos”, especialmente com a introdução das lavouras de cana de açúcar, inviabilizasse esta condição.

O livro é prefaciado pelo Prof. Dr. Eduardo Neumann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o qual afirma que a cuidadosa investigação do autor permitiu “reabilitar, no quadro geral das populações indígenas, um grupo que habitava o Rio Grande do Sul mas que não era mencionado como um coletivo específico”. E, ainda, que o trabalho, por meio da operação de identificação e transcrição de documentos oficiais de caráter administrativo, permitiu resgatá-los “do silêncio a que foram confinados pela escrita da história oficial” (13).

O texto tem suas 236 páginas divididas em três capítulos. No primeiro deles, o estudo apresenta uma “retrospectiva” da história de contatos entre os grupos indígenas do litoral norte do Rio Grande do Sul e os ocidentais (bandeirantes, religiosos e tropeiros) a partir do século XVI. Ele buscou evidenciar aí que, contrariamente ao que reza a historiografia, os xoklengs não eram um grupo isolado até os inícios da imigração europeia no estado, e que seu comportamento esquivo no Oitocentos resulta exatamente do conhecimento que haviam adquirido a partir de suas relações anteriores com os brancos, isto é, das experiências que tinham vivido e das interpretações que conferiram a elas. Ainda neste capítulo o livro discorre sobre o avanço da pecuária neste espaço, evidenciando que, embora uma “fronteira étnica” com os xoklengs começasse aí a se esboçar, estancieiros e indígenas ocupavam, ainda, territórios diferentes e não mutuamente cobiçáveis: a planície costeira (formada por campos, banhados e lagoas), e a floresta da “encosta da serra Geral”.

O capítulo seguinte abrangeu o tempo da instalação da agricultura por meio da “frente açoriana” de colonização. Apesar de seus roçados estarem instalados nas faces dos morros voltadas para o mar, estes “colonos” deram início à erosão da fronteira geográfica que havia separado brancos e índios, processo que, ao mesmo tempo, levou ao enrijecimento da fronteira étnica. Segundo o autor, neste momento os nativos poderiam ter contornado o contato mais intenso com os brancos, mas não o fizeram, investindo em uma série de ataques, especialmente em busca de ferramentas e outros bens materiais que desejavam.

Os xoklengs “não mais se encontravam isolados porque não tinham mais como se manter indiferentes ao mundo que se criava ao seu redor e à sua revelia. Não estavam tão distantes do mundo colonial, e as ‘correrias’ que praticavam eram um exemplo de que […] podiam entrar e sair dele”.

Seu modo de vida havia se alterado de forma incancelável, especialmente pelo aparecimento de novas necessidades criadas pelo contato, tal como cachorros, tecidos e, principalmente o ferro (Cunha, 2012, p. 215).

As iniciativas dos xoklengs para obter estes recursos geraram violenta repressão por parte dos colonos e do poder público, bem como contribuíram para firmar a noção de que eles eram um perigo e um empecilho para o avanço das lavouras. Com o estabelecimento militar de Torres (1820) e o surgimento das Companhias Sertanejas (1822), o Estado passou a investir sistematicamente na perseguição aos “selvagens”. O autor chama a isto de “bugreirismo oficial” e avalia, neste momento do texto, as políticas e práticas que pretenderam abrir a região para a presença dos imigrantes europeus que passavam a ingressar no Rio Grande do Sul.

O assentamento de colônias de italianos e alemães no litoral norte, ao longo do XIX, significaria o caminho sem volta para o processo de depopulação indígena nesta área, e a história das relações dos nativos com esta nova frente de expansão da fronteira agrícola é o tema do terceiro e último capítulo da obra. Nesta nova fase, observa o autor, o governo provincial “se colocou francamente ao lado dos colonos, enviando […] soldados para o interior das matas para perseguir índios que permaneciam como problema […]” (Cunha, 2012, p. 215). Além deles, os xoklengs haveriam de se enfrentar, também, com companhias de perseguidores de negros quilombolas, madeireiros, mercadores e mesmo bandidos comuns, que passavam a frequentar a mata.

Segundo adverte Lauro Cunha, não houve interesse por parte das autoridades em integrar os xoklengs ao sistema econômico regional4, descartados que foram como possível mão de obra ou produtores de artigos que interessassem comercialmente aos brancos5. Para os colonos e autoridades locais, eles se constituíam em um entrave ao progresso e segurança; “a presença deste ‘outro’ era um incômodo e o medo obrigava a que não se reconhecesse seu direito de estar ali. E, como ninguém aceitava plenamente a sua humanidade, a solução seria o seu afugentamento” (Cunha, 2012, p. 190). Por parte dos índios parece também não ter havido inclinação à convivência.

Assim, eles ofereceram resistência armada sempre que lhes foi possível e recuaram quando não havia outra opção; ao mesmo tempo, à medida que a colonização se assentava, restavam-lhes menos espaço e possibilidades de sobreviver.

Se Lauro Pereira da Cunha queria contar a dramática histórica deste desaparecimento, esquecido pelos livros de história regional, este não era seu único intento, uma vez que pretendia, também, refl etir sobre as ações e escolhas dos xoklengs, que não foram vítimas inermes do avanço dos brancos, mas “praticaram seus furtos e dispararam suas fl echas”, agiram e se transformaram, “pois era impossível permanecerem imutáveis no conflituoso contato com o outro”. Foram, desta forma, agentes fundamentais na construção da sociedade do litoral norte do Rio Grande do Sul, ajudando a delinear os seus limites e possibilidades. Reavaliando suas categorias culturais e o significado deste contato, optaram por expropriar o branco em bens que poderiam lhes ser úteis, em especial no que tange aos instrumentos de ferro. Eles pensaram, assim, em seus próprios termos, a recusa quanto a alianças ou contatos amistosos, mantendo-se em permanente estado de guerra “e arcando com as consequências da escolha feita” (Cunha, 2012, p. 215).

É preciso finalmente lembrar que o autor tem plena consciência de que recuperar histórias passadas tem forte incidência na história presente, e que ele pretende que as páginas que escreveu contribuam para a composição de uma etno-história xokleng, instrumento que os índios têm aprendido a acionar nas suas demandas pelo reconhecimento de territórios sobre os quais afirmam ter direitos “históricos”.

Referências

LAVINA, R. 1994. Os Xokleng de Santa Catarina: uma etnohistória e sugestões para arqueólogos. São Leopoldo, RS. Dissertação de Mestrado em História, Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 266 p.

NAMEM, A.M. 1994. Botocudo: uma história de contato. Florianópolis/ Blumenau, Ed. da UFSC/Ed. da FURB, 112 p.

SANTOS, S.C. dos. 1973. Índios e brancos no sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng. Florianópolis, Edeme, 313 p.

SANTOS, S.C. dos. 1997. Os índios Xokleng: memória visual. Florianópolis, Ed. da UFCS; Itajaí, Ed. da UNIVALEI, 152 p.

SELAU, M. da S. 2006. A ocupação do território Xokleng pelos imigrantes italianos do Sul Catarinense (1875-1925): resistência e extermínio.

Florianópolis, SC. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal de Santa Catarina, 156 p.

WITTMANN, L.T. 2007. O vapor e o botoque: imigrantes alemães e índios xokleng no Vale do Itajaí/SC (1850-1926). Florianópolis, Letras Contemporâneas, 265 p.

Notas

2 O trabalho, concluído em agosto de 2012, intitulou-se O botoque e o açúcar: índios xokleng e colonos no litoral norte do Rio Grande do Sul. Contribuíram com o mesmo, como membros da sua Banca de Qualificação, os professores Véra Maciel Barroso, Marcos Witt e Maria Cristina Bohn Martins; da Banca de Mestrado, participaram Eduardo Neumann, Jairo Rogge, Eloísa Helena Capovilla da Luz Ramos e Maria Cristina Bohn Martins.

3 Entre outros: Selau (2006); Santos (1973); Santos (1997); Namem (1994); Lavina (1994).

4 Nem tampouco, como se dizia desde os tempos coloniais, “em resgatá-los para a civilização”.

5 “Tivessem sido incluídos na política de aldeamentos que ‘pacificou’ os kaingang, certamente não teriam desaparecido” (Cunha, 2012, p. 215).

Maria Cristina Bohn Martins – Universidade do Vale do Rio dos Sinos Av. Unisinos, 950, Cristo Rei 93022-000, São Leopoldo, RS, Brasil 1 Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em História da Unisinos; Bolsista de Produtividade do CNPq. E-mail: mcris.unisinos.br.

Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845) | Fernanda Sposito

A temática indígena ainda não entrou de maneira firme na história política do Império. É essa, pelo menos, a impressão deixada por algumas obras coletivas publicadas recentemente. Ao não tratarem dos índios e das nações indígenas, essas historiografias, que se apresentam como visões panorâmicas sobre o século XIX, terminam ajudando a propagar a falsa ideia de que os índios não eram uma preocupação política dos contemporâneos, ou não representavam uma ‘variável’ importante para a análise da experiência histórica brasileira do período. Em Nação e cidadania no Império: novos horizontes, [1] por exemplo, existem 17 capítulos e nenhum deles se dedica aos índios e às suas experiências durante o Oitocentos. O mesmo acontece em Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade, [2] com 23 capítulos, nenhum dos quais enfocando a questão indígena como eixo central da análise. Não é aceitável, contudo, continuar discutindo a formação do Estado, a consolidação do território nacional e a cidadania, durante o Império, sem considerar de maneira clara, direta e corajosa o problema dos índios, das comunidades indígenas já integradas à ordem imperial e das inúmeras nações independentes que, progressivamente, foram conquistadas ao longo do próprio século XIX. A recente publicação de O Brasil Imperial, coleção em três volumes, com 33 capítulos, um deles dedicado aos índios,[3] é digna de menção, pois representa um avanço significativo. Leia Mais

Os índios na História do Brasil | Maria Regina Celestino de Almeida

A Lei 11.645 de 10 de março de 2008, que torna obrigatório o estudo de história e cultura indígenas (além da africana e afro-brasileira) nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, público e privado, explicita algumas importantes questões sobre o ensino dessa disciplina escolar. A mais evidente é o fato de não haver esse componente curricular nos cursos de Graduação e Licenciatura em História, salvo raras exceções, o que traz uma série de implicações àqueles professores que desejam cumprir a determinação legal, pois devem suprir essa lacuna na formação pelos mais diversos meios disponíveis. Entre eles, certamente, destaca-se o livro didático – esse ‘produto cultural complexo’, como disse Stray –, que acaba por exercer inusitado e importante papel na formação docente.

Outro aspecto, no entanto, ganha relevância na abordagem dessa temática em sala de aula: o fato de a cultura indígena não ser a dominante em nossa sociedade, tanto que é objeto dessa legislação específica. Assim, é considerada ‘a outra’, diferente, diversa, exótica e estranha, frente à cultura dominante, ocidental, branca, europeia, civilizada, cristã e ‘normal’. Sujeita aos estigmas classificatórios, a cultura desse ‘outro’ será identificada como primitiva, étnica, inferior e atrasada, será entendida como essencialista, ou seja, pura, fixa, imutável e estável, portanto, a-histórica. Dessa forma, o indígena que não se apresenta nesse suposto estado puro será considerado aculturado, não índio, sem identidade e sem tradição, daí os índios serem representados predominantemente como figuras do passado, mortas ou em franco processo de extinção, fadados ao desaparecimento.

Embora não seja destinado especificamente a suprir a demanda desses conteúdos pelos professores da educação básica, o livro Os índios na História do Brasil de Maria Regina Celestino de Almeida apresenta importante e denso panorama da temática, dentro dos limites de um livro de bolso (coleção FGV de bolso, Série História), e bem serviria a esse propósito. Baseia-se na produção historiográfica mais recente, em novas leituras decorrentes de documentos inéditos, novas abordagens fundamentadas em novos conceitos e teorias, bem como em pesquisas interdisciplinares, e começa, justamente, pela complexa discussão sobre a concepção de cultura indígena que acabou por alijar esse grupo social da História.

Desempenhando papéis secundários ou aparecendo na posição de vítimas, aliados ou inimigos, guerreiros ou bárbaros, escravos ou submetidos – nunca sujeitos da ação, uma vez dominados, integrados e aculturados –, desapareciam como índios na escrita histórica e, não à toa, estariam condenados ao desaparecimento também no presente, prognóstico derrubado pelas evidências apontadas pelo censo demográfico do IBGE de 2010, que aponta crescimento de 178% no número de indígenas autodeclarados desde 1991, bem como a existência de 305 etnias e 274 línguas.

O reconhecimento aos povos indígenas do direito de manter sua própria cultura, garantido pela Constituição de 1988, assim como sua maior visibilidade em lutas pela garantia de seus direitos, tiraram esses grupos dos bastidores da história – para usar uma imagem da própria autora –, garantindo-lhes um lugar no palco, despertando o interesse dos historiadores que passaram a percebê-los como sujeitos participando ativamente dos processos históricos. Tal percepção foi ainda favorecida pela imbricação entre história e antropologia na perspectiva de “compreensão da cultura como produto histórico, dinâmico e flexível, formado pela articulação contínua entre tradições e novas experiências dos homens que a vivenciam” (p.22), possibilitando novos entendimentos das ações dos grupos indígenas nos processos em que estavam envolvidos.

Ao discutir hibridação cultural, Canclini afirma que “quando se define uma identidade mediante um processo de abstração de traços (língua, tradições, condutas estereotipadas), frequentemente se tende a desvincular essas práticas da história de misturas em que se formaram”, o que torna impossível para esse antropólogo “falar das identidades como se se tratasse apenas de um conjunto de traços fixos, nem afirmá-las como a essência de uma etnia ou de uma nação”.1 Nesse sentido, Almeida chama nossa atenção para o necessário entendimento das “identidades como construções fluidas e cambiáveis que se constroem por meio de complexos processos de apropriações e ressignificações culturais nas experiências entre grupos e indivíduos que interagem” (p.24), que tornou possível nova mirada dos historiadores sobre a identidade genérica imposta sobre esses grupos, a começar pela denominação ‘índios’, como se constituíssem um bloco homogêneo, desconsiderando não só as diferenças étnicas e linguísticas, mas também os diferentes interesses, objetivos, motivações e ações desses grupos nas relações entre si e com os colonizadores europeus que, como não poderia deixar de ser, foram se modificando com a dinâmica da colonização.

Importante ressaltar que as considerações da autora sobre cultura e identidade são fundamentais para compreender a perspectiva adotada pelos historiadores que se debruçam sobre essa temática, mas igualmente necessárias para o leitor que pretende conhecer um pouco mais sobre os índios na História do Brasil e, por que não dizer, indispensáveis aos professores do ensino básico que, tendo de se haver com o ensino de história e cultura indígenas nos estabelecimentos de ensino público e privado, deparam com toda sorte de preconceito, racismo e etnocentrismo.

Imbuída dessa concepção dinâmica de identidade e cultura, a autora nos apresenta ao longo dos seis capítulos do livro alguns dos principais debates e pesquisas acadêmicos sobre a temática, sem entrar na discussão historiográfica sobre haver ou não uma história indígena, propriamente dita, ou sobre a controversa denominação etno-história, daí a interessante solução encontrada para o título da obra: Os índios na História do Brasil.

A autora esclarece que para o estudo das relações entre os colonizadores e indígenas, já nos primeiros contatos torna-se necessário não tomar estes últimos como tolos ou ingênuos dispostos a colaborar com os portugueses em troca de quinquilharias, mas compreender seu universo cultural. Discutindo, por exemplo, a peculiar relação com o outro na cultura Tupinambá, implicada na guerra, nos rituais de vingança, escambo e casamento, nos alerta que “embora eles tivessem grande interesse nas mercadorias dos europeus, suas relações com estes últimos significavam também oportunidades de ampliar relações de aliança ou de hostilidade” (p.40). Da mesma forma, afirma que “eles trabalhavam movidos por seus próprios interesses, e quando as exigências começaram a ir além do que estavam dispostos a dar, passaram a recusar o trabalho” (p.42), o que se somou ao fato de que no universo cultural desse grupo o trabalho agrícola era considerado atividade feminina.

Embasada em vasta bibliografia e em fontes primárias, a autora percorre a complexidade das relações indígenas nas diversas regiões do país – capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Itamaracá, Ilhéus, Bahia, Ilhéus, Espírito Santo, São Tomé, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro etc. Nesse percurso, reafirma a identidade dos grupos indígenas como característica dinâmica, como é o caso dos temiminós do Rio de Janeiro, que provavelmente seriam uma construção étnica do contexto colonial, oriunda do subgrupo Tupinambá no processo de relações e interesses dos grupos indígenas e estrangeiros, pois “afinal, se a identidades étnicas são históricas e múltiplas, não há razões para duvidar de que os índios podiam adotar para si próprios e para os demais, identidades variadas, conforme circunstâncias e interesses” (p.61).

A condição de agentes históricos atribuída aos indígenas ganha evidência na análise da política de aldeamentos que, conforme demonstra Maria Regina Celestino de Almeida, possuía diferentes funções e significados para a Coroa, religiosos, colonos e índios. Para estes, poderia significar terra e proteção frente às ameaças a que estavam submetidos nos sertões, como escravização e guerras, o que não os impedia de agir conforme seus interesses e aspirações na relação com os outros grupos, não obstante as limitações de toda ordem a que estavam sujeitos nesses espaços de conformação. Dessa forma, valendo-se da legislação decorrente das políticas indigenistas, os índios aldeados “aprenderam a valorizar acordos e negociações com autoridades e com o próprio Rei, reivindicando mercês, em troca de serviços prestados. Sua ação política era, pois, fruto do processo de mestiçagem vivido no interior das aldeias. Suas reivindicações demonstraram a apropriação dos códigos portugueses e da própria cultura política do Antigo Regime” (p.87).

Nesse sentido, afirma a autora, os aldeamentos devem ser pensados como “espaços de reelaboração identitária” (p.98), seja ressignificando os rituais religiosos católicos, aprendendo a ler e escrever o português ou estabelecendo relações complexas e ambíguas com os diferentes grupos sociais, inclusive indígenas, segundo seus interesses.

Esse processo pode ser ainda observado na Amazônia de meados do século XVIII, quando índios tornaram-se vereadores, oficiais de câmara e militares (p.120), e se prolonga pelo século XIX, quando indígenas eram recrutados compulsoriamente para os serviços militares, notadamente a Marinha (p.147). Interessante lembrar o episódio da Guerra do Paraguai (1864-1870), na qual lutaram índios Terena e Kadiwéu, não sem utilizar diversas estratégias para escapar ao alistamento como Voluntários da Pátria. Mais tarde, no último quartel do século XX, essa participação foi evocada na reconstituição da memória desses grupos para reivindicar direitos territoriais no Mato Grosso do Sul ancorados no heroísmo e colaboração com o Estado (p.149). Sujeitos históricos no presente e no passado, condição que dialoga com as possibilidades de romper a invisibilidade indígena no passado e no presente.

Nota

1 CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2008. p.23.

Antonio Simplicio de Almeida Neto – Departamento de História, Universidade Federal de São Paulo. E-mail: asaneto@unifesp.br


ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. Resenha de: ALMEIDA NETO, Antonio Simplicio de. Indígenas na história do Brasil: identidade e cultura. Revista História Hoje. São Paulo, v.1, n.2, p. 275- 279, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

 

Biodiversidade e renovação da vida: em questão – BARROS (Ge)

BARROS, Henrique Lins de. Biodiversidade e renovação da vida: em questão. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011. 94p. Resenha de: NEVES, Ana Carolina de Oliveira; MACHADO, Carla Jorge. Sempre haverá renovação? Geografias, Belo Horizonte, v.8, n.1, p.103-106, jan./jun., 2012.

Lançado em 2011, o livro ‘Biodiversidade e renovação da vida: em questão’, editado pela Claro Enigma em parceria com a Editora Fiocruz, é o primeiro volume da nova coleção de ciências da Fiocruz. O autor da obra, Henrique Lins de Barros, possui doutorado em Física e se dedica aos estudos na área de biofísica, história da ciência e museologia.

Na Introdução, o autor tece um panorama geral do que é a ideia de biodiversidade e de como ela surgiu. Da ideia de biodiversidade, passa às noções de diversidade cultural e argumenta que os europeus, colonizadores do Novo Mundo, não souberam se aproximar de outras culturas, pois não haviam aprendido outra relação com o mundo natural que não fosse de exploração para consecução de seus próprios anseios. Nesse eixo temático, dando conta das dificuldades que o colonizador europeu tinha em relação às culturas diversas da sua, o autor desenvolve cada um dos oito capítulos do livro.

O primeiro capítulo “Biodiversidade e Diversidade Cultural: eis a questão”, trata das diferenças que são extremamente necessárias não apenas da perspectiva biológica, mas também no tocantes às relações entre as pessoas. Sem a aceitação de um pelo outro, ou sem a tolerância, não é possível conviver com o diferente. À essa luz, do autor explica que o sentimento do colonizador europeu era de permanente estranhamento em relação à cultura do colonizado. Assim, a devastação ambiental foi simplesmente uma transposição das relações socioespaciais vigentes na Europa de então: se cultura e hábitos dos colonizados não eram compreendidos e, portanto, não eram aceitos, a exploração do ambiente consistiu em desdobramento natural dessa concepção pouco tolerante; concepção essa que fundamentou o extermínio do que não se adequava às pretensões dos europeus.

No segundo capítulo “Espanto, Fascínio e Horror”, o autor discorre sobre a estranheza de portugueses e espanhóis diante das várias culturas – a dos indígenas brasileiros, a incaica, a asteca e a maia. Ao passo que os europeus se pensavam como indivíduos, os colonizados das Américas se pensavam como grupo, acentua ainda o autor nesse capítulo.

“Conhecer para Dominar” é o título do terceiro capítulo que lida com duas questões: a classificação taxonômica das espécies e a compreensão progressiva de que a Terra era mais velha do que supunham os católicos.

Esse capítulo é o mais difícil porque nele há muitas informações distintas, embora unidas por um elo histórico temporal que trata dos avanços dos séculos XVIII e XIX: avanços conducentes ao entendimento de que o que havia na Terra poderia ter desaparecido. Assim, Henrique Lins de Barros inicia o capítulo mencionando que a diversidade encontrada de formas de vida levou o europeu à necessidade de organizar, num sistema de classificação e nomenclatura universal, os seres vivos, de tal forma que fosse possível comparar diferentes observações feitas por diferentes pessoas. O autor descreve, então, o trabalho de Carlos Lineu – o Sistema de Nomenclatura Binomial, que é uma das bases da taxonomia moderna e da biologia – retomando a questão central do livro: a diversidade das espécies em ameaça pelo próprio homem. Os trabalhos do paleontologista Cuvier, que utilizou o sistema de Lineu, mostraram a existência de extinções.

Erasmus Darwin, Lamarck, Smith e Hutton são outros naturalistas que indicaram em seus estudos “que o tempo de existência do planeta é maior do que algumas dezenas de séculos”.

Explicitando a importância crucial dos trabalhos de Darwin e Wallace quanto aos rumos da biologia, o capítulo quarto, “A Evolução por Seleção Natural”, pode ser considerado o eixo central do livro. Wallace e Darwin elaboraram os mecanismos da evolução decorrente da seleção natural em dois pontos cruciais. O número de espécies tende a aumentar e nenhum organismo sobrevive sem interagir com o meio externo são assertivas que substanciam o primeiro ponto. O segundo se refere à noção do tempo, considerada muito longa para que uma nova espécie pudesse surgir na Terra, se comparada à idéia de Deus criava novas espécies num ‘piscar de olhos’. Esses aspectos são importantíssimos, pois trazem a noção de ‘alerta’, que em nossa releitura assumiria a seguinte forma: as espécies precisam do ambiente e, se não puderem ‘contar’ com esse ambiente, podem desaparecer e, com isso, outras espécies podem levar muito tempo (da ordem de milhares a milhões de anos em algumas situações) para surgir.

No capítulo cinco, “A Idade da Terra”, as teorias sobre a idade da Terra são discutidas, e os fundamentos do surgimento da vida na Terra, descritos. A deriva continental e o surgimento de entidades capazes de se replicarem deram origem às informações necessárias para que houvesse vida: os ácidos nucléicos. A discussão do autor leva ao entendimento do ‘que é a vida’: “ela se perpetua, mas não se repete”.

Ainda nesse capítulo, Henrique Lins de Barros pontua o aparecimento de uma nova classe de organismos capazes de realizar fotossíntese, que possibilitou, por sua vez, o surgimento de outros seres.

A história da Terra em seus períodos geológicos, do Pré-Cambriano ao Cretáceo, foi submetida à análise no capítulo seis: “A Vida na Terra”. Os acontecimentos desse período são descritos com ênfase nas grandes extinções dos animais, plantas e fitoplâncton. Segundo o autor, poder-se-ia dizer que “se houvesse inferno, ele estaria se realizando ali“, há 65 milhões de anos, ou seja, no próprio planeta Terra.

“Destruição e Renovação” é o título do sétimo capítulo. Se o capítulo anterior descreve com detalhes a destruição de animais, plantas e fitoplâncton, o capítulo sete surge como um ‘alento’, indicando a crescente diversidade biológica que surgia há 150 milhões de anos desde o aparecimento dos dinossauros até sua extinção. Conforme sugestão do autor, sem a presença dos dinossauros, outros seres conseguiram sobreviver, surgiram os primeiros primatas, com destaque para o Homo sapiens cuja capacidade de adaptação é imensa. Por meio do exemplo elucidativo da ilha de Cracatoa, o autor conclui: “a chave para tamanha capacidade de renovação está na enorme diversidade de formas vivas”.

Henrique Lins de Barros afirma, no capítulo oito, “O Homem na Natureza”, que o aumento da temperatura do planeta, tema comum ao homem moderno, fará com que várias espécies desapareçam; extinção essa produzida pelo próprio homem. O pensar nas gerações futuras impõe ao autor a necessidade de repensar o conceito de indivíduo; assim, a noção de grupo é explicitamente retomada. Se as mudanças são lentas, tudo o que o homem consumista e imediatista teria de fazer hoje seria mudar sua relação com a natureza. Mas não há promessas de curto prazo: os benefícios só seriam sentidos em “uma extensão temporal bem mais larga”. Nesse sentido, o autor termina o livro de forma instigante, fecha um ciclo, ao fazer o leitor retornar ao segundo capítulo e pensar a origem da relação deturpada que temos com a natureza. Enfim, o autor nos traz uma história real, cujo desfecho não será satisfatório, se a forma de compreender o ambiente não for alterada.

Ana Carolina de Oliveira Neves – Doutora em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre – ICB/UFMG. E-mail: ananeves@biotropicos.org.br.

Carla Jorge Machado – Professora Adjunta do Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG. E-mail: carlajm@ufmg.br.

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A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória | João Pacheco de Oliveira

A ideia desse texto não é fazer propriamente uma resenha do recém-publicado livro A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória, pois uma resenha diante da dimensão do conjunto de textos que compõe o livro é uma tarefa bastante árdua e demandaria um espaço bem maior dos limites que aqui propomos. Buscamos tão somente então situar o livro em um debate mais amplo: as pesquisas, as reflexões e os textos gerais publicados sobre os índios no Nordeste.

Com suas mobilizações os índios no Nordeste vêm ocupando cada vez mais o cenário sociopolítico regional e assim questionando as tradicionais visões e imagens que advogam a inexistência, a extinção ou ainda o gradual desaparecimento dos povos indígenas na Região. Durante muito tempo e até bem recentemente, os indígenas no Nordeste não foram desconsiderados nas reflexões históricas, antropológicas e das Ciências Humanas e Sociais em uma visão baseada nas concepções da aculturação ou mestiçagem, após a extinção oficial dos aldeamentos indígenas a partir de meados do Século XIX. Leia Mais

Indios y españoles en la antigua provincia de Santa Marta, Colombia, Documentos de los siglos XVI y XVII – LANGEBAEK (M-RDHA)

LANGEBAEK, Carl Hernik. Indios y españoles en la antigua provincia de Santa Marta, Colombia, Documentos de los siglos XVI y XVII. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2007. 251 p. Resenha de: CASTILLO, Guissepe D’Amato. Memorias – Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe, Barranquilla, n.15, jul./dez. 2011.

El nivel de relaciones que generaron el encuentro entre europeos y nativos americanos durante los tres siglos posteriores al descubrimiento, son uno de los aspectos a los cuales la historiografía en general ha realizado un mayor énfasis. Precisamente Langebaek se ocupa de una de las características que este tipo de relaciones generaron, los conflictos. Esta obra toma como fuente algunos documentos —especialmente

correspondencias— que dirigieron algunos protagonistas a los reyes de España; depositados en el Archivo de Indias en Sevilla. Un primer capítulo denominado El esplendor perdido: Jerónimo Lebrón informa a su majestad de las necesidades de la ciudad de Santa Marta, 1538, describe muy superficialmente la deplorable situación que atravesaba la ciudad después de algunas proezas en la consecución de oro por parte de los ejércitos de su Majestad; esto en parte debido a los conflictos generados con los nativos, los cuales dificultaban un fácil acceso a las minas de oro de la Sierra Nevada de Santa Marta,

el autor encamina esta primera parte bajo un informe elaborado por Jerónimo Lebrón (Párroco general de Santa Marta) en 1538, quien comunica algunos desafueros y fallas en la administración de la ciudad, por parte del gobernador Alonso Luis de Lugo. De igual manera Lebrón muestra en su relato una amplia perspectiva de los riesgos que vivían los conquistadores al momento de penetrar en la Sierra, sumada a los inconvenientes que generaba una real provisión emitida por la corona española, la cual amparaba bajo cierta medida a las mujeres y jóvenes menores de veinte años ¿donde surgía el problema de tal obediencia? El párroco hace mención, a que las mujeres y jóvenes amparados por la real provisión se encargaban de flechar a los ejércitos realistas.

No sería una de las únicas problemáticas enfrentadas por los realistas en Santa Marta, ya que Gonzalo de Vega, procurador de aquella provincia describe en un segundo capítulo Esperanza y frustración: La población de Tairona en 1571 las ventajas que generaba Santa Marta hacia el Nuevo Reino de Granada en comparación con Cartagena, si recibieran un mayor apoyo de la corona. El capitulo siguiente Una nueva relación geográfica: La descripción histórica y geográfica de la ciudad de Nueva Salamanca de la Ramada, 1578. Se encarga de mostrar la función realizada por el capitán Bartolomé de Alva, quien funda la Nueva Salamanca de la Ramada en la desembocadura del rio Dibuya, región que generaba un gran atractivo entre los conquistadores, ya que era considerada “muy rica” debido a la variedad de especies que presentaba — tanto animales como vegetales—, minas de oro que no se explotaban por falta de mano de obra, piedras preciosas, jaspe y cristal; cerca de lagunas donde se hacía sal. A esta descripción se le suma dos años después, la del obispo franciscano Sebastián de Ocando. Nombrado en 1559, quien escribiría varias veces al consejo real de su Majestad para informar sobre el estado de guerra, que vivían con los nativos a pesar de que las autoridades civiles informaban lo contrario, sus desavenencias con el gobernador Lope de Orozco tuvo que ver con sus denuncias sobre el mal trato a los indios, y que en la provincia —Santa Marta— había reducido su número de 20.000 existentes a 2.000 nativos, quien también menciona que en cincuenta años de promulgar el cristianismo en esta región, no existían iglesias hechas por los nativos y, no se hacía nada para darles doctrina. Estas “faltas” por parte de los nativos, toca su punto álgido en 1599 Levantamiento y venganza en 1599 cuando los cronistas Juan de Castellanos y Gonzalo Fernández de Oviedo, acusaron a los habitantes de la Sierra Nevada de sodomía; los nativos provocan un levantamiento, en protesta de no querer cambiar sus costumbres, motivados por la visita del gobernador Juan Guiral Betón a Jeriboca para condenar los pecados; este levantamiento en Chengue provoco la matanza a un sacerdote, un capitán español, a un hombre de servicio y otro español, luego tomando la Ramada asesinando al sacerdote, mujeres y niños.

Después de la tormenta, el sometimiento. Informe del obispo Sebastián de Ocando siete años después del levantamiento titula el sexto capítulo, describe la respuesta de una orden real, que da a conocer el estado de los repartimientos siete años después, en ella se denuncia una red corrupta para designar las encomiendas y todo tipo de atropellos contra los indios. Encomiendas, indios y tributos en la provincia y gobierno de Santa Marta, 1625. Relaciona el repartimiento de las encomiendas y de los indios tributarios (Denuncia de Lucas García Miranda sobre el maltrato a los indios en 1628) teniendo en cuenta las actividades económicas, que tienen una marcada especialización; en este capítulo seria Jerónimo de Quero el encargado de hacer tal descripción. A la cual se le suma el atropello a los indios denunciado por Lucas García Miranda, quien testimonia en su carácter de obispo de Santa Marta, el maltrato sufrido de los españoles como azotes, cepos y grillos —específicamente por los encomenderos y muchos frailes— se desligaban del propósito original de Dios, la cristianización.

En 1693 el padre agustiniano Francisco Romero publica en Milán la crónica Llanto sagrado de la América Meridional, donde enfatiza en la destrucción de los santuarios y los ídolos en la Sierra algunos de los cuales serian llevados a Roma. Dirigida las autoridades religiosas y laicas, en el tema de la conversión indígena, esta descripción hace parte del noveno capítulo La idolatría de los indios en el siglo XVII: El caso de los Arhuacos. Ya en el decimo y ultimo capitulo Santa Marta en la grandeza de las indias de Gabriel Fernández de Villalobos, Marqués de Varina, 1683 se recopila una serie de documentos, que cierran con una descripción de la Sierra Nevada. Seduce con una visión romántica donde los describe —a los nativos— como amigos de la libertad; abiertos a la entrada de la cristianización, sabiendo la imposibilidad de un triunfo militar. Propone a la corona la entrada de los frailes capuchinos, como parte de una mejor estrategia para incorporarlos al dominio colonial y, abrir la explotación comercial allí donde abundaban las piedras preciosas y el oro. Su voz fue escuchada, y en el 1693 los capuchinos se encargarían de catequizar a los indios Arhuacos.

Guissepe D’Amato Castillo – Historiador – Joven Investigador. Universidad del Norte

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Os Índios na História do Brasil | Maria Regina Celestino Almeida

Durante longo período na historiografia brasileira convencionou-se estudar os povos indígenas como meros apêndices sem vontade de uma sociedade conquistadora e dominante. Vistos enquanto vítimas passivas de um processo assimilador, os mesmos acabavam submetidos e incorporados ao sistema colonial, perdiam sua identidade, sua língua, deixando de ser índios e desaparecendo da história. Na atualidade, felizmente, tais ideias já não se sustentam mais, tendo em vista o avanço das concepções teórico-metodológicas das investigações realizadas em diferentes centros de ensino e pesquisa, sobretudo a partir dos últimos 20 anos. Cada vez mais, diferentes pesquisadores revelam a imensa capacidade dos povos indígenas de agir com movimentos próprios, diante das mais adversas situações, criando múltiplas estratégias de sobrevivência que incluem negociações, conflitos, rearticulações culturais e identitárias.

Entre os pesquisadores desta nova corrente historiográfica que vem quebrando preconceitos e visões estereotipadas sobre as populações indígenas, está Maria Regina Celestino de Almeida, professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Em seu livro Os Índios na História do Brasil, a autora analisa a trajetória da inserção dos povos indígenas na historiografia brasileira, enfocando os avanços conceituais dos últimos anos e trazendo a tona o que John Manuel Monteiro chama de uma “nova história indígena” (2001, p. 5). Nesta concepção, é uma tarefa para os historiadores refazer as trajetórias múltiplas para entender que a história dos índios também faz parte da história do Brasil. Leia Mais

“La Recuperación de Tecnologías Indígenas: Arqueología, tecnología y Desarrollo en los Andes” – HERRERA (RAP)

HERRERA, Alexander. “La Recuperación de Tecnologías Indígenas: Arqueología, tecnología y Desarrollo en los Andes”. Bogotá: Editorial Universidad de los Andes, 2009. Resenha de: JIMÉNEZ, Andrés Alarcón. Revista Arqueologia Pública, Campinas, n. 4, 2011.

Alexander Herrera é professor da Universidade de Los Andes, em Bogotá, Colômbia e este seu livro foi publicado em 2009 pela editora dessa instituição.

Herrera leciona sobre arqueologia; formou-se em universidades do Peru e da Inglaterra, sua linha de pesquisa está centrada, segundo CV institucional¹, em “paisagens culturais e identidade social”, “sociedades complexas dos Andes Centrais” e “tecnologia indígena” e possui várias publicações nestas áreas². Para escrever essa resenha foram lidas tanto a versão em pdf que está disponível on-line³, como o texto físico, enviado pelo autor ao LAP, Laboratório de Arqueologia Pública da Universidade Estadual de Campinas (a numeração das paginas é diferente em cada versão e, portanto, nas citações usadas nesse texto).

No texto a resenhar, logo de início Herrera aponta: Nuestra revisión de estas críticas no pretende ser una “arqueología del desarrollo” (Agrawal, 2002). Deseamos, más bien, mostrar los caminos por los que podría perderse una bien intencionada arqueología para el desarrollo, antes de abordar la recuperación de tecnologías indígenas como un posible camino para profundizar y ampliar las libertades de individuos latinoamericanos, específicamente, del campesinado andino.

Es decir, mostrar las vicisitudes de un desarrollo en el sentido propugnado por Sem (vide infra) (Herrera 2009:11).

A diferença que Herrera estabelece entre arqueologia do desenvolvimento e arqueologia para o desenvolvimento é parte da estrutura desse livro. É sua posição política. O que veremos é como o texto aponta corretamente, em termos de crítica, à noção de desenvolvimento, e como redefini-la para beneficio de pessoas que, no cotidiano, resultam atingidas física e culturalmente pelo uso e aplicação de modos de produção, e pela preservação e reprodução, sempre violenta, sempre em favor de um status quo, dos modelos socioeconômicos

Notas

¹ O CV dele pode ser consultado aqui: http://antropologia.uniandes.edu.co/cv.php/16/index.php

² http://antropologia.uniandes.edu.co/cv.php/16/index.php

³ http://publicacionesfaciso.uniandes.edu.co/descargar.php?f=vr/Tecnologias_ indigenas.pdf

Andrés Alarcón Jiménez – Antropólogo Universidade Nacional da Colômbia. Mestre e Doutorando do programa de História Cultural no IFCH-UNICAMP. Bolsista CNP. E-mail: qandalajim@yahoo.com

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Bildungsbürger im Urwald: Die deutsche ethnologische Amazonien-forschung (1884–1929) – KRAUS (BMPEG-CH)

KRAUS, Michael. Bildungsbürger im Urwald: Die deutsche ethnologische Amazonien-forschung (1884–1929). Marburg: Curupira, 2004. 539 p. Resenha de: DRUDE, Sebastian. Expedições alemães que fundaram a etnologia da Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.1, jan./abr. 2010.

Existem hoje, no Brasil, várias instituições, especialmente universidades e museus, onde se realizam pesquisas científicas dedicadas à população nativa, suas culturas e línguas, em particular na Amazônia. É impossível se interessar por esta área de estudos sem conhecer bem os nomes de seus fundadores, entre eles muitos alemães, como Karl von den Steinen, Theodor Koch-Grünberg e outros. Mas quem eram esses ilustres personagens? Cientistas eruditos? Aventureiros? O que fizeram aqui, como se organizavam, como obtinham financiamento, como aproveitaram suas viagens? O que os motivou? Quais eram os principais conhecimentos buscados e obtidos por suas pesquisas? E por que a tradição etnológica alemã, que tanto prometia no século XIX, foi praticamente interrompida nos anos 1920?

Com esta obra, cujo título em português poderia ser “Burgueses de educação (ou de formação) na selva: a pesquisa etnológica alemã na Amazônia (1884–1929)”, o antropólogo alemão Michael Kraus1 apresenta um estudo completo e detalhado com algumas respostas para estas perguntas. Esta obra preenche uma lacuna, pois além de algumas notas bio- e bibliográficas (em especial as feitas no Brasil por Herbert Baldus e Egon Schaden), não há muito material disponível sobre os fundadores dos estudos científicos antropológicos e linguísticos sobre a população indígena das terras baixas da América do Sul2. No entanto, mesmo que hoje não seja um fato amplamente conhecido, esta área de estudos foi uma das mais destacadas no estabelecimento da disciplina ‘etnologia/antropologia’.

O estudo de Kraus tem quase 500 páginas, além de 35 páginas de referências. Estas proporções são indício de uma das características mais notáveis do livro: um grande cuidado e respeito pelas fontes originais e pelos seus autores. Apesar deste rigor científico exemplar (em média, três notas de rodapé por página, muitas com valiosas observações adicionais), o livro em nenhum momento é uma leitura seca ou chata – ao contrário, é muito bem escrito (a linguagem chega a ter qualidades literárias) e prende o leitor em todas as páginas.

O foco do trabalho são as viagens ou expedições dos pesquisadores alemães; as condições institucionais e pessoais constituem seu fundo; os resultados científicos são abordados de forma sucinta. O livro é estruturado em cinco partes, iniciadas por um curto prólogo que explica a ênfase e a abordagem escolhidas. A segunda parte, “condições básicas na Alemanha”, tem três capítulos: um apresenta os pesquisadores examinados; o seguinte, as instituições envolvidas; enquanto que o último analisa as motivações individuais e institucionais, a concorrência e o papel da então jovem disciplina ‘etnologia’, ainda em processo de constituição, discutindo, por exemplo, sua fixação em objetos etnográficos.

Os pesquisadores examinados são Karl von den Steinen, Paul Ehrenreich, Konrad T. Preuss, Theodor Koch-Grünberg, Max Schmidt e Fritz Krause (ao final do livro, o leitor parece conhecer estes pesquisadores como se tivesse convivido algum tempo com eles). São incluídos, ainda, mas com menos ênfase, três pesquisadores que não foram amazonistas ou que não foram cientistas profissionais: Hermann Meyer, Wilhelm Kissenberth e Felix Speiser.

A parte principal do trabalho, “expedições à Amazônia”, consiste de três capítulos extensos dedicados a três ‘passos’ das expedições: 1) os preparativos e a viagem até a América do Sul; 2) as viagens até a região dos índios; e 3) as pesquisas em si, no local de destino. Para cada etapa, Kraus organiza sua exposição em três ou quatro subcapítulos temáticos. Por exemplo, o sub-capítulo III.2.4, “Trabalhadores braçais de mula, lenha e remo: – Os ‘camaradas’ da ciência”, consiste de 25 páginas dedicadas às relações de cooperação, amizade, conflito, dependência e poder entre os pesquisadores e seus acompanhantes europeus, crioulos e indígenas. Analisa desde a quantidade de pessoas envolvidas (ao longo do tempo, as expedições levavam cada vez menos acompanhantes, o que ajudava a intensificar o contato direto entre os pesquisadores e a população nativa estudada, indicando que o ideal moderno da pesquisa de campo como experiência de imersão cultural já existia na época) até as personalidades e os estilos dos pesquisadores ao lidar com este aspecto das expedições. Para cada um destes aspectos, Kraus apresenta o que encontrou no rico material deixado pelos pesquisadores e, ao comparar diferentes expedições e relatos, identifica padrões e características individuais dos cientistas e de suas pesquisas. A maioria dos subcapítulos são estudos preciosos, que podem ser considerados separadamente, sem perder seus méritos.

A parte quatro, “a antropologia dos etnógrafos”, dirige seu foco sobre a história da ciência, analisando as ideias, a visão e as contribuições dos pesquisadores, sem, contudo, apresentar análise e avaliação abrangentes de seus resultados etnográficos e antropológicos, a partir das teorias e dos conhecimentos atuais. Em vez disso, os dois capítulos elucidativos desta parte, “metodologia e temática” e “teoria e visão global”, tentam se aproximar do native’s point of view – ou seja, da visão e concepção dos próprios pesquisadores estudados.

Isto, aliás, é um dos pontos mais marcantes do livro. Kraus sempre procura se aproximar dos pesquisadores que estuda como um etnógrafo deve se aproximar de uma população nativa – procurando um entendimento profundo e holístico, ciente das próprias limitações e do fato de não estar livre das influências de sua própria origem e formação, respeitando a visão ‘êmica’ em vez de julgá-los etnocentricamente ou, neste caso, ‘cronocentricamente’. Evidentemente, esta abordagem encontra seus limites nas fontes existentes – não foi possível para Kraus entrevistar os pesquisadores estudados e muito menos participar como observador das suas pesquisas (é interessante ver como os alemães eram, em geral, francos e honestos o bastante para admitir suas próprias limitações e falhas – o que contrasta com a visão muitas vezes difundida sobre eles, de acordo com a qual estes buscariam esconder os lados menos bem sucedidos de suas pesquisas, na suposta tentativa de construir uma imagem impecável).

O procedimento escolhido por Kraus tem o mérito de ser muito mais instrutivo do que a simples confirmação (ou não) das opiniões modernas difundidas sobre a etnologia do final do século XIX. Assim, um ponto que Kraus discute em várias passagens do livro é que, muitas vezes, o discurso moderno e supostamente ‘desmistificador’ sobre os fundadores da disciplina é, de fato, preconceituoso e algo arrogante, não conseguindo fazer jus à obra realizada e ao avanço científico que esta trouxe. Isto vale, em particular, para o discurso pós-moderno e desconstrutivista – em muitas ocasiões, em contraste com os nossos preconceitos, é possível perceber que os pesquisadores antigos tinham uma visão muito mais diferenciada dos ‘índios’ e de suas culturas do que a que seus críticos modernos têm destes pesquisadores.

Felizmente, Kraus raramente corre o risco de idealizar os pesquisadores alemães, e tampouco fecha os olhos diante de ideias ou comportamentos que são inaceitáveis, do atual ponto de vista (e, às vezes, também a partir de um ponto de vista humanista já existente na época). Em geral, os pesquisadores estudados surgem como humanistas e críticos do etnocentrismo e das crenças progressistas de sua época; e como pensadores independentes e, em vários aspectos, céticos das teorias universalistas (em particular, do evolucionismo e do difusionismo). Depois da Primeira Guerra Mundial, chegaram a ser pessimistas sobre a própria cultura ao compararem-na com as culturas indígenas por eles observadas. Este contraste entre ‘nossa’ cultura e as dos povos indígenas já era bastante visível nas próprias viagens, no contexto colonial e de exploração do interior da Amazônia, em particular durante o primeiro ciclo da borracha, que marca a época das viagens estudadas por Kraus. As pesquisas não deixaram de se realizar neste contexto violento, que, às vezes, era vantajoso para elas, outras vezes não. Isso não significa que as pesquisas fossem de motivação ou caráter colonialista ou explorador, como tantas vezes se proclama. Como Kraus mostra convincentemente, ao menos entre os pesquisadores interessados na Amazônia, a tradição humanista e liberal se manteve viva nos anos 1920. Os homens aqui abordados estavam muito mais preocupados em contribuir para a construção de conhecimento, universal sobre a diversidade cultural ainda existente, do que com interesses nacionais e imperialistas, econômicos ou missionários3.

Lamentavelmente, preconceitos contra pesquisadores do ‘primeiro mundo’ retornam, hoje, por exemplo, sob o rótulo de ‘combate à biopirataria’, no discurso nacionalista e também no discurso anti-imperialista e anti-globalização, supostamente progressista, colocando sob suspeita todo tipo de cooperação internacional. Este não é o único paralelo à situação atual que se pode estabelecer ao ler a obra de Kraus. Quem já fez expedições para estudar grupos indígenas pode ver as próprias experiências espelhadas nos relatos dos viajantes de 100 ou 120 anos atrás, por exemplo, quando são abordados problemas de financiamento ou de transporte, o ritmo diferente do tempo na viagem e ‘no campo’, e, em particular, os relacionamentos (sempre muito diversos e heterogêneos) com indivíduos e grupos indígenas. Estas relações são descritas muito vivamente pelos pesquisadores – e Kraus consegue transmitir esta plasticidade em seu trabalho.

Prosseguindo na comparação da situação da época com a de hoje: embora a população indígena tenha se mostrado, em geral, bem mais resistente do que se poderia imaginar a partir dos cenários pessimistas de alguns dos ilustres cientistas de um século atrás, a situação geral das populações amazônicas, inclusive no Brasil, não é muito animadora, pois continua a ser marcada pela dominação, pela ignorância, pelo desrespeito, pela negligência e, às vezes, pela violência brutal. Na época, como hoje, qualquer pesquisa que ignora esta realidade está condenada a ser julgada de forma negativa pela posteridade. Muito se perdeu nos últimos 100 anos. Assim, os relatos dos pesquisadores são, muitas vezes, as únicas fontes de informação sobre elementos culturais ou sobre grupos indígenas que não existem mais. Como o processo da globalização (interno e externo) está se acelerando cada vez mais, o risco de perder muito mais nos próximos 100 anos é iminente. Na época, como hoje, somente uma parcela pequena da sociedade está ciente destas questões, e muitas vezes não é fácil achar aliados e apoio substancial nas instituições estatais na tentativa de documentar e preservar a riqueza cultural e linguística ainda existente, tarefa cada dia mais urgente4.

Também neste sentido, há boas razões para crer que é lamentável que a tradição alemã da etnologia dos grupos indígenas que habitam as terras baixas da América do Sul não tenha conseguido se recuperar da ruptura que significou a Primeira Guerra Mundial. É deplorável que esta área de estudos não tenha conseguido estabelecer-se nas universidades alemãs (até hoje, na Alemanha, pouquíssimas cadeiras de Etnologia possuem professores com esta especialidade), sendo, posteriormente, quase esquecida nesse país, muito embora em outros, inclusive nos Estados Unidos5 e no Brasil, suas contribuições sejam valorizadas até hoje. No seu epílogo, Kraus reflete brevemente sobre os caminhos desta área de estudos na Alemanha depois da época delimitada pelo seu trabalho (de 1884 a 1929, anos da primeira expedição ao Xingu e da morte de Karl von den Steinen, respectivamente).

A única crítica que se poderia fazer às 500 páginas do livro de Kraus é a mesma que J. R. R. Tolkien acatou em relação ao seu “Senhor dos Anéis”: “O livro é curto demais”. Porém, era necessário, embora lamentável, que o livro se restringisse para poder ser finalizado e publicado. Seria muito bom podermos dispor de uma abordagem semelhante para os precursores (em particular, von Martius) e para alguns estudiosos que não faziam parte da comunidade científica alemã, não tendo sido, por isso, incluídos neste estudo. O próprio autor admite que, provavelmente, muitos iriam sentir falta de Curt Nimuendajú na lista dos estudados. Uma das maiores lacunas na historiografia da antropologia brasileira é a ausência de estudos detalhados sobre as viagens deste pesquisador e sobre os resultados que obteve, e a não publicação da sua volumosa obra inédita6 (o mesmo vale para outros pesquisadores, ainda falando de alemães, como Emilie e Emil Snethlage).

Em suma, o estudo de Michael Kraus é de grande valor e merece ser conhecido internacionalmente, sobretudo entre os antropólogos no Brasil. Por sorte, várias das obras dos ilustres alemães vêm sendo traduzidas e continuam nas listas de leitura dos cursos universitários. É desejável que o mesmo aconteça com o livro de Kraus.

Notas

1 O alemão Michael Kraus, que obteve seu doutoramento em 2002 em Marburg com uma tese que depois transformou neste livro, não deve ser confundido com Michael E. Krauss, linguista norte-americano baseado em Fairbanks, Alaska, que estuda as línguas nativas norte-americanas, nem com os desportistas alemães homônimos.
2 No Brasil, felizmente, existe o tomo editado por Vera Penteado Coelho (1993), embora este seja limitado aos estudos do Alto Xingu e, em particular, aos de Karl von den Steinen.
3 Nisto, Kraus confirma os resultados de Penny (2002), que salientam a visão humanista, anti-racista e o interesse pelo entendimento holístico, do ponto de vista êmico, das culturas humanas (no plural, já nos anos 1880), dominantes na etnologia na Alemanha entre 1870 e 1920.
4 Recentes iniciativas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como os projetos de documentação de línguas e culturas indígenas do Museu do Índio, são motivo para alguma esperança neste contexto. Ver http://prodoc.museudoindio.gov.br/.
5 Neste contexto, vale lembrar que Franz Boas recebeu uma parte importante de sua formação nos museus etnológicos alemães. Suas ideias anti-etnocentristas, que hoje são um dos pilares da antropologia moderna, mostram que ele, como também os pesquisadores aqui em foco, era parte da mesma tradição humanista pluri-culturalista alemã, iniciada por Herder e continuada por Wilhelm Humboldt e Adolf Bastian (Bunzl, 1996; Frank, 2005).
6 Existem poucos estudos em alemão sobre este pesquisador, notadamente Dungs (1991), que também merecem ser conhecidos no Brasil.

Referência

BUNZL, Matti. Franz Boas and the humboldtian tradition: from Volksgeist and Nationalcharakter to an anthropological concept of culture. In: STOCKING JR., G. W. (Org.). Volksgeist as Method and Ethic. Madison: University of Wisconsin Press, 1996. p. 17-78.         [ Links ]

COELHO, Vera Penteado (Org.). Karl von den Steinen: um século de antropologia no Xingu. São Paulo: EDUSP, 1993.         [ Links ]

DUNGS, Günther F. Die Feldforschung von Curt Unckel Nimuendaju und ihre theoretisch-methodischen Grundlagen. Bonn: Holos, 1991. (Série Mundus Ethnologie, v. 43).         [ Links ]

FRANK, Erwin. “Viajar é preciso”: Theodor Koch-Grünberg e a Völkerkunde alemã do século XIX. Revista de Antropologia, v. 48, n. 2, p. 559-584, 2005.         [ Links ]

PENNY, H. Glenn. Objects of Culture: Ethnology and Ethnographic Museums in Imperial Germany. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2002.         [ Links ]

Sebastian Drude – Doutor em Linguística pela Freie Universität Berlin. Dilthey-Fellow da Goethe-Universit ät Frankfurt e Pesquisador Associado do Museu Paraense Em ílio Goeldi/MCT. E-mail: sebastian.drude@gmail.com 

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[MLPDB]

Movimientos y poder indígena em Bolivia, Ecuador y Peru – ALBÓ (AN)

ALBÓ, Xavier. Movimientos y poder indígena em Bolivia, Ecuador y Peru. La Paz: CIPCA, 2008, 294 p. Resenha de: CHAVES, Daniel Santiago. Anos 90, Porto Alegre, v. 16, n. 29, p. 365-369, jul. 2009.

Linguista e antropólogo espanhol, Xavier Albó é radicado na Bolívia desde os anos ’70, quando co-fundou o Centro de Investigación y promoción del Campesinado (CIPCA), uma instituição que se tornou bastante influente no país e em toda a região andina no tratamento sofisticado à questão indígeno-camponesa, tanto na sua essência teórico-analítica, quanto no próprio acompanhamento do desenvolvimento histórico do conceito.

Mas qual é o ponto central do trabalho de Albó? Ao historicizar os movimentos sociais (sejam autônomos ou ligados aos partidos políticos), relacionando-os com a questão indígena no Peru, Bolívia e Equador, Albó age como um topógrafo e faz um mapeamento detalhado destes movimentos, captando as suas semelhanças, regularidades e dessemelhanças. A sua chave de compreensão enfatiza as transições históricas das bases – outrora esquecidas, sendo hoje o motor das transformações no chamado “arco andino” – através de uma avançada e sofisticada análise política, cultural e sociológica, sem esquecer as relações com as diversas turbulências econômicas dos três países.

E o que há de relevante nessa obra? Albó entende que os indígenas – ou melhor, pueblos originarios (“povos originais”) – representam a maioria pujante da população nestes países, não só em termos quantitativos, como na sua relação diversa com os processos nacionais e continentais e, consequentemente, na sua luta por uma posição que represente a sua importância nestes termos. O autor elabora um crescendo que toma referências históricas da conquista espanhola, passando pela repartição da sua forma de organização política autóctone (o Tawantinsuyu, “Império Inca”) e pela submissão aparentemente completa ao jugo do colonizador para explicar que o indígena originário não pode ser considerado somente mais um elemento dessas sociedades. Pelo contrário, ele representa o pilar central desse desenrolar de fatos, cuja trajetória nos últimos 500 anos deve estar diretamente relacionada ao tempo presente e aos próximos anos.

Apesar disso, Albó retrata um passado recente de sofrimento, paúra, pobreza e esquecimento nos três países, cada qual revelando uma dinâmica diferenciada. Enquanto o Equador é notado como a matriz das atuais formas de organização dos chamados movimentos sociais, o Peru se encontra em um lento despertar após anos de Sendero Luminoso e a Bolívia despontou com a sua diversidade pujante para a conquista do poder instituído. Nos três países, igualmente, a busca por maior participação e representação política está diretamente relacionada a uma repressão (ou omissão) histórica aos direitos destes grupos identitários, por vezes locais, mas que emergem no século XXI sobre o processo da glocalização, termo que ele toma emprestado do sociólogo Roland Robertson (1995) para definir a ascensão e relação mútua entre pequenos núcleos/ instâncias locais e a dinâmica global. Ou seja, a comunidade local começa a pensar – e agir – em escalas diferenciadas e entrepostas sobre termos globais, transcendendo por vias diferenciadas a sua condição restrita. Think global, act local, para “outro mundo possível”.

Dessa maneira, emerge uma intensa identidade regional, assumindo francos tons anti-imperialistas (clara resposta aos extremos dos ‘ajustes estruturais’ dos últimos 20 anos) e nacionalistas de esquerda, optando pela defesa integral da soberania nacional no Pós-Guerra Fria. Porém, mais profundo que isso, subsiste uma franca liberação irrompendo-se nas bases destas sociedades: dos povos indígenas a uma condição de índio alzado (índio alçado), não mais convivendo e agindo como o índio permitido. Ou seja, a rigor, a maioria não seria mais tutelada por instituições, leis e lideranças brancas (ou brancóides), mas legitimamente identificadas e nascidas no seio deste enorme caldeirão cultural, político e societário.

O autóctone, assim, emancipa-se paulatinamente na atualidade da sua busca pelo poder instituído. Evidentemente, deixando de lado formas ocidentalizadas de organização sociopolíticas como Partidos Políticos clássicos, verticais e hierarquizados que, em grande medida, são incompatíveis com esse mosaico dinâmico. É possível relacionar essa transformação com um caráter reticular inovador, objetivamente assumido nessa nova dinâmica organizacional: estes partidos têm grande aderência junto a estes grupos identitários justamente por possibilitarem a sua participação mais ampliada, e mais, por se relacionarem com as entranhas do comunitário sem negar o nacional e o regional. Mas voltemos ao Peru, Equador e Bolívia, ou melhor, ao núcleo duro deste Arco Andino, visto que o verdadeiramente interessante é acompanhar o desenrolar dos fatos nestes países através de um nexo conjunto, não de forma separada.

É imperioso relatar que Albó trata esses movimentos sociais andinos de forma muito delicada, sem encará-los de forma monolítica e inflexível; pelo contrário, lança mão de precisa apreciação para compreender a diversidade específica de cada localidade nas novas reivindicações políticas (gênero, recursos naturais, participação política, autoidentificação e afirmação cultural, entre outras diversas) dos povos se afirmando na unidade paulatina das “nações originarias”, última etapa do deslocamento histórico-existencial destes grupos. E é precisamente nesse ponto em que nos detemos, em um presente sacudido pela emersão dessas nacionalidades como elementos centrais para a definição do futuro regional, quiçá da Integração Sul-Americana como processo maior.

Se levarmos em consideração que a conquista desse poder instituído – sejam congressos, assembleias constituintes ou cargos de alto poder decisório – pela via democrática foi forjado por uma longa experiência histórica e assim solidificou a hegemonia destes grupos nos países relacionados a esse arco andino, e mais, que essa ascensão tem fortes conteúdos nacionalistas pan-andinos, é impossível não situar os discursos fraternais como um impulso comum, ensejando a reunificação em alguns casos.

Deve-se comentar, entretanto, que esta não se especula na leitura do autor por vias de um só corpo jurídico-legal constitucionalizado, cuja expectativa de ligação estreita entre nação e estado – e assim, reunificação territorial – é advertida inclusive por Albó como uma limitação analítica dos cientistas políticos. Sem comungar da mesma leitura que Albó, é possível entrever questões por um prisma pragmático, posicionado sobre os temas mais sensíveis da integração regional sul-americana, relacionados à região que aferrolha geopoliticamente a Amazônia Brasileira.

A parcela do referido “Arco Andino”, tratada por Albó O que resta como substrato são a pertinência e a potencialidade destes conteúdos (anti-imperialismo, nacionalismo pan-andino de esquerda, questões energéticas comuns, reação antirracista, entre outros) derivando em mais um comportamento nacional/regional influente e decisivo sobre um projeto de Integração Sul-Americana, que possivelmente concorre na esteira do processo de regionalização em curso. Na medida em que este projeto não se encontra mais em um campo meramente seminal, persiste uma série de demandas significantes ainda a serem tratadas pelos países unidos em torno da América do Sul – seguridade jurídica, planejamento energético regional, monitoramento de fluxos ilícitos e migratórios, defesa e segurança militar, entre outros – que são fundamentais para a solução das controvérsias regionais que porventura surjam. Em tempo: já é possível nomear alguns casos: Petrobrás (Bolívia, 2006), Odebrecht/ Furnas (Equador, 2008), brasileiros proprietários de terra no Paraguai, os ‘Brasiguaios’, além da questão tarifária em Itaipu (Paraguai, 2008).

Nesse sentido, é imperioso considerar pragmaticamente os tons multifacetados dessas conjunturas nacionais andinas, na medida em que com elas coexiste a ascensão de lideranças nacionalistas inclinadas à esquerda. A pluralidade de tais conjunturas – por vezes conflitivas – faz com que elas se revelem determinantes processos para o futuro das suas nações devido à própria integração multilateral destas com projeções sólidas de hegemonia para gerar desenvolvimento nas suas economias nacionais e transformação política do ordenamento jurídico, democrático e estatutário dos Estados – ainda que essa transformação não necessariamente objetive estabilidade. Um discurso pan-andino comum baseado em identidade, oposição antissistêmica ao capitalismo e a toda potência “imperialista” (incluindo-se aí o Brasil, por vezes) tem suas raízes e forças-motrizes perfeitamente assinaladas por Albó, que ata os seus cabos em um raio-X preciso da constelação milenar constitutiva do “homem andino”.

Daniel Santiago ChavesÉ pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente/UFRJ e mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Comparada. E-mail: daniel@tempopresente.org.

Los Indios Medievales de Fray Pedro de Aguado: construcción del idólatra y escritura de la historia en una crónica del siglo XVI | Jaime Humberto Borj Gómez

Por que os indígenas seriam “medievais”? Logo no título de sua obra Borja Gómez introduz a noção de que a descrição do indígena realizada por europeus correspondia a critérios retóricos e a conceitos medievais. Baseando-se na Recopilación Historial do franciscano Pedro de Aguado, o autor critica a “tradição histórica contemporânea” que consolidou o estereótipo da conquista da América inserida na alvorada dos tempos modernos. Para Borja Gómez a idade moderna é uma “convenção” que pertence à experiência medieval: não se pode esquecer o sentido de continuidade que a cultura ocidental tem desde o século XII.

Essa noção de continuidade é ressaltada na análise das crônicas. Os relatos a respeito do Novo Mundo são comparados com expedições de franciscanos e comerciantes à Ásia e África nos séculos XII e XIII: “existe una línea que une las crónicas de las cruzadas, las narraciones de los comerciantes en Ásia y las crónicas de la conquista de América” (p. 5). O fato de Aguado ser um franciscano (Ordem estreitamente ligada aos descobrimentos) indicaria um dos “lugares” de onde o cronista escreve: “por ser franciscano llevaba sobre sí una tradición de tres siglos que relacionaba espiritualidad, viaje y escritura, lo que sitúa la crónica en una línea de continuidad con las narraciones que hicieron los franciscanos que viajaron a Mongolia” (p. 7). Leia Mais

Bolívia jakaskiwa | Marilea M. L. Caruso e Raimundo C. Caruso

Resenhista

Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá – Universidade Federal do Ceará.

Referências desta Resenha

CARUSO, Mariléa M. Leal; CARUSO, Raimundo C. Bolívia jakaskiwa. Florianópolis: Inti Editorial, 2008. Resenha de: TUPINAMBÁ, Antonio Caubi Ribeiro. Bolívia jakaskiwa: relatos sobre um país em transição. Trajetos. Fortaleza, v.7, n. 12, 2008.

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Nukak: Ethnoarchaeology of an Amazonian People – POLITIS (IA)

POLITIS, Gustavo G. Nukak: Ethnoarchaeology of an Amazonian People. Walnut Creek: Left Coast Press, 2007. 411p. Resenha de: KELLY, Robert L. Intersecciones en Antropología, Olavarría, n.9, ene./dic., 2008.

It is unfortunate but nonetheless true that many archaeologists do not value modern ethnographies.Why? Archaeologists need information on material culture – how it is made, who uses it, how long it lasts,what happens when it breaks, what happens when its owner dies, and so on. Although there are some notable exceptions, few modern ethnographies pay attention to such mundane things. But archaeologists need these data to construct arguments that allow us to make secure inferences from the material things that we recover. For this reason, a few archaeologists have climbed out of their trenches and conductedethnoarchaeological research with the living. Politis is one of those archaeologists, and Nukak is the result ofhis efforts. This book covers some of the same ground as his 1996 Nukak (published by the Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas) but is updated, placed in a larger theoretical context, andmade available to the largely monolingual North American audience.

The Nukak are a small group of hunter-gatherers who live in the Columbian rain forest. Politis workedwith those who were least acculturated to western society. As an archaeologist who has also done ethnographic research, I understand the effort that lies behind Nukak. Ethnography, especially that of nomadic peoples in isolated places, is not easy. There are the usual problems: language barriers, medical issues, feeding yourself and your students, explaining yourself and your task to the people. In addition,ethnoarchaeologists must justify their preoccupation with odd things such as trash, pits left in the groundafter pounding food in a mortar, or what happens to the remaining bits of a hammock burnt in a maritaldispute. The Mikea, with whom I worked in Madagascar, never believed my (honest) explanation of what I was doing there. Instead, they were certain I was searching for gold or silver, and one of my students hadto fend off accusations of witchcraft when measuring the diameters of house posts. Most people can understand an interest in kinship, religion, and politics, but trash and house posts? For this reason, I admirethe amount of information that Politis was able to collect in his several visits to the Nukak.

Every archaeologist (and ethnographer) interested in hunter-gatherers, and especially those interested in tropical hunter-gatherers, will find something of value in Nukak. Politis describes their settlements in detail, noting the differences between wet and dry season camp construction and how these condition differences in how trash is left behind. Nukak contains some of the only information I know of on how long it takes to put a camp together, or to take one down in order to move. Politis describes their residential and logistical mobility, providing about the only account of how people actually move camp – who does what, what paths they follow, and whether old camps are reoccupied (they are not). He describes their traditional technology and their subsistence, giving special attention to animal exploitation. The book ends with a chapter devoted to what the Nukak data have to say about several perennial issues in the anthropology of hunter-gatherers (at least, those issues that concern archaeologists). He includes two appendices: one containing data on the wet and dry season foraging trips he recorded, and one by Gustavo Martinez on faunal material recovered in the camps. There are many wonderful anecdotes, including the use of a parrot’s entrails as a fishing lure.

Politis begins the volume with background on the Nukak’s environment, his fieldwork methods and theconditions of his research (for example, his eighth session was prevented by the Columbian military) In addition, Politis lays out his theoretical framework. Interestingly, it contains elements of Lewis Binford’s materialistic approach as well as Ian Hodder’s postprocessual approach. In each chapter, Politis provides information on the “function” of material culture or on a more Binfordian behavioralist approach. For example, the discussion of the use of space shows how the particular kinds of structures built by the Nukakin the wet season conditions how trash is deposited (as opposed to the dry season when the Nukak do notbuild structures). But, in each chapter, Politis also discusses the social and ideological meaning of the chapter’s subject. For example, in the chapter on space use and discard, he notes how the trash of a deceased woman was treated, resulting in an archaeological record different from that produced by daily living in a camp, and that directly records some (as yet unknown) links between trash deposition and death.

In the chapter on shelters and camps, Politis also describes non-residential structures – everything from”ritual” structures to more mundane things such as children’s playhouses. In fact, his contribution on children’s toys and their effects on the deposition of trash and other items in residential structures is a crucial contribution. It turns out that children are a strong determinant of the final disposition of material culture in the archaeological record. To me, this is an important observation because anything that signals “children” archaeologically also tells us that a site is a residential camp, rather than, for example, a hunting camp.

Politis also explains that the Nukak avoid previous campsites because these places become wild gardens, the result of gathered seeds left behind (either in trash or feces). With the secondary (but not the primary) canopy removed as the camp is made, these plants thrive in old camps. The Nukak live in a more”constructed” environment than we might think.

Throughout the book, Politis is able to give archaeologists the information that they crave and yet often do not find in other ethnographies. For example, exactly how does one hunt monkeys with a blowgun? There are also useful descriptions of things that carry purely symbolic information, such as the wall of sejeleaves that forms a protective wall around a camp to prevent invasion by the spirits of jaguars. This is alluseful information that many archaeologists will make profitable use of in years to come.

This book is well worth reading, but I must admit that I was disappointed with one aspect of it.Throughout Nukak Politis criticizes the approach of human behavioral (or evolutionary) ecology, specifically its use of optimal foraging models. As a practitioner of human behavioral ecology I admit to some bias, but I also can see that his criticisms of this approach will not convince any other such practitioner that the approach is incomplete or misleading. For example, in a discussion of Nukak mobility, Politis states that “the Nukak abandon camp when many products are still abundant …that are not found further away, which therefore generates a negative cost-benefit energy balance….there are no obvious resource limitations that would prevent the Nukak from staying in their residential camps for longer periods of time. The causes for their high residential mobility must be sought elsewhere.” He argues that mobility produces more patches of edible plants (through the formation of the wild gardens), is necessary to perform rituals, is for sanitary reasons, to avoid a recently deceased person’s spirit, or is for the sheer pleasure of moving (or to satisfya taste for honey or fish).

These are all good reasons to move, and several are mentioned in other ethnographies of foragers. Butthese reasons could be the proximal reason for moving a camp, while the ultimate reason may lie in foodacquisition. Optimal foraging models do not argue that foragers move when nearby food reaches the point of depletion. Indeed, the marginal value theorem argues only that foragers move when the current return rate equals the average return rate of the environment taking travel time into account. In many instances this means that foragers move long before depletion begins; in fact, the “marginal value theorem” leads us to expect that in an environment with high average return rates that people will leave camps long before the point of depletion (I demonstrated this with a simple simulation in The Foraging Spectrum). Another example: there is a significant difference between wet and dry season mobility – the Nukak remain longer in wet than dry season camps and yet move shorter distances when they move in the wet than in the dry season. The data tables show that fish and honey are more important in the dry than the wet season. Do these resources account for the differences in seasonal mobility?

Elsewhere, Politis shows that taboos on certain animals, such as tapir, cannot be explained bymaterialist reasons. He is correct. And yet how would an archaeologist know if the lack of food remains was the product of a taboo? Behavioral ecology’s diet breadth model offers a way. This model predicts which resources should be in a diet based on their return rates assuming that nothing other than strict economic concerns are at work in food selection. If the predicted diet breadth model predicts that tapirs should be included in the diet, and yet the archaeological remains demonstrate that they are not, then we can safely assume (providing that other information shows that tapirs were available) that something else is at work – a taboo, for example. Unfortunately, we cannot really judge the utility of optimal foraging models in the case of the Nukak because their fundamental piece of data – return rates on the various plants and animals-are not in the volume. I admit that this was a disappointment (the data in tables 8.14 – 8.17 are not adequate as these provides returns, not return rates). In sum, those who use the paradigm of behavioral ecology will be somewhat disappointed with the volume.

But set that aside: Nukak contains some wonderful and wonderfully-detailed information on a little-known group of foragers. It is a solid contribution to huntergatherer studies that deserves to be read by anyone, archaeologist or ethnologist, interested in this rapidlydisappearing class of humanity.

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Robert L. Kelly – Robert L. Kelly. Department of Anthropology, University of Wyoming. E-mail: RLKelly@uwyo.edu

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Paranambuco. Poder e herança indígena. Nordeste – Séculos XVI e XVII – BARBOSA (CA)

BARBOSA, Bartira Ferraz. Paranambuco. Poder e herança indígena. Nordeste – Séculos XVI e XVII. Recife: Editora da UFPE, 2007, 220p. Resenha de: MARTIN, Gabriela. Clio Arqueológica, Recife, n.22, p.251-252, 2007.

Gabriela Martin

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Rondon: o marechal da floresta – DIACON (E-CHH)

DIACON, Todd A. Rondon: o marechal da floresta. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. Resenha de: CATELLI, Rosana Elisa. p.333-339. Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas, Ilheus, v.10, n.17, p.333-339, jan./jun., 2007.

Rondon: o marechal da Floresta é o título do livro do historiador Todd A. Diacon, da Universidade do Tenessee, Estados Unidos, lançado pela Companhia das Letras, em 2006. Diacon fez uma extensa pesquisa nos arquivos documentais, como o Museu do Exército e o Museu do Índio, ambos no Rio de Janeiro, a fim de recuperar a trajetória de Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), o oficial do exército que formulou uma das primeiras políticas para os povos indígenas no Brasil.

No final do século XIX, o governo brasileiro iniciou uma política de povoamento e ocupação que abrangia uma vasta região: do Mato Grosso ao Amazonas. A idéia era colonizar estas regiões com população não indígena, construir estradas, educar os índios e instalar meios de comunicação que ligassem o interior ao litoral. Em 1900, Rondon, jovem oficial do Exército, tornou-se o chefe da Comissão de Linhas Telegráficas do Estado do Mato Grosso e em 1907 comandou a Comissão Estratégica de Instalação de Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas, concluída em 1915. Diacon concentra sua análise nesta última Comissão, que percorreu 1600 quilômetros de mata cerrada, com rios largos, povos indígenas e poucos mapas para guiarem os homens nesta empreitada. O autor procura reconstituir o cotidiano desta Comissão e as dificuldades que enfrentaram ao explorar uma região totalmente desconhecida. Acompanhados de 58 mulas e 100 bois, carregavam comida, máquinas de costura, fuzis, morfina, baterias, cabos de aço, gramofone, mesas, tendas etc. No decorrer da viagem, várias dificuldades acometiam estes homens: os animais sucumbiam, faltavam suprimentos, eram atacados pela malária e pelos indígenas.

A descrição que Diacon faz da passagem da Comissão pelos inóspitos territórios do Mato Grosso e do Amazonas enfatiza o caráter de aventura que deve ter sido abrir estes caminhos pela selva. A chance de explorar este Brasil desconhecido, isolado da nação, é o que parecia animar Rondon, que não se deixava abater pelas perdas, pela malária e pelo cansaço. Integrar o sertão à nação brasileira e expandir a autoridade do Estado Central eram os propósitos centrais da Comissão. Diacon mostra que para compreender o processo de integração destas terras e dos povos indígenas, proposto por Rondon, é importante “levar a sério” os ideais positivistas que o acompanharam durante sua formação como engenheiro militar e depois como estrategista da ocupação do interior do Brasil. O positivismo seria a chave, na análise de Diacon, para compreender a obstinação de Rondon em sua aventura pela selva e a sua postura com relação aos índios.

Rondon entrou em contato com as idéias positivistas na Academia Militar do Rio de Janeiro. Adotou o mote positivista de servir à humanidade por ações que fomentassem o progresso científico, a industrialização e a modernização. Suas Comissões eram compostas por botânicos, zoólogos, antropólogos, todos com o objetivo de estudar a natureza e descobrir formas de usá-la para o bem da humanidade. Em plena floresta amazônica, Rondon e seus homens, praticavam os rituais positivistas: seguiam o calendário positivista, tocavam o Hino Nacional num gramofone que os acompanhava nas longas caminhadas, hasteavam a bandeira, comemoravam as datas cívicas. Rondon fazia sempre discursos para seus homens a fim de convertê-los ao positivismo.

Este afinco de Rondon a estes ideais explica, segundo Diacon, a forma como a política indigenista foi formulada pela Comissão.

Seguindo estes pressupostos, a integração deveria ocorrer pacificamente e não pela exclusão dos povos indígenas. A opção de Rondon foi a de proteger e assimilar culturalmente os índios, pela promoção da educação destes povos, que incutiria novos hábitos e promoveria a civilização dos mesmos. No ideário positivista, diríamos que os índios passariam do estado fetichista ao estado científico-industrial e para que esta passagem ocorresse de fato, ela precisava acontecer por “aceitação” e não pela força.

Os positivistas brasileiros criticavam a ação da Igreja Católica em relação aos índios, por forçá-los a abandonar as suas crenças em nome do catolicismo. Segundo os preceitos da Igreja Positivista, os índios, enquanto estivessem num estágio inferior da evolução social, não deveriam ser forçados a abandonar as suas crenças. Eles não eram vistos como uma raça inferior, mas num estágio de evolução inferior. Com base nestes pressupostos, Rondon foi o primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio, de 1910 a 1915.

Com relação à política indigenista, Diacon faz uma discussão confrontando as obras de caráter mais biográfico, que louvavam as ações de Rondon e as revisões contemporâneas que tecem intensas críticas à ação da Comissão em relação aos índios.

Para Diacon, os estudos recentes, realizados por antropólogos, concebem que ações como as de assistência, proteção e pacificação escondem a violência da Comissão Rondon e o objetivo de conquistar estes povos. Diacon concorda, em parte, com esta tese dos chamados revisionistas, salientando a ambigüidade das ações da Comissão que, com uma visão etnocêntrica, contribuiu para a deturpação da cultura indígena, mas também afirma que Rondon foi o primeiro a defender as terras indígenas e a soberania destes povos. Segundo o autor, se Rondon optou por uma política de assimilação do índio aos hábitos culturais do homem “civilizado”, isto pode ter representado um avanço para a época se comparamos com propostas muito piores existentes naquele momento. Para Diacon, seria um anacronismo supor que Rondon concebesse os índios como um “outro”, com uma cultura própria. Para ele e os demais positivistas da época, o índio era um homem primitivo, que deveria ainda chegar ao estágio da civilização com o auxílio dos órgãos oficiais, que implantariam políticas educacionais e de proteção ao índio.

Este processo de assimilação dos povos indígenas proposto pela Comissão Rondon pode ser verificado também pelas imagens produzidas no decorrer de sua trajetória. A Comissão Rondon produziu vários registros fotográficos e cinematográficos de valor inestimável para os estudos etnográficos e imagéticos, arquivados em grande parte no Museu do Índio do Rio de Janeiro.

Há também a preciosa coleção de filmes etnográficos, alguns já perdidos e outros que foram preservados pela Cinemateca Brasileira, entre eles: “Rituaes e festas bororo” (1917), “Ao redor do Brasil: aspectos do interior e das fronteiras brasileiras” (1932), “Romuro, selvas do Xingu” (1924), “Os carajás” (1932), “Viagem ao Roraima” (1927), “Parimã, fronteiras do Brasil” (1927) e “Inspectoria de Fronteiras” (1938) (TACCA, 2001). A Comissão tinha como integrante o Major Luiz Thomaz Reis, responsável pela Secção de Cinematograhia e Photographia, criada em 1912. O Major Thomaz Reis tinha conhecimentos sofisticados de cinema e fotografia e realizou um dos primeiros registros etnográficos do mundo. Este material tem sido objeto de estudos sobre o uso da imagem no início de século e das relações estabelecidas com os índios. Rondon tinha consciência da importância da publicidade de suas ações e, principalmente, da repercussão que a veiculação destas imagens poderia ter. Os filmes de Thomaz Reis eram projetados para o público de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo e causavam grande polêmica. Para um público ávido por imagens, curioso a respeito do sertão brasileiro, os filmes de Thomaz Reis lotavam as salas e proporcionavam um grande “marketing” da Comissão. Na perspectiva nacionalista da comissão, os filmes e as fotografias tiveram grande importância na criação de um imaginário coletivo em torno do tipo nacional, do sertão e dos povos indígenas.

Segundo Diacon, nas fotografias da Comissão podemos encontrar representações de caráter positivista: índios segurando a bandeira nacional, a figura feminina como símbolo da nação, Catelli, Rosana entre outras. Imagens estas que eram utilizadas como forma de publicizar as ações da Comissão para o Exército e para o governo brasileiro, como também formar uma opinião pública a respeito da nação. Este uso institucional da imagem está entre uma das ações pioneiras da Comissão Rondon, que será seguida em vários projetos políticos posteriores.

A divulgação de imagens do interior do Brasil compunha não só um conjunto de representações internas do território nacional, como também contribuía para a construção da imagem do Brasil no exterior. Rondon sabia da importância de boas relações internacionais no auge do imperialismo americano e por isso aceita o pedido do Ministro das Relações Exteriores, em 1913, para guiar o ex-presidente Theodore Roosevelt que pretendia realizar um safári pelo noroeste brasileiro. Apesar de esta viagem significar uma interrupção nos trabalhos de Rondon, ele a aceitou por entender que isto possibilitaria a divulgação das potencialidades do Brasil no exterior, como também faria a publicidade de seu projeto telegráfico pelo interior do país.

Diacon descreve a trajetória desta expedição Rondon-Roosevelt com detalhes dos locais percorridos, os suprimentos e as dificuldades enfrentadas. Os jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo da época divulgaram amplamente esta expedição, o que satisfez os objetivos de Rondon.

A Comissão Rondon oferece várias possibilidades de análise para compreendermos o Brasil do final século XIX e início do século XX. Diacon salientou aspectos como o ideário positivista presente na formação de Rondon e as conseqüências deste ideário para a política indigenista. Mas muitos outros pontos de vista poderiam ainda ser analisados, dada a riqueza de documentos textuais e imagéticos produzidos por esta Comissão. O trabalho de Diacon representa um importante levantamento histórico para percorrermos a trajetória de Rondon pelas selvas do Brasil e compreendermos as ações desta Comissão na construção de um imaginário sobre o índio e sobre a nação brasileira.

Referências

BIGIO, Elias dos Santos. Cândido Rondon: a integração nacional. Rio de Janeiro: Contraponto/ Petrobrás, 2000.

MACIEL, Laura Antunes. A nação por um fio: caminhos, práticas e imagens da “Comissão Rondon”. São Paulo: EDUC, 1998.

TACCA, Fernando de. A imagética da Comissão Rondon: etnografias fílmicas estratégicas. Campinas: Papirus, 2001.

Rosana Elisa Catelli – Professora do curso de Comunicação Social da UESC e doutora em Multimeios – Cinema, pela Unicamp. E-mail:recatelli@uesc.br

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Operários de uma vinha estéril: os jesuítas e a conversão dos índios no Brasil – 1580-1620 | Charlotte de Castelnau-L’Estoile

Em maio de 1583 dois padres vindos de Lisboa” desembarcaram em Salvador da Bahia. Eram eles Cristóvão de Gouvêa, encarregado pelo Geral da Ordem Jesuíta, o italiano Claudio Acquaviva, de visitar a Província do Brasil, e o jovem Fernão Cardim, seu companheiro e secretário. Por essa época, encerrava-se a primeira fase da história da Companhia, o tempo heróico da fundação, e ingressavase na era da redefinição de sua administração, pois o generalato de Acquaviva (1581-1615) seria marcado pelo esforço central da Ordem por ‘regularizar’ e unificar “as práticas intelectuais, espirituais e administrativas das diferentes províncias, ou seja, a da ação missionária na periferia, em busca da afirmação de uma identidade jesuíta” (p. 20). Leia Mais

Salud e Interculturalidad en América Latina. Perspectivas Antropológicas – JUÁREZ (C-RAC)

JUÁREZ, Gerardo Fernández. Salud e Interculturalidad en América Latina. Perspectivas Antropológicas. Quito, Ediciones Abya-Yala, 2004, 350p. Resenha de: MADARIAGA, Carlos; GAVILÁN, Vivian; VIGUERAS, Patricia; MADARIAGA, Vesna. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.38, n.1, p. 152-155, jun. 2006.

Gerardo Fernández Juárez, autor de varios artículos y libros referidos al tema de la salud en comunidades andinas, coordina esta extensa obra producto de investigaciones realizadas en América Latina, cuya finalidad central fue ver las posibles aplicaciones que la antropología social y cultural puede sugerir en relación con la salud y la enfermedad.

El texto reúne a veinte autores que reflexionan acerca de los problemas teóricos y metodológicos que hoy enfrentamos para comprender el proceso salud-enfermedad-atención; informan acerca de experiencias interculturales y exponen investigaciones acerca de modelos conceptuales que sustentan las enfermedades, los sistemas terapéuticos y su relación con las categorías de cuerpo y persona diferentes al modelo biomédico hegemónico.

La diversidad de temas y de enfoques aplicados constituye la mayor riqueza de este proyecto editorial. Los trabajos muestran un gran esfuerzo por comprender las prácticas en el ámbito de la salud en nuestros países. Es posible afirmar, sin embargo, que el conjunto de los artículos se asientan en un gran ángulo de mirada, aquel que postula una crítica a la universalidad y a la ahistoricidad que subyace al modelo biomédico. Como resultado, tenemos un libro clave para elaborar el estado del arte no solo en la problemática de la salud intercultural como un problema social que se debe abordar con urgencia, sino también para reflexionar acerca de los presupuestos ontológicos y epistemológicos del estado actual de las llamadas ciencias naturales y sociales en general y de las ciencias médicas en particular.

Comelles y M. Caramés abren el debate planteando la necesidad de enmarcar el proceso de salud-enfermedad-atención en una perspectiva histórica y cultural, argumentando que la medicina actual es producto de una sociedad en particular: la occidental y capitalista. Para estos autores, el problema de las ciencias médicas radica en la negación de las relaciones sociales en la cual ella se inserta. Hipótesis que corroboran las experiencias concretas sobre salud intercultural en América Latina y que el mismo texto informa (Cf. R. Campos, L. Abad, Campos y Citarella, J. López, J. Michaux, A. Flores, G. Orobitg, J.P. Chaumeil, G. Fernández, A. Caprara, Citarella y otros).

Comelles acomete el obligatorio reencuentro de la medicina con la cultura como uno de los principales desafíos en el amplio campo de la salud para los inicios del tercer milenio. Su recapitulación hacia la sociedad clásica europea en busca de la tekhné hipocrática para rescatar de ella su condición de ciencia fundada en una amalgama entre el conocimiento impreso en tratados eruditos y la praxis de unos doctores metidos en el mundo experiencial de sus enfermos, en su comunidad, se nos asemeja a un retorno nietzscheano hacia ciertas bases epistémicas fundantes de una medicina enraizada en la cultura epocal. Medicina que se niega a sí misma en etapas posteriores de su propio desarrollo histórico, con el surgimiento del capitalismo y el Estado liberal. El autor alude, con la instauración hegemónica del modelo biomédico en la clínica, a la pérdida de ciertas prácticas de producción del saber-poder sanatorio de los doctores que se gestaba en el proceso dialógico entre conocimientos de diversos tipos (médico, religioso, mágico, popular, etc.), lo cual facilitaba un nivel de consenso social con el enfermo y su medio humano, suficiente como para otorgarle capacidad curativa.

La clínica que se inaugura sobre los restos de esas prácticas pasa a ser una disciplina empotrada en el discurso científico inaugurado por la razón iluminista, que comanda todo el devenir de las ciencias desde el derrumbe de la época medieval hasta nuestros días. Con ella se acaban formas incipientes de construcción colectiva del saber y se introduce la validación de las verdades a partir de su comprobación experimental o empírica, en los marcos de las teorías explicativas unilineales en boga. Al decir de Comelles, se termina la relación medio (sociedad, cultura)- enfermedad y empieza el reino de otra relación, más específica y unívoca: naturaleza-enfermedad. Dicho de otro modo, la enfermedad, de pathos social deviene en fenómeno natural. La nueva forma de conocer la realidad en el campo de la salud y la enfermedad que emerge con este vuelco paradigmático traslada el dominio del cuerpo por la medicina (y, naturalmente, por los médicos) a un escenario privativo de los “especialistas”, de las instituciones sanitarias y las políticas de Estado. Escenario en el que profesionales, tratados de medicina, dispositivos de salud, planes y programas están diseñados para operar sobre un mundo humano reificado, reducido a sus miserias biológicas y descontextualizado de las realidades sociohistóricas que lo condicionan y lo limitan.

El modelo biomédico es la ideología médica del liberalismo económico, la herramienta teórico-metodológica con la que opera en el dominio del proceso salud-enfermedad-atención. El divorcio que promueve activamente respecto de las ciencias sociales obedece a la necesidad de preservar el cuerpo del sujeto aislado de todo influjo interpretativo que amenace con incorporar un campus explicativo-comprensivo que reconozca a la persona humana, a este ser social que es, al mismo tiempo, sujeto individual y social, y que se encuentra multideterminado en una compleja trama de relaciones sociales.

El autor revisa el andamiaje histórico de la medicina desde una óptica de la arqueología foucaultiana para ofrecernos una problematización de gran trascendencia acerca de cómo la versión más actualizada de esta ideología médica es cuestionada desde campos de pensamiento y de acción contrahegemónicos, en tiempos que se disputan como todavía modernos o definitivamente posmodernos.

En la misma línea, M. Camarés afirma que el modelo biomédico tendería a atomizar tanto al sujeto de estudio (el enfermo) como al objeto de estudio (la enfermedad), lo cual impediría contemplar y abordar esta última de una manera procesual, dialéctica y contextualizada. Para esta autora, “el lenguaje de la biomedicina como un hecho social está cargado de significados sociales que manifiestan relaciones de poder y que, al mismo tiempo, al estar investido de un aura de poder está legitimado para construir formas de conocer, intervenir así como de homogeneizar, entre otros, al cuerpo pieza anatomopatológica, al individuo enfermo-paciente a la propia enfermedad –entidad nosológica– a las relaciones profesional sanitario-usuario, médico-paciente; en definitiva al mundo” (p. 35). En este marco de análisis, muestra cómo la ruptura que se hace en la relación medio-cultura-enfermedad se expresa en la formación de los profesionales de la salud. Estos no son socializados únicamente en términos de habilidades técnicas sino también formados dentro de una cultura particular, a través de un proceso de construcción ideológico-cultural caracterizado por lo que ella llama biologicismo o determinismo biológico. Pone, de este modo, énfasis en la dimensión político-ideológica de la enseñanza y formación profesional de los agentes de la salud. Por una parte, nos recuerda cómo los programas educativos se fundan en la certidumbre de tener por particularidad la universalidad. Parafraseando a Bourdieu, “la universalidad de los intereses particulares es la estrategia de legitimación por excelencia, que se impone con una urgencia particular a los productores culturales, siempre incitados por toda su tradición a pensarse como portadores y portavoces de lo universal, como ‘funcionarios de la humanidad'”. Situación que constituye, en nuestra opinión, un obstáculo difícil de enfrentar, dado que se halla incorporado en los agentes (cultura subjetivada) y en las instituciones (cultura objetivada) (Bourdieu 2005:158), lo que plantea el principal desafío del enfoque intercultural en salud en América Latina.
En nuestra propia experiencia de salud comunitaria en el norte chileno hemos observado a personas que se presentan del siguiente modo: “yo soy Carmen y soy un cáncer terminal” o “soy bebedor problema con dependencia”. La patología pasa a ser parte de su identidad, logra disipar las propias sensaciones, sentimientos y hasta la sintomatología porque un bebedor problema con dependencia debe comportarse de tal forma y tener estos síntomas, tomar tales medicamentos, ir a control y hacer lo políticamente correcto si quiere gozar de la atención y buen trato del equipo.

De acuerdo con Comelles, el debate sobre la diversidad en salud y sobre el papel de lo cultural surge en dos circunstancias históricas distintas. La primera es el despliegue del proyecto de la biomedicina y la salud pública en países no occidentales, que no tienen por qué compartir los rasgos judeocristianos o ilustrados característicos de la articulación entre el modelo médico y el pensamiento liberal occidental. La segunda circunstancia es distinta y se refiere al problema que plantea hoy en los países desarrollados una demanda cualitativamente sesgada basada en cuidados de salud, enfermedades crónicas y degenerativas y medicalización de formas de aflicción en toda la población, así como los problemas que plantea la diversidad cultural que acarrean los procesos migratorios. Es en este segundo contexto que se inscribe la preocupación de Arancha Meñaca. Su artículo titulado “Salud y migraciones” expone el caso de la inmigración ecuatoriana en España con el objeto de comprender mejor las relaciones entre los procesos de salud-enfermedad-atención y los fenómenos migratorios.

Meñaca propone que es preciso asumir un concepto de cultura no esencialista y, por lo tanto, considerar en el análisis su vinculación con los aspectos socioeconómicos implicados en las migraciones. En este sentido, insiste en la necesidad de conocer las comunidades de origen de los inmigrantes, tanto en las razones de emigración como también los contextos sociopolíticos de las mismas, en los que un aspecto clave es el conocimiento del funcionamiento de los sistemas sanitarios. Por otra parte señala que es importante analizar los contextos receptores a fin de observar las estrategias que utilizan en sus procesos de integración.

Xavier Albó, por su parte, expone conceptos básicos acerca de la interculturalidad y sus implicaciones en el campo de la salud. Para el autor la relación de culturas diferentes en un contexto de relaciones de poder implica considerar distintos niveles: el interpersonal, el grupal y el estructural. Apuesta por comprender las relaciones entre culturas en un contexto de relaciones de poder; el enfoque intercultural en salud tendría que reconocer las culturas en juego (los agentes de salud y los agentes que acuden en busca del servicio). Ve aquí de parte de los profesionales un problema ético al subvalorar la cultura del otro (paciente) y la desconfianza de este último respecto de las prácticas médicas hegemónicas, lo que lleva a bloqueos culturales que se deberían derrumbar. De este modo, afirma que ello no será posible sin una lucha en contra del neocolonialismo en lo económico, político-social y cultural.

Luisa Abad nos informa acerca de la experiencia en atención de salud en las comunidades Aguarunas en la Amazonia peruana. Describe cómo ha operado el sistema de salud pública, imponiendo el modelo biomédico, bajo una forma asistencialista y en un contexto que se orienta más al control de la población indígena que a satisfacer sus propias necesidades. Su tesis es que para aplicar la interculturalidad en estas poblaciones es necesario estudiar a fondo la etiología de las enfermedades, las formas de terapia indígenas y su farmacopea, las relaciones existentes entre patologías, medio ambiente y espacio terapéutico, las variables de género en la consideración de la enfermedad y su tratamiento, las relaciones institucionales y de poder entre médicos pacientes y especialistas médicos nativos, etc.

Los resultados de los trabajos de investigación empírica incluidos en el texto, y sus consecuentes reflexiones nos hablan de la diversidad de aspectos involucrados en aquello que hoy llamamos salud intercultural. Los relatos etnográficos y experiencias personales de sus autores muestran sus aproximaciones a una realidad compleja, no de un modo distante sino formando parte de la trama de relaciones. Roberto Campos, por ejemplo, expone cómo en nuestros países “el fenómeno de autoatención curativa es un fenómeno social generalizado, que la automedicación es creciente en los sectores populares, que existe una bien conservada cultura médica materna, que ellas establecen estrategias particulares para cada evento de enfermedad de acuerdo a sus conocimientos y experiencias previas; que realizan complementariedad de tratamientos biomédicos y populares, y que estas estrategias curativas deben ser conocidas por el personal de salud con el fin de establecer una mejor relación médico paciente” (Cf. página 132).

Ferrandiz y P. Pitarch, por su parte, llaman la atención cómo en los Altos de Chiapas la medicina indígena se relaciona con la adscripción a grupos religiosos. R. Campos y L. Citarella nos informan acerca del esfuerzo por crear un programa de formación en salud intercultural en el nivel de posgrado en Bolivia, implementado en el departamento de Potosí dirigido a suplir la ausencia parcial o total de una capacitación específica de los médicos, enfermeras y dentistas sobre las características socioculturales de los pueblos indígenas con los cuales se pretende trabajar en forma cotidiana.

De esta manera, Luisa Abad concluye en que la historia de la medicina en América Latina es la historia de una negación. La clasificación de la medicina indígena como etnomedicina, medicina popular, medicina ancestral, medicina tradicional, etc., se impone para evidenciar la subalternidad de sus agentes. Para ella el problema de la aplicación de la salud intercultural radica en la grave crisis que sufre la medicina (académica) en relación a los niveles, grados, tonos y modos de comunicación entre el médico (entendido como persona que sabe curar) y el paciente (entendido como ser doliente) que se sabe o se considera enfermo y que precisa de la ayuda especializada. Esa confianza en el médico (léase yatiri, chamán, etc.) sin embargo no se ha perdido en el mundo indígena, muy a pesar de los insistentes intentos de la OPS en la década de los ochenta y noventa por introducir la medicina occidental basándose en las contundentes cifras ofrecidas por los respectivos países sobre las tasas de mortalidad materno infantil, perinatal etc., causadas por enfermedades infectocontagiosas, principalmente, y que llevaron a muchos pueblos indígenas a idealizar y sobreestimar la capacidad de “los remedios” frente a sus propios especialistas o terapias.

Sugiere que para que la salud intercultural sea un hecho es necesaria la participación real y no tutelada de los verdaderos actores sociales de las comunidades. No obstante, se echa de menos en el texto algún cuestionamiento acerca del concepto de paciente. Asimismo, a excepción de algunos artículos, no se presentan experiencias ni reflexiones en relación a las prácticas de salud de la población no indígena o mestiza, ni cómo ellas se vinculan a la clase social y a la condición de género, cuestiones que, a nuestro entender, forman parte del enfoque intercultural en salud. Si asumimos que la salud es un producto sociohistórico, el contexto sociopolítico en el cual ésta se presenta debe ser recuperado en el análisis a fin de explicitar las relaciones de desigualdad existentes entre ricos y pobres y entre hombres y mujeres. Sólo de este modo es posible evidenciar cómo el modelo biomédico, al no verlas, contribuye a reproducir las desigualdades sociales e inequidades en el acceso a la salud. Por otra parte, cabría también tomar nota de la ausencia de una crítica a las miradas de los cientistas sociales en relación a la invisibilidad de la “biología” o su determinismo social y/o cultural, que inhibe la comunicación entre las disciplinas.

Mientras el modelo biomédico aún no sacia su necesidad de enfermedades y de enfermos (por tanto, de doctores, hospitales, fármacos e intervenciones quirúrgicas), para lo cual proliferan nuevas nosologías y taxonomías, la sociedad neoliberal modifica drásticamente las maneras de enfermar, incorporando en esta transformación los nuevos fenómenos (contra)culturales, las condiciones y calidad de vida del capitalismo, los fenómenos anómicos, las llamadas patologías de la pobreza, etc., procesos que más que aumentar la carga de enfermedades acrecienta el malestar social. La ideología médica no reconoce (no logra ver) este malestar en la sociedad moderna, por lo tanto medicaliza todo, desde las emociones normales hasta las respuestas fisiológicas de tipo adaptativo. Crítica que abre puertas a la legitimación de nuevas propuestas epistemológicas en el campo de la salud y, especialmente, de la salud mental, con la irrupción del modelo biopsicosocial, que incorpora el enfoque comunitario, la interdisciplinariedad, la participación de diversas formas del saber, la intersectorialidad, el trabajo en redes, un nuevo concepto de equipo de salud, etc. Desde esta nueva perspectiva sí es posible construir nuevas prácticas en salud, entre las cuales la interculturalidad constituye una de las más importantes, en la medida en que nos llama al desafío de explicitar nuestra propia cultura, evidenciar nuestra posición en las relaciones de poder e intentar construir nuevas relaciones humanas que incorporen una mirada integral sobre cada uno de los tres componentes de la ecuación salud-enfermedad-cuidado.

De este modo, para nosotra(o)s como trabajadores de la salud y de la cultura en/y para América Latina el libro es, sin duda, una gran fuente de inspiración para pensar y practicar con la comunidad un modelo médico humanizado, inscrito en relaciones sociales más equitativas y para avanzar hacia un mayor y mejor acercamiento entre las disciplinas.

Referencia

Bourdieu, P. 2005 Intelectuales, Política y Poder. Eudeba, Buenos Aires.

* Esta referencia forma parte del trabajo en curso del Proyecto SA05I20016 del Fondo Nacional de Investigación y Desarrollo en Salud de CONICYT, Chile.

Carlos Madariaga – Servici/o de Psiquiatría Hospital de Iquique, Chile. carlos21@entelchile.net
Vivian Gavilán – Centro de Investigaciones del Hombre en el Desierto. Universidad Arturo Prat, Iquique, Chile. vivian.gavilan@unap.cl
Patricia Vigueras – Escuela de Enfermería Universidad Arturo Prat, Iquique, Chile. patricia.vigueras@unap.cl
Vesna Madariaga – vesnofila@gmail.com

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Salud e Interculturalidad en América Latina. Perspectivas Antropológicas – JUÁREZ (C-RAC)

JUÁREZ, Gerardo Fernández. Salud e Interculturalidad en América Latina. Perspectivas Antropológicas. Quito, Ediciones Abya-Yala, 2004, 350p. Resenha de: VARGAS, Luis Alberto. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.38, n.1, p.155-157, jun. 2006.

América Latina abarca un territorio enorme, cuya diversidad de ámbitos geográficos y la extensión de sus latitudes se refleja en paisajes muy diferentes, donde se han desarrollado numerosos grupos indígenas a lo largo de su historia. El mundo de la cultura occidental apenas comienza a percibir este fenómeno y a reconocer identidades, donde hasta ahora ha percibido uniformidades.

El campo de la salud es un buen ejemplo de lo anterior. A los diferentes sistemas médicos de la región se les ha considerado un conjunto, suponiendo la homogeneidad de las culturas indígenas, así como la manera como han incorporado la teoría y la práctica de otros sistemas venidos del resto del mundo, comenzando por el aportado por los conquistadores españoles y seguido de cerca por los de los esclavos africanos traídos contra su voluntad.

Por otra parte, el ejercicio profesional basado en la biomedicina ha sido cegado por sus indudables éxitos, entre los que destacan el control de las enfermedades transmisibles, los logros de la cirugía y la anestesia, la producción de fármacos eficaces y tantas más. Como resultado de lo anterior, ha dejado de lado el contexto verdaderamente humano de los problemas de salud, los padeceres y las enfermedades, con sus componentes emocionales, sentimentales, sociales y culturales.

Le reacción contra este estado de cosas ha llegado de dos principales fuentes: los médicos formados con un genuino enfoque humanista y los antropólogos quienes han experimentado los problemas de atención de las personas y comunidades quienes no participan de la visión occidental. Es interesante destacar que son pocas las manifestaciones de inconformidad organizada que han surgido entre los usuarios de los servicios de salud.

El libro reseñado tiene la virtud de recoger estas inquietudes para América Latina. Está constituido por 20 capítulos de autores quienes trabajan en esta región, desde instituciones locales, españolas y una francesa. Algunos contenidos son valiosas reflexiones teóricas, bien apoyadas en la bibliografía y en otros se ofrecen experiencias directas, vividas en diversas comunidades indígenas y mestizas. También se ofrece una panorámica general de la situación, mientras que otros capítulos se concentran en una zona particular o abordan un problema concreto, por ejemplo las enfermedades identificadas por algún grupo indígena.

No estimo adecuado reseñar cada capítulo, sino prefiero ofrecer algunas reflexiones en torno al conjunto de los temas abordados, como producto de la experiencia de nuestro grupo de trabajo en México.

Mi primera inquietud es plantear lo que realmente queremos decir al hablar sobre salud e interculturalidad. Es claro que nos referimos al contacto entre personas o grupos con diferente cultura cuando está en juego su salud. Así planteado el tema es aún ambicioso, ya que la salud permea a una gran cantidad de las actividades humanas. Yo considero que realmente nos referimos a la atención y el tratamiento de los problemas de salud personales y colectivos. Para entender lo anterior, debo aclarar algunos conceptos.

Entendemos por comunicación y acciones interculturales a las que se derivan de la interacción y diálogo respetuoso y equilibrado entre personas o grupos de diferentes culturas; sin ser la simple yuxtaposición de contenidos ya elaborados.

Para mí ha resultado muy práctico distinguir tres componentes de un mismo proceso: problema de salud, padecer y enfermedad. El problema de salud son las alteraciones morfológicas, fisiológicas o conductuales que permiten saber que una persona ha salido de lo que para ella era normal y estimaba como saludable. Síntomas y signos comunes de dichos problemas de salud son la fatiga, el dolor, el sangrado o la aparición de tumoraciones visibles o palpables. Esta salida del cauce de la normalidad provoca en cada persona un conjunto de sentimientos e inquietudes basadas en su propia personalidad, experiencias biográficas, acervo cultural y otros factores, que determinan que se viva el problema de salud de una manera absolutamente personal, lo que constituye el padecer. En determinado momento la persona misma sola, o con la ayuda de personas cercanas o los variados especialistas médicos de diferentes sistemas, encontrará que su padecer puede ser explicado por una enfermedad.

Las enfermedades que identifican los distintos sistemas médicos son realmente abstracciones hechas a partir de una serie de elementos comunes a los problemas de salud de un grupo de personas. Como hace siglos lo señaló Hipócrates: no hay enfermedades, sino enfermos. Nosotros modificaríamos la frase para decir que no hay enfermedades, sino personas con padeceres y también hay padeceres sin enfermedad. Desde luego es importante recalcar que las enfermedades son identificadas por cada sistema médico y, por lo tanto, todas ellas son dependientes de la cultura. De esta manera estamos obligados a reconocer que no solamente son válidas las enfermedades reconocidas por la biomedicina, aunque tengan un fundamento científico, sino también lo son el susto, el empacho y tantas otras que reconocen los sistemas médicos indígenas americanos.

Ahora bien, también hemos postulado la sutil diferencia entre la atención de los problemas de salud y los padeceres y el tratamiento de las enfermedades. Los padeceres requieren de apoyos sociales y emocionales, además de aquellos necesarios para satisfacer necesidades tan básicas como las de comer, mantenerse limpio y protegido o en reposo. En cambio, los tratamientos son el conjunto de medidas encaminadas específicamente para prevenir, aliviar, paliar o curar las enfermedades.

De lo someramente expuesto en las líneas anteriores, se postula que nuestro centro de interés en el campo de la salud y la interculturalidad es dicha atención de los problemas de salud y los padeceres, así como el tratamiento de las enfermedades. Lo anterior puede parecer obvio, pero la realidad demuestra que no lo es tanto. Los antropólogos quienes trabajamos en América Latina hemos estado activos colaborando principalmente con los sistemas de salud gubernamentales, pretendiendo incorporar en ellos la visión y las necesidades de sus usuarios. En la obra que reseñamos, también destaca que hemos apoyado las demandas de los grupos indígenas. Donde menos hemos funcionado es en el apoyo individual a los pacientes y en las labores de la salud pública, a pesar de las experiencias ganadas a lo largo de nuestra historia.

Ahora bien, de la experiencia de nuestro grupo y acorde con lo que aparece en varios de los capítulos del libro que nos ocupa, debemos postular tres alternativas para la comunicación y las acciones interculturales en materia de salud.

Las acciones y la comunicación intercultural espontáneas se derivan de aquella relación que se establece entre individuos o grupos de diferentes culturas, sin preparación ni capacitación previa, y que se guía -por lo general- mediante el sentido común. En ocasiones tal tipo de situación es forzada por las circunstancias.

Las acciones y la comunicación intercultural informadas se realizan cuando una de las partes, haciendo acopio de información -casi siempre publicada- sobre la cultura con la que se propone interactuar, pero sin buscar la participación activa de sus interlocutores.

Las acciones y la comunicación intercultural adecuadas o propositiva se realizan voluntariamente y con vocación humanista, después de una preparación, sensibilización y capacitación que conduce a mejores resultados mediante el diálogo respetuoso, tolerante y flexible entre las personas de las dos culturas.

En el campo concreto de las acciones y la comunicación intercultural en salud se debe partir de la capacidad de moverse equilibradamente entre conocimientos, creencias y prácticas culturales diferentes respecto a los procesos bioculturales salud-enfermedad, vida-muerte, y los conceptos sobre el cuerpo y la espiritualidad propios y ajenos. Dichas percepciones suelen estar contrapuestas y requieren de tolerancia y respeto entre quienes interactúan, evitando la imposición de una cultura sobre otra, sino más bien una tercera vía donde se aproveche lo más adecuado de las alternativas presentes.

La lectura del libro aquí reseñado apoya las ideas generales que hemos expuesto y destaca la necesidad de emplear el enfoque adecuado o propositivo. Su lectura es altamente recomendable, no solamente para el relativamente pequeño grupo de antropólogos quienes nos ocupamos de este asunto, sino también para los integrantes de los equipos de salud de cualquier sistema. Las tareas que debemos realizar entre profesiones, para el beneficio de los habitantes de nuestra región, necesariamente serán producto del diálogo respetuoso y equilibrado al que hemos hecho alusión.

Desde luego la obra constituye también un apoyo de suma utilidad para las labores docentes que se llevan a cabo en las instituciones del sector de la salud y el de la antropología. Hago votos para que quienes estamos activos en este campo encontremos las vías para dialogar y en un plazo razonable seamos capaces de producir los libros de texto capaces de apoyar la formación de los técnicos y profesionales que sigan adelante con las labores iniciadas por el relativamente pequeño grupo que somos ahora.

Luis Alberto Vargas – Instituto de Investigaciones Antropológicas y Facultad de Medicina de la Universidad Nacional Autónoma de México. E-mail: lavargas@servidor.unam.mx

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Appropiated pasts. Indigenous peoples and the colonial culture of Archaeology – MCNIVEN; RUSSEL (RAP)

MCNIVEN, Ian J., RUSSEL, Lynette Russell. Appropiated pasts. Indigenous peoples and the colonial culture of Archaeology. Walnut Creek. Altamira Press, 2005, 317 Páginas. Resenha de: CASTAÑO, Ana Maria Mansilla. Revista Arqueologia Pública, São Paulo, n.1, 2006.

Os títulos dos capítulos identificam já as differentes teorias que, sob o ponto de vista teórico, têm apoiado o colonialismo no discurso arqueológico. Sincronicamente são analisados os discursos desde as primeiras teorias que configuraram a própria disciplina até hoje. O segundo objetivo do livro, depois da análise de como o discurso arqueológico, juntamente com outros, tem contribuido e contribui ao colonialismo, que é oferecer alternativas para uma prática arqueológica descolonizada, se resolve rapido demais, uma vez que têm sido apresentadas questões terminológicas e conceituais de grande interesse, como a proposta de desconstrução do termo “Pré- História”. Isto porque, o sentido de tempo anterior à história resulta ofensivo para as populações indígenas que entendem que nenhum povo é povo sem história.

Perante os termos de “community archaeology” e “shared history”, que enfatizam as relações entre os arqueólogos e as comunidades locais, os autores sugerem sua sustituição pelo termo de “partnership research”. Aborda-se o caso australiano, mas nas frequentes referências a outras colonias de povoamento sente-se a falta de algumas experiências no contexto da America Latina e não apenas o olhar anglo-saxâo. O que não retira valor à sugestiva e exaustiva análise crítica das conflitivas relações entre a arqueologia e a sociedade contemporânea.

Ana Maria Mansilla Castaño – Escola Oficina de Restauro de Salvador. E-mail: anamansillac@oi.com.br

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A Guerra dos Bárbaros: resistência e conflitos no Nordeste colonial | Maria Idalina da Cruz Pires

Resenhista

Anna Maria Ribeiro F. Moreira da Costa – Pesquisadora da Fundação Nacional do índio. Professora do Centro Universitário – UNIVAG, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Doutoranda em História pela Universidade Federal de Pernambuco.

Referências desta Resenha

PIRES, Maria Idalina da Cruz. A Guerra dos Bárbaros: resistência e conflitos no Nordeste colonial. Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2002. Resenha de: COSTA, Anna Maria Ribeiro F. Moreira da. História Revista. Goiânia, v.10, n.1, p. 187-193, jan./jun.2005. Acesso apenas pelo link original [DR]

La Pacificación de la Provincia del Río del hacha. (1770-1776) – SOURDIS (M-RDHAC)

SOURDIS, Adelaida. La Pacificación de la Provincia del Río del hacha. (1770-1776). Bogotá: El Áncora Editores, 2004. 564p. Resenha de: SIEGLER, Ada de la Hoz. Memorias – Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe, Barranquilla, n.2, jan./jun., 2005.

Ada De La Hoz Siegler – Candidata a Magíster en Historia de la Universidad Nacional de Colombia e investigadora del Departamento de Historia y Ciencias Sociales y membro del Grupo de Investigación en Historia y Arqueología del Caribe Colombiano de la Universidad del Norte.

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Saberes, terapias e prácticas médicas en Argentina (1750-1915) – DI LISCIA (VH)

DI LISCIA, Maria Silvia. Saberes, terapias e prácticas médicas en Argentina (1750-1915). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas; Instituto de História, 2002. Resenha de: PEREIRA, Júnia Sales. Varia História, Belo Horizonte, v.20, n.32, p. 275-277, jul., 2004.

“Itinerários curativos nos pampas”

No início do século XXI, as certezas que acompanharam a sociedade ocidental de um crescimento indefinido, prosperidade sem limites e de resolução de todos os problemas humanos a partir da ciência não se sustentam de maneira alguma. Acena-se para novas formas de conhecimento que interpretam a realidade por sua complexidade, sem, contudo, desprezar outras possibilidades investigativas. acena-se, sobretudo, para uma epistemologia desvestida do essencialismo e consciente de sua falibilidade e historicidade. Essa nova epistemologia exige conhecimento do limite da racionalidade valorizada pelo Ocidente e abertura permanente a novas lentes interpretativas. Nosso interesse pela realidade, especialmente a realidade a ser explicada pela ciência, pressupõe previsão de instabilidade e desordem, caos e multidimensionalidade. Rompendo com os pressupostos do racionalismo clássico e assumindo o desafio de investigar a história a partir dos pressupostos de uma epistemologia renovada, Sílvia Di Liscia avalia os saberes, terapias e práticas médicas na Argentina entre meados do século dezoito até início do século XX.

Na fronteira da história com a antropologia, sua análise tem o mérito de buscar entender as racionalidades que informam os saberes e práticas indígenas, populares e médico-institucionais nos pampas, bem como suas interfaces e influências. Sua abordagem pressupõe o entendimento da “medicina” como toda terapia, empírica ou mágica, assim como toda reflexão teórica que inclua formas de cura, sem que necessariamente tenham que estar descritas ou inseridas num sistema organizado e codificado formalmente. Esse pressuposto permite à autora demarcar algumas linhas de fronteira entre saberes e práticas de três sistemas de cura — a medicina indígena, a medicina popular e a medicina ocidental, bem como possibilita entender que os limites entre esses três sistemas de cura nunca estiveram demasiadamente claros. Pelo contrário, a autora revela que entre elas houve linhas de contato, confluências conceituais, apropriações e usos mútuos que nos permitem perceber não somente as diferenças e contraposições mas também as semelhanças e apropriações recíprocas.

O movimento de percepção dos limites e dos embricamentos entre diferentes sistemas sustentou, em seu percurso de análise, as características comuns a esses saberes, terapias e práticas de cura, classificados, todos eles, pela autora, de pensamentos racionais. Inspirada em Lévi-Strauss, a autora pressupõe racionalidades singulares e específicas de cada complexo dedicado à cura e reflete sobre a busca de ordem e taxonomia nos três sistemas analisados, o que possibilitou aproximação e comparação entre eles, cuidando-se para que nenhum fosse avaliado a partir de hierarquização em relação a outros.

Na consecução da pesquisa, Di Liscia realiza uma sistemática avaliação de fontes de natureza diversa, reunindo um corpus heterogêneo e vasto composto por relatos de viagem (viajantes, funcionários, militares, naturalistas e cientistas), relatos de cativos europeus que viveram entre indígenas nos pampas, teses de médicos, manuais científicos, fontes literárias, estatísticas e ensaísticas, além de documentação oficial. Como afirmou a autora, a maioria trata-se de fontes produzidas no interior da chamada medicina científico-acadêmica e testemunha sobre as práticas e remédios populares e indígenas deste ângulo específico.

A obra é organizada em oito capítulos, sendo que a primeira parte (discutida nos três capítulos iniciais) privilegia a relação entre medicina acadêmica e medicina indígena. A autora centra-se no entendimento das relações entre os especialistas médicos e as terapias mágicas indígenas, avaliando de que forma ocorreu uma apropriação de conhecimentos indígenas — especialmente da flora e da fauna pampeana — e, por outro lado, de que maneira se justificou e se realizou a eliminação étnica promovida pelos ocidentais contra os indígenas. Um dos pontos fortes da obra diz respeito ao movimento conceitual realizado no interior do pensamento ocidental em relação ao indígena bárbaro e selvagem. Entre finais do século XVIII e início do XIX, a autora percebe um gradativo abandono da idéia de mal originalmente associada ao indígena — vinculado, pois, ao demônio a ser eliminado — para uma lenta e gradativa elaboração que passa a descrever a sua suposta barbárie não pela maldade, mas pela falta de educação suficientemente equivalente à cultura européia. Nessa tradição, o indígena deixa de ser aquele a ser eliminado, e passa a figurar como aquele a ser educado, representado, portanto, como bárbaro-primitivo. À educabilidade do indígena associa-se a idéia da necessidade de eliminação do charlatanismo e da mentira. Essas últimas justificativas sustentarão, na relação entre ocidentais e indígenas nos pampas, por um lado, a apropriação das positividades das práticas e saberes indígenas pelos espanhóis e, por outro lado, a eliminação de suas negatividades, especialmente as práticas de chamanismo, a feitiçaria e o uso de talismãs. Foi possível à autora avaliar momentos em que a medicina indígena aproxima-se da medicina acadêmica, especificamente em decorrência dos benefícios advindos da vacinação anti-variólica. Nesse processo, não passam desapercebidos o uso político desse movimento de aproximação e as conseqüências de aniquilação cultural para os diferentes grupos indígenas. Em contrapartida, foi possível localizar, nos jardins das missões jesuíticas, herbários com plantas medicinais e a catalogação de benefícios de seu uso a partir de prescrições indígenas, bem como as recomendações alimentares e a observação de hábitos indígenas por jesuítas.

A segunda parte da obra (capítulos 4, 5, 6, 7 e 8) analisa as relações entre medicina popular e medicina científica. A medicina popular, segundo a autora, foi nomeada e descrita pela medicina acadêmica que passou a descrever os saberes considerados atrasados, geralmente associados a setores não hegemônicos, superstições e crendices, desprezando-os por alegação de inconsistência, falta de relação com o real, falta de racionalidade e de eficácia. A partir da definição de cultura como “sistema de significados, valores e atitudes compartilhados e de formas simbólicas através das quais se expressa ou encarna”, tomada de Peter Burke, a autora realizará uma avaliação das formas e relações estabelecidas entre medicina popular e científica. o que permitirá desvelar tradições, costumes e práticas das chamadas classes incultas da mesma forma que permitirá à autora o entendimento das relações entre Igreja, Estado e setores da medicina institucionalizada com as concepções e práticas socialmente produzidas.

Nesse percurso, foi possível perceber tensões e acordos, bem como mútuas inserções de cada um dos sistemas em análise. Digna de nota é a análise dos chamados mecanismos de automedicação, tão combatidos pela medicina institucionalizada mas, ao mesmo tempo, efetivamente justificados em finais do século XIX, quando os próprios médicos começaram a formular enciclopédias de uso familiar, à semelhança do que já faziam os farmacêuticos, práticos e outros. Mais uma das contradições que a própria medicina ocidental nunca conseguiu dissolver desde então.

Na delimitação do exercício profissional — o que, afinal preocupava às autoridades — aparecem questões como o combate aos saberes dos práticos, curandeiros, parteiras, feiticeiros e raizeiros, a perseguição ao curandeirismo estrangeiro (considerado danoso à pátria), o combate às vias de acesso ao conhecimento alheias às prescrições ocidentais (chamanismo, invocações, uso de totemismo, etc), bem como a delimitação do limite de ação das chamadas medicinas alternativas, a homeopatia e as consultas informais. Nada disso parece ser privilégio dos pampas, como, afinal mostraram as obras de Betânia Figueiredo1 e Márcia Moisés Ribeiro,2 para citar somente duas publicadas recentemente no Brasil.

Interessante ressaltar que o século XIX parece ser decisivo para afirmação da racionalidade médica ocidental sobre as demais, especialmente com recurso de associação entre médicos, Estado e Igreja. Contudo, o estudo revela que, a despeito dessa associação, ocorreram enfrentamentos velados entre esses setores nesse período. A documentação compulsada permitiu avaliar cuidadosamente o posicionamento da Igreja, por exemplo, em relação ao tétano (chamado popularmente de “pasmo” e, no caso do recém nascido, “mal de sete dias”) e em relação às medidas sanitárias que recomendavam o afastamento entre mortos e vivos. No primeiro caso, autoridades médicas, no início do século XIX, chegaram a proibir o batismo antes que a criança completasse oito dias, tempo considerado suficiente para que a água do batismo não contaminasse o bebê. No segundo caso, as autoridades médicas e sanitárias, também da mesma maneira que o fizeram em outras nações latino-americanas, passaram a recomendar que os cemitérios fossem afastados dos centros de circulação de pessoas. A análise da postura de diferentes sujeitos em relação a esses problemas de ordem religiosa, médica e de saúde pública permitiu à autora perceber as formas e justificativas em jogo, bem como os projetos que foram vitoriosos em cada época analisada.

Ancorada em reflexões sobre a ciência, sua multidimensionalidade e a complexidade necessárias a uma reflexão sobre racionalidades diferenciadas, Silvia Di Liscia apresenta uma obra de amplo interesse, ancorada numa longa e refletida pesquisa documental e num profícuo e aprofundado diálogo entre história e antropologia. Além disso, a obra tem uma contribuição importante para os estudos de história da América, inclusive apontando abordagens singulares para um conjunto de saberes, terapias e práticas sociais e seus instigantes itinerários.

Uma obra relevante e profícua que causa, contudo, incômodos a jovens pesquisadores preocupados em evitar a dispersão temporal, a profusão de fontes e a proliferação de temáticas e recortes em análise. Se essas questões podem ser consideradas problemáticas, sobretudo por prejudicarem vez ou outra a manutenção do foco analítico e mesmo da narrativa, podemos dizer que Saberes, terapias e práticas médicas na Argentina é de interesse de todo pesquisador das ciências humanas, especialmente porque contribui para alargar os horizontes interpretativos da história (especialmente uma história dos saberes e das práticas de comunidades diferenciadas), contribui para difusão de metodologias de interpretação informadas pelas noções de circularidade e hibridismo cultural, abrindo, por isso, inúmeras outras possibilidades de pesquisa, esta, talvez, uma das importantes funções de uma ciência pautada pela pluralidade, pela sensibilidade investigativa e pela interlocução permanente.

Notas

1 FIGUEIREDO, B.G. As artes de curar. Vício de Leitura, 2002.

2 RIBEIRO, M.M. A ciência dos trópicos; a arte médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997.

Júnia Sales Pereira – Professora da FAFI-FEMM – Sete Lagoas. Professora e Coordenadora do Centro de Pesquisa e Extensão das Faculdades Pedro Leopoldo. E-mail: juniasales@uai.com.br

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Life in an Anishnabe Camp – WALKER (CSS)

WALKER, Niki. Life in an Anishnabe Camp. New York: Crabtree Publishing Company, 2003. 32p. SMITHYMAN, Kathryn; KALMAN, Bobbie Kalman. Native Nations of the Western Great Lakes. New York: Crabtree Publishing Company, 2003. 32p. Resenha de: HARVARD, D. Memee.  Canadian Social Studies, v.39, n.1, p., 2004.

As I set out to write this review I am troubled. In the traditions of my people, the Anishnabek, one must never openly criticize another, to do so would cause a loss of face and is therefore strictly avoided. However, as an Anishnabe woman in the academy I must tread a fine line between the expectations of my ancestors and the demands of modern society. Although this path tends to be all uphill and full of stones, it is not without its rewards. This request to examine literature that may potentially educate innumerable generations of children about the ways of our First Nations people provides a rare, yet necessary, opportunity to add an Aboriginal perspective, which has so often been missing in the past. At this point it is important to clarify that this is indeed ‘an’ Aboriginal perspective, not ‘the’ Aboriginal perspective, for it would be sheer folly to suggest that all Aboriginal peoples would be like-minded. With this in mind I offer the following words.

Native Nations of the Western Great Lakes provides an excellent overview of the many Aboriginal nations living around the Great Lakes area. After much discussion with an Anishnabe elder who was herself a teacher almost 80 years ago, we concluded that this book would be an excellent resource for both Aboriginal and non-Aboriginal classrooms. The written text is clear and simple enough to be understood by early readers with some assistance, yet interesting and complex enough in content to still be of interest to more accomplished students. The numerous illustrations provide both stimulation and increased content comprehension for those who learn more visually, as is often the case for First Nations learners. I initially thought the book would have benefited from more Aboriginal artwork and illustrations, and less reliance on the portrayals of (undoubtedly biased) early European artists. However, Smithyman and Kalman’s discussion of the abuse of Aboriginal peoples perpetrated by land hungry foreign invaders has softened my critique. Smithyman and Kalman address issues that are often overlooked, especially in juvenile literature, specifically the less than honourable history of a nation built on the dispossession of Indigenous peoples.

The depictions of the Aboriginal nations are very informative and cover a broad range of distinct tribal groups. Smithyman and Kalman provide a good introduction to the diversity that existed among the various First Nations of this continent. This work will hopefully help to dispel the commonly held belief that all ‘Indians’ are the same, i.e., riding around on horses and hunting buffalo. Indeed, my people were traditionally more comfortable traveling by canoe and eating fish, a fact which often comes as a disappointment to many.

It is important however that such introductory lessons be followed up with literature that goes into the specific details of each distinct nation. Unfortunately, as is often the case with this genre of literature, the need for brevity can result in errors of omission. These are not inaccuracies as such, but rather simply a lack of the necessary depth of information. For example, in reference to the illustration on page 11, Smithyman and Kalman claim the Ho-Chunk decorated their clothing and baskets with the quills of the porcupine. While this is in all likelihood strictly accurate, the fact that it is mentioned with regard to only the Ho-Chunk leads one to assume it is unique to this particular nation. Porcupine quillwork is traditional to the Anishnabe people as well-they are well known for their beautiful quillwork-a fact that is clearly ignored by the text. Indeed, the work of both my grandmother and great grandmother has been on display in the Smithsonian.

As a compliment to Smithyman and Kalman’s introductory text, Walker’s book, Life in an Anishnabe Camp, provides an in-depth depiction and invaluable information about the way of life of the Anishnabe people specifically. In fact, I was originally skeptical of several claims made in the book especially with regard to recreation, yet upon further research, I was pleasantly surprised to learn something new about my own ancestors. Although lacrosse as we now know it is a direct descendant of the Iroquoian version of the game with the crooked stick with webbed triangular baskets, early missionary records describe the round closed pocket of the Great Lakes Indian lacrosse sticks as they engaged in competitions outside the missions. Apparently we all have much to learn when it comes to the history of our First Nations and the more we can promote quality literature such as these texts the better.

Unfortunately, the authors make fundamental mistakes very early on in both books which later lead to several contradictions. Specifically, both books claim Anishnabe refers only to the Ojibway people in all their various forms including Ojibwa and Chippewa (Smithyman Kalman, p. 6; Walker, p. 4) and that the Odawa and Pottawattomi are distinct from and most decidedly not Anishnabe. Indeed, Smithyman and Kalman go so far as to claim that the Odawa language is different from the Anishnabe language (p. 5). To the best of my knowledge, which I have confirmed with Rita Corbiere, an elder of the Wikwemikong First Nation of both Odawa and Ojibway descent and a fluent speaker of Anishnabemowin, the term Anishnabe refers to the Odawa, Pottawattomi, and the Ojibway peoples collectively. Furthermore, as was confirmed initially by Rita Corbiere and subsequently by Elaine Brant, a language teacher with the Toronto school board, although there may be slight variations of pronunciations or dialect among the three tribes mentioned above, all still speak Anishnabemowin. Indeed there is no distinct Odawa language that is different from the Anishnabe language.

Interestingly, on page 6 of the Smithyman and Kalman book we find that apparently Anishnabe means the people in Ojibway, while Weshnabek means the people in Odawa. What we see here is in fact different spellings of the same word (which is common as there is no standardized spelling for our mother tongue). Clearly the meaning is the same, even by the authors’ account, and as any fluent Anishnabe knows the ‘k’ at the end of the word is simply the plural form: one Anishnabe, two Anishnabek. Although I generally hesitate to rely upon government publications for verification of my traditional knowledge, as I flipped through the pages of a business resource document in the office of the Ontario Native Affairs Secretariat I found their definition of the Anishnabe people includes not only the Ojibway, Pottawatomi, Chippewa, and Odawa peoples but also the Algonquin and the Mississaugas as well. While I may seem to be overstating my point here, this inaccurate definition becomes an important source of contradiction later on in both works.

The illustration of the Anishnabe summer village that is found on pages 18-19 of the Smithyman and Kalman work, as well as on page 9 of the Walker book, is fraught with inaccuracy if we adhere to Smithyman, Kalman and Walker’s own, albeit mistaken, definition of Anishnabe as an Ojibway specific term. Indeed, this idyllic scene of happily working brown-skinned people depicts longhouse style dwellings and primitive agricultural activities, which are decidedly inconsistent with the northern Ojibway, but are in fact found among the southern Odawa as asserted by Smithyman and Kalman elsewhere (see page 17 for housing descriptions and page 7 for the depiction of Odawa crop planting). Thus we must conclude that either Anishnabe is indeed inclusive of the Odawa peoples, or that this illustration is mislabeled and therefore misleading. As I already have done, I personally argue for the former. Indeed, the Odawa are Anishnabe people and as a result of their alliances with the Huron in the mid-17th century they learned to cultivate maize.

Another illustration I find troubling in Walker’s book is found on page 13. Inside the wigwam we see a young man laying next to the fire wearing a ceremonial breastplate. Such a thing would never have happened, such regalia was only worn during ceremony or battle. It is the garment of a warrior. Although I recognize this is only an illustration, and as such is not reality, the book presents itself as a resource book. It is not a work of fiction. Such misrepresentations can become the very source of future misconceptions.

Unfortunately for these authors it can be very difficult to keep abreast of the ever-changing terminology preferred by the descendants of North America’s original inhabitants, i.e., those referred to in the literature as Native peoples. Political movements and increasing Aboriginal self-determination have lead to great uncertainty over acceptable terminology. Although many established Aboriginal organizations (such as the Ontario Native Women’s Association) have chosen to continue using the term ‘Native’ for financial and legal reasons (if they were incorporated under such names), in contemporary circles when not using our specific tribal affiliations such as Anishnabek, we generally prefer to refer to ourselves collectively as Aboriginal or First Nations peoples. Such terms clearly establish our place as the original peoples, not to be confused with someone who was merely born here and is therefore considered native to the area. However, that being said, I do recognize the terminological consistency with Native Studies curriculum documents. Perhaps what is necessary for future works in the field is a brief comment on the rationale behind the choice of the particular terminology being used over the others available.

While these books are not without their faults, overall they are of exceptional quality. They were done in a positive and sensitive manner, and they are respectful of the Aboriginal traditions, something which was often not present in much of the previous literature. I can still remember the horribly demeaning depictions of savages that so often graced the pages of my school books (whenever some particular historian chose to remember that history in Canada did not begin with the arrival of the explorers). Overall they are an excellent elementary resource that will likely be the source of much discussion in my teacher education class next year.

Memee Harvard – Faculty of Education. University of Western Ontario. London, Ontario. President, Ontario Native Women’s Association.

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O pensamento mestiço – GRUZINSKI (RBH)

GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 398p. Resenha de: GIL, Antonio Carlos. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.44, 2002.

Neste seu novo livro, Serge Gruzinski, historiador francês, diretor de pesquisa do Centre Nacional de la Recherche Cientifique (CNRS) e diretor de estudos na École des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS), comenta em suas páginas iniciais a experiência precursora de Aby Warburg, um famoso historiador da arte de inícios do século XX. Warburg, imbuído de um olhar antropológico, descobrira um vínculo entre a cultura dos índios hopis do Novo México e a civilização do Renascimento. Gruzinski também se volta para esta relação, pois um dos objetivos centrais deste seu novo livro é observar como os povos ameríndios da segunda metade do século XVI, estão impregnados de diversos elementos europeus e vice-versa. Ou seja, se trataria de fato do estudo de culturas mestiças.

Gruzinski, ao abordar este tema, faz sempre uma ponte com o presente. Afinal, vivemos ainda mais radicalmente hoje as influências do processo de mundialização que se iniciou com a expansão européia no século XVI. Da Amazônia a Hong Kong vivemos em mundos mesclados, onde temos que nos esforçar para juntar os fragmentos que nos chegam por todas as partes, hoje em escala planetária. Nossas práticas atuais foram inauguradas no México do Renascimento (p. 90). A narrativa de Gruzinski demonstra que o arcaico é um engodo e que estamos profundamente contaminados pela modernidade. Sua epígrafe retirada de Mário de Andrade: “Sou um tupi tangendo um alaúde”, que também encerra o seu livro, exprime de maneira simbólica o que o autor irá demonstrar em todo o decorrer do livro. Vários traços característicos das sociedades analisadas, no caso, as sociedades indígenas da América Espanhola do século XVI, provêm da Península Ibérica e da Itália do Renascimento e não do distante passado pré-hispânico. O fenômeno da mestiçagem manobra com um número muito grande de variáveis que muitas vezes fogem à percepção dos historiadores. Além da grande complexidade das mestiçagens, o autor demonstra que havia e ainda há uma grande desconfiança em relação ao tema. Gruzinski estende a sua crítica aos antropólogos amantes de arcaísmos e de “sociedades frias” ou de tradições autênticas. Gruzinski certamente, ao escolher o título de seu livro, quer marcar sua distância do autor de “O pensamento selvagem”. Em seu primeiro capítulo, de fato, critica a antropologia estruturalista por ter desprezado a importância dos processos de recomposição permanente, privilegiando por sua vez as totalidades coerentes, estáveis e com contornos tangíveis. A todos que ignoram os efeitos da colonização ocidental e as reações que se desencadearam, o autor acusa de ocultadores da história, sem a qual é impossível conhecer a profundidade essencial desse processo.

Gruzinski tem a preocupação de tentar definir o que seria o conceito de mestiçagem. Tarefa difícil na medida em que os termos “mistura”, “mestiçagem” e “sincretismo” são carregados de diversas conotações e a priori (p. 42). Gruzinski alerta que a compreensão do termo choca-se com os hábitos intelectuais que preferem os conjuntos monolíticos e os clichês e estereótipos em vez dos espaços intermediários (p. 48). Alerta também para as ciladas que se impõem quando se utilizam os conceitos de cultura ou identidade. Neste sentido, o autor critica aos que “evocam a existência de uma ‘América Barroca’ ou uma ‘economia do Antigo Regime’ como se pudesse se tratar de realidades homogêneas e coerentes, das quais só restasse estabelecer os traços originais” (p. 54). Ou seja, Gruzinski adverte que para analisarmos as mestiçagens, nós, historiadores, precisamos “submeter nossas ferramentas de ofício a uma crítica severa e reexaminar as categorias canônicas que organizam, condicionam e, com freqüência, compartimentam as nossas pesquisas” (p. 55). Na análise que Gruzinski se propõe, emprega o termo “mestiçagem” para designar as misturas que ocorreram em solo americano no século XVI entre seres humanos imaginários e formas de vida, vindos de quatro continentes, América, Europa, África e Ásia. Já o termo “hibridação” é utilizado por Gruzinski na análise das misturas que se desenvolvem dentro de uma mesma civilização ou de um mesmo conjunto histórico (p. 62).

Ao analisar o momento da conquista, Gruzinski relembra que a chegada dos europeus gerou altas turbulências e foi sinônimo de desordem e caos, e que sem esta noção em mente não podemos compreender a evolução da colonização e as misturas provocadas pela conquista (p. 73). Surgiram o que o autor chama de “zonas estranhas” onde a improvisação venceu a norma e o costume, ou seja, os vínculos que ligaram os espanhóis e as populações ameríndias foram profundamente marcados por indeterminações, precariedades e improvisações. Havia um déficit constante nas trocas que se estabeleciam, visto que se relacionavam fragmentos e estilhaços da Europa, da América e da África. Além do impacto da conquista, Gruzinski desenvolve em um de seus capítulos outro processo que considera importante na formação das mestiçagens na América Espanhola: a ocidentalização. Ela operou a transferência para o nosso lado do Atlântico dos imaginários e das instituições do Velho Mundo (p. 94). Um dos elos essenciais dessa ocidentalização foi a cristianização.

Ao considerar o processo de ocidentalização, Gruzinski passa a abordar a cópia indígena. Fruto da demanda de uma clientela espanhola ou indígena, ávida por objetos de estilo europeu, a reprodução indígena, ou melhor, a noção de cópia acabou por se revelar extremamente elástica. Gruzinski demonstra que a concepção européia de reprodução deixava um campo considerável à interpretação e à invenção. Neste ponto, o autor começa a analisar o que consideramos o cerne deste seu novo livro: as mestiçagens da imagem.

De uma forma bastante criativa, Gruzinski, ao analisar os frisos do desfile das Sibilas que se encontram na “Casa do Decano” em Puebla ou os afrescos que enfeitam a igreja agostiniana de Ixmiquilpan, foge dos esquematismos e clichês construídos em relação aos índios da América, que sempre se referem aos esplendores das civilizações pré-colombianas ou à decadência inapelável que teria se sucedido (p. 131). Gruzinski demonstra que os indígenas, que pintaram as imagens analisadas, se inspiraram nas obras de Ovídio, principalmente em “As metamorfoses”, e adaptaram motivos clássicos de modo a dar às cenas indígenas um aspecto antigo. Gruzinski acredita que a razão para tantos esforços em unir os motivos ovidianos e indígenas seria maquiar as inúmeras reminiscências pagãs cujas conseqüências reflexivas poderiam assim estar fora do alcance de um espírito europeu.

Gruzinski direciona o nosso olhar para um espaço ornamental — os frisos. Seriam estes espaços um local dedicado às frivolidades da decoração, aos efeitos superficiais e ao culto do pormenor? Gruzinski afirma que é preciso reconsiderar o papel das margens e do ornamento na arte européia e a devolver a esses espaços o papel e o significado que lhes cabem. Gruzinski também põe em relevo a importância do maneirismo na proliferação do gosto pelo bizarro, pelos fenômenos estranhos e monstruosos, que influenciou o uso dos grotescos europeus pelos artistas mexicanos — os tlacuilos. Os grotescos revelam o gosto da época pelos arabescos e bestiários fantásticos. Em sua análise, Gruzinski demonstra que os grotescos permitiram a troca entre dois mundos — o indígena e o europeu. Neste sentido, o autor se volta para este objeto tão pouco estudado mas essencial para o processo de localização de engrenagens e processos de mestiçagem. Os grotescos europeus, ainda que explorem tendências decorativas, privilegiam metamorfoses e hibridações que estão presentes no pensamento do Renascimento. A contribuição de Gruzinski se dá pelo fato de constatar que a hibridação presente nas gravuras analisadas se transforma, em solo mexicano, em mestiçagens, uma vez que houve naquele momento um alargamento gigantesco de horizontes (p. 193). Cabe ressaltar que Gruzinski, em relação ao seu conceito de mestiçagem, não trabalha com a idéia de choque, justaposição, substituição ou mascaramento. O autor considera que o processo resultante da mestiçagem não é um puro produto dos meios que o engendraram. Neste sentido, o autor prefere trabalhar com a idéia de “atraidor” que à maneira de um ímã permite ajustar entre si peças díspares, reorganizando-as e dando-lhes um sentido (p. 197). Ou seja, ao unir concepções diversas, o atraidor possibilita a expressão de um pensamento mestiço, como podemos ver nos afrescos indígenas, no mapa-paisagem da cidade de Cholula ou nos cantares indígenas mexicanos.

Gruzinski se apropria da expressão “culture of disappearance” utilizada pelo sociólogo Ackbar Abbas, que analisa a situação de Hong Kong no último decênio do século XX (p. 315). Gruzinski considera míopes os que reduziram o passado do México a uma história de massacres e destruições, e que por muito tempo ignoraram ou fizeram desaparecer as formas singulares do Renascimento indígena (p. 316). Os nobres mexicanos, para evitar serem assimilados ou reabsorvidos, tiveram que aprender a “sobreviver a uma cultura de desaparecimento” adotando estratégias para tirar partido de mutações, evitando a hispanização pura e simples (p. 316). Portanto, o autor de uma maneira bastante feliz descarta as ciladas da marginalidade que apenas consolida o centro, assim como escapa às ilusões do local, percebido de forma ideal como um porto seguro que teria conservado a antiga pureza (p. 317).

Gruzinski, o tempo todo, nos alerta que o conjunto de componentes extremamente diversos como os pictogramas, os grotescos, as fábulas antigas, os cromatismos, os efeitos luminosos, frutos do encontro e do enfrentamento, não de duas culturas, mas do que ele chama “dois modos de expressão e comunicação” (p. 273), pertencem a um espaço novo, a uma “zona estranha” (p. 243), cuja compreensão depende da invenção de novos procedimentos de análise.

Os artistas da cidade do México no século XVI, assim como os cineastas de Hong Kong, segundo o autor, elaboraram novas práticas da imagem, ao mesmo tempo que desestabilizaram e distorceram os gêneros, sejam eles os grotescos do Renascimento, os velhos cantares ameríndios ou os filmes de kung-fu (p. 319).

Este livro de Gruzinski, além de ser uma obra de grande erudição, também é uma lição de método. A nós, historiadores, propõe que estejamos atentos à interdisciplinaridade e a todas as formas de expressão que permitam um enriquecimento das formas de análise de nosso objeto de estudo. Como disse anteriormente, Gruzinski faz diversas pontes com o presente. O seu estudo do México espanhol após a conquista não impede que analise certas questões contemporâneas como a mundialização, a “World Culture” e a influência cada vez mais predominante dos Estados Unidos. Gruzinski, por exemplo, analisa em seu livro os filmes de Peter Greenaway “Prospero´s Books” e “The Pillow Book”, e o cinema do diretor Wong Kar-wai procedente de Hong Kong. Um dos filmes de Wong Kar-wai, “Happy Together”, que narra as peripécias de dois chineses em Buenos Aires, dá título a sua conclusão. Ao analisar este filme, Gruzinski, através do olhar do diretor, expõe a força das mestiçagens num mundo onde imperam os fluxos de informação e poder do capitalismo em nível mundial.

Gruzinski está atento à complexidade do tema na medida em que realça os limites que uma mistura pode alcançar, uma vez que pode se transformar em uma nova realidade ou adquirir uma autonomia imprevista. Portanto, o autor sugere que o estudo destes limites com suas conseqüências para o fenômeno da mestiçagem está sendo reservado para um livro futuro. Nele, talvez o autor possa nos mostrar algo que ainda não foi abordado neste livro. Qual será o lugar da cultura mestiça neste processo de mundialização engendrado em escala planetária pelo capitalismo? Gruzinski já demonstrou a impossibilidade do retorno ao passado, do despertar das culturas submetidas. Resta-nos indagar se a cultura mestiça se manterá refém dentro dos limites da tradição ocidental ou se permitirá o surgimento de algo novo que romperá com a lógica do sistema de dominação atualmente vigente.

Certamente o leitor que se dispuser a ler “O Pensamento Mestiço” de Serge Gruzinski, não se decepcionará e poderá se deixar levar pelo prazer de descobrir uma outra América.

Antonio Carlos Amador Gil – Universidade Federal do Espírito Santo.

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Eyewitness – THOMPSON (CSS)

THOMPSON, Margaret. Eyewitness. Vancouver: Ronsdale Press, 2000. 190p. Resenha de: MANDZUK, David; MANDZUK, Jayne. Canadian Social Studies, v.37, n.1, 2002.

Eyewitness by Margaret Thompson is a nicely crafted piece of historical fiction that is sure to appeal to young adolescents and adults alike. It tells the tale of Peter Mackenzie, a young boy who grows up without his parents in Fort St. James during the time of the Fur Trade in what is now British Columbia. In the book, Thompson interweaves a variety of interesting characters such as Sir George Simpson, Carrier Chief Kwah and James Douglas, many of whom actually lived during the time.

In our view, the book’s three major strengths are its rich descriptive passages, its ability to capture what life must have been really like for a child at the time, and its ability to capture both the respect and tension that characterized the relationship between Canada’s native people and the Europeans whose arrival changed the natives’ way of life forever. There are many passages throughout the novel that are rich in description and demonstrate Thompson’s love of language. One of these passages is found on page 70 where the protagonist of the story, Peter, describes the sled dogs and the beauty of a cold, winter’s night:

But on those winter nights so clear and cold that it seemed that the air must splinter and shiver into a million, tinkling shards, when the Northern Lights rippled and swelled across the sky, the dogs would waken and howl, filling the night with song, as if they, too, sensed the great silent chords that I could feel shuddering in my head as the lights swirled majestically overhead.

Another strength of the book is Thompson’s ability to recreate what life must have really been like for a child during the time of the Fur Trade. For instance, we learn what it is like to wake up with a skiff of snow at the foot of your bed, what it is like to eat fish for months on end, and the sheer tedium of waiting out the long Canadian winters. The following passage is particularly effective in this last regard:

There was little traffic between posts once the fish had been stored, the wood cut and the year’s returns packed and hauled away. The Fort settled into its dreamy winter state, the grey buildings huddled in the snow on their little eminence above the frozen lake, smoke from the tiny chimneys standing straight up in the still air, the inhabitants concentrating on keeping warm and whiling away the empty hours (p. 119).

A third strength of the book is Thompson’s ability to capture both the respect and tension between the native people and those of the Hudson’s Bay Company. In fact, Peter realizes how his friend’s people have probably been changed forever when he states that, in a sudden, bleak understanding, I realized how complicated life had become for Cadunda’s people, now that we were there, a different clan, with very different ideas, spreading everywhere and more of us coming all the time (p. 179).

Although we would recommend this book for young readers, we do have a few suggestions for the author and for teachers thinking of using this book with their classes. First, we felt that the cover was neither colourful enough nor eye-catching enough to attract the eyes of young readers who often rely on the title page to attract them to a book. Second, we both felt that a glossary would have helped the reader follow the story by explaining terms such as babiche and capot, words quite specific to Canada and the Fur Trade era. Finally, we believe that the novel might be reduced simply to an adventure story if students read the book without any knowledge of the Fur Trade and how it influenced settlement in Canada.

In general, however, we highly recommend this book for young adolescents and their teachers in the middle grades; in fact, it would be a wonderful complement to a Social Studies unit on the Fur Trade. For those middle years teachers who also integrate Social Studies with Language Arts, we believe that this book would be an excellent companion to Joan Clark’s The Hand of Robin Squires. Both books involve the interaction between white and native cultures, both take place in Canada, and both are jam-packed with action which is certainly an advantage in encouraging young adolescents to read!

David Mandzuk – Ph.D. Faculty of Education. University of Manitoba. Winnipeg, Manitoba.
Jayne Mandzuk – Grade 4 Student. Ryerson School. Winnipeg, Manitoba.

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The Mass Media and Canadian Diversity – NANCOO; NANCOO (CSS)

NANCOO R The mass media and CanadianNANCOO, Stephen E.; NANCOO, Robert S. Eds. The Mass Media and Canadian Diversity. Mississauga: Canadian Educator’s Press, 1996. 288p. SCHUDSON, Michael. The Power of News. Cambridge: Harvard University Press, 1995. 288p. Resenha de: SENGER, Elizabeth. Canadian Social Studies, v.35, n.4, 2001.

The Mass Media and Canadian Diversity offers an insightful and thought provoking look at the role the mass media have played in both forming and perpetuating ideas about Canadian identity. It is a collection of essays and research reports by nineteen writers who look at the issue from varying perspectives. A great deal of attention is given to issues of identity for Native peoples, with a lesser emphasis on the portrayal of women and visible minorities in our society.

The organization of the book follows a logical historical progression to the role of the mass media in the formation of a Canadian identity. This is followed by reports on a number of studies which examine the direct impact of media decisions and actions. Finally, the editors suggest a course of action for the roles the media should play in dealing with identity issues in the future.

The Mass Media and Canadian Diversity concludes that the richness of cultural diversity in Canada has not traditionally been portrayed in an accurate or favorable light, and contends that there is a need, in fact, an obligation, for the media to remedy this situation in the future. More research needs to be done into the impact of media portrayals and a more concerted effort to make positive portrayals is required in order to encourage people to embrace the value of a culturally diverse Canada, to help us build a healthier, more successful society in the future.

The editors have done a fairly good job of choosing material for the book. Various perspectives are presented which provide a valuable cross section of the diverse cultures in Canada and representations of them in the mass media. This book will, unfortunately, have a limited use in the classroom. The reading level would be somewhat difficult for most high school students and the only visuals are charts of research findings. The reports on research were, in places, too reliant upon statistical findings and lacked interesting and useful analyses. Because of this, students would likely lose interest in reading this book. However, The Mass Media and Canadian Diversity would be a useful resource for a higher level course on media relations and the role of media in the formation of Canadian identity.

In The Power of News, Michael Schudson attempts to clarify exactly what the role of the media is and has been in American history. He is clearly an avid historian of the news media and the book is well referenced and footnoted. However, I found myself struggling to determine whether this book was about the power of news or the history of news.

The entire first half of the book is devoted to an interesting account of the role of the news media in American history. While this section is fascinating, I kept asking myself what this had to do with the power of news. The second half of the book is more clear in explaining how the news media has struggled to define the role it can and should play – that of keeping a presumably literate, intelligent, and politically active public informed or that of watch dog over those in power, charged with the responsibility of ensuring authority is used responsibly. Schudson concludes that the media must have a kind of schizophrenic role because they must assume the occurrence of both these situations. Sometimes people are informed and politically active and, at other times, they are less than vigilant. When this happens, the media must be prepared to take up the role of political activists and assure that the abuse of power does not occur.

The Power of News has limited applications for a high school social studies class. Schudson’s writing style make the reading heavy going in places. Also, the material assumes extensive knowledge of American historical contexts. As with The Mass Media and Canadian Diversity, this book is more appropriate for use with a higher level course on media relations.

While both of these books were about the media, and contend that news and the media have power over society and politics, they take different approaches. Nancoo and Nancoo focus on relations between diverse cultures within a society, while Schudson is more concerned about the relationship between the producers of news (the media) and the consumers of it (the general public). Both may have some use as instructor resources, at the high school level, but would not be suitable for use by high school students.

Elizabeth Senger – Calgary, Alberta.

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Our Lives: Canada After 1945 – FINKEL (CSS)

FINKEL, Alvin. Our Lives: Canada After 1945. Toronto: James Lorimer Company Ltd., 1997. 422p. Resenha de: MacFARLANE, John. Canadian Social Studies, v.35, n.4, 2001.

Our Lives will greatly interest general readers as well as the academic community. The latter will appreciate footnoted references to many recent works of social and economic history. Students will benefit from the well-written presentation, thorough index and footnotes, extensive photographs (about four in each of the fifteen chapters) and the occasional statistical chart. Chapters are well organized and supported by introductory and concluding summaries. There is, however, no bibliography. The book is divided into three chronological sections. The first, covering the years from 1945 to 1963, is titled In the Shadow of the Giant and introduces the theme of American influence on Canada which dominates the book. The second section discusses the search for identities from 1963 to 1980, and the final section brings the reader to 1996, focusing on neo-conservative times. Throughout, the author details the evolution of the Canadian economy and its impact on society, paying particular attention to labor, women, Native Canadians and immigrant groups. Political events, the provinces and foreign affairs are also addressed in each section.

Finkel questions the image of Canada that emerges in the standard post-war text book, Canada Since 1945: Power, Politics and Provincialism … where almost uniform prosperity is brought into being by a dynamic capitalism and a wise federal bureaucracy presided over by a progressive Liberal party with intelligent leaders (p. 5). Finkel convincingly demonstrates that prosperity and opportunities to prosper were unequally shared. The tax system consistently favored the ‘well-off citizens’ (p. 143) and corporate welfare bums; the social reforms of the immediate post-war period were limited, and more due to NDP pressure (provided by provincial premiers, public support as indicated in polling results or conditional support to Liberal minority governments) than to the Liberal party (which has consistently shed its progressive campaign rhetoric when elected with comfortable majorities). The author is also convincing when discussing the strong influence of the United States on the Canadian economy (an increasingly negative influence as the consequences of the Free Trade Agreement and NAFTA are felt).

Finkel’s arguments that Canada has not played an important role in the world since 1945, however, are not as well supported. He dismisses Canadian military and foreign policy as an echo of the Americans, failing to provide the reader with an adequate sense of the objectives Ottawa has pursued on the international stage. Canada’s role in United Nations peacekeeping missions is written off as an attempt to provide only the image… of [an] independent and peace-minded nation (p. 121). Canadian participation in the Korean War (covered in two pages while the Vietnam conflict receives nine pages) is presented not as support for the United Nations but rather for the interests of the United States. The same interpretation is repeated concerning the Gulf War. Finkel ignores international cooperation, including collective security and development assistance (which is referred to briefly in a few sentences condemning tied aid) which has been an important objective of Canadians since 1945.

Despite the weak foreign policy sections, Finkel provides a very good summary of political events. His balanced account of the complex evolution of francophone Quebec nationalism, often mistreated by anglophone historians, is particularly well done. Alvin Finkel’s excellent work should certainly be considered by all teachers of post-war Canada as a class text – although some classes will appreciate it more than others.

John MacFarlane – Champlain College. Lennoxville, Quebec.

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Arqueología de la Educación. Textos, indicios, monumentos. La imagen de los indios en el mundo escolar – PODGORNY (IA)

PODGORNY, Irina. Arqueología de la Educación. Textos, indicios, monumentos. La imagen de los indios en el mundo escolar. Buenos Aires: Sociedad Argentina de Antropología. Buenos Aires, 1999. 222p. Resenha de: ENDERE, María Luz. Intersecciones en Antropología, Olavarría, n.1, ene./dic., 2000.

La Dra. Irina Podgorny cuenta con una sólida formación en arqueología y antropología y ha publicado numerosos trabajos en temas relacionados con historia de la ciencia en Argentina, en especial de la arqueología y la antropología en el período de institucionalización de las mismas y de la creación de los grandes museos nacionales hasta la primera mitad del siglo XX.

En este trabajo se reproduce en parte su tesis doctoral “Arqueología y Educación: la inclusión de la arqueología pampeana en la educación argentina”, presentada en 1993. Lo que ha sido excluido de la versión original es la segunda parte en la cual se analizaban los trabajos científicos en base a los cuales se organizó el estudio del pasado indígena entre 1880 y 1940, por haber sido objeto de publicaciones anteriores de la misma autora y que no son ajenos al lector familiarizado con la producción de Podgorny en los últimos años (en especial Podgorny 1999).

Esta publicación, aunque tardía, no es menos oportuna ya que aborda una cuestión poco explorada en Argentina, cual es la presentación de la arqueología y del pasado indígena en la enseñanza primaria (actual EGB) en la provincia de Buenos Aires. Pese a que la relación entre arqueología y educación es una cuestión que ha sido objeto de reflexión por parte de autores extranjeros (en particular MacKensie y Stone 1990), en el marco de la denominada arqueología postprocesual (Hodder 1986), la producción de trabajos que se ocupen específicamente de cómo se enseña la arqueología y el pasado indígena en la escuela en Argentina es muy escasa. Si bien se reconoce en los ámbitos científicos que el pasado prehistórico está virtualmente excluido en la educación formal argentina, no hay suficientes trabajos de investigación que contrasten esta afirmación con la realidad cotidiana que se vive en las aulas.

Desde la arqueología postprocesual se ha enfatizado la subjetividad de la interpretación del pasado y su manipulación desde el presente, manipulación de la que no ha sido ajena la arqueología (ver Kohl y Fawcett 1995; Díaz-Andrew y Champion 1996). En esta línea interpretativa, recobra especial interés la indagación de cómo el pasado o determinadas versiones del pasado han servido de fundamento a políticas hegemónicas, así como a la consolidación de una identidad nacional única -y al mismo tiempo negadora de toda posible diversidad étnica o cultural-, sobretodo en las nuevas naciones surgidas a partir de procesos de descolonización.

En este sentido, la educación formal constituye un instrumento idóneo para difundir la idea de nacionalidad cuya fuerza homogeneizante requiere necesariamente la negación y exclusión de todo pasado que pueda proveer de algún resquicio para una versión que difiera de la historia oficial, así como la exaltación de aquello que pueda servir de base a las “nuevas” tradiciones nacionales (en el sentido de Hobsbawm y Ranger 1983).

En ese marco la indagación sobre la presentación del pasado indígena y la inserción de la arqueología en la currícula escolar -tanto en la formación de docentes como de alumnos-, así como en los libros de textos permite comprobar qué lugar ocupaban en la “versión oficial” del pasado y comprobar cómo el mismo se fue modificando a través del tiempo.

Este trabajo abarca el período 1880-1990 en los cuales -destaca Podgorny- se ponen de manifiesto dos diferentes modelos culturales de nación: el de la homogeneidad cultural y el crisol de razas, correspondiente a la etapa de la consolidación institucional del país (1880-1940) y el de nación pluricultural evidenciado en las políticas culturales instrumentadas desde la restauración democrática de 1983.

La propuesta de Podgorny consiste en analizar las representaciones acerca de los indígenas en la educación formal en la provincia de Buenos Aires con el fin de “comprender los usos de tales imágenes en la consolidación del sentimiento de pertenencia a la nación”.

Reconociendo su basamento metodológico en la “arqueología del saber” de Foucault (1969) en el cual “los discursos y saberes son definidos como ´monumentos ´ y analizados en su materialidad”, Podgorny señala que “los discursos que se originan y se usan en la vida cotidiana en la escuela pueden ser definidos como monumentos de una cultura contemporánea que contiene en sí elementos procedentes de las mentalidades y culturas del pasado, más allá de la voluntad de los participantes actuales de ese discurso, (…) tales restos pueden ser hallados también en el discurso de los científicos y, desde ese punto de vista, ambos tipos de discursos pueden ser equiparados” (pág. 4).

Esta “arqueología de la educación” argentina es reconstruida mediante análisis de contenido de documentos, entrevistas, observación participante, etnográfica y encuestas y se basa en tres tipos de evidencias: los contenidos curriculares, la realidad en el aula -a través del caso de estudio- y el análisis de los textos escolares, que permiten evaluar no sólo los contenidos sino también la articulación entre arqueología y educación a través del tiempo.

La obra se estructura en dos partes. En el capítulo primero de la primera parte, aborda la situación escolar contemporánea a través del análisis de las imágenes, los presupuestos y las categorías utilizadas en la presentación de los pueblos aborígenes de los programas de educación primaria y demás documentación oficial en la provincia de Buenos Aires entre 1975-86, período durante el cual se produce el paso de un modelo hacia el otro. En el capítulo segundo, se contrasta la reforma curricular impuesta desde el Estado con la realidad en el aula, tomando como caso de estudio escuelas de la zona sur del Gran Buenos Aires, en las cuales se efectuó el trabajo de campo entre 1987-1989. En el tercero, aborda los conceptos de historia y ciencias sociales que manejan los docentes entrevistados durante el trabajo de campo y en el cuarto, las representaciones de los pueblos indígenas y las ideas acerca de los indios que expresan los alumnos.

Al final de la primera parte, la autora marca las contradicciones existentes en el mundo escolar: “mientras que en los documentos y manuales se define a la argentina como un país pluricultural y plurilingüe, los contenidos y la lógica de la organización de los contenidos tienden a una presentación que entraña la exclusión de los pueblos indígenas” (pág. 100). Al tiempo que señala que las categorías que efectivamente se usan en la escuela primaria, presentan a los pueblos indígenas como entidades naturales desconectados tanto de su propia historia como de la historia nacional.

En la segunda parte del libro, Podgorny analiza la presentación de las sociedades indígenas en los textos utilizados en las escuelas bonaerenses entre 1880 a 1989, reconstruyendo la relación entre arqueología, discursos acerca de la nacionalidad y contenidos educativos a través del tiempo. Es allí donde se pone de manifiesto la segunda contradicción, ya que mientras el modelo de crisol de razas continuó vigente en gran parte del siglo XX, la fluida relación entre investigación arqueológica y educación que existía hasta 1925, comenzó a eclipsarse desde entonces hasta su total desconexión.

Las razones de esta crisis Podgorny las busca más allá del ámbito estrictamente educativo y se remite a la disputa entre arqueología e historia en ocupar un lugar de privilegio en el discurso intelectual -y político sobre los orígenes de la nacionalidad argentina. Por otro lado, esa desconexión fue agravada por “la relativa autonomía de las editoriales con respecto a la información que hacen circular” y a la reiteración año tras año de la misma información a través de un proceso que la autora califica de “autoplagio” de los manuales escolares (pág. 171). Finalmente, la realidad educativa aportó un elemento adicional: pese a la existencia en el mercado de manuales que responden al cambio de modelo curricular desde 1980, los viejos manuales seguían siendo usados en el aula para fines de esa década. Y lo que es aún peor se puede estimar que están todavía hoy en uso, tomando en consideración la conclusión a la que arriba la propia autora luego de relevar los textos escolares usados en las escuelas investigadas: “el desfasaje entre la fecha de publicación del libro y las del uso por un niño, oscila entre los tres y los treinta años” (pág. 163).

En conclusión, este trabajo tuvo en el momento de su producción y sigue teniendo aún una gran cuota de originalidad pues ilustra con datos de la realidad la distancia que media entre la información arqueológica que se maneja en los ámbitos universitarios y académicos y la contenida en los manuales de instrucción básica y, lo que es peor aún, las categorías que manejan docentes y alumnos sobre la arqueología y sobre los pueblos indígenas y su pasado. La lectura de las respuestas de los entrevistados es a la vez divertida y trágica, cuando se comprueba que los equívocos de los niños escasamente puedan ser aclarados por los docentes. Podgorny enfatiza que este trabajo “es una evidencia arqueológica de la situación de la enseñanza de la historia hacia fines de la década de 1980” y que no pretende que sea visto como el presupuesto de una realidad inmutable. Sin embargo, por más optimistas que seamos con los beneficios que hayan traído dieciséis años de democracia, el tiempo que requieren los cambios en educación permite suponer que no se esté demasiado lejos de la realidad actual en muchas aulas del país.

Reflexionar sobre esta cuestión, es también el punto de partida para un nuevo desafío para los arqueólogos en Argentina, cual es cómo presentar la arqueología al público de una manera más democrática y pluralista (ver Jameson 1997; también Stone y Molyneaux 1994; McManus 1996).

En este sentido, la elección de este trabajo para su publicación en la colección Tesis doctorales de la Sociedad Argentina de Antropología ha permitido la difusión de una investigación que no merecía permanecer inédita y que sin duda será de gran utilidad, no sólo para la reflexión de los propios arqueólogos, sino de todos aquellos que estén de algún modo involucrados con la presentación del pasado a través de la educación formal y no formal.

Referências

Díaz-Andreu, M. y T. Champion (eds.). 1996 Nationalism and Archaeology in Europe. UCL Press, Londres.    [ Links ]

Foucault, M. 1969 La arqueología del saber. Siglo XXI, México.   [ Links ]

Hobsbawm, E y T. Ranger (eds.). 1983. The Invention of Tradition. Cambridge University Press, Cambridge.    [ Links ]

Hodder, I. 1986 Reading the past; current approaches to interpretation in archaeology. Cambridge University Press, Cambridge.    [ Links ]

Jameson, J. (ed.). 1997 Presenting Archaeology to the Public. Diging for Truth. Altamira Press, Londres.   [ Links ]

Kohl, P y C. Fawcett (eds.). 1995 Nationalism, Politics and the Practice of Archaeology. Cambridge University Press. Cambridge.    [ Links ]

MacKensie, R. y S. Stone (eds.). 1990 The Excluded Past. Archaeology in Education. Routledge, Londres.    [ Links ]

McManus, P. (ed.) 1996 Archaeological Display and The Public. Museology and Interpretation. Institute of Archaeology, UCL, Londres.    [ Links ]

Podgorny, I. 1999 El argentino despertar de las faunas y de las gentes prehistóricas. Coleccionistas, Museos y estudiosos en la Argentina entre 1880 y 1910. EUDEBA, Buenos Aires.   [ Links ]

Stone, P. y B. Molyneaux (eds.). 1994 The Presented Past. Heritage, Museums and Education. Routledge, Londres.   [ Links ]

María Luz Endere – INCUAPA – Departamento de Arqueología. Facultad de Ciencias Sociales. UNCPBA. Avenida Del Valle Nº 5737. B740JWI Olavarría. Buenos Aires. Correo electrónico: mendere@soc.unicen.edu.ar

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Iroquois Corn in a Culture-Based Curriculum: A Framework for Respectfully Teaching About Culture – CORNELIUS (CSS)

CORNELIUS, Carol. Iroquois Corn in a Culture-Based Curriculum: A Framework for Respectfully Teaching About Cultures. Albany, NY: State University of New York Press, 1999. 294.p. Resenha de: BRADLEY, Jon G. Canadian Social Studies, v.35, n.1, 2000.

“The greater the ignorance the greater the dogmatism.”
Sir William Osler, 1902, Montreal Medical Journal

As I entered the staff room, I became an unintended participant in a mini-drama that was unfolding with all the fury and vitriol that such heated staff room debates can generate. The two teachers, standing toe to toe, were exchanging what any pupil would recognize as ‘those looks.’ Clearly, my unexpected entry had interrupted their oral exchange. Once determined that I was not of the school or of the Board and, in fact, was an outsider from the university, I became their self-elected referee. A winner and, thereby a loser, had to be determined and I had been chosen to render judgement!

Briefly, the two elementary teachers were arguing philosophies of education and, as we all know, this is in and of itself dangerous to do within school grounds. Teacher 1 had just erected her monthly hallway bulletin board display of grade five student work around the theme of Northland Indians. Teacher 2 had just seen the display and had commented to Teacher 1 that some of the pupils’ written and pictorial perceptions about native peoples were inaccurate. Additionally, Teacher 2 had apparently forcefully indicated that such “insensitive” and “ignorant” depictions had to be immediately removed. Teacher 1, as one might expect, took great personal umbrage to this criticism and had rebutted that pupil opinion was valid and it was not up to Teacher 2 to force her own ‘narrow’ beliefs on others. Enter the innocent university visitor.

“No matter what grade level – kindergarten to college level – whether in history, literature, or social studies, the stereotypes, omissions, and distortions about American Indians continue to pervade educational materials. What is the basis, the underlying assumption behind these images of the noble savage, savage savage, or the vanishing race?” (17).

Cornelius has written a most thought-provoking and, at times, disturbing book. This is not a volume for the faint-hearted! Cornelius asks some terribly important questions and openly challenges what many North Americans might well consider to be ‘truths’ and ‘facts’ about the First Nations peoples. Additionally, several precepts concerning general curriculum foundations and design are challenged by Cornelius. Unlike many other volumes that centrally seek a more literate or a more academically knowledgeable teacher, Cornelius asks the more difficult and deeply fundamental questions related to how minority groups are portrayed within our educational system. To a certain extent, Cornelius suggests that Native studies can only be accomplished with dignity if one operates from an assumption of cultural equality.

Basing her reflections on her own personal-practical knowledge as well as using the Haudenosaunee culture as a touch-stone, Cornelius creatively and delicately strips away imposed curriculum designs to reveal another that is deeply rooted in mystical pasts and cultural depths. Metaphorically centering the cultural dimension upon the power and spirit of corn, she deftly intertwines historical and contemporary issues so as to illustrate a multicultural curriculum in the making. Cornelius does not simply state or attempt to make a case for better, more or nicer native curriculum; rather, she offers the reader a grounded philosophical framework that emanates directly from the culture itself. In a sense, the reader is taken on a winding journey that weaves history and curriculum together in a meaningful entity and, in the process, forces the reader to confront the surfacing contradictions.

Iroquois Corn in a Culture-Based Curriculum provides educators at all levels with a model for curriculum development. This is a model that emphasizes cultural strengths and clearly offers an alternative to schema that suggest there is a dominant culture to which all others must be subservient.

Jon G. Bradley – McGill University, Montreal.

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Wild West Shows – REDDIN (CSS)

REDDIN, Paul. Wild West Shows. Urbana and Chicago: University of Illinois Press, 1999. 314p. Resenha de: GILLIS, Michael J. Canadian Social Studies, v.35, n.1, 2000.

In this book Paul Reddin examines the evolution of Wild West Shows over a one hundred-year period. The author reviews four different shows beginning with George Catlin’s Wild West show in the 1830s and ending with Tom Mix’s movie career in the 1930s.

The first Wild West show was organized in the 1830s by George Catlin, the world-renowned painter of the Plains Indians. Catlin’s show set the model for all of the following shows by using authentic clothing and objects while recreating life on the Great Plains on a vast scale. The show’s entourage included hundreds of colorfully costumed Indians on horseback and a herd of buffalo. Action scenes included Indian ceremonial dances, a buffalo hunt, warfare, scalping and remarkable feats of horsemanship. Catlin’s purpose in putting together his Wild West show was twofold. First, it was a terrific opportunity for him to make money. Second, and more importantly, he hoped to “rally support for the Great Plains and the Indians and animals who lived there.” Catlin regarded the Plains Indians as noble savages who were victims of Euro-American expansion. His show, whether it was presented to the cheering crowds of New York City or London, was designed to educate the public on the plight of the Indians and “their noble natures and do them justice.”

Fifty years later, Buffalo Bill Cody’s Wild West Show, unlike Catlin’s, glorified the frontiersmen rather than the Indians. Cody’s shows depicted the courageous and virtuous Americans withstanding repeated Indian attacks until finally the Americans were the clear winners of the west. Indians were portrayed as savages and obstacles to progress. The rattle of gunfire, galloping horses and elaborately staged Indian battles marked Buffalo Bill’s show. Cody often starred in the shows, arriving in just the nick of time to save stagecoaches, settlers and wagon trains from annihilation by ‘bloodthirsty’ Indians. His shows included all manner of horsemanship including racing, roping and riding, and eventually incorporated rodeo-style acts which became the centerpiece of the show. It was Cody, perhaps more than anyone else, who helped popularize the notion of the cowboy. The audiences loved the image of the gun-slinging desperados who rode horses and settled arguments with six-shooters. Like Catlin, Cody brought his show to Europe where crowds cheered the rustic westerners. Even the Pope was swept up in the enthusiasm and offered a papal blessing to mud-splattered cowboys and Indians in full war paint.

In the early 19th Century the Miller brothers, owners of the 101 Ranch in the Oklahoma Territory, formed their own wild west show. Unlike the others, this one was not a traveling road show. Instead, people came to the 101 Ranch to see the show. The Miller’s sought to recreate, on their vast ranch, a working replica of what they perceived to be the American West. The 101 Ranch employed hundreds of cowboys and a thousand Indians. Their acts included horsemanship, men and women in marksmanship competitions, buffalo hunts, Indian camp life, Indian attacks on a wagon train, and rodeo events. Unlike Catlin’s show where the Indians were the heroes, or Cody’s show where the cowboy was king, the Millers sought to elevate the ranch owners as the real founders and heroes of the American West.

The last of the four shows discussed by Reddin starred Tom Mix. Mix bridged the gap between live Wild West shows and silent movies. Employed by the 101 Ranch for a time, the athletic and hard-working Mix became the first true motion picture hero to adopt the cowboy persona. Mix’s show celebrated the victory of white America over the Plains Indians but in a muted fashion. World War I had left America and most of the world in a cynical mood and sick of bloodshed. His shows reflected this attitude by eliminating much of the violence long associated with Wild West shows.

Overall, this is a valuable book on several levels. It offers a succinct review of four Wild West shows by providing insight into important historical figures such as William Cody, Geronimo and Sitting Bull. In addition, it presents a valuable interpretation of how changes in American popular culture were reflected in the Wild West Shows. For teachers and students this book is a wonderful departure point for research and discussion on popular culture and the American West.

Michael J. Gillis – California State University, Chico. Chico, California.

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A majestade do Xingu Z Moacyr Scliar

O novo romance de Moacyr Scliar, A majestade do Xingu, parece ser, a princípio, uma biografia romanceada do médico sanitarista Noel Nutels, imigrante russo de origem judaica que dedicou vida e profissão a cuidar dos índios brasileiros. Até aí não haveria nada de especial a destacar, uma vez que o romance seria unicamente a moldura que permitiria narrar a vida do biografado. A literatura seria apenas o expediente para cativar o leitor, e o interesse do texto reduzir-se-ia às peripécias da vida do médico. Mas, felizmente para a literatura, para a medicina e especialmente para o leitor, estamos diante de um texto que vai muito além de qualquer mecanismo mercadológico daquela espécie.

Felizmente para a literatura porque, ao invés de ser uma biografia romanceada, o livro constitui, antes de tudo, um romance, em que a biografia funciona como um catalisador, um ponto de partida e não de chegada. A diferença é vital: mais do que a vida do “médico dos índios”, o que importa ao autor são as relações dessa vida com o mundo que a cerca e, por extensão, com o mundo que nos cerca, a nós leitores. Não por acaso, a figura do narrador, um homem comum no leito de morte, meditando sobre sua vicia, ganha muito mais vulto do que a personagem de Noel Nutels. O médico paira sobre o texto, mas nunca é o seu centro absoluto, servindo antes de contraponto à vida e à narrativa desse moribundo, de onde emerge uma reflexão sobre a própria condição humana. Leia Mais

A Heresia dos Índios. Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial – VAINFAS (VH)

VAINFAS, Ronaldo. A Heresia dos Índios. Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Resenha de: MATA, Sérgio da. Varia História, Belo Horizonte, v.12, n.16, p. 171-174, set., 1996.

O novo livro de Ronaldo Vainfas é uma grata surpresa. Finalmente a historiografia se volta para um objeto que a maior parte dos pesquisadores tem simplesmente ignorado: a história das práticas religiosas indígenas no Brasil. Infelizmente, perdura ainda em nosso meio acadêmico a opinião, inconfessa, de que o estudo das sociedades ditas primitivas “não é assunto de historiador”. Vainfas tem ainda o mérito de agregar à análise historiográfica as contribuições importantíssimas de autores como Florestan Fernandes, Maria lsaura Pereira de Oueiróz, Pierre Clastres, Hélêne Clastres e Mircea Eliade. Sua narrativa leve, bem articulada, e, antes de tudo. seu objeto e sua opção metodológica interdisciplinar, tornam esta obra tremendamente oportuna. Uma história religiosa científica e de caráter não-confessional ainda está por ser feita no Brasil. A Heresia dos Índios constitui-se, desde Já, num dos marcos deste esforço.

O tema do livro é o estudo da Santidade de Jaguaripe, formada e destruída na década de 80 do século XVI no Recôncavo baiano. As santidades eram “movimentos” religiosos orginalmente indígenas. Lideradas por xamãs denominados caraíbas, as santidades representavam a promessa e a possível materialização daquilo que o imaginário tupi pretendia ser a “Terra sem Mal”: a terra mítica onde os índios não precisariam trabalhar para comer, onde não haveria nem sofrimento e nem a própria morte.

Mas, vistos como heréticos pela Igreja e como fomentadores da desordem pelos fazendeiros, 1mpnmiu-se uma perseguição sem tréguas aos seus adeptos e líderes espirituais. O que há de surpreendente na Santidade de Jaguaripe é que ela teve Justamente num dos mais ricos senhores de engenho da Bahia, Fernão Cabral, o seu maior patrocinador Por que um membro da voraz elite latifundiária sessentista se arriscaria a tanto? Para desvendar este enigma, Vainfas empreende uma pesquisa de fôlego, a partir da qual entrevê-se não o mero estudo de caso, mas também um esforço de visualizar a interpenetração das culturas, bem como das relações de força às quais estão inevitavelmente conectadas.

Há duas questões de fundo perpassando A Heresia dos Índios: (a) o enorme preço pago pelos indígenas ao iniciar-se o processo colonizador -escravidão, epidemias, aculturação imposta, genocídio-teria ou não desempenhado papel decisivo na eclosão do “milenarismo tupi”; e (b) as Santidades seriam – e até que ponto – ou não fruto de um sincretismo cristão/xamanista? Minhas discordâncias em relação a Vainfas giram em torno das respostas que ele apresenta a estas perguntas.

Com relação à primeira questão, o autor advoga que o impacto da colonização sobre as populações indígenas foi o fator decisivo no surgimento das santidades (p. 45-46, 65). A maioria dos deslocamentos de índios, tendo à frente os caraíbas, dava-se em direção ao interior, justifica ele. O que pareceria comprovar que se havia uma “Terra sem Mal”, esta estaria por certo longe da costa, onde estabelecera-se o europeu. O problema desta tese, ao meu ver, reside no próprio caso da Santidade de Jaguaripe. Se fosse tão decisivo o peso da exploração colonial, como entender que Fernão Cabral tenha convencido boa parte da santidade original a migrar rumo à sua fazenda- ou seja, rumo ao litoral? Vainfas subestima a força social do mito, pois, ao que tudo indica, a direção das migrações não interfere diretamente na estrutura deste mito. O que era essencial: chegar à “Terra sem Mal”, mesmo porque (e precisamente porque) isso significaria ignorar riscos enormes.

As santidades, sublinha Vainfas, teriam um nítido caráter “anti-colonialista”. Contudo, em 1586, quando da destruição de Jaguaripe, o autor revela-nos que os índios assistem a tudo “sem esboçar reação alguma” (p. 1 00). Teria sido tão grande o peso da “exortação à guerra” feita pelos caraíbas?

A análise seguinte, do sincretismo entre elementos da religiosidade cristã e tupi, também revela problemas. Vainfas dá provas de “hibridismo”: similitudes entre a “Terra sem Mal” e o paraíso cristão, a santidade por alguns chamada “Nova Jerusalém”, o caraíba Antônio a quem se referiam outros tantos por “papa” ou “Noé”, o “rebatismo” dos novos adeptos, cruzes e rosários, etc. A partir destas homologias, entretanto, Vainfas sente-se autorizado a concluir que a maior parte das crenças de Jaguaripe “foi gerada( … ) nos aldeamentos da Companhia de Jesus” (p. 117), e mesmo que o “ídolo” venerado pelo índios era, “por origem, uma invenção cristã” (p. 132, grifo meu).

Desta vez o historiador fluminense superestima o peso da tradição cristã nas crenças que moviam as santidades. Seria mais sensato ver no esforço dos jesuítas uma prática aculturadora relativamente limitada: no Brasil colônia, como aliás na China deste mesmo período, os jesuítas só puderam introduzir com algum sucesso suas representações religiosas na medida em que elas tivessem algum homólogo, por distante que fosse, nas culturas autócones. Assim, o Tupanaçu dos jesuítas devia tanto ao Tupã indígena quanto a doutrina do Senhor do Céu de Matteo Ricci devia à noção de “Soberano do Alto” herdada da tradição chinesa. As (re)formulações jesuíticas não constituíam realidade inteiramente nova, como parece crer Vainfas. Estavam, para usarmos os termos de Johan Huizinga, ainda “impregnadas de passado”. O modus agendi jesuíta parece ter sido basicamente este em situações históricas ou contextos nos quais a “conversão” não pôde ser garantida, antecipadamente, (de fora para dentro) pela força ou (de cima para baixo) pela adesão da chefia em sociedades de tipo “heróico” (Sahlins).

Ademais, não convém esquecer que determinados aspectos-chave do ritual das santidades pouco ou nada tinham de cristãs. Tinham, isso sim, origens distantes. Juan Schobinger mostra-nos que as sociedades Diaguitas do noroeste da Argentina utilizavam-se do fumo como alucinógeno religioso seis séculos antes da chegada do europeu. Da mesma maneira, o tugipar (“templo” da santidade) tupi, as estacas fincadas no seu centro e os “ídolos” de pedra também Já existiam entre os Diaguitas. Como ver, então, nas práticas religiosas das santidades uma “invenção cristã”?

Problemática é, igualmente, a hipótese de que teria havido sincretismo religioso ao nível dos adeptos indígenas da santidade, mas nem tanto por parte dos vários mamelucos e mesmo brancos que, segundo a Inquisição, a eles teriam se juntado (p. 158). De fato, muitos destes últimos apenas simularam crer nos caraíbas para atraí-los ao litoral, ansiosos pela mão-de-obra proporcionada pelos “bugres” de Jaguaripe. A existência de tal diferenciação interna seria perfeitamente possível de sustentar, mas somente na condição de confundirmos nível de adesão (ou de conformidade) religiosa com sincretismo propriamente d1to. O ser “mais” adepto ou “menos” adepto não interfere na natureza das crenças e representações em questão.

Duas últimas observações. Vamfas utiliza, ao longo de todo seu livro, a categoria “seita” para se referir às santidades. Não foi uma boa escolha. Revela, neste particular, absorção acrítica (em que pesem todos os cuidados tomados) da linguagem inquisitorial. Nesta, como nos meios cristãos em geral, “seita” assume um significado diverso do sociológico. Onde o senso comum eclesiástico vê “heresia”, “desvio”, “erro” (e daí a sua repressão), a soc1olog1a da religião vê um tipo de comunidade religiosa com um padrão configuracional próprio. Vale d1zer: a inflexibilidade e ngorismo das seitas (Wach), sua ênfase na “obediência literal e no radicalismo” em relação a uma dada tradição religiosa (Troeltsch) são, em certo sentido, pouco compatíveis com quaisquer sincretismos (ou hibridismos). O que permite concluir que as santidades, muito provavelmente, não eram seitas.

Creio ainda que não tenha sido devidamente formulada ou explicitada a noção de “juízo etnodemonológico” (p. 53). Em que tal manifestação constitui um caso à parte de etnocentrismo, é algo que não se chega a compreender claramente.

Sérgio da Mata – Professor de Antropologia Cultural Fundação Educacional Monsenhor Messias- Sete Lagoas.

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A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial | Ronaldo Vainfas

VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Resenha de: BUENO, Clod0aldo. Anos 90, Porto Alegre, v.4, n.5, p.207-211, 1996.

José Rivair Macedo – Departamento de História – UFRGS Acesso apenas pelo link original

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La decouverte de l’Amèrique? Les regards sur Vautre à travers les manuels scolaires du monde / Pierre Ragon

Situada em local onde havia uma antiga livraria brasileira de oposição à ditadura, em Paris, a editora/livraria L’harmattan encontra-se entre as quinze primeiras editoras francesas. Criada em 1974, voltada sobretudo para as ciências humanas, L’harmattan concede ao denominado “Terceiro mundo” um espaço privilegiado, que começou pelas publicações que tratavam da África e do Brasil. Atualmente, ela cobre toda a América Latina e oferece ao público cerca de seiscentos títulos novos por ano. A maior parte dessas publicações permanece, no entanto, ignorada pelo público brasileiro. Nesse sentido, é interessante salientar dois trabalhos publicados por ocasião das comemorações do V Centenário do descobrimento da América.

O primeiro é La decouverte de l’Amèrique? Les regards sur Vautre à travers les manuels scolaires du monde (1922). O organizador é Javier Pérez Siller, sociólogo e historiador mexicano, professor da Universidade Nacional do México, que tomou como ponto de partida o fato de ser o descobrimento da América um dos poucos acontecimentos históricos considerado como patrimônio universal. Em todos os países do mundo, as crianças aprendem que em 1492 Cristóvão Colombo descobriu a América. Com isto, Javier Pérez Siller lançou um desafio a um grupo de pesquisadores das mais diversas nacionalidades: demonstrar como o descobrimento da América foi representado nos manuais escolares. Foram pesquisados 150 manuais escolares em uso em setenta países.

O grande mérito e originalidade desse livro de agradável leitura encontra-se na sua proposta. Javier Pérez Siller reuniu pesquisadores da Alemanha, França, Grécia, Portugal, Venezuela, Colômbia, Camarões e Marrocos, dentre outros países.

O trabalho permite, assim, uma leitura comparativa a respeito dos descobrimentos, nos manuais escolares, das diversas partes do mundo, rompendo com a visão europeocentrista.

A inspiração do organizador não é difícil de adivinhar. Muitos certamente lembrar-se-ão, imediatamente, de Marc Ferro em Comment on raconte l ‘histoire aus enfants a travers le monde entier ( Paris, Payot, 1986) e em L ‘histoire sous surveillance (Calmann-Levy, 1985). Muito antes das comemorações do V Centenário do descobrimento da América, Ferro já denunciava as conseqüências de uma visão teleológica e europeocêntrica da história. Prefaciando a obra organizada por Péres Siller, Ferro adverte que “não se trata de um catálogo”, mas de uma confrontação entre as diferentes visões da história, a partir de um observatório particular”. A leitura do livro reafirma as observações de Marc Ferro.

A descoberta da América, como acontecimento que se representa, submete-se a um jogo complexo que envolve aspectos nacionais, internacionais, culturais e étnicos. Lamentavelmente, embora trabalhos como este questionem a história europeocentrista, os manuais escolares continuam perpetuando uma história centrada nos valores europeus ocidentais. Resta ao menos refletir entre a distância que no Brasil separa a produção acadêmica da produção do manual escolar.

O segundo livro, Les itidiens de la découverte. Evangélisation, mariage et sexualité (1992) é de autoria de Pierre Ragon, jovem historiador interessado em história religiosa da América Latina na época moderna e professor da Universidade de Paris X — Nanterre. Pierre Ragon segue bem de perto, nesse trabalho que trata do México pós-conquista, a trilha aberta já há alguns anos pela historiografia francesa, que aproxima a história da antropologia. O autor propôs-se a analisar o encontro de duas culturas, concedendo a evangelização o papel de transposição dos valores europeus — moral e concepções de vida — para a sociedade ameríndia completamente desconhecida.

Na abordagem dessa transposição, o autor elegeu o estudo da introdução do casamento cristão entre os índios. Ragon não restringiu o seu trabalho a um estudo de história religiosa. Com a análise do casamento, penetrou na sociedade indígena, desvendando os laços mais elementares ali existentes.

No contexto da colonização espanhola deteve-se no exame da complexa passagem de uma sociedade “paga” à cristandade, destacando com perspicácia como, aos poucos, o casamento e a sexualidade foram se tornando prioritários para os evangelizadores, uma vez que pelo casamento cristão era possível normalizar a vida dos indígenas, segundo uma fé que eles passavam a adotar. O autor insiste ainda na “abertura de espírito” de grande parte dos religiosos que aceitaram muitas das instituições indígenas, viabilizando assim a implantação das novas normas de vida. Integrando a reflexão teológica aos costumes desses povos desconhecidos, buscavam no pensamento de São Tomás de Aquino (definição do casamento e concepção da lei natural) a defesa da validade das uniões indígenas.

De forma interessante, num estilo elegante, Ragon mostra como os religiosos foram além da reflexão intelectual, lançando-se na prática a uma tarefa pedagógica que inicialmente procurou o apoio das elites indígenas, intervindo nos conflitos pelo poder, contando com o apoio feminino, enfrentando resistências e, finalmente, modificando e impondo com o casamento cristão uma reestruturação do sistema de alianças políticas, anteriormente fundadas na poligamia.

As fontes utilizadas pelo autor revelam a seriedade e a profundidade do trabalho, que não se contentou com análises superficiais. Foram pesquisados tratados de teologia, processos da Inquisição, exposições, questionários, catecismos, manuais de confissão e a correspondência dos missionários. A obra possui quatro capítulos, nos quais Ragon discorre sobre a definição dos casamentos indígenas, os teólogos do Novo Mundo e a escolástica medieval, as novas regras de comportamento e, finalmente, a evolução das relações matrimoniais e o impossível controle das condutas. O livro é ainda enriquecido por um léxico, anexos, esquemas, gráficos e fotografias.

A retomada das teses clássicas da filosofia tomista pelos missionários do século XVI e a amplitude da cristianização na América diminuem certamente as fronteiras temporais que separam a Idade Média dos tempos modernos. Javier Guerra, no prefácio ao livro de Ragon, afirma que ‘”nosso conhecimento desses fenômenos no México pode esclarecer, por analogia, os processos de aculturação que se produziram antes, na Europa, quando da cristianização dos germanos, dos eslavos e dos escandinavos”.

Maria Eurydice de Barros Ribeiro – Universidade de Brasília.


SILLER, Javier Pérez. (Org). La decouverte de l’Amèrique? Les regards sur Vautre à travers les manuels scolaires du monde. 1922; RAGON, Pierre. Les indiens de la découverte. Evangélisation, mariage et sexualité. 1992. Resenha de: RIBEIRO, Eurydice de Barros. V Centenário do descobrimento da América. Textos de História, Brasília, v.2, n.4, p.182-184, 1994. Acessar publicação original. [IF]

Terra à vista: Discurso do confronto: velho e novo mundo – ORLANDI (RBH)

ORLANDI, Eni. Terra à vista: Discurso do confronto: velho e novo mundo. São Paulo: Cortex Editora, 1990. 255p. Resenha de: MICELLI, Paulo. Conhecer, nomear, governar… O Índio como se fosse o Ìndio. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.11, n.21, p.241-254, set.1990/fev.1990.

Paulo Micelli – Professor da Universidade de Campinas.

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La guerre des images – de Cristophe Colomb à “Blade Runner” (1492-2019) – GRUZINSKI (RBH)

GRUZINSKI, Serge. La guerre des images – de Cristophe Colomb à “Blade Runner” (1492-2019). Paris: Librairie Arthème Fayard, 1990. Resenha de: KARNAL, Leandro. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.11, n.21, p.244-245, set.1990/fev.1990.

Leandro Karnal – Pós-graduando do Departamento de História/USP.

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Guerra y sociedad en Chile. La transformación de la Guerra de Arauco y la esclavitud de los índios | Alvaro Jara

Resenhista

Sergio Vergara Q. – Universidad de Chile.

Referências desta Resenha

ALVARO, Jara. Guerra y sociedad en Chile. La transformación de la Guerra de Arauco y la esclavitud de los índios. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, 1981. Resenha de: Q., Sergio Vergara. Cuadernos de Historia. Santiago, n.1, p. 161-164, diciembre, 1981.

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