Política e movimentos sociais / Revista Trilhas da História / 2013

A composição deste número é sugestiva para pensarmos a dinâmica da história, da política e de seus movimentos e agentes sociais. Os artigos apresentam contribuições substanciais para a compreensão dos discursos políticos produzidos desde o Brasil Império à Primeira República. Traz a discussão da vida na estiva, das políticas de colonização; das lutas dos mutilados pelo sisal na Bahia dos anos 1980 e das práticas de resistência das mulheres no contexto da Constituinte de 1988.

Os Ensaios, com propriedade, apresentam resultados de pesquisas na graduação, evidenciando como é profícuo o diálogo entre o ensino e a pesquisa na formação do professor. Os textos enfocam desde os lugares da “fala franca” na Antiguidade; de festas e de lazer na capital fluminense da Primeira República ao fazer artístico da Tropicália da década de 1970. A Resenha instiga o leitor ao conhecimento de parte da cultura do continente africano. A seção Fontes nos brinda com a história de um trabalhador da cana de Porto Rico.

É um prazer apresentar este número, pela sua riqueza, pela diversidade de temas e de contribuições que se entrelaçam, a partir de várias instituições de muitos lugares do país. A seguir apresentaremos cada uma das contribuições buscando instigar os leitores a acessar os textos integrais, carregados de vida e partilhados de forma generosa pelos autores.

O artigo “As relações Brasil e Uruguai através dos discursos do Visconde do Rio Branco proferidos em 1855”, de Jaqueline Schmitt da Silva, enfoca os discursos e as ações de Visconde do Rio Branco no quadro de conflitos entre Brasil e Uruguai, contribuindo para a discussão da história política e dos caminhos tomados pela política externa brasileira naquele momento histórico.

Erika Arantes, ao utilizar-se da documentação policial, entre outras fontes, em “A Vida na Estiva – O cotidiano dos trabalhadores do porto do Rio de Janeiro nos primeiros anos do século XX”, conta a história dos trabalhadores do porto em sua dura rotina de desemprego e de violência policial. O enredo evidencia o drama do viver nas ruas e nelas dormir a procura de trabalho ou por não ter conseguido emprego para aquele dia, o que implicava vivenciar constantes repressões policiais, particularmente pela tarja da “vadiagem”. A rotina do trabalho e o modo de vida na zona portuária carioca do início da República desvelam as políticas de controle e o papel da polícia na tentativa de disciplinarização da classe trabalhadora. Mas, mais que isto, desvelam ainda os limites da administração pública e privada para este controle.

O artigo “A conciliação entre capital e trabalho em Evaristo de Moraes e Jorge Street via sindicato operário”, de Pedro Paulo Lima Barbosa, aborda dois autores que, segundo Moraes, mesmo em muitas ocasiões estando em lados opostos no debate do movimento operário da Primeira República, muito contribuíram para o abrandamento do conflito entre capital e trabalho. Isto se deu ao incentivarem a criação de sindicatos para “barganharem” junto à burguesia e ao Estado, evitando conflitos e a aproximação com alas “mais radicais”.

O texto “O movimento dos trabalhadores mutilados da região sisaleira da Bahia”, de Cassiano Ferreira Nascimento, apresenta um “movimento reivindicatório” da década de 1980, envolvendo trabalhadores rurais que sofreram mutilação e não conseguiram a aposentadoria por invalidez. O autor reconstrói histórias de lutas por meio de memórias dolorosas, ao contarem a experiência da amputação. A dor torna-se símbolo da resistência em um dos muitos movimentos que efervesceram por todo o país nos anos 1980. Os relatos demonstram o desespero diante da deformação e da falta de horizontes quanto a um novo trabalho. A mutilação é sentida como um marco de memória semelhante ao tempo da conquista da aposentadoria, pois a partir dela “viveriam em condições mais dignas”.

O artigo “„Lobby do Batom‟: uma mobilização por direitos das mulheres”, de Kerley Cristina Braz Amâncio, explicita a organização das mulheres, por meio do movimento político “Mulher e Constituinte”, empreendido pelo CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher) na luta pelo reconhecimento e inclusão de seus direitos na Constituição de 1988. Utilizando jornais da época e documentos produzidos por estas mulheres no movimento que ficara conhecido como “Lobby do Batom”, a autora, com propriedade, demonstra os lugares ocupados por essas ações de resistência que foram muito além da questão de gênero, pois redimensionaram o lugar das mulheres na classe trabalhadora.

O texto “Políticas de colonização no extremo oeste catarinense e seus reflexos na formação da sociedade regional”, de Paulo Ricardo Bavaresco, Douglas Orestes Franzen e Tiones Ediel Franzen, observa a condição de fronteira dos projetos de colonização alemã do alto Vale do Rio Uruguai, municípios de Mondaí e Itapiringa; da região de fronteira entre Brasil e Argentina, em Dionísio Cerqueira, e do município de São Miguel do Oeste. No estudo desses três espaços é possível entender que projetos de colonização implicam varias facetas como jogos de interesses, migrações, conflitos entre estados pela posse da terra e discursos civilizatórios. A abordagem traz para a cena da história a formação do espaço e do povo da fronteira oeste de Santa Catarina.

O Ensaio de Graduação “Transformações da „fala franca‟ no mundo antigo”, de Kauana Candido, parte da análise de Michel Foucault e de sua produção, em especial a parresia (a fala franca). Em seguida discute a política no contexto da Antiguidade grega e romana e as suas relações com a contemporaneidade, momento em que indaga: “o que é falar francamente”? As redes sociais e as ruas em movimentos ocorridos em 2013 possibilitaram discernir entre os “bajuladores” e os “parresistas”? Estas são questões que possibilitam o diálogo entre os diferentes tempos.

O Ensaio intitulado “‟E dançaram a noite toda, até a manhã…‟: Um estudo sobre o funcionamento das sociedades recreativas, carnavalescas e clubes na capital fluminense (1908-1913)”, de Igor Estevam Santos de Oliveira, faz uma análise bibliográfica e de fontes do Arquivo Nacional que permitem levantar um número expressivo de associações desta natureza nos subúrbios do Rio de Janeiro do início do século XX. O texto apresenta várias questões envolvendo estas organizações, e apreende os laços de amizade e de solidariedade mútua que poderiam facilitar a constituição de uma identidade comum entre os seus membros.

“Um verme passeia na lua cheia‟: performance e cenicidade audiovisual em Ney Matogrosso na construção de um fazer artístico na década de 1970”, de Robson Pereira da Silva, conta a trajetória artística de Ney Matogrosso, com ênfase para a sua inserção no movimento Tropicalista e ainda para a indústria cultural da década de 1970. O ensaio contribui para a compreensão dos movimentos artísticos que nasceram nesse período da ditadura militar e alicerçam a crítica ao regime, expondo ainda a transgressão corpórea e visual.

A Resenha de Júnio Viana Gomes do romance Hibisco Roxo, de autoria de Chimamanda Ngozi Adichie, apresenta a história de uma família nigeriana e os conflitos vividos na intimidade do lar, mas também no processo de colonização da Nigéria. Segundo Júnio Gomes, mais do que a narrativa da história de uma família bem sucedida, Adichie quer mostrar outras histórias e outros olhares sobre o continente e a cultura africana, com seus embates, contradições e a sua beleza.

Na Seção Fontes, temos o texto “Fonte para a história dos trabalhadores da cana – MINTZ, Sidney. Worker in the cane: a Puerto Rican life history”, de autoria de Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga e Pedro Henrique Falcão Sette. O romance conta a história de vida de um trabalhador da cana, “Don Taso”, que vive em Porto Rico, em meados do século XX, e sente no corpo o domínio econômico e político dos EUA, ao vivenciar a ocupação americana de seu país, após a Guerra hispano-americana de 1898. A abordagem, segundo os autores, é antropológica e etnológica, pois Taso, de quarenta anos, uma esposa e onze filhos, é um excelente informante. Amparado em gravações e anotações realizadas na convivência com Taso, Mintz apresenta uma história em que a sua preocupação é a de “compreender a presença estrangeira e as mudanças no modo de vida dos portorriquenhos”. Mintz destaca que a vida política de Taso explicita suas posições claramente contrárias ao patronato. Esta é uma análise reveladora das possibilidades da literatura como fonte para a história.

Uma boa leitura a todos!!!

Maria Celma Borges

Primavera de 2013


BORGES, Maria Celma. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, n.5, jul. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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