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Política na América Latina Contemporânea / Aedos / 2017
As múltiplas abordagens e interfaces com o presente propiciadas pelo estudo da História contemporânea movimentam muitos debates entre os profissionais das Ciências Humanas. O interesse por esta temática no Brasil também é reflexo da conjuntura política e econômica da atualidade. Estudos tem se debruçado em buscar, oferecer e reforçar a aplicabilidade de modelos explicativos que ofereçam contribuições para se compreender a gênese de problemas como as desigualdades sociais e o aumento substancial da violência e da repressão no cenário político. Estes esforços científicos permitem, por exemplo, ampliar a análise das consequências que medidas repressivas de alta intensidade, como o decreto de intervenção militar no estado do Rio de Janeiro neste ano de 2018, aportam à degeneração das relações democráticas e ao distanciamento em relação a políticas de direitos humanos.
Na história do século XX brasileiro, podemos encontrar duas ditaduras: a do Estado Novo, entre 1937 e 1945, e a Ditadura Civil-Militar, que persistiu entre os anos de 1964 e 1985. Os períodos intermitentes não guardam menos complexidade, sendo objeto de inúmeras abordagens acadêmicas. Na América Latina como um todo, em que pesem as diferenças, processos análogos reforçam a potencialidade de estudos comparativos e demonstram a validade histórica e política dos objetos de análise. Neste sentido, o dossiê Política na América Latina Contemporânea, trazido neste número, conta com oito artigos com temas variados que podem ser enquadrados nas seguintes categorias: pensamento autoritário e práticas repressivas, relações internacionais e ditadura civil-militar brasileira (1964-1985).
O primeiro artigo apresentado é Leis que atuam no tempo e no espaço: um diálogo entre o pensamento de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e família (1937-1945), no qual o autor, Fábio Wilke, analisa as construções teóricas de Oliveira Vianna e de Azevedo de Amaral e sua relevância para a sustentação política e econômica do Estado Novo.
Já os artigos Reformas Neoliberais na América Latina: um balanço geral, A Ingerência estadunidense na Venezuela chavista e Um estudo das relações entre a Argentina e Paraguai em torno do impasse sobre a navegação do Rio Paraná por meio de documentos diplomáticos brasileiros e as negociações para construção de Yacyretá (1965-1973), inserem-se na linha temática das relações internacionais, tanto entre países latino-americanos e os Estados Unidos da América (EUA), quanto entre países componentes da América Latina. O primeiro texto, de Rafael Brandão, aborda as políticas econômicas neoliberais aplicadas na América Latina por meio das diretrizes do Consenso de Washington. Brandão cede destaque ao Chile, mas analisa também os casos boliviano, mexicano, venezuelano, peruano e argentino.
Tiago Salgado, por sua vez, trata do caso da Venezuela e das relações de interferência realizadas pelos EUA neste país. A abordagem é ainda mais significativa em um momento em que se discute amplamente a situação venezuelana na mídia e no qual se demanda o aprofundamento das análises sobre as relações de dominação e dependência existentes na América Latina, bem como sobre seus impactos políticos.
No texto de Luiz Barros, o leitor encontrará uma investigação acerca das disputas relativas ao aproveitamento dos rios internacionais componentes da Bacia do Rio da Prata por intermédio da observação das relações diplomáticas entre a Argentina e o Paraguai.
Na linha temática da ditadura brasileira, Jocyane Barretta, em seu artigo A importância da materialidade dos Centros Clandestinos de Detenção e Tortura para contar histórias da Ditadura no Brasil, explora as discussões sobre a dinâmica repressiva e a materialidade dos espaços. A autora realiza um levantamento dos Centros Clandestinos de Detenção e Tortura (CCDT) em todo o país e se detém na análise de um desses centros, o Dopinha, de Porto AlegreRS. A linha temática abrange também o artigo Lágrimas que vertem do solo: lutos e supressões nas disputas da memória em torno de mais uma vala sul-americana (Bairro de Perus, São Paulo, 1990 – 1993), de Roger Barrero Junior. O autor aborda questões relacionadas às disputas de memória sobre o período ditatorial brasileiro, explorando questões como a ausência de uma discussão mais profunda a respeito das violações de direitos humanos e do desaparecimento de pessoas.
Em Carreiras políticas de sucesso: o apoio ao Golpe Civil-Militar de 1964 e o recrutamento da elite política gaúcha, Guilherme Catto qualifica os parlamentares da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul por meio de uma análise prosopográfica, dividindo-os em duas categorias de análise: aqueles que aderiram ao golpe de 1964 e os que se opuseram.
O último artigo a compor o dossiê é Liberais e a Intervenção Estatal: Controvérsias Econômicas em “Quem é quem na Economia” de Fernando Coelho, que a partir da dimensão econômica discute os embates ideológicos sobre os projetos liberal e desenvolvimentista, concebidos pelo empresariado para o Brasil durante a ditadura.
Ainda nessa edição trazemos ao leitor dezesseis artigos livres de temas e recortes variados. A reflexão sobre o ensino foi o assunto que perpassou os artigos Movimento Negro, educação e os princípios da Lei 10.639 / 03; Combater as desigualdades sociais pelo ritmo escolar? O caso do Brasil e da França; Leitura e literatura: o letramento literário como processo de intelectualização e O ofício do historiador como pesquisador dos videogames: teorias e métodos. Nestes artigos, são abordadas as relações étnico-raciais e a Cultura Afro Brasileira e Africana no ensino brasileiro; as profundas desigualdades sociais e seu reflexo na educação de crianças e jovens brasileiras; e o repertório teórico e metodológico que permite ao historiador analisar os jogos como fontes.
O artigo Dentre fronteiras: a coca, o crime e a História na Bolívia traz importantes considerações sobre a representação da coca e seu lugar no cenário político e cultural atual. A análise historiográfica de práticas de crime e justiça também está presente nos artigos “Praça de exemplar comportamento e estimado por seus superiores”: Notas de pesquisa sobre o cotidiano policial através de um processo crime (Porto Alegre / fins do século XIX) e O aipim e a espingarda: juventude, criminalidade e pensamento criminológico no século XIX a partir de um caso concreto. Nestes textos, os focos de abordagem são o cotidiano dos indivíduos e o envolvimento e impacto das autoridades policiais em suas vidas. Relevante destacar a correspondência entre a pobreza e o crime, as motivações particulares e como essas práticas afetam o funcionamento da ordem pública.
A violência e suas imbricações sociais e culturais foi tema dos artigos Violência e Imprensa no Oeste Paulista: um estudo de caso e Cultura e violência na República Velha Rio-Grandense: os processos-crime de homicídio e lesão corporal da Comarca de Soledade. Enquanto o primeiro analisa um caso de assassinato e sua repercussão em dois periódicos do período também relata as omissões e os discursos abordados por tais jornais. O segundo discute as muitas transformações ocorridas no período da República Velha e a análise dos processos-crimes revelam a violência como alternativa constante para a resolução de litígios cotidianos.
As possibilidades de aplicação de fontes não-escritas são respaldadas pelo texto Fotografias Judiciárias, História e Processos criminais: notas de pesquisa (Irati-PR; 1948 e 1951), que enfatiza a potencialidade metodológica desse tipo de registro para a reconstituição de um delito. Por outro lado, o artigo Experiências do tempo e laços identitários nos periódicos mineiros Abelha do Itaculumy e O Universal (1824-1827), o trabalho busca compreender nas fontes escritas a concepção de tempo e as relações entre escrita da história e temporalidade no Império Brasileiro diante da independência e a nova configuração jurídica.
O artigo O ideal nobiliárquico e a busca por distinção Social no Antigo Regime Português: em Busca de uma definição para o conceito de Nobreza da Terra destoa dos artigos que apresentamos até aqui. Circunscrito ao período da Colônia, o texto propõe uma revisão historiográfica que dê conta das origens e do percurso do conceito de “Nobreza da Terra” e do seu entendimento para a designação de um grupo específico desse tempo.
André Leme, em A biografia de Júlio Cesar e os riscos do poder absoluto: Suetônio e a política romana em tempos de Adriano (século II d.C.), analisa a obra escrita por Suetônio e lançada no século II d.C., abordando especialmente a biografia escrita pelo autor sobre Júlio César.
Em relação à análise da historiografia brasileira apresenta-se Histórias gerais, histórias particulares: Pedro Calmon e a prática historiográfica na década de 1960, de Nayara do Vale. No artigo, a autora aborda as discussões entre a história enquanto produção institucionalizada e história extra acadêmica. Para tanto, utiliza conferências de Pedro Calmon e discute os projetos em disputa na década de 1960.
Por fim, inseridos na temática de gênero e relações de poder estão: Mujeres libres e a emancipação feminina: apontamentos sobre anarquismo, revolução e feminismo libertário na Espanha dos anos trinta e Sangue menstrual e magia amatória: concepções e práticas históricas, de Talita Sobrinho e Andressa Ferreira, respectivamente. Mujeres libres explora uma organização de mulheres trabalhadoras anarquistas na Espanha durante a Guerra Civil e Revolução espanholas, e tem como enfoque “o feminino dentro da Revolução”. O artigo de Andressa Ferreira compõe um panorama sobre como ao longo do tempo o sangue menstrual foi concebido, analisando as diversas interpretações e representações desse fluido e discutindo permanências e imaginários entre a mágica e a medicina moderna.
Michele de Oliveira Casali (Editora-Chefe)
Thaís Fleck Olegário (Editora- Gerente)
Fernanda Feltes (Editora de seção)
CASALI, Michele de Oliveira; OLEGÁRIO, Thaís Fleck; FELTES, Fernanda. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 9, n. 21, Dez, 2017. Acessar publicação original [DR]