História Política: problemas e estudos / Anos 90 / 2016

A história política, vinculada às relações de poder político-institucionais que permeiam as sociedades e o Estado em suas múltiplas dimensões, renovou-se muito nas últimas décadas, ganhando cada vez mais impulso e importância. Neste dossiê, a revista Anos 90 abriu-se para contribuições concernentes a recortes temáticos que pudessem se enquadrar nesta área de estudos históricos, tanto para os problemas teóricos e metodológicos enfrentados pelos pesquisadores quanto para os estudos de objetos característicos desse campo de análise. Recebemos diversas contribuições de várias partes do país e do exterior, pelas quais agradecemos aos pesquisadores que se dispuseram a apresentar seus originais a este dossiê. Depois das avaliações realizadas, restaram os nove artigos que se seguem.

Os artigos estão apresentados em uma ordem lógica e cronológica ao mesmo tempo. Assim, o dossiê inicia com a contribuição de Maria Helena Capelato. Em História do Brasil e revisões historiográficas, a autora busca refletir sobre questões teóricas e metodológicas a respeito da escrita da história de modo geral e, em particular, sobre os seus usos políticos. Desse modo, o trabalho toma uma dimensão ético-política que traz importantes contribuições para o debate tão atual acerca dos lugares de produção de história, seus usos sociopolíticos e o papel dos profissionais e não profissionais nestas tarefas científicas e / ou culturais.

O segundo texto, das professoras portuguesas Isabel Maria Freitas Valente e Maria João Guia, trata da premente e espinhosa questão das políticas de imigração na União Europeia, centrado no exame da legislação respectiva. Ao mesmo tempo em que procura historiar as contribuições legislativas mais gerais a respeito do tema, ao final, as historiadoras concentram-se na temática propriamente portuguesa.

Luiz Alberto Grijó, por sua vez, aborda as empresas de meios de comunicação brasileiras, traçando um panorama amplo, desde o período pré-64 até os dias atuais. O artigo explora a transformação paulatina dos meios. Desde a situação anterior, na qual eram espécies de apêndices da luta política mais ampla, até o momento atual, em qum sequestraram a democracia em nome de seus próprios valores apresentando-se como protagonistas centrais no jogo político-partidário, inclusive agindo para a deposição da presidenta eleita em 2014.

Esteban Javier Campos, em seu artigo, propõe uma história comparada sobre as práticas e concepções políticas da Ação Popular e dos Montoneros tomando suas semelhanças e suas diferenças. O autor parte da análise desses movimentos a partir de suas origens católicas, suas aproximações com o socialismo e seus redirecionamentos entre linhas maoísta e peronista, em meio a reflexões sobre processos políticos em escala nacional.

Por sua vez, Larissa Rosa Correa e Paulo Roberto Ribeiro Fontes dedicam-se, através da análise da produção historiográfica mais recente sobre os trabalhadores e os movimentos sindicais brasileiros na época da Ditadura Militar (1964-1985), a observar “um certo apagamento” da história e da presença desses extratos sociais e suas organizações de classe na referida literatura. Visam, com isso, a lançar luzes em aspectos e lacunas ainda existentes a propósito do regime instaurado em 1964.

Adriane Vidal Costa procura na “prática epistolar de Júlio Cortazár”, em seu período mais frutífero, os anos de 1960 e 1970, instrumentos de compreensão para a formação de redes de sociabilidades intelectuais; de suas ideias políticas como um escritor engajado, ao mesmo tempo em que visa a recuperar o ambiente cultural de discussão literária e as funções sociais do intelectual em meio à defesa que Cortazár promovia do socialismo e sua condenação das ditaduras militares latino-americanas do momento.

O partido do Rio Grande: redes de relações, mediação e revolução de 1930, de Cássia Daiane Macedo da Silveira, discute o papel e a participação dos chamados intelectuais nos acontecimentos que envolveram a Revolução de 1930, especialmente nas articulações que acabaram levando a ela. Cássia centra-se na questão fundamental destes homens de letras como mediadores culturais e sociais e nos efeitos políticos que isso possibilitava, abordando os casos de dois deles: o carioca Rodrigo Otávio Filho e o gaúcho Felipe d’Oliveira.

Carla Brandalise, em seu artigo, remete-se às políticas internacionais da Itália sob o fascismo voltadas para a América Latina na década de 1920. Com efeito, assiste-se nesses anos a um recrudescimento dos interesses italianos sobre essa região, a partir do que se estabelece estratégias, pacíficas, de maior inserção econômicas e político-culturais. Para tanto, joga-se com a questão da latinidade intrínseca ao continente e com a perspectiva de que a Itália constitui a verdadeira líder dos povos latinos, dado que se outorga como lócus original e atemporal da romanidade. Suas ambições, portanto, vão para além da maior interação com sua comunidade emigrada.

Rodrigo da Rosa Bordignon, que encerra o dossiê por ser o que aborda o momento cronologicamente mais recuado, analisa as narrativas dos homens de letras, de comentadores, políticos e pensadores do Brasil na virada do século XIX para o XX. Enfoca especificamente a clivagem entre as posições “monarquistas” e “republicanas” a partir da perspectiva não de reificá-las, mas de desvendar os mecanismos que levaram a estas tomadas de posição, os quais ajudam a revelar qual ou quais concepções de política estavam em jogo e sua relação com os critérios de classificação e ordenação sociais e ideológicos e seus modos de legitimação.

Carla Brandalise.

Luiz Alberto Grijó.


BRANDALISE, Carla; GRIJÓ, Luiz Alberto. Apresentação. Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 43, dez., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Dilemas e possibilidades da Pós-Graduação em História no Brasil/Anos 90/2016

O dossiê Dilemas e possibilidades da Pós-Graduação em História no Brasil foi pensado como uma forma de comemorar os trinta anos do nosso Programa de Pós-Graduação. Em 1986, iniciava-se o Mestrado em História, com dez alunos, já desenhado com três das quatro atuais linhas de pesquisa do programa: Sistemas simbólicos, representações e práticas (posteriormente transformada em Cultura e Representações), Relações de dominação e resistência e Relações político-institucionais. Mais tarde, acrescentou-se a essas a linha de Teoria da História e historiografia. No ano de 1996, iniciava-se o Doutorado em História. Esta trajetória, que muito nos orgulha, ainda aguarda uma narrativa histórica capaz de articular os projetos, as realizações e os êxitos, bem como seus insucessos, e as estratégias intelectuais e políticas de seus principais promotores e agentes. Ao pensarmos este Dossiê, sabíamos da dificuldade que se interpunha para uma proposta desta natureza. Então, pareceu-nos que a melhor maneira de marcar este ano comemorativo seria reunir contribuições para pensar as múltiplas políticas de pós-graduação nas quais estamos inseridos nestes anos.

Os artigos recebidos constituem-se principalmente de exercícios bem-acabados de História do tempo presente e mesmo de História imediata. Como tal, e em sintonia com a proposta do Dossiê, refletem sobre movimentos que podem ser explicados por eventos situados em meados do século XX, marcando muito mais as suas ressonâncias e os seus impactos na atualidade do que as rupturas e descontinuidades verificadas desde então.

Outra característica que vale ser ressaltada nos artigos é o fato de que foram escritos por atores envolvidos nestes mesmos processos que analisam. Dessa forma, em seu conjunto, os textos apresentam os atributos do exercício crítico da História, tanto quanto uma problematização de identidades, ora profissionais, ora étnicas, entrecruzadas com concepções políticas de história e de ensino. Marcam um esforço bem-sucedido de reflexão sobre a própria prática profissional, proporcionando-nos textos indispensáveis para pensar não apenas o passado recente, mas os rumos da Pós-Graduação em História e Ciências Humanas no Brasil.

O artigo de Marieta de Moraes Ferreira retorna às décadas em que a formação para a licenciatura era a função principal das Faculdades de Filosofia e dos cursos de História a ela vinculados; descreve a criação dos primeiros cursos de pós-graduação na mesma década, 1950, em que são criados a Capes e o CNPq; situa os debates pela Reforma Universitária promovidos pela UNE no início dos anos 1960 no contexto da radicalização dos movimentos sociais do final do anos 1950, que coincidem com o surgimento da ANPUH e sua defesa de ampliar o estudo da História contemporânea; observa que a “modernização autoritário-conservadora” do período militar, que ampliou a pós-graduação no país, também criou a Licenciatura em Estudos Sociais, e que a ênfase na pós-graduação levaria a uma resistência ao trabalho com a graduação e a um menor interesse pela formação de docentes. A necessidade de superação do dilema entre ensino e pesquisa ocupa a parte restante do artigo de Marieta Ferreira, e, nesse sentido, a jovem experiência dos Mestrados Profissionais em Ensino é destacada pela autora, que analisa, mais especificamente, a criação dos Mestrados de Ensino de História, apontando seu potencial de revitalização das licenciaturas. Trata-se de exercício crítico de História do tempo presente, como assinalado anteriormente, proporcionado pela análise e pelo ponto de vista privilegiado de uma das principais promotoras do ProfHistória em rede.

Convergindo com o diagnóstico da recente revalorização da formação (continuada) de professores, o artigo de Ricardo Pacheco e Helenice Rocha mostra uma ênfase no “ensino” no âmbito dos Programas de Pós-Graduação em História, reconhecida pelos autores como uma subárea interna à área da História, pois constituem “abordagens teórico-metodológicas particulares para os estudos históricos”. Tomando por base as informações de anos recentes da Plataforma Sucupira (CNPq), os autores construíram suas interpretações selecionando e quantificando dados referentes às Linhas de Pesquisa de PPGs em História voltadas, mesmo que conjugadas com outros temas, ao Ensino, assinalando os temas de pesquisa predominantes destes programas.

O artigo de Valdei Lopes de Araujo delineia e reflete de forma arguta os processos de produção intelectual mais marcantes no contexto de inequívoco crescimento da graduação e da pós-graduação em história nos últimos 40 anos. De forma crítica, avalia que “o modelo do acoplamento entre pesquisa, pós-graduação e mercado” sobrevaloriza o “conhecimento novo”, a “inovação”, silenciando sobre as atividades de formação e transmissão inerentes à prática dos/as pesquisadores/as e docentes/as. Submetida a processos avaliativos orientados por critérios quantitativos, a produção intelectual dos professores/as universitários/as tem se especializado e fragmentado cada vez mais, de forma a prejudicar e até obstruir o seu processo de transmissão e comunicação. No novo regime intelectual, portanto, a quantificação e a ideologia do crescimento tornam-se, o maior obstáculo à autonomia. O artigo finaliza como uma série de propostas, coerentes com as críticas realizadas, das quais destacamos: “É preciso romper com a lógica do quanto mais melhor”.

O artigo assinado por José Antônio dos Santos e Luciana Garcia de Mello traz retrospectivas de processos ocorridos no âmbito da história e da sociedade, situando a política de ações afirmativas no Brasil, entre as quais está o acesso de jovens negros a cursos de graduação e, mais recentemente, pós-graduação, em um histórico que remonta à luta por escolarização da população negra no final do século XIX e que acompanha a defesa da educação por parte da Frente Negra Brasileira, primeira (1931) entidade criada por militantes negros/as com caráter eminentemente político, e por parte do Teatro Experimental do Negro, criado em 1944. As ações destas entidades, que, no caso do TEN, pleiteiam inclusive o ensino superior subvencionado aos estudantes negros/as, são consideradas pelos autores, genericamente, como Movimento Negro. A fundação efetiva do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, que, posteriormente, adotou denominação de Movimento Negro Unificado (MNU), é de 1978, no contexto da luta dos jovens negros contra a ditadura. A seguir, o artigo acompanha o debate da implantação das cotas a partir da década 1990 e sua efetivação já no século XXI, e aponta os significados da autoidentificação para a população negra. O ingresso de negros/as no ensino de pós-graduação tem o potencial, entre outros valores, de “redefinir o papel social dos professores-pesquisadores para o reconhecimento dos outros como formadores de si mesmos”.

Por fim, de forma a complementar ao dossiê, integradas neste mesmo ato reflexivo e comemorativo dos 30 anos do nosso PPGH, encontram-se duas entrevistas realizadas respectivamente com atuais e ex-integrantes do Conselho Editorial da revista discente Aedos e com a atual representação discente do PPGH-UFRGS. A apresentação que precede as entrevistas traz maiores informações sobre o porquê de entrevistarmos Marisângela, Marina, Micaele, Graziele, Pedro e Isadora. De maneira genérica, podemos definir esta escolha como um ato de luta contra o esquecimento das “ações memoráveis” de nossa trajetória, algumas já contempladas há 10 anos, quando comemoramos os 20 anos do programa. Reconhecendo a incompletude inevitável de nossas escolhas, já que muitos outros alunos/as e ex-alunos/as poderiam com justiça dar seus depoimentos, neste momento oferecemos uma homenagem a todos os alunos/as do Programa, especialmente àqueles/as que desde a fundação da revista discente, em 2008, têm se mobilizado politicamente e se envolvido de forma mais intensa com a própria formação.

Desejamos uma boa leitura a todos.

Mara Cristina de Matos Rodrigues – Doutora em História e Professora-Associada do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: mara. rodrigues@ufrgs.br

Regina Weber – Doutora em História e Professora-Associada do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: regina. weber@ufrgs.br

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