As Religiões Mediúnicas e a Política/Revista Brasileira de História das Religiões/2023

A chamada temática – As Religiões Mediúnicas e a Política, em diálogo com outros números publicados na RBHR (v. 9, nº 27 – “As crenças e suas articulações com a política e a sociedade”; v. 10, nº 28 – “As religiões mediúnicas e a História”; v. 13, nº 39 – “Religião e política no mundo contemporâneo”) evidencia como problemática central as interfaces entre as religiões mediúnicas e as questões políticas. Leia Mais

Intrépidas entre Europa y Las Américas: Cultura/arte y política en equidade | Esmeralda Broullón Acuña

El libro editado y coordinado por la Dra. Esmeralda Broullón forma parte de un Proyecto de Investigación de la Red Internacional del CSIC sobre Cultura, arte y política: mujeres y naciones en el marco de conflictos políticos claves. Siglos XX y XXI. Asimismo ha sido desarrollado dentro del Grupo de Investigación denominado “Actores sociales, representaciones y prácticas políticas (ASOC)” de la Escuela de Estudios HispanoAmericanos (Instituto de Historia) de Sevilla. Se trata de un ingente trabajo de investigación que, en menos de 300 páginas, con un carácter interdisciplinar y universal, rescata del olvido a unas mujeres que, debido al androcentrismo imperante, han permanecido ocultas o en la sombra y ni siquiera en la letra chica (pequeña) de los manuales de Historia del Arte y de la Literatura. Pues siempre estudiamos a los “varones” de la generación del 27 u otras vanguardias, ninguneando a mujeres vanguardistas, intrépidas y rebeldes, por ejemplo el caso Concepción Méndez Cuesta, editora, escritora, nadadora, perseverante, intrépida y “viajera emancipada”, como ella escribía en una carta a Federico García Lorca, Concepción Méndez Cuesta, no tan conocida, al menos para mí, como su esposo el malagueño Manuel Altolaguirre. Por ello agradezco a la editora de este libro su excelente capítulo sobre el contexto socio-político y cultural en el que se movió esta polifacética mujer Leia Mais

Psiquiatria e política: o jaleco/a farda e o paletó de Antônio Carlos Pacheco e Silva | Gustavo Querodia Tarelow

Antonio Carlos Pacheco e Silva (1898-1998) nasceu no limiar do século, filho de abastada família paulista. Em seus textos memorialísticos, o renomado psiquiatra relatou o ambiente que o esperava quando veio ao mundo na capital de São Paulo: um lar “puro e coeso” ( Tarelow, 2020 , p.40). De certa forma, na obra Psiquiatria e política: o jaleco, a farda e o paletó de Antonio Carlos Pacheco e Silva, notamos que as noções atribuídas a esse lugar doméstico – “pureza” e “coesão” – serviram como coordenadas para suas atividades médicas e políticas ao longo da vida. Nelas se pautaram seu investimento em um ideal de povo brasileiro e suas contribuições como intelectual, principal tema que percorre a obra de Tarelow. Leia Mais

Utopias latino-americanas: política, sociedade, cultura | Maria Ligia Coelho Prado

Maria Ligia Coelho Prado Imagem Revista Pesquisa
Maria Ligia Coelho Prado | Imagem: Revista Pesquisa

O livro Utopias latino-americanas: política, sociedade, cultura, publicado pela editora Contexto em 2021, constitui-se não apenas em uma valiosa contribuição aos estudos acadêmicos especializados, mas também em uma obra acessível a um público leitor mais amplo, interessado pela história da nossa região. É organizado pela historiadora Maria Ligia Coelho Prado, professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.2 Prado, que iniciou a docência em História da América em 1975, é também uma das responsáveis por estruturar a área no Brasil, por meio da orientação de gerações de historiadores – hoje professores em diferentes instituições pelo país – e de sua participação na fundação e organização da Associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas (ANPHLAC), a qual presidiu entre 1998 e 2000.3 Foi coordenadora do Projeto Temático/Fapesp Cultura e Política nas Américas: Circulação de Ideias e Configuração de Identidades (séculos XIX e XX), cujas atividades se estenderam entre 2007 e 2011, e primeira coordenadora do Laboratório de Estudos de História das Américas (LEHA) do Departamento de História da USP, entre 2009 e 2012.4 É autora e coautora de diversos trabalhos, que se tornaram referência dentro da produção historiográfica brasileira acerca das Américas, aos quais se soma esta nova contribuição, idealizada para comemorar seu aniversário de 80 anos.

Percorrendo o sumário do livro, dois aspectos nos surpreendem. Em primeiro lugar, o grande número de pesquisadores que Maria Ligia Prado conseguiu reunir, espalhados por universidades brasileiras e estrangeiras. Em segundo lugar, a variedade de “utopias latino-americanas” contempladas na obra, distribuídas em cinco diferentes seções e em 22 capítulos, que fazem jus ao título escrito no plural. A preocupação com os projetos utópicos que tiveram lugar na América Latina articula os capítulos do livro, dando-lhe um fio condutor que percorre as suas páginas. As múltiplas utopias exploradas nas cinco seções colocam em cena numerosos personagens, conectando espaços e temporalidades, desde o século XIX até o nosso tempo presente. O Brasil aparece em diversos capítulos, seja em perspectiva comparada com outros países, seja dentro das reflexões a respeito dos projetos de integração da região. Leia Mais

Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil (1821-1823) | Hélio Franchini Neto

Helio Franchini Neto Imagem Atelie Editorial
Hélio Franchini Neto | Imagem: Ateliê Editorial

Em meio às reflexões levantadas pelo bicentenário da Independência, é momento de voltarmos aos clássicos produzidos pela historiografia acerca do tema e, sobretudo, promover o diálogo destes com as interpretações mais recentes que reconstituem o processo de Independência por meio diferentes abordagens. Dentre as novas propostas de análise elaboradas nos últimos anos, cabe destacar Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil, 1821-1823, fruto da tese de doutorado em História elaborada por Helio Franchini Neto. Diplomata de carreira, o autor nos contempla com uma abordagem historiográfica que pretende inserir o componente militar no contexto da produção acadêmica que privilegia a reavaliação do processo de Independência do Brasil desde os conflitos ocorridos a partir de 1822.

A obra resenhada em questão conta com prefácio de Francisco Doratioto e é dividida em oito capítulos, acrescidos de conclusão, apêndice e bibliografia. Dentre muitos objetivos, é necessário salientar que o livro busca alertar o leitor, desde sua introdução, acerca de dois grandes aspectos. O primeiro deles versa sobre a necessidade de se romper com o mito de um processo de Independência feito de forma pacífica, destacando as dificuldades de se consolidar o projeto de Estado-nação após a emancipação. As bases para tal resistência nos levam a um segundo aspecto que o autor persegue ao longo de toda sua pesquisa: a importância dos contextos políticos regionais no processo de emancipação. A participação das diferentes regiões do território brasileiro nos conflitos é ponto primordial para o autor, ao caracterizar os diversos interesses que estavam em jogo durante o período no qual as localidades precisaram, então, optar pela adesão a um dos polos políticos que disputavam a centralidade do poder: Lisboa e Rio de Janeiro.

A pesquisa empírica desenvolvida pelo autor merece destaque. Com o intuito de recuperar os registros das batalhas ocorridas entre 1822 e 1823, Franchini Neto lança mão de um amplo conjunto de fontes, composto, entre outros acervos, por documentos presentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, além da documentação dos arquivos das Forças Armadas brasileiras, da Biblioteca Nacional, bem como o acervo do Arquivo Nacional. Além dessas fontes, cabe salientar que, buscando revelar os indícios de um processo de emancipação permeado pela instabilidade, a obra fornece ao leitor um levantamento primoroso sobre os conflitos e a mobilização militar do período por meio da imprensa e dos arquivos diplomáticos do Brasil, da França e da Áustria, por exemplo. O arcabouço de fontes foi também enriquecido com as correspondências diplomáticas referentes ao Reino Unido e aos Estados Unidos.

Vale ainda ressaltar que o trabalho com a documentação primária abarca também as regionalidades, trazendo à tona documentos importantes para a compreensão das realidades locais, contribuindo, assim, com as interpretações historiográficas que primam pela participação das províncias no processo político da Independência.

Ao longo do texto, o leitor tem acesso a um importante diálogo com pesquisas consolidadas que, no decurso dos anos, nortearam a historiografia sobre a problemática da Independência. Nas mais de seiscentas páginas da obra, evidencia-se o debate enriquecedor com autores primordiais para a compreensão do contexto, como José Murilo de Carvalho, Lucia Bastos, Marcello Basile, João Paulo Pimenta, Evaldo Cabral de Mello, István Jancsó, Hendrik Kraay, entre muitos outros estudiosos da área que igualmente merecem destaque. É em meio a essa ampla rede de historiadores que Franchini Neto se coloca a contribuir com a vasta produção acadêmica já existente na área, visando, sobretudo, ampliar as reflexões sobre a potencialidade do papel da guerra na manutenção da unidade territorial e política em um cenário repleto de conflitos.

No primeiro capítulo, intitulado “O Brasil de 1822”, o autor destaca o contexto histórico que precede o processo da Independência, e ressalta a ideia de uma pluralidade de projetos políticos para o Brasil naquele cenário, bem como as dificuldades de uma administração centralizada, apesar da vinda da corte em 1808 (Franchini Neto, 2019, p. 31). Um ponto importante do capítulo é trazer à tona a multiplicidade de vivências em todo o reino, fato que impactou a forma como as diferentes localidades lidavam com Lisboa. Para o autor, tal indicativo se faz essencial para compreender até mesmo as reações distintas das regiões após a proclamação. Em meio a tal reflexão, Franchini Neto aponta ainda a presença de certa heterogeneidade acerca dos debates sobre variados projetos políticos e sobre o futuro do reino naquele período (p. 47). Ao fim do capítulo, destaca-se que a diferença da experiência histórica em âmbito regional fez emergir também perspectivas díspares entre o norte e o sul do país com relação à disputa que se colocaria logo em seguida entre Rio de Janeiro e Lisboa.

Em “A Constituinte luso-brasileira”, segundo capítulo da obra, torna-se possível compreender os limites e as contradições do vintismo por meio das reflexões do autor, que exaltam, detalhadamente, as formas múltiplas pelas quais o movimento fora sentido e recebido no plano interno e internacional. Para essa última análise, é importante destacar o debate que se vislumbra no texto a partir do diálogo entre alguns importantes documentos da época, como os registrados na obra de Varnhagen, junto a diversos documentos diplomáticos, que ressaltam as divergências que permearam o movimento vintista. Tais fontes levantadas pelo autor nos apresentam, desse modo, uma narrativa que traduz os bastidores do vintismo pelos olhares de representantes diplomáticos e suas preocupações com a instabilidade política entre Brasil e Portugal. Entre os documentos investigados, as correspondências e ofícios obtidos em arquivos britânicos e americanos nos indicam nuances até então não problematizadas sobre este contexto (Franchini Neto, 2019, p. 66).

As divergências em torno da recepção do movimento no reino, explicitadas por Franchini Neto, se consolidam a partir da relação direta com o modo pelo qual as localidades interagiam com Lisboa e com o Rio de Janeiro. É nesse ponto da investigação que a Bahia emerge como pano de fundo e cenário profícuo para grandes discussões e conflitos, em meio ao processo de emancipação que iria se desenrolar nos meses posteriores. A Bahia, nesse sentido, consolida, nas premissas do autor, a ideia de heterogeneidade no seio das elites regionais, indicativo levantado frequentemente na obra. A mesma variação de comportamento também é visualizada no momento em que Franchini Neto discute o posicionamento dos deputados brasileiros nas cortes. Em meio a essa elite política, nesse sentido, evidenciavam-se dois grupos: os vintistas e os unitários. O pesquisador ressalta ainda que, dessa forma, pode-se compreender que, no processo de convocação das cortes e suas discussões, emergiam ali dois estados buscando legitimação política e a conquista das diferentes regiões do Brasil. As lideranças políticas ligadas a estes centros irão, sobretudo, requerer das províncias sua adesão e lealdade a um dos polos da disputa, o que o autor determina como a consolidação de uma “típica situação de guerra”, que permeou todo o processo de emancipação (Franchini Neto, 2019, p. 91).

Em suma, o segundo capítulo da obra indica que, a partir da dicotomia “regeneração” versus “recolonização”, tem-se então um acirrado conflito político e bélico que dará base à Independência do Brasil. Ademais, o processo de adesão, longe de ter sido fato consolidado desde o primeiro momento, se exibe como um “movimento pendular” diante de interesses e decisões políticas do Rio ou de Lisboa. Como assinala o autor, a adesão das províncias não teria sido, assim, um movimento homogêneo e automático, posto que muitas resistiam até mesmo às duas propostas vigentes, ou ainda não optavam por algum dos lados dessa disputa. Para o autor, o posicionamento diante dos dois projetos (Lisboa e Rio) muitas vezes evidenciou-se como uma demanda vinda de fora das províncias, revelando pressões externas, e não como uma opção advinda internamente.

Durante o segundo capítulo, o autor elabora de forma minuciosa as possíveis causas desses conflitos e seu real significado em meio ao movimento de restauração em Portugal que seria, na verdade, a quebra da estrutura de governo que estava centralizada no Rio de Janeiro e a recolocação de Lisboa como o único centro de poder (Franchini Neto, 2019, p. 92). Objetivando enfatizar as dificuldades de um projeto aglutinador por parte de d. Pedro, o autor também discorre sobre o processo de negociação do príncipe com as elites regionais no contexto interno e, ao mesmo tempo, com a esfera internacional, quando destaca, por exemplo, a posição do Reino Unido, da Prússia e da Áustria diante da causa brasileira na disputa pela proeminência política empreendida por Lisboa e Rio. Para além disso, é levantado outro ponto de importante reflexão na tentativa de extrapolar o debate historiográfico que se baseia no contraponto entre as teses do “nacionalismo de adoção” e do “sacrifício por interesses políticos” por parte do d. Pedro. À primeira interpretação, Franchini Neto atribui a construção do ideário de uma Independência pacífica. Contudo, apoiando-se, entre outros documentos, em ofícios militares diplomáticos e correspondências, o autor mobiliza uma perspectiva historiográfica que atesta o posicionamento e as decisões do príncipe regente diretamente ligadas aos conflitos com as cortes (p. 108).

É então no terceiro capítulo, “Uma rebelião armada”, que o autor se propõe a detalhar o contexto do Fico, ressaltando o clima de violência que marcou o período após esta data decisiva. Assim, o Fico, segundo Franchini Neto, seria não somente uma mera proclamação, mas também um ato político do qual resultou um conflito armado e mobilizações militares importantes em diferentes regiões do país (Franchini Neto, 2019, p. 143). O contexto violento e conflituoso de 1822 é reconstruído por meio de fontes importantes como as informações subsidiadas por correspondências oficiais escritas pelo coronel Malet, diplomata francês que transmitiu nuances do cenário conturbado que se montou no Rio de Janeiro. Além disso, o autor se baseia na análise dos impressos e das atas da Assembleia Constituinte para destacar os conflitos e a mobilização militar daquela quadra.

Ao estudar o processo de emancipação e a disputa entre Rio e Lisboa, a obra evidencia a necessidade do príncipe em angariar esforços para sua causa. Franchini Neto, ao indicar as localidades que se tornaram base para a resistência de d. Pedro, as chamadas “províncias coligadas”, acentua que, até mesmo onde ele parecia dispor de algum apoio político, demandou-se também um longo processo de negociação em torno das elites regionais em prol da manutenção de tal adesão à causa brasileira. Assim, em localidades como São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, que afirmaram, naquele contexto, seu apoio à causa brasileira, notou-se certa oscilação nesse posicionamento em prol de d. Pedro. Tal fato, acentua o autor, demandou esforços intensos por parte do príncipe. Todavia, o capítulo demonstra que a base política de d. Pedro era, assim, pouco sólida, sobretudo pela existência de divergências internas nas províncias.

Ao caracterizar todo o processo político que levou à emancipação, o pesquisador aponta elementos que consolidaram o agravamento da situação política em 1822, levando à Independência do Brasil e ao estabelecimento do imperador. No entanto, mesmo após o rompimento, o Brasil ainda permanecia dividido, nas palavras do autor, caracterizando-se por “uma identidade ainda em construção”, o que levou a uma guerra que atingiu, sobretudo, as regionalidades (Franchini Neto, 2019, p. 216). O conflito movimentou as questões internas nas províncias, a partir também das demandas políticas regionais.

Nas demais províncias do reino do Brasil, situações conflitivas apareceram, dando conta da agitação política em que se encontrava o território português. Não existiu apenas uma tendência nesses territórios, ao contrário do que a historiografia tradicional aponta e qualifica como exemplo de uma brasilidade preexistente. (Franchini Neto, 2019, p. 189)

Desse modo, ao levantar documentos provenientes das juntas governativas, como diários, cartas e ofícios advindos de diversas localidades do reino, e a partir de indícios publicados no Diário do Governo de Lisboa, o autor demonstra uma série de desdobramentos políticos que ocorreram em diferentes províncias, que auxiliam na reconstrução dos cenários provinciais em torno da disputa entre Rio de Janeiro e Lisboa, mesmo após a efetiva emancipação.

Nesse contexto, torna-se árdua a tarefa de unir o povo em uma mesma identidade, apoiando uma só causa. Assim, é no quarto capítulo, denominado “A mobilização militar”, que autor redesenha a magnitude da mobilização militar que atuou no processo de consolidação da Independência, a partir de fontes que elucidam as operações da Marinha, assim como diversos dados contidos em escritos da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). O levantamento é rico em detalhes ao traduzir a estrutura do aparato militar que atuou em território brasileiro e, ao mesmo tempo, aponta a organização militar proveniente do outro lado do Atlântico, em meio ao contexto conflituoso que se estabeleceu após a emancipação. Nessa parte do texto, Franchini Neto nos contempla com tabelas e registros bastante completos que evidenciam o contingente de armamento vigente naquela ocasião (Franchini Neto, 2019, p. 245). É neste ponto do capítulo que o autor acentua uma discussão bastante oportuna acerca do conceito de “guerra” e do motivo de sua não utilização por parte do Rio de Janeiro e de Lisboa durante aquele período. A ausência de uso do vocábulo, no entanto, não exclui a existência de um conflito armado significativo durante o processo de Independência.

O capítulo “Guerra no centro estratégico: Bahia”, quinto da obra, nos permite dimensionar a importância dessa região durante os conflitos militares que emergem no processo de emancipação política e nos meses que se seguiram. A Bahia e, sobretudo, a figura de general Madeira, configuram-se como peças fundamentais na narrativa do autor para apresentar minuciosamente ao leitor como teria ocorrido o enfrentamento entre Lisboa e Rio de Janeiro. A partir da análise dessa região, Helio Franchini Neto consolida sua tese, que leva em conta o cenário de guerra que emerge no processo de emancipação. A obra exibe um levantamento baseado na releitura da historiografia sobre a Bahia e ancora-se em fontes como o jornal A Idade d’Ouro, além de ofícios dirigidos às cortes e panfletos manuscritos. Com posição estratégica entre as demais regiões do território e importância também no âmbito econômico, a Bahia se tornou o centro do conflito armado. Nessa perspectiva, ao elaborar o clima bélico durante o processo de adesão aos dois polos políticos, o autor faz questão de enfatizar a linha de pensamento que persegue por todo o texto: a importância das dissidências regionais diante do apoio à causa da Independência. Assim, naquela região as posições também não eram unânimes em favor de Lisboa ou do Rio. Panfletos do período corroboram a ideia de três grupos políticos distintos consolidando o contexto político que serviria de palco para o conflito armado (Franchini Neto, 2019, p. 290).

No sexto capítulo Franchini Neto apresenta “O teatro de operações Norte”, conduzindo o leitor a compreender que as operações militares nessa região nos comprovam o quanto a emancipação dependeu dos conflitos militares e das negociações regionais. Interessante destacar que, ao abordar as províncias separadamente no cenário de conflito armado, o autor deixa claro que os contextos regionais não se construíram de forma isolada, pois apresentavam relação direta com os acontecimentos do Rio de Janeiro e da Bahia, por exemplo. Desse modo, é notória a iniciativa da obra em dar voz às realidades regionais, incorporando- -as a um contexto conflituoso que atravessava todo o território.

Assim, ao elaborar sua análise sobre o longo processo que levou à incorporação de províncias como Piauí, Maranhão e Pará ao projeto político brasileiro de d. Pedro, o autor traz percepções bastante esclarecedoras, como a problematização acerca do fato de que incorporar uma região à causa brasileira não significou angariar sua total fidelidade dentro do conflito (Franchini Neto, 2019, p. 491). Além disso, na maioria das vezes, como cita o pesquisador, o posicionamento regional nasceu da necessidade de se adaptar às mudanças impostas na dinâmica política. Em algumas regiões, mesmo sem o vínculo com Lisboa, agora quebrado a partir dos conflitos armados, também era difícil constituir um vínculo sólido com o Rio de Janeiro (p. 519).

O sétimo capítulo tem como foco a Cisplatina e o processo de adesão à Independência do Brasil em meio a conflitos já existentes naquela região. Lisboa e Rio mantinham certo diálogo com a localidade, disputando apoio político. A manutenção da Cisplatina, como acentua o autor, seria fundamental para a consolidação do projeto político concebido por José Bonifácio para o império brasileiro. Diante do impasse, mais uma vez a solução tendia a ser o conflito militar. A composição do cenário de guerra naquela região, sobretudo por parte das forças militares portuguesas, que reagiram a partir da obrigação de se posicionar diante da política pendular do Rio e de Lisboa, foi amplamente discutida pelo autor por meio de ofícios e correspondências diplomáticas. Já no oitavo capítulo, centrado, sobretudo, em 1823, são demonstrados os percalços que envolveram todo o momento pós-guerra e o longo processo de reconhecimento da Independência do Brasil, entre perdas, ganhos e arranjos. A investigação de Franchini Neto elucida de que forma terminam esses conflitos em todo o território e reconstitui as principais negociações que envolveram a emancipação do Brasil, dando ênfase aos documentos diplomáticos e à atuação inglesa no processo de reconhecimento. Os combates, como acentua o autor, terminam em 1823. Todavia, é necessário enfatizar a existência de conflitos políticos posteriores que emanam do Rio de Janeiro, bem como a incidência de revoltas, sobretudo regionais, relacionadas ao apoio à Lisboa. A obra evidencia que Maranhão e Pará são exemplos da duração dessas contendas, que permanecerão vivas até meados de 1825, no momento de reconhecimento da Independência.

Seguindo para sua conclusão, o autor resgata questões importantes que permeiam toda a interpretação histórica que se contrapõe a uma ideia de emancipação pacífica. Para Franchini Neto, é necessário que todo o percurso conflituoso caracterizado na obra não seja visto simplesmente como o processo de Independência do Brasil, mas sim como um trajeto histórico que, entre tantos resultados possíveis, culminou, então, na emancipação. A obra acentua o cenário marcado pela instabilidade política e pela ausência de identidade nacional em meio ao caminho que levou à emancipação. Desse modo, Franchini Neto conjectura que a Independência fora então o resultado da disputa entre os dois polos, Rio e Lisboa, que conflitaram na tentativa de angariar alguns eixos principais: a Bahia, o Norte e a Cisplatina. Foram nesses cenários em que d. Pedro precisou ampliar sua adesão política, sobretudo diante das elites regionais, objetivando o reconhecimento de seu projeto político (Franchini Neto, 2019, p. 568).

Apoiando-se em autores cruciais que dão base ao debate sobre a historiografia da Independência, temática que apresenta vasta produção acadêmica, sua perspectiva historiográfica pretende inserir o componente militar no centro das discussões e aponta reavaliações históricas pertinentes sobre o período. Por meio de minucioso trabalho empírico, contemplando um amplo arcabouço de documentos, além de variados acervos, a obra recupera e traz à luz os registros das batalhas motivadas pela disputa entre Rio de Janeiro e Lisboa, destacando as dinâmicas regionais, e, ainda, acentuando a participação popular, ao enfatizar as dificuldades de adesão encontradas por d. Pedro.

Assim, na esteira dos estudos que emergem no momento do bicentenário da Independência do Brasil, a obra certamente contribui para a composição das interpretações historiográficas que buscam reavaliar o contexto da emancipação e seus desdobramentos. O livro de Helio Franchini Neto se destaca, entre outras características, por dialogar com interpretações consolidadas dentro da temática e, ao mesmo tempo, por conseguir, com êxito, inserir a mobilização militar que ocorreu entre 1822 e 1823 como elemento fundamental na construção do Estado-nação e na unidade territorial brasileira.

Referência

FRANCHINI NETO, Hélio. Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil (1821- 1823). 1. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2019.


Resenhista

Karulliny Silverol Siqueira – Doutora em História Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Professora do Programa de Pós-Graduação em História e do Departamento de Arquivologia da Ufes, Brasil. E-mail: karulliny@yahoo.com.br


Referências desta Resenha

FRANCHINI NETO, Hélio. Independência e morte: política e guerra na emancipação do Brasil (1821-1823). Rio de Janeiro: Topbooks, 2019. Resenha de: SIQUEIRA, Karulliny Silverol. Entre conflitos e negociações: a Independência do Brasil sob a ótica do enfrentamento militar. Acervo. Rio de Janeiro, v. 35, n. 3, p. 1-9, set./dez. 2022. Acessar publicação original [DR]

 

Brasil em projetos: História dos sucessos políticos e planos de melhoramento do reino. Da ilustração portuguesa à Independência do Brasil | Jurandir Malerba

Jurandir Malerba Imagem Cafe Historia 2
Jurandir Malerba | Imagem: Café História

Num momento tão difícil da conjuntura nacional, em que a lenta construção da democracia brasileira após 1985 é ameaçada por distintas forças, a compreensão desse processo passa não somente pela análise do contexto atual, como pelo estudo dos diferentes projetos propostos para a construção do Brasil a partir de sua Independência, em 1822. Neste sentido, só podemos saudar com entusiasmo a iniciativa da Editora da Fundação Getúlio Vargas com o lançamento da coleção Uma outra história do Brasil, que pretende apresentar os projetos políticos de distintos grupos sociais que atuaram no Brasil nos últimos dois séculos.

O primeiro volume dessa ambiciosa empreitada, Brasil em projetos, é da lavra de Jurandir Malerba e abrange o período que vai do último quartel do século XVIII às duas primeiras décadas do seguinte. Trata-se, como sabemos, de um período chave da história do Brasil, marcado na economia por um significativo crescimento baseado na produção agropecuária de base escravista e, em termos sociais, pela consolidação de uma poderosa elite mercantil, responsável pelos vínculos tanto internos quanto externos da América portuguesa. É no campo político que temos algumas das principais transformações. Da chegada da família real ao Brasil até a abdicação de Dom Pedro I, temos décadas de grande agitação, abrangendo da transferência dos órgãos da corte portuguesa para a América à construção de uma nova nação e de um Estado independente. Tudo isso num ambiente intelectual marcado pelo influxo das ideias iluministas e do liberalismo. Leia Mais

80 anos da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial: aspectos políticos, econômicos, culturais e regionais | Revista Maracanan | 2022

Destrocos de baleeira no litoral de Estancia SE proximo ao local do ataque ao Baependi pelos submarinos alemaes 1942 Imagem Agencia O Globo
Destroços de baleeira no litoral de Estância (SE), próximo ao local do ataque ao Baependi pelos submarinos alemães (1942) | Imagem: Agência O Globo

O ano de 2022 demarca oito décadas de uma importante efeméride da história do Brasil contemporâneo: a entrada do país na Segunda Guerra Mundial, em 22 de agosto de 1942, com a declaração de guerra aos países do Eixo. Embora tal participação tenha sido modesta quando comparada à empreendida pelas potências beligerantes daquele conflito mundial, ela foi, sem dúvida, relevante. A princípio, a política externa brasileira, durante os anos 1930, caracterizouse por uma “equidistância pragmática”, conforme definida por Gerson Moura. Significava que o governo Vargas havia evitado estabelecer alianças comerciais rígidas com qualquer uma das potências internacionais, em busca de, com isso, obter vantagens comerciais. Assim, poderia explorar as oportunidades econômicas trazidas pela disputa entre Alemanha e Estados Unidos por influência na América do Sul (MOURA, 1986, p. 28).

Esse direcionamento foi seguido mesmo após o início da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, quando a nação brasileira optou pela neutralidade em relação a tal conflito. Contudo, o ataque japonês à base de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, e a consequente declaração de guerra dos Estados Unidos ao Eixo provocaram uma pressão norte-americana para que o Brasil estreitasse mais as relações com tal país e alterasse a linha de política externa que vinha então adotando. A partir daí, estabeleceram-se negociações entre as duas nações, que não foram fáceis, pois muitos dos integrantes do governo Vargas simpatizavam com o Eixo, como Góis Monteiro, chefe do Estado Maior, e Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra. Leia Mais

Católicos/ reaccionarios y nacionalistas. Política e identidad nacional en Europa y América latina contemporâneas | María Cruz Romeo

Maria Cruz Romeo Imagem Fundacion Juana de Vega
María Cruz Romeo | Imagem: Fundación Juana de Vega

El libro propone un recorrido de larga duración sobre los vínculos entre nación y catolicismo en Europa y América Latina. Fruto de un largo recorrido en común, signado por diferentes proyectos de investigación, las coordinadoras reúnen un conjunto de trabajos que incorporan algunas de las perspectivas más renovadoras. Ante todo, sobresale un explícito apartamiento del “paradigma clásico de la secularización”. Dicho paradigma partía del supuesto de la existencia de una incompatibilidad esencial entre modernidad y religión y, por tanto, auguraba la declinación de lo religioso en el mundo contemporáneo, cuando no directamente su desaparición. Su influencia en las ciencias sociales y en las humanidades fue amplia y persistente hasta las décadas finales del siglo XX. En la historia de América Latina su impacto invisibilizó muchos de los procesos de transformación y reconfiguración de las instituciones religiosas y condujo a la frecuente y arbitraria postulación de “renacimientos” católicos. En las últimas décadas, sin embargo, en parte como consecuencia de la acumulación de fenómenos que escapaban al corsé de la secularización, comenzaron a revisarse de manera más profunda sus bases epistemológicas y a avanzar en diferentes reformulaciones teóricas. En este camino autores como José Casanova, David Martin, Karel Dobbelaere o Danièle Hervieu-Léger, entre otros muchos, contribuyeron no sólo a abandonar los viejos presupuestos, en parte heredados de las filosofías de la ilustración, sino también a dar forma a nuevas conceptualizaciones. En buena parte de ellas, más allá de sus diferencias, se coincidió en redefinir la secularización como un proceso multidimensional de cambio y recomposición de la religión y sus instituciones, dejando definitivamente atrás las ideas de retracción, crisis y declive. Leia Mais

Para a Glória de Deus, e do Rei? Política, religião e escravidão nas Minas do Ouro (1693-1745) | Renato da Silva Dias

D. Joao VI Rei de Portugal Detalhe de capa de Para a Gloria de Deus e do Rei Politica religiao e escravidao nas Minas do Ouro 1693 1745
D. João VI, Rei de Portugal | Detalhe de capa de Para a Glória de Deus, e do Rei? Política, religião e escravidão nas Minas do Ouro (1693-1745)

A obra em questão vem a lume dezesseis anos após a sua apresentação como tese de doutoramento em História, defendida pelo autor em 2004, na UFMG, sob orientação da professora Carla Anastasia. Nesse intervalo muita coisa se escreveu a respeito da história mineira no século XVIII.2 O trabalho de Renato da Silva Dias, Professor de História na Universidade Estadual de Montes Claros, não se preocupou em antecipar modismos e talvez por isso, recolocado no contexto atual, tenha preservado sua originalidade. Tributário da riquíssima historiografia que, nas décadas de 1980 e 1990, reescreveu a história de Minas Gerais no período colonial, Para a Glória de Deus e do Rei? explorou, em grande parte, as peculiaridades que tornaram a experiência mineradora um evento histórico singular no âmbito da América Portuguesa.

O tema investigado foi o das dimensões políticas do catolicismo luso penosamente imposto aos súditos de Minas. Em especial, Dias preocupou-se em avaliar de que forma a religião católica foi apropriada e reelaborada por africanos detentores de enormes diversidades étnicas, culturais, religiosas e políticas. Aprisionados na terra natal, traficados para a América Portuguesa e revendidos a senhores situados nos arraiais mineradores e em seus respectivos campos e currais, esses trabalhadores sofreram as consequências do escravismo colonial. Estilhaçados seus antigos vínculos e pertencimentos sociais, eles foram obrigados a adotar uma Leia Mais

The Orce Man. Controversy/ Media and Politics in Human Origin Research | Miquel Carandell Baruzzi

El descubrimiento de huesos fósiles atribuidos a humanos y las polémicas sobre su interpretación siempre han tenido una amplia difusión en la prensa. Esta repercusión mediática es una singularidad de la paleontología humana, ya que el objeto de su investigación es algo muy relevante para nosotros los humanos, es el conocimiento de nuestro origen como género humano, es decir, de dónde venimos, quiénes fueron nuestros antepasados, quiénes los antecesores del Homo sapiens, qué géneros y especies formaron parte en el pasado de la familia humana, etc. De manera que esto puede explicar que las controversias y la falta de consenso de los especialistas sean mucho más visibles y trascienda al público más en esta que en otras disciplinas. Así que un libro que aborda una controversia paleontológica, muy propagada por la prensa, que se prolongó en el tiempo sobre un resto fósil de una gran antigüedad, identificado en un primer momento como humano y hallado dentro del territorio español, y no en África o Asia, resulta muy atractivo no solo para los biólogos o para alguien dedicado a investigar en historia de las ciencias naturales, sino para cualquier persona que tenga un cierto nivel cultural. La singularidad de este caso provocó muchos comentarios y ruido mediático. La prensa, de alguna manera, fue protagonista junto con el mundo académico. Un gran atractivo de la obra reside, aunque no solo, en que el problema se ha querido abordar con una orientación metodológico interesante, aunque ya, tras haber pasado tantos años desde que se sugirió en el campo de la sociología del conocimiento científico, este enfoque puede considerase tradicional en historia de la ciencia. Este es el caso de la presente obra, que recoge con un planteamiento profesional y sólido, el que fue, en mi opinión, uno de los capítulos más polémicos y dramáticos, especialmente esto último para uno de sus principales protagonistas, Josep Gibert, y que dio lugar a un debate que perduró durante varias décadas en los medios y en la comunidad científica. El debate es muy conocido. En 1982, en el yacimiento de Venta Micena, localizado en el municipio de Orce (Granada), un equipo de investigación del Instituto Catalán de Paleontología de Sabadell, descubrió un fragmento craneal que se determinó como perteneciente al género humano y cuya edad se estimó rondando el millón de años, lo que le convertía en el fósil humano más antiguo descubierto en el continente europeo. Para empezar, esto último era una falsa polémica, difundida incluso en revistas especializadas, ya que no cabía plantearse quiénes habían sido los europeos más antiguos, cuando no tenía, ni tiene, sentido hablar de Europa como tal en épocas tan remotas. El hallazgo del fósil, que se divulgó en la prensa, dio pie al episodio más controvertido de la historia de la paleontología humana en España, pero tuvo repercusiones internacionales debido a la nacionalidad de algunos especialistas que intervinieron en el debate. El problema se originó cuando expertos paleontólogos franceses declararon que dicho resto óseo fósil no era humano sino que pertenecía a un équido (para complicar el asunto, hace algunos años se atribuyó a un rumiante). Este anuncio fue ampliamente difundido por los medios de comunicación, quienes, ajenos al debate científico, crearon una situación muy incómoda para los paleontólogos y muy confusa para los lectores interesados en el conocimiento de los orígenes de la humanidad. Articulistas y corresponsales apreciaron el interés popular por la controversia e intentaron llamar la atención del público, manifestando en algunos casos escaso conocimiento científico de cómo había que exponer el tema. Un ejemplo es el del reportero que tituló un artículo: “Los hijos de Adán eran andaluces”. Aunque connotaciones bíblicas semejantes, como las de “Eva negra” o “Eva mitocondrial”, suelen ser utilizados en medios anglosajones, por muy ingenioso o chistoso que fuera el titular, supuestamente atrayente para el lector, la ofensiva desplegada por el fundamentalismo cristiano podía dar lugar a confusión entre los lectores, algunos quizás sin formación suficiente para establecer las diferencias entre evolución y creación. Leia Mais

Do Glamour à Política: Janaína Dutra em meandros heteronormativos | Juciana Oliveira Sampaio

Detalhe de capa de Do Glamour a Politica Janaina Dutra em meandros heteronormativos
Detalhe de capa de Do Glamour à Política: Janaína Dutra em meandros heteronormativos

Do Glamour à Política: Janaína Dutra em meandros heteronormativos é uma edição conjunta da Editora da Universidade Federal do Maranhão com a Paco Editorial. Publicado em 2020, o livro, escrito por Juciana Oliveira Sampaio, professora do Instituto Federal do Maranhão, apresenta os resultados da pesquisa realizada durante o curso de doutorado, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, concluído em 2015, sob a orientação da professora Sandra Maria Nascimento Sousa. A pesquisa foi premiada na categoria Melhor Tese de Doutorado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão, em 2016.

No livro, temos acesso a um registro detalhado sobre a trajetória da travesti Janaína Dutra, reconhecida como a primeira travesti advogada do Brasil. Abrangendo um período histórico que se concentra entre a década de 1980 e a primeira década deste século, a pesquisadora aborda um amplo espectro das relações sociais nas quais Janaína estava envolvida, seu processo de transição e produção de um corpo que refletia como ela desejava ser identificada, sua atividade como advogada, a atuação como militante de movimentos sociais pró-direitos de travestis, lésbicas e homossexuais, além de suas relações familiares e afetivas. Este registro fundamenta uma análise minuciosa sobre os processos de construção de si, e sobre a mobilização de identidades como instrumento político. Ao lermos a trajetória de Janaína Dutra, evidenciamos que,

por mais que o foco da pesquisa seja um sujeito específico, o olhar está voltado para a cultura, para as normas impostas, para as convenções a que o sujeito está assujeitado, entendendo que as identidades são socialmente construídas, disciplinando, normatizando e controlando os sujeitos (Juciana SAMPAIO, 2020, p. 113).

A densa revisão teórica e a atenção metodológica colaboram para a elaboração de uma análise que se estrutura a partir de identificação de categorias como memória, sexualidade, identidade e travestilidade em um cenário de emergência dos Estudos Queer no Brasil. Sob a forte influência das discussões promovidas por Michel Foucault e Judith Butler, o trabalho dedica importante atenção às relações de poder que perpassam os processos de construção dos sujeitos, bem como sobre o uso político e os limites da identidade como um elemento que sugere uma homogeneização de um grupo e que tende a apagar as especificidades dos sujeitos.

O grande número de depoimentos coletados com parentes, amigos, antigos namorados e colegas de militância, além das próprias impressões de Juciana, que conheceu Janaína, junto a diversas fontes documentais, às quais a pesquisadora teve acesso, são utilizados para reconstruir a trajetória de Janaína dando atenção às tensões que envolvem a produção de um ícone político, ação que se acentua após a morte da militante, em 2004. Ao apresentar todos esses elementos, em vez de reconhecer a excepcionalidade com que o título de primeira travesti advogada do Brasil envolvia Janaína, a pesquisa busca compreender os elementos que foram mobilizados para a produção de um ícone do movimento LGBTQIA+.

Ao descrever seu processo de transição de um homem gay para uma travesti, no contexto heteronormativo brasileiro e, especificamente, nordestino, que se inicia próximo aos trinta anos, após a conclusão do Curso de Direito em uma reconhecida universidade do estado do Ceará, é possível perceber que o fato de não ter vivenciado o processo de graduação como travesti, permitiu que Janaína não experimentasse as violências que costumam ser vividas por travestis que acessam ambientes de ensino durante a transição ou após transicionarem, cujo exemplo mais direto é a luta pelo direito ao uso do nome social e pelo acesso a banheiros públicos.

Durante a atuação em entidades como o Grupo de Resistência Asa Branca, a fundação da Associação de Travestis do Ceará, e a indicação para a atuação na Articulação Nacional de Travestis e Transexuais e na Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Janaína lutava por temas que ainda estão longe de serem atendidos em sua totalidade, como o acesso à alteração do registro civil; acesso a técnicas de intervenção corporal pelo Sistema Único de Saúde; despatologização da transexualidade; combate à violência e à transfobia; inserção da temática da diversidade sexual nas escolas; políticas públicas de capacitação profissional e inserção de travestis no mercado de trabalho; cotas específicas para travestis em concursos e universidades; e linhas de crédito para empresários que empregassem travestis.

A conclusão de Juciana Sampaio remete à simbologia que envolve a produção de imagens positivadas, pois a participação de Janaína em eventos e diversas atividades em que ela representava a militante, politicamente envolvida com atividades que buscavam a profissionalização de travestis e o acesso destas a programas de saúde pública, juntamente com o trabalho em projetos, associações e órgãos públicos, quebrava a expectativa de que travestis só tinham espaço dentro da prostituição. Além disso, é destacada a relevância do contexto em que Janaína aparece, o final dos anos de 1990 e início dos anos 2000, período de consolidação de uma rede de organismos envolvidos na luta por direitos das travestis e transexuais.

Embora questione o discurso mobilizado por Janaína que identificava a atuação de travestis na prostituição como um problema, Sampaio reconhece que a contribuição que ela buscava, com a divulgação destes discursos, era a separação entre o termo prostituição e travestis. Nesse sentido, a intensa reprodução do título de primeira travesti advogada do Brasil colabora com a produção da travesti como sujeito que rompe com a designação de abjeto que a sociedade brasileira costuma atribuir a elas. Embora, recentemente, consigamos identificar travestis aprovadas em cursos de graduação e pós-graduação, no final dos anos 1990, encontrar uma travesti inserida no campo do Direito, com registro na Ordem dos Advogados do Brasil era algo inesperado. Nesse cenário, Janaína Dutra foi envolvida pelo sentido de representatividade que é associado a pioneiras como Jovanna Baby, pioneira no movimento social de travestis e transexuais; Katia Tapety, primeira vereadora travesti do Brasil; e Luma Andrade, reconhecida como a primeira travesti a obter um título de doutorado no Brasil, entre muitas outras.

Janaína foi um sujeito atravessado pela sua época, pelo contexto em que esteve inserida. Ela teve sua experiência marcada pelo afastamento da noção de inteligibilidade do gênero, nomeando sua subjetividade pela categoria de travesti, não porque entendia que aquela era sua essência, mas porque entendia como uma experiência que dizia algo sobre si. Longe de encarar a identidade travesti como um dado, Janaína a acionava, chegando a assumi-la estrategicamente. Isso a levou a estabelecer uma constante negociação com os outros, consigo mesma, com as instituições que a cercaram (SAMPAIO, 2020, p. 487).

Ao registrar os elementos que intermediam a negociação estabelecida por Janaína Dutra, Sampaio nos fornece um rico documento para pensarmos os processos de negociação/construção do gênero na produção de sujeitos e de identidades como instrumento político, acionadas para a conquista de direitos e consequente melhoria das condições de vida, sobretudo, para um segmento da população que segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, no Brasil, tem uma expectativa de vida média de 35 anos, o que significa menos da metade da expectativa média da população brasileira (Bruna BENEVIDES; Sayonara NOGUEIRA, 2021).

Referências

SAMPAIO, Juciana Oliveira. Do Glamour à Política: Janaína Dutra em meandros heteronormativos Jundiaí: EDUFMA; Paco Editorial, 2020.

BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim (Orgs.). Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020 São Paulo: Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2021. Disponível em Disponível em https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf Acesso em 01/06/2021.

» https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf


Resenhista

Renato Kerly Marques Silva – Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Literatura, Florianópolis, SC, E-mail: ppglitufsc@gmail.com http://orcid.org/0000-0003-2250-929X


Referências desta Resenha

SAMPAIO, Juciana Oliveira. Do Glamour à Política: Janaína Dutra em meandros heteronormativos. Jundiaí: EDUFMA; Paco Editorial, 2020. Resenha de: SILVA, Renato Kerly Marques. Janaína Dutra, primeira travesti advogada do Brasil. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v. 30, n. 2, e84160, 2022. Acessar publicação original [DR]

Dimensiones del conflicto: resistencia, violencia y policía en el mundo urbano | Tomás A. Mantecón Movellán, Marina Torres Arce e Susana Truchuelo García

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Detalhe de capa de Dimensiones del conflicto: resistencia, violencia y policía en el mundo urbano

1Hace ya unas décadas la renovación de la historia del conflicto urbano fue contemporánea a la de la integración de personas y grupos, a la del desarrollo de mecanismos disciplinarios o la de la reacción de las sociedades y de quienes integraban las instituciones contra las fuerzas políticas dominantes. La perspectiva desde la que se podían enfocar en el final del siglo XX estos procesos era diversa y también lo fueron sus raíces historiográficas e intelectuales (más allá de la cita, más o menos rutinaria y cansina, a Foucault o Bourdieu), pero lo cierto es que sí había un intento de ligar dichas dinámicas a una comprensión global de un mundo social y político moderno que se empezaba a percibir como menos mecánico de lo que se había pensado. Un celebrado texto de 2006 de Xavier Gil Pujol1 mostraba cómo precisamente el estudio de la indisciplina había abandonado el recurso de ser la panacea para identificar movimientos sociales y se había convertido en un eficaz instrumento para evaluar dinámicas sociopolíticas muy complejas en la que los actores se adaptaban y negociaban su posición recurriendo en parte, pero sólo en parte, a una violencia explícita que en general se combinaba con otras formas de una negociación que no tenía que conllevar un consenso estable, ni fundarse en una simetría entre las partes; pero que, no por esos límites, dejaba de aunar voluntades y de generar o regenerar las bases sociales sobre las que se asentaba la dominación. Así pues, si el conflicto era muchas cosas, tiene múltiples representaciones y era apropiado por vías diversas, era bueno ubicarlo en la etiología misma de la práctica social y política, pero hacerlo de forma no unitaria, sino plural, lo que llamaba a la necesidad de diversificar las aproximaciones y comprender mejor sus ámbitos, sus implicaciones culturales y a sus protagonistas. Y este libro responde a todo ello. Leia Mais

The Return of Cultural Heritage to Latin America: Nationalism, policy, and politics in Colombia, Mexico and Peru | Pierre Losson

Pierre Losson Imagem Twitter
Pierre Losson | Imagem: Twitter

El estudio que nos presenta Pierre Losson sobre la lucha por la devolución de patrimonio cultural de las naciones mexicana, colombiana y peruana y su intersección con el nacionalismo es más que estimulante. Esta obra de más de 200 páginas tiene como principal objetivo analizar tres casos de estudio correspondientes a las tres naciones y analizar su intersección con el discurso nacionalista, y cómo este se crea y transforma, la creación y expansión de la política cultural estatal e investigar quienes son los actores que reclaman y bajo que coordenadas lo hacen. Igualmente, cuenta con distintos apartados en los que se analiza las tensiones entre los reclamadores y el actor que tiene que ceder el patrimonio, así como las tensiones legales que se dan y las discusiones sobre si es mejor que el artefacto se quede en el lugar en el que estaba, en una tercera nación que, bajo distintas formas, lo expolió, para asegurar su conservación, o la devuelta al país o estado en el que tuvo su origen, a pesar de la peligrosidad que pueda suponer para su conservación. Leia Mais

América Latina no século XIX: cultura, política e sociedade | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2022

Vivemos um tempo em que as inquietações e demandas do presente parecem nos consumir, ou mesmo, nos devorar. Enfrentamos a maior pandemia dos últimos cem anos, aliada a um quadro de crise política em que imperam ameaças antidemocráticas e que está marcado por um crescente processo de destruição ambiental, pelo aumento visível da miséria e das desigualdades, pelos ataques constantes aos debates sobre as questões de gênero e pelo desmonte do investimento público em áreas tão fundamentais como a saúde, a educação, a cultura, a ciência e a tecnologia. Assim, voltar-se para o século XIX latinoamericano seria, então, algo demasiadamente distante e pouco atrativo?

A História, entretanto, nos ajuda a refletir com mais pertinência sobre esse presente por vezes tão complexo e incompreensível. Mesmo não sendo necessariamente a “mestra da vida”, como defendia o célebre orador romano Cícero, a História caminha conosco, de mãos dadas, nos apontando uma série de caminhos perigosos já percorridos por muitos que nos precederam, mas deixando também evidente que é possível ter esperança e seguir alentando alguma utopia. Quem estuda História sabe que ela é prenhe de rupturas, mudanças e transformações, mesmo que estas se deem, como dissera Marx em um de seus textos mais inspirados, não da maneira como querem os indivíduos. Não por acaso, é sempre vista com desconfiança pelos defensores do status quo e, mais que isso, como um perigo para os que acalentam projetos autoritários. Leia Mais

Dancing with the revolution: Power, Politics, and Privilege in Cuba | Elizabeth Schwall

Nos últimos anos, historiadores e historiadoras dedicadas à História de Cuba têm analisado a Revolução, iniciada em 1959, para além de paradigmas predominantemente econômicos e políticos. Essa corrente historiográfica, defensora do estudo da “Revolução a partir de dentro” (BUSTAMANTE; LAMBE, 2019), tem abarcado uma série de temáticas ligadas às políticas culturais, ao papel de marcadores sociais da diferença e do cotidiano para entender a história do país após a ascensão do Movimento 26 de julho ao poder. Entre as obras que se enquadram nesta perspectiva está Dancing with the Revolution: power, policts and privilegie in Cuba, da historiadora Elizabeth B. Schwall.

Lançado em 2021, o livro é um dos novos volumes da coleção Envisioning Cuba (The University of North Carolina Press), sendo resultado da tese de doutorado em História da autora, defendida na Columbia University. Docente da Northern Arizona University, Schwall é especialista nas relações entre arte e revolução e possui, para além de vasta produção, a experiência como dançarina, o que lhe permite um olhar sensível ao tomar como objeto de análise o balé, a dança folclórica e a dança moderna em Cuba ao longo do século XX. A partir de uma perspectiva historiográfica, que transita entre a História Social e a Cultural, a autora analisa de que forma os três estilos de dança foram mobilizados entre os anos 1930 e 1990 por sujeitos, pelo Estado e pela sociedade cubana. Leia Mais

Zona de promesas. Cinco discusiones fundamentales entre los feminismos y la política | Florencia Angilletta

Florencia Angilletta
Florencia Angilletta | Foto: Marcelo Arias/LPO

 | “‘Gender’ is about asking historical questions;

It is not a programmatic or methodological treatise.” (Joan SCOTT, 2008, p. 1423).

Jacques Lacan y Simone de Beauvoir sostuvieron que La Mujer no existía. Para Julia Kristeva (1981, p. 30), el psicoanalista se refería a su inexistencia en tanto unidad mítica, no tan diferente de “una mujer no nace, se hace” (DE BEAUVOIR, 2005 [1949]), tesis amplia y profundamente retomada por feministas en el mundo. Podemos trasladar esta idea a que el Feminismo tampoco existe, cuyo “origen” suele ser situado en la Revolución Francesa. Esta ha sido una suerte de primera piedra en la construcción de – en términos de Griselda Pollock (2010) – un museo virtual feminista en donde la hermana ilustrada, bastarda decapitada, dedo en las llagas de la izquierda y olvido del progresismo ha elaborado sus propios documentos culturales. Zona de promesas. Cinco discusiones fundamentales entre los feminismos y la política (Florencia ANGILLETTA, 2021) es una revisión de estos documentos sobre un presente denominado cuarta ola feminista1, la última de la cronología de las olas2.

En la Argentina, la primera convocatoria del Ni Una Menos (NUM) inauguró una serie de acontecimientos que han sido englobados con este término, desde y sobre el cual ha habido una prolífica producción intelectual, en la que me permito incluir esta obra. Si bien, en el país sudamericano, el feminismo existió propiamente desde finales del siglo XIX, es difícil pensar otro momento que pueda equiparársele, puesto que, por primera vez, se ha convertido en “un significante disponible – y en disputa – de modo cada vez más masivo y masificado” (ANGILLETTA, 2021, p. 19). Fuente de sentidos y escenario de ríspidos y fecundos debates, una de las particularidades de aquella casa de las diferencias ha sido sustituir feminismo por feminismos. La autora reconoce que, aunque su mediatización expande sus condiciones de posibilidad, ésta va de la mano con el reto de su fetichización (ANGILLETTA, 2021, p. 77). Leia Mais

Plínio Salgado: Biografia Política (1895-1975) | João Fábio Bertonha

Joao Fabio Bertonha Imagem FacebookJornal Opcao

João Fábio Bertonha é um dos principais historiadores brasileiros especializado no estudo das experiências autoritárias no Brasil do século XX, especialmente no que se refere ao Integralismo Brasileiro. Seu último trabalho publicado, cuja presente resenha irá analisar, é a construção de um perfil biográfico do expoente máximo do Integralismo Brasileiro: Plínio Salgado. Apesar de associação imediata de Salgado com o Integralismo, Bertonha mostra ao leitor aspectos outros de sua trajetória. Além disso, traça paralelos importantes com o tempo no qual ele esteve inserido, o que ajuda a compreender melhor as transformações e escolhas feitas em diferentes momentos por Plínio Salgado ao longo de sua vida.

O livro foi divido em quatro partes, com 13 capítulos. Na primeira delas, composta por quatro capítulos, o autor se debruça no processo de formação de Plínio Salgado enquanto intelectual e sua inserção no mundo da política. A segunda parte, que vai dos capítulos 5 ao 8, focou na construção da AIB (Ação Integralista Brasileira) e a experiência de Salgado a frente do movimento até sua derrocada, após a tentativa frustrada de um golpe de Estado. Os capítulos 9, 10 e 11 compõe a terceira parte do livro e dizem respeito a fase de exílio de Plínio e sua família em Portugal; seu retorno ao Brasil após o fim do Estado Novo e seu retorno a vida política no período da redemocratização pós 1945. Por fim, a última parte do trabalho analisa o envolvimento de Salgado com o golpe de 1964 e com o governo ditatorial, seus últimos anos e a sobrevivência simbólica de Plínio Salgado. Leia Mais

La Confederación Argentina y sus subalternos: Integración estatal/ política y derechos en el Buenos Aires posindependiente (1820-1860) | Ricardo Salvatore

Elaborado como una síntesis de sus trabajos sobre el rosismo, este nuevo libro avanza sobre distintos sectores sociales: afroporteños, indígenas, mujeres y soldados unitarios. Para ello, el autor propone una reconstrucción de las experiencias de cada uno de estos grupos basada en literatura de la época, memorias y relatos, causas criminales y correspondencia, todas ellas leídas en clave subalterna. El resultado es un texto ameno que, a medida que organiza balances sobre aspectos ya conocidos del orden rosista, abre interrogantes sobre la relación de estos sujetos con el Estado. Leia Mais

La desmesura revolucionaria. Cultura y política en los orígenes del PARA | Martín Bergel

En los últimos años, la producción académica del historiador Martín Bergel, investigador del CONICET y docente de la Universidad Nacional de San Martín, se concentró en una particular mirada sobre protagonistas latinoamericanos. En ella, y sin que implique una contradicción con esa idea de concentración, se articularon de modo heterogéneo y amplio textos sobre la recepción de hechos o problemáticas internacionales, la circulación de ideas por los países del sur de América, las percepciones en América Latina de fenómenos extra o intrarregionales. Estos temas hicieron juego con su producción previa sobre el orientalismo y el tercermundismo, convergiendo en un cruce de prensa periódica y revistas culturales, intelectuales y políticos, donde términos como revolución, populismo, latinoamericanismo aparecieron en sitios clave y donde el caso de la peruana Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA) tuvo un lugar destacado. Leia Mais

Católicos y política en América Latina antes de la democracia cristiana, 1880-1950 | M. O. Castro

El libro que nos ofrecen Martín Castro y Diego Mauro constituye un aporte para pensar la relación entre catolicismo y política en América Latina, durante las últimas décadas del siglo XIX y la primera mitad del siglo XX, en clave transnacional a través de la compilación de contribuciones de estudiosos de Argentina, Chile, Uruguay, Colombia y Brasil. En efecto, se trata del producto de un esfuerzo colectivo que se concibió en el marco de diversos encuentros académicos destinados a reflexionar sobre aquella problemática capaz de suscitar un interés creciente en la historiografía. La obra se compone de un capítulo introductorio y ocho capítulos destinados al análisis de los casos nacionales con el objetivo de captar no solo las rupturas sino también las continuidades en las expresiones políticas del catolicismo, y, finalmente, a modo de epílogo, se presenta un capítulo que reflexiona sobre la originalidad historiográfica del caso latinoamericano.

En el capítulo introductorio los compiladores ofrecen una visión de conjunto trazando una propuesta historiográfica sobre el catolicismo político que dialoga tanto con la historiografía latinoamericana como con la europea. Se busca ofrecer así una perspectiva transnacional y comparada acerca de la construcción de partidos confesionales y la experimentación de propuestas políticas de signo católico que procuraron, en un principio, defender los derechos de la Iglesia en un contexto de secularización y laicización y, luego, durante el período de entreguerras, moldear la organización de las comunidades políticas bajo el ideal de un orden social cristiano. Leia Mais

Viaggi coloniali. Politica/letteratura e tecnologia in movimento tra Ottocento e Novecento | Mario Coglitore

Il percorso scientifico – e letterario sarebbe opportuno aggiungere – di Mario Coglitore si arricchisce ulteriormente con una ampia ricognizione sul mondo coloniale. Viaggi coloniali, politica, letteratura e tecnologia in movimento tra Ottocento e Novecento, che fin dal titolo fa riferimento ad una pluralità di aspetti che contraddistinsero l’epoca dell’imperialismo e che risultano necessari per comprenderla, ci conduce in un avvincente cuore di tenebra1. Scandito secondo i movimenti musicali, il libro ha la capacità di farsi leggere a più livelli: lo studioso come il lettore comune trovano una materia di grande interesse per affrontare quel viaggio al termine della notte che fu il colonialismo2. I tre atti dell’opera di Coglitore costituiscono altrettanti assaggi narrati per il piacere di chi sfoglia queste pagine, costruiti in un ordine studiato che corrisponde alla visione dell’autore: dalla storia dell’irlandese Roger Casement, che non esitò a denunciare con crudezza lo sfruttamento dei lavoratori sudamericani ed africani da parte delle grandi imprese occidentali, al ben noto romanziere Emilio Salgari e all’immagine che offrì del mondo coloniale estremo-orientale senza mai muoversi di casa, ma occupando egualmente un significativo spazio simbolico, analogo in questo ad un personaggio come Jules Verne; fino alla sanguinosa storia della realizzazione da parte dei colonizzatori francesi della linea ferroviaria Congo-Oceano, esempio truce di quanto poco contassero le vite dei locali nella mente dei dominatori coloniali spesso fra loro in competizione rispetto al commercio di materie prime. Coglitore non fa sconti ai protagonisti del sistema coloniale del tempo, che presenta sotto le vesti di barbarie, in linea del resto con la vasta prevalente storiografia del settore. Collocandosi nel filone aperto in pratica ormai quarant’anni fa dal celebre libro di Edward Said, Orientalism, Viaggi coloniali passa con disinvoltura da un argomento all’altro, seguendo un filo ermeneutico ben teso dall’autore3. Forte di una propria cifra stilistica e capace di offrire un terreno di incontro di più generi e aree di ricerca con un’impostazione comune alle varie parti, Coglitore destruttura i tre capitoli del libro per ricomporli poi all’interno di un quadro assai mosso in cui combina il concetto di mobilità, reale o immaginaria, con la letteratura e con l’uso della tecnologia, ridisegnando il mondo sulla base di spazi di sfruttamento economico e sociale appartenenti all’universo culturale occidentale.

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Construyendo un reino de este mundo. Ensayo histórico sobre clericalismo y política en Chile | Ana María Stuven, Vasco Castillo

En las últimas décadas los escándalos por abusos sexuales han impactado fuertemente al mundo de la Iglesia Católica no solo en Chile, sino a nivel global. Dentro de las diversas explicaciones que se han movilizado para entender este fenómeno, que van desde las dimensiones patológicas de quienes asumen el sacerdocio, hasta el impacto de prácticas como el celibato en la sexualidad de los curas, una que proporciona uno de los marcos analíticos más sólido es aquella que vincula esta serie de abusos con la representación simbólica del sacerdote como una figura de autoridad y superioridad ante la comunidad; figura, además, perteneciente a una estructura de poder eclesiástica que contribuye a la impunidad de las malas prácticas, debido a su secretismo y ausencia de escrutinio público. Ambas dimensiones suelen ir de la mano y potencian una desviación de la vida religiosa de acuerdo con los estándares bíblicos, que se conceptualiza como “clericalismo”. Este concepto, clave a lo largo del texto que presenta la historiadora Ana María Stuven y el politólogo Vasco Castillo, es presentado -siguiendo la definición proporcionada por el Papa Francisco- como “una manera desviada de concebir la autoridad de la Iglesia”, caracterizada por la autopercepción sacerdotal de que, en virtud de su ordenación, poseen superioridad en el seno de la comunidad. Leia Mais

Carnaval e Política: o Ilê Aiyê e a reinvenção da África | Niyi Afolabi

Vinte e dois anos atrás, escrevi para o n. 24 da Afro-Ásia uma resenha sobre o livro de Michel Agier, Anthropologie du Carnaval, uma contribuição substancial sobre o Ilê Aiyê, o bloco afro de Salvador que, ao longo dessas quatro décadas e meia, vem recebendo mais atenção de pesquisadores, jornalistas e cronistas.1 Provavelmente, trata-se do grupo de exaltação à Negritude que mais atrai os acadêmicos, bem como o Afoxé Filhos de Gandhy e as casas de Candomblé mais famosas, como o Gantois, a Casa Branca e o Axé Opô Afonjá. Leia Mais

De que lado você samba? Raça/ política e ciência na Bahia do pós-abolição | Gabriela dos Reis Sampaio, Wlamyra Ribeiro de Albuquerque

Os historiadores da escravidão no Brasil têm feito milagres com os documentos dos períodos colonial e imperial para escrever uma valiosa história dos escravizados. Está menos estabelecida, contudo, a questão sobre o que aconteceu com esses mesmos indivíduos com o advento da abolição e, especialmente, com o advento da República. E a natureza ambígua da Primeira República no Brasil ― imposta por um golpe militar contra uma monarquia que presidira a abolição ― torna a realidade dessa transição política ainda mais ambivalente. De que maneira os ideais republicanos abriram espaço para garantir direitos e autonomia aos negros, e de que maneira os mesmos ideais foram usados para impor a continuidade e o controle? Gabriela dos Reis Sampaio e Wlamyra Ribeiro de Albuquerque examinam ambos os lados desse debate para concluir que os primeiros anos da era republicana trouxeram tanto novos espaços como novos controles para a população negra; mas a análise elegante das autoras imprime uma ênfase decisiva no último aspecto e expõe as atitudes repressivas das elites republicanas para manter suas posições no topo das hierarquias racial e política. Conforme elas escrevem com eloquência, Leia Mais

Politics as a Science: A Prolegomenon | Phillipe C. Schmitter, Marc Blecher

Distinct methodological approaches to studying political phenomena are at the core of the growing discussion in Political Science as a discipline, despite this debate dating back decades (GOODIN, 2011). Schmitter and Blecher summarize this topic in “Politics as a Science: A Prolegomenon” in the first of seven chapters of the book. To infer is a huge challenge due to the complexity of politics. How can we measure power? There is no single answer to this question. There are many ways to achieve this goal. The authors argue that one method to solve questions such as this is to analyze the rules’ functions and the practices of human social life. Leia Mais

Todos estos años de gente: Historia Social, protesta y política en América Latina | Andrea Andujar e Ernesto Bohoslavsky

Andrea Andujar e Ernesto Bohoslavsky
Andrea Andujar e Ernesto Bohoslavsky |Fotos: Juan Pablo nchez Noli y Sabrina García/Industrias de Lamemoria e Ana D’angelo/Pagina12

A recente publicação em língua espanhola do livro Todos estos años de gente: historia social, protesta y política en América Latina (2020) nos convida a refletir sobre um campo historiográfico há muito referenciado em nossas academias, mas que segue em grande e profícuo movimento: a História Social e seus sujeitos. Organizado por Andrea Andujar e Ernesto Bohoslavsky, o livro reúne renomados historiadores com diferentes abordagens, temáticas e teóricas, provocados pelas indagações sugeridas na mesa redonda La historia y la protesta en América Latina, que integrou a segunda edição do Congreso Internacional de la Asociación Latinoamericana e Ibérica de Historia Social – ALIHS. O encontro ocorrido em 2017, na cidade de Buenos Aires, aparece agora sob uma proposta atenta aos debates historiográficos que, perfilados pela diversidade latino-americana, convoca-nos a pensar as intersecções entre os movimentos sociais e aqueles que os estudam, com especial ênfase na relação humana experienciada no tempo. Os historiadores Andujar e Bohoslavsky, que lançaram seu livro pela Editorial Universidad Nacional General Sarmiento, convocam para o palco principal do debate o fio invisível que conecta as escolhas individuais e as coletivas envolvidas na história dos protestos, resultando num belo exercício crítico sobre memória e ação política. Leia Mais

Psiquiatria e Política: o jaleco/a farda e o paletó de Antonio Carlos Pacheco e Silva | Gustavo Queródia Tarelow

O Texto A obra é o resultado da pesquisa de doutoramento do historiador Gustavo Queródia Tarelow, que atualmente, desenvolve estudos no setor educativo do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da USP e também é autor da obra “Entre comas, febres e convulsões: os tratamentos de choque no Hospital do Juquery (1923- 1937)”, pela Editora UFABC, 2013.

Na obra resenhada, Tarelow se dedica a analisar a trajetória acadêmica, profissional e política de Antonio Carlos Pacheco e Silva, procurando problematizar seu legado, analisando suas subjetividades dentro do contexto histórico em que ele estava inserido. Desta maneira, o autor deixa claro que não é objetivo do livro a produção de uma biografia de análise memorialística – como fizeram outras biografias dedicadas a exaltar suas contribuições profissionais, retratando-o como um grande psiquiatra e ilustre político – mas compreender como seu posicionamento político- ideológico esteve presente em sua prática como médico, professor e dirigente de instituições hospitalares. Leia Mais

Análise de Discurso Crítica e Comunicação: percursos teórico e pragmático de discurso, mídia e política | Laerte Magalhães

MAGALHAES Laerte
Laerte Magalhães | Imagem: MeioNorte.com

MAGALHAES Analise de discursoO livro Análise de discurso crítica e comunicação: percursos teórico e pragmático de discurso, mídia e política, organizado por Laerte Magalhães, é fruto das experiências desenvolvidas e discutidas no I Encontro Nacional – Discurso, Identidade e Subjetividade (I ENDIS), realizado de 27 a 29 de abril de 2016 na Universidade Federal do Piauí. O evento foi promovido pelo Núcleo de Pesquisa em Estratégias de Comunicação (NEPEC) através do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) / UFPI com o intuito debater sobre os conceitos de Língua, linguagem, discurso.

A obra publicada em 2019 possui 246 páginas e traz textos produzidos por conferencistas que participaram do evento com diversas temáticas do âmbito da comunicação midiática e embasadas na Análise do Discurso Crítica (ADC). Cada texto corresponde a um capítulo, sendo assim, o livro é composto de 5 capítulos escritos pelos seguintes pesquisadores: Izabel Magalhães (UFC/UnB/CNPq), Viviane Vieira (UnB), Expedito Wellington Chaves Costa (IFCE), Michelly Santos de Carvalho (UESPI/FAR), Francisco Laerte Juvêncio Magalhães (UFPI), Viviane de Melo Resende (UnB/CNPq) e Rosimeire Barboza da Silva (UnC-PT). A coletânea objetiva estimular o debate acadêmico científico entre pesquisadores, alunos e profissionais da comunicação, letras e áreas afins. Leia Mais

Colombia: Historia/ Educación y Política. Miradas Múltiples | Luis Alarcón Meneses

El libro que se reseña a continuación es el resultado de los distintos ejercicios de investigación que se desarrollan dentro del Grupo de Investigaciones Históricas en Educación e Identidad Nacional, liderado por Luis Alarcón Meneses. En el texto, se abordan una diversidad de temáticas de actual discusión historiográfica en Colombia y América Latina, como es el caso de la revaloración de algunos temas asociados a la educación, la justicia, la política, la violencia y lo religioso desde principios del siglo XVI. Leia Mais

Política y sociedad en Salta y el norte Argentino/ 1780-1850 | Marcelo Daniel Marchionni

El lector que recorra las páginas de Política y Sociedad en Salta… conocerá los cambios y continuidades en los entramados políticos introducidos por las reformas borbónicas y el proceso revolucionario y podrá entender cómo se conformó la provincia de Salta. Marcelo Marchionni plantea como hipótesis central que en las primeras décadas del siglo XIX -por lo menos hasta la separación de Jujuy en 1834- no existió una entidad provincial unificada en Salta, y que en el proceso de construirse como tal tuvo que articular un conglomerado de ciudades y territorios que declamaban su soberanía. De esta manera, el accionar de los grupos que componen la elite, y los proyectos políticos que emanan de ella, deben ser comprendidos dentro de este contexto. Leia Mais

Guerras de papel: comunicação escrita, política e comércio na monarquia ultramarina portuguesa | Romulo Valle Salvino

O livro de Romulo Valle Salvino, adaptação de sua tese de doutorado (SALVINO, 2018), se propõe a analisar a história de um projeto fracassado: a tentativa de atuação de representantes do Correio-mor na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII. As guerras de papel, aludidas no título, se referem aos dissensos e disputas, políticas e judiciais, travadas em diferentes instâncias da monarquia portuguesa pelos grupos e indivíduos envolvidos nesse processo que se estendeu entre meados de 1650 até, aproximadamente, 1750.

A abordagem se estrutura ao redor de três eixos principais, com envergaduras cronológicas distintas e naturezas específicas. Primeiro, o deslocamento de uma concepção jurisdicionalista do poder e da administração da economia para uma economia política. Em segundo lugar, o ofício de Correio-mor é tomado como um indício da lógica patrimonial de gestão administrativa da monarquia que passa a receber profundas críticas. Por fim, o terceiro eixo consiste nas estratégias específicas das coletividades e agentes engajados na instalação, ou oposição, do Correio-mor nos domínios portugueses na América completando, assim, a unidade de análise esboçada pelo autor. Leia Mais

Disputas monumentales. Escultura y política en el Centenario de la Independencia (Bogotá/1910) | Carolina Venegas

En el 2019 se conmemoró el bicentenario de la batalla de Boyacá (7 de agosto de 1819). El mismo año el Instituto Distrital de Patrimonio Cultural (IDPC) publicó un libro en el cual se examina, precisamente, el fenómeno social de las conmemoraciones. La obra de Carolina Vanegas1 aborda las disputas políticas y estéticas en torno a la representación del pasado durante el primer Centenario del grito de Independencia (1910), a través de un juicioso análisis de los monumentos emplazados en el espacio público bogotano con motivo de dicho festejo. De acuerdo con Mauricio Uribe2 , director del IDPC, la aparición del libro va de la mano con

Las acciones que la entidad adelanta a favor de la adopción, recuperación y conservación de las esculturas de Bogotá, pero especialmente de su entendimiento y apropiación por parte de la ciudadanía, todo esto en el marco de las celebraciones del bicentenario en la ciudad (p. 11). Leia Mais

Atrapados por la Imagen. Arte y política en la cultura impresa argentina | Laura Malosetti Costa

Los siglos XIX y XX han presenciado, como nunca antes en nuestra historia, coyunturas y continuidades, cambios tecnológicos, científicos y políticos. Nuestro país no fue la excepción. Laura Malosetti Costa y Marcela Gené, a través de la compilación de numerosos artículos de divulgación científica sobre arte, comunicación, diseño y política, nos invitan a un diálogo histórico a través de la cultura visual impresa en Argentina.

En palabras de las autoras “hay una línea de reflexión en común que reúne a estos textos, articulando arte, tecnología y política en relación con los artefactos impresos. Qué lugares ocuparon las imágenes en la vida política a partir de su presencia en publicaciones partidarias tanto como humorísticas o de formato magazine, cómo operaron en las transformaciones sociales, de qué modos las manifestaciones artísticas se vieron transformadas, impulsadas y multiplicadas por las revistas para llegar a un público cada vez más amplio”. Leia Mais

Todos estos años de gente. Historia social, protesta y política en América Latina | Andrea Andújar e Ernesto Bohoslavsky

La relación entre pasado y presente es inherente a la disciplina histórica desde sus inicios. En América Latina, y antes en Europa, el proceso de profesionalización e institucionalización de la historia fue, en gran medida, impulsado y modelado por las necesidades de su presente. Las aspiraciones de cientificidad fueron indisociables de los usos políticos, especialmente los vinculados a contribuir a la consolidación de los Estados y las identidades nacionales. A lo largo del tiempo esa tensión inherente a la disciplina se resignificó en múltiples sentidos y direcciones. Así, en el espacio latinoamericano, la privilegiada interlocución de la historia profesional con el Estado fue complejizándose al calor de las protestas y demandas de diversos actores colectivos, principalmente desde el último cuarto del siglo XX. Las reivindicaciones por derechos impulsadas por las luchas feministas, los pueblos originarios, los homosexuales o el movimiento negro interpelaron de diversa forma a la comunidad de historiadores. Los vasos comunicantes fueron complejos, fluctuantes y, a veces, esquivos. Este nudo de preocupaciones en el cual pasado y presente se atan, solapan y retroalimentan es el que articula los textos que Andrea Andújar y Ernesto Bohoslavsky reunieron en Todos esos años de gente. Leia Mais

Cultura y violencia: hacia una ética social del reconocimiento | Myriam Jimeno

Filosofia e Historia da Biologia 17
Myriam Jimeno (terceira, da esquerda à direita) | Foto: Agência de Notícias UNAL |

SCOTT The common wind 21Una reseña tradicional suele parecerse a un resumen analítico de la obra  en cuestión. Para el caso, aquí se referiría a la compilación de catorce artículos  sobre la violencia escritos por Myriam Jimeno entre 1996 y 2015. Los artículos  están organizados en cuatro partes que incluyen, cada una, aspectos sobre la  relación entre violencia, cultura, política y emociones. Si bien en el prólogo  Joanne Rappaport recomienda leer los artículos en orden cronológico y tomar el  concepto “configuración emotiva” para evidenciar cómo la autora fue evolucionando en su investigación, esta recomendación de la prologuista también tiene  intención pedagógica: mostrarles a los estudiantes que “la investigación es algo  que se desarrolla a través del tiempo y que nunca es algo aislado y puntual” (p. 8).

En lo metodológico, se destacan dos consideraciones, una inductiva y otra  deductiva. Sobre la primera, Jimeno subraya que la compilación de artículos  retoma la tradición antropológica de entender los fenómenos sociales a partir  de la comprensión que sobre ellos tienen los propios actores sociales. Luego de  tamizar estos relatos un investigador haría evidentes las regularidades detectadas. En la deductiva, se identifican algunos trabajos que han procurado relacionar el análisis sobre subjetividad y violencia con los macroprocesos políticos  o históricos. En este mismo enfoque se ubican los artículos de la tercera parte,  destacando entre ellos uno sobre el partido radical del siglo xix . Leia Mais

Lenguaje y política. Conceptos claves en el Río de la Plata (1780-1870) | Noemí Goldman

En diálogo con su labor sobre la historia conceptual rioplatense en el marco del proyecto Iberconceptos, que ha resultado central para los estudios comparados del siglo XIX hispanoamericano, el equipo de investigación dirigido por Noemí Goldman ha publicado recientemente Lenguaje y Política. Conceptos claves en el Río de la Plata (1780-1870). Esta compilación profundiza el trabajo que el grupo realizó sobre un conjunto de conceptos centrales en la vida pública del Río de la Plata en ese periodo en Lenguaje y Revolución (también editado por Prometeo en 2008). A través del análisis del uso de esa serie de conceptos y el contexto en que se ubicaban, las dos obras han revisado la tradicional dicotomía tradición/modernidad, evidenciando la apropiación selectiva por los actores de los términos coexistentes de naturaleza diversa. Leia Mais

Variaciones de la república. La política en la Argentina del siglo XIX | Hilda Sabato, Marcela Ternavasio

No dudo en calificar el libro que han coordinado Hilda y Marcela como un libro indispensable. Y lo hago por un doble motivo: es indispensable para sus colegas – a mi personalmente me ha abierto nuevos caminos para seguir pensando e investigando- y también es indispensable para todos aquellos que se internen en el fascinante territorio de la praxis republicana. Y añadiría –lo digo con un énfasis semejante al de las coordinadoras- un territorio durante aquel siglo en el que la Argentina se formó con temperamento republicano. Un siglo en fin -esta es una opinión discutible pero que comparto- de ascenso histórico. Leia Mais

El Liceo. Relato, memoria, política | Sol Serrano

En su obra “El liceo. Relato, memoria, política Sol Serrano elabora un ensayo en el que aborda el tema del liceo chileno entre los años 1930 y 1960, desde la perspectiva de su carácter público y de la conciencia histórica que formó en toda una generación de alumnos que se sintieron protagonistas de la historia de Chile. A partir de la voz de liceos concretos y los actores que lo compusieron, la autora desarrolla el aura con que se ha rodeado su historia. La obra dialoga con los mitos de una época dorada de la educación chilena en el siglo XX: por una parte, rechaza la idea de que el liceo fue un espacio de construcción de igualdad social y, por otra, valida con firmes sustentos históricos que el liceo fue un eje fundamental en la construcción de la nación durante las décadas de 1930- 1960.

La obra se estructura de manera sencilla, con una introducción en la que se recogen los temas y objetivos principales a tratar y dos capítulos en los que se desarrollan los conceptos de relato, memoria e identidad de uno de los actores más relevantes de la historia de la educación chilena. Para la autora, además de centros educacionales, los liceos en Chile constituyeron un espacio sociabilidad; de tradición y a la vez de transformación, donde se gestó un proyecto de sociedad y se construyó la conciencia histórica de la nación. Leia Mais

La cultura giuridica dell’antica Grecia. Legge/politica/giustizia | Emanuele Stolfi

La cultura giuridica dell’antica Grecia è un libro portatore di novità nel vasto panorama di studi sul diritto greco. Esso si inserisce, infatti, come voce nuova all’interno di un dibattito assai vivo e produttivo, il quale, soprattutto a partire dagli anni Novanta del secolo scorso, ha portato ad un rinnovamento e ad un progressivo ampliamento delle prospettive e delle modalità di interpretazione dell’esperienza giuridica ellenica. In questo orizzonte, il contributo di Stolfi si presenta come l’esito maturo di una riflessione di ampio respiro, fondata sui temi e sui metodi della storia dei diritti antichi, ma che attinge anche a categorie storico-antropologiche. L’argomento e il taglio dell’opera sono visibili già nel titolo: studiare la cultura giuridica dei Greci implica lo scostamento da un esame di complessi normativi, istituti e procedure, per indagare l’esperienza giuridica della civiltà greca individuando le «forme di pensiero razionale» (p. 63) che l’hanno costituita.

Il volume si articola in dieci capitoli, preceduti da una breve ma importante Premessa (pp. 11-12), finalizzata all’illustrazione del senso di un lavoro che si caratterizza per la sua peculiarità entro la contemporanea letteratura di studi giuridici. Questa peculiarità risiede nella scelta, esplicitata da Stolfi, di percorrere una strada diversa rispetto a quella, ampiamente esplorata, di una «trattazione esaustiva» (p. 11) e manualistica delle leggi e degli istituti che fanno parte dell’esperienza giuridica greca, rivolgendosi, invece, alla «trama teorica» (ibidem) inerente alla legge e alla giustizia elaborata dalla civiltà greca e della quale le testimonianze letterarie sono espressione. L’Autore propone, infatti, «un itinerario […] attorno alle peculiarità del lessico, dell’immaginario concettuale e dei grandi quesiti che, dalle società omeriche sino all’avvento macedone, possiamo individuare in relazione al diritto» (p. 11): lo studio viene svolto a partire dall’analisi delle occorrenze e dei significati assunti dai termini afferenti la vita giuridica, per approdare alla costruzione di una visione d’insieme, seppur complessa e problematica. Centro dell’indagine non è il volto tecnico e procedurale del diritto, ma «il nesso con la dimensione politica e le forme mentali proprie del contesto storico» (pp. 11-12), e dunque il pensiero sotteso ad esso – che è pensiero mitico, filosofico, religioso, politico, e che costituisce il contenuto più puramente culturale del fenomeno giuridico greco. Leia Mais

La confederación argentina y sus subalternos: integración estatal, política y derechos en el Buenos Aires posindependiente (1820-1860) | Ricardo Salvatore

Diecisiete años después, especie de secuela de Paisanos itinerantes: Orden estatal y experiencia subalterna en Buenos Aires durante la era de Rosas, 1 Ricardo Salvatore nos propone reflexionar sobre la formación del Estado-nación en Argentina y las respuestas y experiencias de grupos subalternos a dicho proceso de naturaleza conflictiva. Centralizando su análisis en la provincia de Buenos Aires durante la era de Juan Manuel de Rosas, ya no son sólo objeto de estudio los peones de estancia y pequeños campesinos independientes, sino que versa en otros grupos: afro-porteños, pueblos indígenas, mujeres, unitarios comunes y vecinos rurales rebeldes. Al incorporar otros actores intenta entender mejor los múltiples entramados de poder y cómo fue la interacción particular de cada uno de ellos con las autoridades y una política estatal caracterizada por la ambivalencia entre coerción y persuasión. Familiarizando al lector con el tema de análisis, empieza rescatando y resumiendo los principales aportes de Paisanos itinerantes… Recuperando sus voces, acciones y memorias a partir del análisis de las filiaciones elaboradas por las autoridades militares reclutadoras, reconstruye la experiencia colectiva de peones y campesinos que formaron parte del ejército y las milicias de la provincia de Buenos Aires.

Poniendo énfasis en la cuestión militar procede describiendo los intentos del Estado rosista por controlar y ordenar la campaña. Identifica las formas de coerción y estímulos aplicados por el Estado en las unidades militares como también las estrategias de resistencia y de negociación que desarrollaron los subalternos. Entre ellas, la deserción y sus consecuentes acciones para no ser capturados, es decir, forjar una nueva identidad social y poder asentarse en una localidad. Dimensiona qué incidencia tuvo el servicio militar no sólo en la experiencia vivida sino también en nociones de pertenencia territorial e idea de nación que pudieron construir los soldados en sus participaciones bélicas en y fuera de la provincia. Esto le permite discutir con la historiografía tradicional hasta qué punto las autonomías provinciales fueron las principales protagonistas para modelar los sentidos de pertenencia de la población. Con los avances logrados puede desarrollar su concepto de “patriotismo condicional” y las formas de federalismo practicadas. Leia Mais

La Antigua Gobernación del Tucumán. Política, sociedad y cultura (s. XVI al XIX) | Guilhermo Nieva Ocampo, Ana Mónica González Fasani e Alejandro Nicolás Chiliguay

Esta obra fue publicada en 2020 con el patrocinio del “Instituto Universitario La Corte en Europa” (IULCE) de la Universidad Autónoma de Madrid y del Proyecto N° 2.354: “Agentes del gobierno en el mundo hispano. Microanálisis del poder monárquico (ss. XV-XVIII)” del Consejo de Investigación de la Universidad Nacional de Salta (CIUNSa). Su coordinación estuvo a cargo de Guillermo Nieva Ocampo (CONICET/Universidad Nacional de Salta), Ana Mónica González Fasani (Universidad Nacional del Sur) y Alejandro Nicolás Chiliguay (CONICET/Universidad Nacional de Salta). Además participan como autores: Juan Jiménez Castillo (Universidad Autónoma de Madrid), Adriana del Valle Báez (Universidad Nacional de Salta), Giovanni Zampar (Universidad Nacional de Salta), Daniela Alejandra Carrasco (Universidad del Salvador), Jezabel Borella (Universidad Nacional de Salta), Marcelo Correa (CONICET/Universidad Nacional de Salta), Javier Hipólito Villanueva (Universidad de los Andes), Bárbara Aramendi (CONICET/Universidad Nacional de Salta), Gabriela Lupiañez (Universidad Nacional de Tucumán), Gustavo Bazán (Universidad Nacional de Salta), Ana María Martínez de Sánchez (CIESC. CONICET/ Universidad Nacional de Córdoba), Silvano G. A. Benito Moya (CONICET/Universidad Nacional de Córdoba), María Luciana Llanpur (Universidad Nacional de Jujuy), Nora Siegrist (CONICET/ Pontificia Universidad Católica Argentina), Marisa Restiffo (Universidad Nacional de Córdoba), Leonardo Waisman (CONICET/ Universidad Nacional de Córdoba) y Cecilia Cornejo (Universidad Católica de Salta).

Según explican los coordinadores, el texto se pensó y diseñó con calidad y formato de “manual general” con la finalidad de proporcionar un relato histórico claro, simple y completo sobre la historia de la antigua Gobernación del Tucumán. Principalmente, su lectura está destinada a docentes de nivel medio, estudiantes universitarios y a todos aquellos lectores pertenecientes a un público interesado en esta temática. Leia Mais

Construyendo un reino de este mundo. Ensayo histórico sobre clericalismo y política en Chile | Ana María Stuven e Vasco Castillo

La escritura de ensayos por parte de historiadores e historiadoras, al menos en el medio nacional, suele ser un oficio tardío. Es perfectamente razonable que así sea: las décadas de investigación y escritura de artículos y libros monográficos parecen autorizar a que los historiadores, desde el terreno firme provisto por la experiencia, emprendan la escritura de textos más ligeros, arriesgados e íntimos. El ascenso en la carrera académica, que exige antes la redacción de artículos especializados que ensayos para el amplio público, puede explicar también esta natural demora1. A pesar de estas exigencias, renombrados historiadores e historiadoras han publicado sugerentes ensayos en los últimos años, reavivando una tradicional práctica historiográfica chilena.

Construyendo un reino de este mundo. Ensayo histórico sobre clericalismo y política en Chile se instala en esta tradición. Surge, según los autores, “de una inquietud vital que interpela la pertenencia a una religión” (p. 12). El desasosiego provino de la amplia difusión pública de los abusos sexuales realizados por sacerdotes en diversas partes del mundo y de las diversas estrategias empleadas por la institución de la cual eran parte para evitar los procesos de investigación y las sanciones pertinentes. Esta crisis se ha expresado en Chile con una profundidad particular, sobre todo considerando la notoriedad de algunos de los sacerdotes acusados. Leia Mais

La desmesura revolucionaria. Cultura y política en los orígenes del APRA | Martín Bergel

El libro de Martín Bergel La desmesura revolucionaria es un hito fundamental en la historiografía sobre el APRA y un aporte ineludible para la historia latinoamericana del período de entreguerras.

La obra, conformada por once ensayos, redescubre el movimiento político asociado al liderazgo de Víctor Raúl Haya de la Torre a partir de algunos desplazamientos respecto de abordajes anteriores sobre el tema. Las preocupaciones que lo recorren no buscan saldar discusiones sobre la “verdadera expresión del APRA”, o dictaminar sobre sus contribuciones a la política peruana, tal el registro predominante en numerosas obras previas, sino indagar en experiencias vinculadas con la construcción de una cultura política. El libro de Bergel aporta nuevas preguntas, hipótesis, fuentes, protagonistas y escenarios para indagar en las características singulares del aprismo. La originalidad del enfoque radica en las posibilidades que ofrece para revisitar la historia latinoamericana del período de entreguerras a través de los aportes de la historia intelectual y de la cultura impresa. Leia Mais

Historia y justicia. Cultura/ política y sociedad en el Río de la Plata (Siglos XVI-XIX) | Darío Barriera

Darío Barriera escribió un libro sobre historia y justicia de los siglos modernos en tierras extensamente rioplatenses, y lo hizo tanto desde la objetividad científica como desde la subjetividad del investigador; un lujo que no cualquiera puede darse, solo quien esté en condiciones de respaldar cada palabra expresada.

La objetividad científica no está definida por un tema sino por un método. Como si fuera un científico decimonónico, de aquellos que tomaban diferentes puntos de abordaje porque el parroquialismo disciplinar todavía no existía, Barriera no se limitó a un recorrido o a una sola trama epistemológica sino que puso a prueba su objeto de estudio, abordándolo desde todos los ángulos posibles, formulando preguntas, desde las más -aparentemente- sencillas a las historiográficamente más complejas. Complejas, porque están construidas por sucesivas capas aluvionales de indagaciones dialógicas, en las que cada pregunta o cada formulación está atada a numerosos debates, trucos y retrucos de decenas de discusiones entre académicos de diferentes tiempos y latitudes. Sencillas, en apariencia, porque utiliza palabras corrientes con figurada candidez –¿cuánto es lejos?, ¿cuánto es cerca?– para poner a los discursos frente a sus propias contradicciones o, mejor dicho, frente a sus móviles no explicitados. El poder nunca muestra sus arcanos. Leia Mais

¿Pactos de sumisión o actos de rebelión? – Rolf Foerster

FOERSTER, Rolf. ¿Pactos de sumisión o actos de rebelión?
Rolf Foerster (centro) e Camilo Rapu (direita) / twitter.com/rapucamilo/status.

FOERSTER R Pactos de sumision o actos de rebelionFOERSTER, Rolf. ¿Pactos de sumisión o actos de rebelión? Una aproximación histórica y antropológica a los mapuches de la costa de Arauco. Santiago de Chile: Pehuén Editores, 2018. Resenha de: GONZÁLEZ, Damián Gálvez. Estudios Atacameños, San Pedro de Atacama, n.65, set., 2020.

Varios años tuvieron que pasar para que este libro finalmente se volviera a publicar. En el intervalo, numerosas fueron las intervenciones en las que Foerster expuso un sólido trabajo intelectual respecto a la situación de los pueblos indígenas en Chile, colocando especial énfasis en las relaciones interculturales y en la problemática mapuche actual. Las funciones del parentesco, las organizaciones políticas, las luchas por el reconocimiento y el colonialismo del Estado chileno sobre los mapuche son los temas principales que le dan cuerpo a su programa de investigación, así como a este indispensable volumen que la editorial Pehuén ha hecho bien en publicar. Análisis, observación y convivencia con los mapuche lafkenche de la costa de Arauco grabados en una excelente reedición de su tesis de doctorado.

Los cruces entre antropología e historia son obligados en toda la lectura del libro. En ese gesto resalta la potencia de una tradición que se funda y se define en la profundidad del tiempo, entre la fragilidad del presente y la fragmentación del pasado. Probablemente, el núcleo de esta voluntad analítica se condense en la hipótesis de trabajo que propone el autor:

en primer lugar, se trata de una reflexión diacrónica que parte del supuesto que los actuales conflictos con el Estado nacional -que generan las demandas de reconocimiento por parte de los mapuche- están en una relación de continuidad con el pasado colonial y con la peculiar forma con que la sociedad indígena ha encarado el asunto del poder (p. 20).

En mi opinión, el mérito más importante de esta conjetura, clara y precisa en su formulación, es que aborda las “transformaciones y las continuidades históricas de la sociedad mapuche” (p. 26), y junto con ello, desvela procesos de largo aliento que tratan de explicar la dinámica política que ha desplegado el movimiento mapuche, en las diversas modalidades de su gama, para relacionarse con el poder estatal, las fuerzas del capital y la sociedad chilena en general.

El libro consta de cinco capítulos y de un prólogo firmado por Fernando Pairican. En el capítulo primero, el autor construye un argumento profusamente bien documentado en torno a la estructura social de los mapuche antes de mezclarse con la administración colonial española. Leamos el siguiente pasaje que ilustra con exactitud el sentido de este apartado. “Hemos configurado una imagen de la sociedad reche-mapuche, previa al contacto, que nos debería servir para lograr una mejor comprensión de lo que va a acontecer en el siglo XVI y XVII, cuando los reche se enfrentan por segunda vez a una sociedad con Estado” (p. 88). Podríamos decir que su análisis es, sobre todo, para explicar desde el pasado remoto las conexiones más actuales entre identidad, cultura y territorio.

Otro aspecto relevante del libro es el lúcido tratamiento historiográfico con el que Foerster describe las continuidades y rupturas que se dieron al interior de las comunidades mapuche lafkenche, antes y después de la construcción de una nueva comunidad política en forma de república. Respecto al objetivo general del capítulo segundo, Foerster dice:

Aquí el centro de nuestro interés es, por un lado, analizar la política hispana en el mundo mapuche con especial énfasis en la zona de Arauco, y por otro, ver cómo la sociedad reche reacciona vía la aculturación negativa. Se trata de observar el peso o solidez de sus reestructuraciones territoriales (los ayllarehue, el butalmapu) y el efecto especular del ‘pacto colonial’ como forma de poner fin a la guerra y al establecimiento de la frontera (p. 21).

La vida social y cultural mapuche se transformó de manera irreversible luego de la ocupación militar del Wallmapu en la segunda mitad del siglo XIX. Como lo muestra Foerster en el capítulo tercero, el proceso de colonización que impulsó el Estado-nación chileno produjo un quiebre en lo que atañe a las relaciones interétnicas que se habían cultivado durante el régimen colonial español.

Dos hechos grafican esta situación. En primer lugar, el abandono de una política de regulación de la frontera, es decir con esa suerte de pacto que se sellaba en los parlamentos, en las que intervenían tanto las autoridades hispano criollas como indígenas […]. En segundo lugar, se transitó de un reconocimiento del territorio indígena al sistema reduccional, que si bien entregó medio millón de hectáreas, prácticamente pulverizó la propiedad indígena en un amplio archipiélago a lo largo de la región de La Araucanía (p. 224).

He aquí otro elemento importante que permite visualizar el flujo de los cambios en la vasta frontera del sur y que culminará con la “subordinación de los mapuche al Estado chileno como campesinos” (p. 27).

A partir de un marco temporal que abarca casi todo el siglo pasado, en los capítulos cuarto y quinto Foerster profundiza en una constelación de temáticas destinadas a desvelar el mundo de las reducciones, la pérdida del territorio, la reforma agraria en la provincia de Arauco, las violaciones a los derechos humanos durante la dictadura cívico-militar, la expansión de las empresas forestales en un momento de globalización económica, los conflictos ambientales y las diferentes modalidades de acción colectiva que ha adoptado el movimiento mapuche una vez iniciada la transición a la democracia. Este último aspecto es significativo para abordar dos dimensiones que están profundamente conectadas. Por una parte, los procesos de articulación política que los mapuche lafkenche han desplegado para reivindicar su derecho al territorio y a la autodeterminación como pueblo autónomo. Y por otra, los alcances y las limitaciones del multiculturalismo y las políticas de reconocimiento en un contexto de hegemonía neoliberal.

¿Pactos de sumisión o actos de rebelión?, en definitiva, es un libro que merece ser leído con atención para poder comprender mejor una larga y compleja historia de conflictos no resueltos entre la sociedad mapuche y el poder estatal que siguen estando presentes en el Chile de hoy.

Damián Gálvez González – Lateinamerika Institut, Freie Universität Berlin, ALEMANIA. Email: dgalvezfu@zedat.fu-berlin.de. Centro de Estudios Interculturales e Indígenas (CIIR), Santiago, CHILE.

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Política y utopía en América Latina. Las izquierdas en su lucha por un mundo nuevo | Joan Del Alcázar

La historia parece estar más viva que nunca en América Latina. Los recientes acontecimientos al sur de Río Grande, desde el triunfo electoral de Jair Bolsonaro hasta la crisis política vivida por Venezuela, bien podrían ser el epílogo (que no el final) del último libro de Joan del Alcázar.

Latinoamérica se ha presentado a los ojos de la izquierda europea como el lugar donde lo imposible es factible, donde los sueños pueden hacerse realidad. La Revolución cubana abrió una nueva etapa en la historia del subcontinente, condicionando directa o indirectamente la historia de los países latinoamericanos en la segunda mitad del siglo XX. Las esperanzas de transformación social en la región más desigual del planeta legitimaron de algún modo la práctica revolucionaria cubana y los movimientos que intentaron emularla. Sin embargo, una parte de la izquierda ha desarrollado un discurso que, si bien enlaza con su demanda histórica de igualdad y justicia, consiente realidades difícilmente defendibles. Leia Mais

Prensa y política en Iberoamérica (Siglo XIX) | Alejandra Pasino, Fabián Herrero

La presente obra recopila estudios sobre prensa y política rioplatense producidos en el marco del proyecto presentado por la Universidad de Buenos Aires al Programa Universitario de Historia Argentina y Latinoamericana (PUHAL) del Ministerio de Educación y Deportes de la República Argentina. Leia Mais

Entre la política y el discurso: Uruguay turístico (1960-1986) | Rossana Campodónico

El libro de Rossana Campodónico Entre la política y el discurso: Uruguay turístico (1960-1986) es una adaptación de su tesis de Maestría en Desarrollo y Gestión del Turismo defendida en el 2017 en la Universidad Nacional de Quilmes (Argentina). Campodónico es una de las principales especialistas de la historia del turismo en el Uruguay y la aparición de esta obra viene a sumarse a su larga lista de publicaciones sobre la temática. En un campo de estudio que se encuentra en construcción y atravesando un crecimiento acelerado desde los últimos años, este es sin dudas un aporte por demás significativo.

En el libro se estudia la evolución del turismo en Uruguay entre 1960 y 1986 mediante el abordaje de dos aspectos: por un lado, la política turística del país expresada mediante documentos gubernamentales y privados; y por el otro, la promoción publicitaria de atractivos y modalidades turísticas. Leia Mais

Los radicalismos en la democratización política | Bernardo Carrizo

Este libro de Bernardo Carrizo es el fruto de la metamorfosis de su tesis de maestría, defendida en la Universidad Nacional del Litoral en 2012 y que en 2014 fuera distinguida como la mejor tesis del área de Ciencias Humanas elaborada en universidades nacionales con sede en la provincia, en el marco del programa de Fortalecimiento del sistema de investigación y desarrollo impulsado por la Secretaría de Estado de Ciencia, Tecnología e Innovación de la provincia de Santa Fe. De acuerdo a lo planteado por el historiador, los años que transcurrieron desde aquel momento hasta la efectiva publicación de la obra implicaron un proceso de maduración intelectual que posibilitó poner en diálogo el escrito inicial con nuevas producciones historiográficas gestándose así nuevos matices y reflexiones.

El autor se propuso indagar sobre el radicalismo en un espacio subnacional, la provincia de Santa Fe, en un marco temporal que abarca desde 1910 hasta 1916, aproximadamente. El abordaje del objeto desde una variación de las escalas de análisis (local, provincial, regional y nacional) le permitió captar particularidades en ciertos fenómenos que desde una perspectiva nacional —cuasisinónimo de bonaerense habían adquirido un cariz homogéneo. Desde esta óptica, la experiencia de la temprana democracia electoral santafesina estuvo signada por la yuxtaposición de novedosos instrumentos prescriptivos y prácticas cimentadas en un mundo conservador que se mostraban resistentes. Al poner el foco en la Unión Cívica Radical de Santa Fe (UCRSF), nos posibilita adentrarnos en el vínculo nación-provincia en clave electoral y en la relación entre dos organizaciones partidarias que se encontraban, en principio, comprimidas bajo un mismo sello. Leia Mais

Viandante nel Novecento. Thomas Mann e la storia | Domenico Conte

Já definido como “monumental”, “rico”, “policromático” e “diverso”, o recente e imponente livro de Domenico Conte, intitulado Viandante nel Novecento. Thomas Mann e la storia, reúne, dividido em quatro partes (“História e mito”, “Política e primitivismo”, “Natureza e espírito”, “Benedetto Croce e Thomas Mann”), vinte e dois ensaios publicados pelo autor no período entre 2009 e 2018.

E precisamente o tempo, protagonista destas páginas juntamente com Mann, faz com que o tom do historiador da cultura napolitano em direção ao escritor de Lübeck, seja, sim, cheio de admiração, mas nunca subserviente ou temeroso, tornando-se cada vez mais familiar, tanto que se dirige a ele não apenas com o nome de batismo, Thomas, mas com o diminutivo Tommy. O que, como é evidente, representa uma marca de proximidade, uma intimidade cujas raízes devem ser procuradas no passado ou, aqui talvez seja mais adequado dizer: mais para lá, mais abaixo. De fato, o vínculo que une Conte a Mann é, como ele próprio confessa, “uma espécie de fidelidade”. Leia Mais

Sulla vocazione per la politica. Max Weber e le “Politische Stimmungen” di Karl Jaspers | Edoardo Massimilla

Publicado em 2019, o ensaio de Edoardo Massimilla, Sulla vocazione per la politica. Max Weber e le “Politische Stimmungen” di Karl Jaspers, inaugura, retomando uma ideia originária de Pietro Piovani, a nova série dos “Quaderni di storia della cultura” da antiga e prestigiosa “Accademia di Scienze morali e politiche” de Nápoles.

Nele, partindo da “ampla” introdução à “excelente” antologia dedicada a Weber como pensador político de Francesco Tuccari, Massimilla propõe uma comparação crítica, articulada e minuciosa, entre as reflexões de Max Weber sobre a ação política e as de Karl Jaspers, que nunca deixou de observar as reflexões de Weber. E, para tanto, depois de ter percorrido facilmente os “três níveis de articulação da reflexão política weberiana” apontados por Tuccari – o relativo à sociologia do poder; o outro dedicado à política alemã da época, e o terceiro, relativo à elaboração de uma teoria geral da política moderna” (5-6) – o autor identifica no último destes aquele em que, mais do que nos outros, são presentes elementos que permitem uma comparação fecunda, na esfera política, entre os dois pensadores (16). Leia Mais

Todos estos años de gente: historia social, protesta y política en América Latina | Andrea Anújar e Ernesto Bohoslavsky

En distintos momentos, diversas generaciones de historiadores y de científicos sociales se vieron interpelados por las emergencias de su tiempo y los avatares de la política, y trascendieron su oficio para pensar y tomar postura respecto de los problemas sociales. Todos estos años de gente, editado por Andrea Andújar y Ernesto Bohoslavsky, se presenta como una contribución al establecimiento de «lazos sociales» entre el conocimiento académico, la política y sus actores en América Latina.

Esta obra nació en el marco del Segundo Congreso Internacional de la Asociación Latinoamericana e Ibérica de Historia Social (Buenos Aires, 2017). Allí, los editores propusieron a los participantes de la mesa de trabajo, «La historia y la protesta en América Latina», debatir, por un lado, sobre los posibles aportes de la historia social a la comprensión de los problemas sociales del presente latinoamericano; y, por otro lado, respecto a los vínculos existentes o posibles entre el ejercicio profesional de la historia y el accionar de los colectivos sociales y políticos que protestan. Recuperados y ampliados, estos interrogantes fueron el punto de partida de los trabajos que finalmente compusieron la obra. Leia Mais

Virginia Artigas. Histórias de arte e política | Rosa Artigas

Mais do que pode ser, a vida é maravilhosa! Tenho nas mãos agora um livro encantador escrito por Rosa Artigas sobre sua mãe: Virgínia Artigas, histórias de arte e política.

Armênio, nosso camarada sereno e cordial, instalou a amizade entre nós. O livro no qual celebramos sua memória – Nosso Armênio (1) – será lançado em São Paulo no dia 17 de março de 2020 (2). Trinta e um amigos, inclusive nós, derramam emoções e afeto no quanto escreveram a respeito do “Tio”, como o chamávamos. Mas o que agora me fascina, de verdade, é o livro da Rosa. Leia Mais

Forças Armadas e Política no Brasil | José Murilo de Carvalho

Em 2015, o historiador José Murilo de Carvalho chamou a atenção para um episódio cuja gravidade havia passado despercebida no âmbito da opinião pública. O General Hamilton Mourão celebrou o golpe de 1964 sem despertar reação dos seus superiores ou da presidência da República. Uma luz amarela acendeu-se. Um sinal de alerta a desfazer a crença na reclusão dos militares às suas atividades profissionais. Significava a retomada do envolvimento das Forças Armadas na política brasileira?

Com a redemocratização do Brasil e a aprovação da Constituição de 1988, a agenda política foi tomada por outros assuntos mais urgentes, passando os militares a um papel secundário no quadro das preocupações dos analistas, da imprensa e das forças partidárias. Entretanto, a atuação dos militares nos recentes acontecimentos do País modificou tal percepção, restaurando a questão do protagonismo político dos militares. O livro de José Murilo é mais do que oportuno. Recoloca uma vez mais não só a necessidade, mas a urgência do estudo dos militares no passado e no presente da vida nacional. Trata-se de uma reedição ampliada, disponível em versão impressa e em formato digital, que oferece aos leitores, novos capítulos tanto sobre a história dos militares quanto da sua atuação recente. Leia Mais

Shifting the Meaning of Democracy: Race, Politics/and Culture in the United States and Brazil | Jessica Lynn Graham

A atual ascensão da extrema-direita mostra contornos verdadeiramente globais. Com maior ou menor intensidade, ocorre em todos os continentes e ganha corpo em países de trajetórias históricas as mais distintas. Dada a natureza dos problemas que ele coloca às democracias mundo afora, o fenômeno tem tornado lugar-comum a comparação da presente conjuntura com o período de gestação do fascismo e do nazismo na Europa. A profunda recessão econômica, já esperada como decorrência da pandemia de coronavírus, que grassa o mundo no momento mesmo em que escrevo estas linhas, faz com a Crise de 1929 uma comparação cada vez mais atraente. Leia Mais

Love, order, and progress: the science, philosophy, and politics of Auguste Comte. BOURDEAU et. al. (HCS-M)

COMTE Auguste

BOURDEAU M Warren Love order and progress 151BOURDEAU, Michel; PICKERING, Mary; SCHMAUS, Warren E. Love, order, and progress: the science, philosophy, and politics of Auguste Comte. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2018. 416p. Resenha de: SANDOVAL, Tonatiuh Useche. Una visión sinóptica de Auguste Comte en inglés. História Ciência Saúde-Manguinhos v.27 n.1 Rio de Janeiro Jan./Mar. 2020.

En el Capítulo 86 de Rayuela de Julio Cortázar (2008) se puede leer: “Quizá haya un lugar en el hombre desde donde pueda percibirse la realidad entera. Esta hipótesis parece delirante. Auguste Comte declaraba que jamás se conocería la composición química de una estrella. Al año siguiente, Bunsen inventaba el espectroscopio”. Nada se aleja tanto de la estructura fragmentada de la novela de Cortázar como la obra sistemática del fundador de la religión de la humanidad. El presente volumen reúne nueve artículos en inglés que, descartando una comprensión fragmentaria de la obra de Comte, tanto de sus aciertos como de sus insuficiencias, resaltan que sus vertientes científica, filosófica y política son solidarias. Leia Mais

El peronismo obrero. Consideraciones a partir del devenir político y sindical de los trabajadores de los frigoríficos | Gustavo Nicolás Contreras

El peronismo obrero forma parte de la Colección La Argentina Peronista: política, sindicalismo, cultura. Gustavo Nicolás Contreras, licenciado en historia y docente de la Universidad Nacional de Mar del Plata, elabora un recorrido histórico a partir de la década de 1870 hasta finales de 1950 en el que revisa la lucha política y sindical de los trabajadores de la carne en la República Argentina, así como su reclamo por los derechos de los obreros y el surgimiento del movimiento peronista. Leia Mais

Guerras Civiles. Un enfoque para entender la política en Iberoamérica (1830-1935) | Adiadna Islas e Laura Reali

Las historiadoras uruguayas Ariadna Islas (Universidad de la República, Uruguay) y Laura Reali (Université Paris 7, Francia), han reunido diez artículos que tratan diferentes aspectos de las guerras civiles, en un amplio espectro del espacio geográfico latinoamericano, ocupado por los actuales países de Argentina, Uruguay, Brasil, Paraguay, Bolivia, Colombia y Venezuela; y en el también amplio marco cronológico de los siglos XIX y XX.

En el texto introductorio («Las guerras civiles en el palimpsesto de los conflictos políticos iberoamericanos. 1830-1935»), las editoras abordan de modo esclarecedor la forma en que los trabajos que componen el libro, se entrelazan con la renovación historiográfica que ha tenido lugar en las líneas de investigación sobre la revolución y las guerras que pusieron fin a los imperios español y portugués, y dieron lugar al nacimiento de los actuales Estados en Iberoamérica. Leia Mais

El año de Artaud. Rock y política en 1973 | Sergio Pujol

¿Quién conoce el corazón de la juventud salvo la propia juventud?

Patti Smith, Éramos unos niños

Sergio Pujol parte de la imagen distópica del presente para dar lugar a una forma local de la resistencia utópica asociada con los altos niveles de edición y venta, entre 2013 y 2015, del último álbum de Pescado Rabioso: Artaud. El año de su presentación en público es 1973, unos meses después del retorno del peronismo al poder. A través de una la dialéctica del tiempo histórico que une presente y pasado con proyección en el futuro; al autor problematiza el vínculo entre un presente incierto con la densidad de un año en el que se produce una doble ruptura política y cultural con anclaje categórico en la juventud. En tanto el estudio se concentra en esa imagen de ruptura, la metodología de análisis es la escala micro histórica como cristal que conjuga una serie de acontecimientos políticos, con los de la serie relativa al desarrollo del rock nacional. Lejos de resultar una asociación fortuita, la hipótesis que la convalida marca el diálogo entre el clima contracultural que propicia en rock y las nuevas posibilidades abiertas para la revolución social. En efecto, el autor se pregunta en qué medida el rock alimenta ese entorno de sublevación social distando de la tesis convencional que reconoce solo a los intelectuales “orgánicos” en tal quehacer. La lectura del rock, y de uno de sus íconos L.A. Spinetta, rompe la convención biográfica y periodística; como la política desgarra lo institucional. Las fuentes escogidas para la reconstrucción abarcan historiografía y literaturas específicas; discografía; entrevistas; diarios y revistas.

Cada uno de los doce capítulos lleva por título algún fragmento de las canciones de Artaud como representación de las series en conjunción. El análisis minucioso que realiza Pujol merece una presentación sujeta a esos tramos ya que cada mes es en sí y, en su continuo, un nudo de sentido. Leia Mais

La revista Criterio y el siglo XX argentino. Religión/cultura y política | Miranda Lida, Mariano Fabris

A principios del siglo XX, a contramano de los discursos que aún resonaban contra la modernidad, el catolicismo argentino se fue adaptando a los tiempos que corrían y lo hizo a través de la apropiación de diversos formatos de organización y de comunicación. La revista Criterio y el siglo XX argentino. Religión, cultura y política coordinado por Miranda Lida y Mariano Fabris recorta una serie de problemas que ofrecen una vía de ingreso para comprender históricamente el impacto de esta iniciativa. Desde diversas perspectivas y periodizaciones, se aborda la trayectoria de una revista central en la cultura católica argentina y en la historia política e intelectual del país. Leia Mais

La desmesura revolucionaria. Cultura y política en los orígenes del PARA | Martín Bergel

Durante la última década se ha incrementado el número de investigaciones sobre el APRA en su dimensión transnacional. La relación entre la experiencia del exilio aprista y los procesos políticos en Latinoamérica se ha convertido en el principal interés de quienes se dedican al estudio del movimiento peruano. Sin embargo, gran parte de las nuevas investigaciones se basaron en los artículos publicados por Martín Bergel, quien desde hace una década postulaba que el partido liderado por Víctor Raúl Haya de la Torre fue un movimiento político fundado desde el exilio con base en el contacto epistolar, en las redes intelectuales y en el debate político transfronterizo. La desmesura revolucionaria es el resultado de una prolongada investigación que incluyó numerosos archivos públicos y privados, bibliografía actualizada y el análisis desde diversas perspectivas que refrescaron los estudios del APRA. Como señala Carlos Aguirre en el prólogo de este libro, la historiografía aprista se dividía entre quienes celebraban el sacrificio de Haya de la Torre y sus críticos; sin embargo, Bergel forma parte de las excepciones de estos estudios, entre quienes se encuentran, por ejemplo, Ricardo Melgar Bao, Iñigo García-Bryce, Myrna Wallace, Patricia Funes y Leandro Sessa, que mostraron nuevos aspectos sobre el APRA como la difusión del anticomunismo, el papel de las mujeres, la circulación de impresos y las actividades transnacionales. El libro se estructura en tres partes que responden a una agenda de investigación que se distancia de la historia hecha por sus militantes y críticos como Percy Murillo, Luis Alberto Sánchez o Nelson Manrique, y se engarza a actualizadas cuestiones metodológicas, problemáticas y preguntas. En la primera parte, “el APRA en espacios transnacionales”, los artículos reunidos en este apartado destacan por los matices entre presencia intelectual y circulación de ideas. Bergel advierte que figuras como Haya de la Torre, Carlos Manuel Cox, Manuel Seoane y otros, no sólo sellaron su presencia a través de discursos, entrevistas y conferencias, sino que desarrollan un proceso de difusión doctrinal basado en diferentes actividades como la colaboración editorial en revistas y periódicos, establecer relaciones de amistad y la participación en debates políticos nacionales e internacionales. Estas actividades fueron caracterizadas por el autor como “nomadismo proselitista”, un ejercicio que entremezclaba carisma y polémica en la discusión ideológica que se desarrollaba en el continente. De ese modo, resulta esencial analizar las prácticas políticas fuera de los marcos nacionales y como éstas transformaron los hábitos intelectuales. Leia Mais

olítica, Razão e Desrazão: dimensões políticas e históricas do polo mínero-químico industrial de Catalão/Ouvidor (1962-1992) | Maria Cristina Nunes Ferreira Neto

Numa proposta de História Política, que transcende as questões político partidárias, a professora Maria Cristina Nunes Ferreira Neto, em Política, Razão e Desrazão, dimensões políticas e históricas do polo mínero-químico de Catalão/Ouvidor (1962-1992), busca elucidar o contexto social, econômico, cultural e até mesmo religioso que marcou as eleições municipais em Catalão, Goiás, em 1992. Esta cidade é um perfeito microcosmos, onde vários elementos históricos se tensionam: a guerra fria, o medo do desemprego, sentimentos religiosos, a ciência, a emergente organização partidária da esquerda, os clânicos grupos políticos locais, o irracional medo de comunistas e o caldo fervente que envolve todos estes elementos: o prenúncio da privatização da empresa Goiasfértil que desperta sentimentos contraditórios na população local. Leia Mais

Leer El Capital/teorizar la política: contrapunteo de la obra de Enrique Dussel y Bolívar Echeverría en tres momentos | Jaime Ortega Reyna

La publicación de Leer El Capital, teorizar la política constituye un acontecimiento significativo en el campo de la historia del marxismo y de las izquierdas en América Latina. Se trata de una investigación acerca de los problemas fundamentales del marxismo latinoamericano a partir de un análisis de las obras de Enrique Dussel y Bolívar Echeverría. Su autor, Jaime Ortega Reyna, forma parte de un grupo de jóvenes intelectuales mexicanos interesados en la historia del pensamiento crítico latinoamericano y en la necesidad de un despliegue de una política de izquierdas en México y el resto de los países de la región. El presente libro permite aproximarnos al trabajo de esta nueva camada de intelectuales de izquierda mexicanos e interiorizarnos en la singularidad de la obra de uno de sus miembros más destacados. El volumen, una versión de una tesis doctoral defendida en el Programa de Posgrado en Estudios Latinoamericanos de la Universidad Nacional Autónoma de México, constituye un insumo privilegiado a los fines de acrecentar nuestro conocimiento de la historia del marxismo latinoamericano y seguir enfrentando los problemas nodales que atraviesan desde hace décadas a los países de la región. La investigación articula de manera productiva las dos variables necesarias en cualquier estudio de historia del marxismo en América Latina. Por un lado, el autor inscribe las obras de los autores estudiados en la historia global del marxismo del siglo XX. De este modo, tanto la reactivación de la lectura de El Capital en la década de 1960 como la llamada “crisis del marxismo” en las de 1970 y 1980 se presentan como elementos condicionantes del desarrollo de las obras de dos marxistas latinoamericanos. Por el otro, el libro sitúa dichas producciones en el marco de la historia política e intelectual del subcontinente. Así, se evidencia que la particularidad latinoamericana actúa como mediadora de los problemas contemporáneos del marxismo y propiciadora de aproximaciones singulares a los debates teóricos y políticos del siglo XX. Cabe destacar, finalmente, que las figuras seleccionadas permiten a su vez analizar las producciones significativas del marxismo latinoamericano a partir de la circulación internacional de las ideas y los intelectuales. Así es comprendido Dussel, un argentino que desarrolla su obra teórica en México, y Echeverría, un ecuatoriano formado en Alemania que termina igualmente recalando en la academia mexicana. Es en el cruce de ambas variables donde se vuelven inteligibles las hipótesis que guían la investigación. Según Ortega Reyna, en los trabajos de Echeverría y Dussel se cifra tanto una respuesta a la coyuntura crítica atravesada por el marxismo a partir de sus déficits teóricos y sus naufragios políticos como una formulación discursiva original que pretendía encontrar respuesta a los elementos que habían conducido a dicha crisis. Estas características permiten hablar de las obras de ambos intelectuales como producciones inscriptas en un espacio teórico configurado por la lectura pormenorizada de El Capital y por la problematización de la experiencia de la modernidad. Volviendo a las variables analíticas anteriormente mencionadas, hay una dimensión de la particularidad de las obras de Dussel y Echeverría que se encuentra en cierta medida naturalizada en el libro y que por ello sólo puede ser advertida a partir de una mirada extranjera. Se trata de la importancia de México como espacio de formulación y enunciación de los problemas fundamentales que subyacen a la obra de ambos pensadores. Cabe preguntarse, en este sentido, si no es la particularidad mexicana la que habilita ese cruce tan productivo como potente entre la lectura teórica del marxismo, la pregunta por el carácter de la modernidad y el planteo acerca de los requerimientos de una práctica política transformadora. El seguimiento de las obras de Dussel y Echeverría orbita alrededor de tres grandes problemas. Según Ortega Reyna, el trabajo de ambos autores puede ser pensado en conjunto en tanto persiguen el objetivo de 1) leer El Capital; 2) en la modernidad; 3) para teorizar la política. A partir de dicho supuesto, el estudio consiste en el establecimiento de un contrapunto entre los modos en los cuales cada uno de los autores se vincula con cada uno de estos grandes problemas. Lejos de una lectura meramente exegética, la investigación aborda la producción de Dussel y Echeverría a partir de preguntas que se derivan de los textos analizados y de problemas teóricos y políticos contemporáneos que se encuentran fuera de ellos pero que resultan insoslayables a los fines de lograr una aproximación integral al objeto. Mencionemos algunos de estos ejercicios que contribuyen a entregarnos una imagen compleja del marxismo de Dussel y Echeverría. En relación al primero de los problemas, Ortega Reyna lleva a cabo un completo repaso de las tradiciones de lectura de El Capital existentes tanto en el marxismo europeo como en el latinoamericano. Este movimiento permite comprender el modo en el que las obras de ambos se inscriben en tradiciones de lectura más amplias, pero también advertir su carácter original. Sobre el segundo de los tópicos, Ortega Reyna se esfuerza por constatar la diferencia entre los abordajes de Dussel y Echeverría del problema de la modernidad con otros que han marcado el pulso del debate mundial en las últimas décadas, por ejemplo, el de modernidad/posmodernidad de las décadas de 1980 y 1990. Finalmente, los debates políticos en los cuales se involucraron ambos autores son considerados a la luz de un conjunto de autores y tradiciones del marxismo contemporáneo que abordaron problemas similares, fundamentalmente el del Estado. El libro tiene una estructura que se corresponde con los tres problemas señalados. En este sentido, la primera sección está dedicada a las lecturas de El Capital desarrolladas por Dussel y Echeverría. El tratamiento específico de sus lecturas está precedido de una sugerente hipótesis acerca de las recepciones de la obra marxiana. Según Ortega Reyna, las de Dussel y Echeverría forman parte, junto a otras aproximaciones contemporáneas, de un conjunto de lecturas que pudieron desmarcarse de las operaciones de clausura sufridas por El Capital durante el siglo XX. En el caso de Dussel, este tipo de vínculo con la obra de Marx se evidencia en el tratamiento de la categoría de trabajo vivo, la cual refiere al momento primordial de existencia humana con respecto al capital. Cabe señalar, al respecto, el denso trabajo de reposición de los debates acerca de dicha categoría y otras (fuerza de trabajo, trabajo vivo, trabajo muerto) que contribuye a comprender el tipo de lectura la que Dussel somete a la obra de Marx. En el caso de Echeverría, su lectura es recortada principalmente al problema del valor de uso, el cual remite a la reproducción social-natural del conjunto de la vida humana frente a la reproducción del valor. El recorrido por la obra de ambos autores se corona con una lectura de la obra Franz Hinkelammert. La obra del pensador alemán permite establecer un diálogo con Dussel y Echeverría a partir del complemento que ofrecen las categorías por él formuladas de valor de uso social y coordinación del trabajo social. En términos de Ortega Reyna, las lecturas desarrolladas por Dussel, Echeverría y Hinkelammert pueden ser entendidas como diferenciadas de cierto “marxismo fordista” concentrado exclusivamente en las relaciones de producción y la propiedad de los medios de producción. La segunda sección del libro está dedicada al problema de la modernidad. Siguiendo la secuencia que organiza toda la investigación, Ortega Reyna ubica el tratamiento de la modernidad en Dussel y Echeverría luego del análisis de las lecturas por ellos realizadas de El Capital. Con esta concatenación, el trabajo busca demostrar que para estos autores los problemas de la forma de lo social se ubican en un horizonte más amplio de organización social y cultural. Es decir, que los desarrollos acerca del trabajo vivo o el valor de uso forman parte de una lectura crítica de la experiencia del mundo en su conjunto. Al igual que ocurre con las lecturas de la obra de Marx, en este caso las aproximaciones de Dussel y Echeverría son abordadas en conjunto, pero también a partir de sus particularidades. En el caso del argentino, se trata de una crítica de tipo histórica, en la cual se intenta demostrar el carácter eurocéntrico de la modernidad. En el caso del ecuatoriano, se trata de una crítica histórico-genética, la cual está articulada alrededor del problema de la determinación de la técnica en la época moderna. Concebidas en bloque, más allá de sus especificidades, estas aproximaciones se presentan como una crítica a la narrativa ilustrada de la modernidad y como un ejercicio de ampliación del campo de operación del concepto con respecto a la forma capitalista de producción. Debe mencionarse que luego del análisis pormenorizado de la lectura del problema de la modernidad en ambos autores, la investigación da cuenta de otras formas de abordar la cuestión en el marco del pensamiento crítico latinoamericano, especialmente en vertiente descolonial, así como de los modos en los cuales podría pensarse algún tipo de articulación entre todas estas aproximaciones. El libro concluye con la sección dedicada al problema político. Con ella se cierra el plan diagramado al comienzo del libro. Dussel y Echeverría llevan a cabo una lectura de El Capital, la cual está enmarcada en una crítica amplia al mundo moderno y que a su vez entraña un conjunto de cuestiones relativas a la política. En relación a este tópico, vuelve a cobrar sentido la idea del contrapunto. Mientras que, en la obra de Echeverría, la politicidad puede derivarse de su énfasis en el problema de la cultura, en la de Dussel se desprende de las bases de su programa liberacionista. La atención diferenciada a ambos autores lleva a Ortega Reyna a analizar el lugar de la cultura política en la obra del ecuatoriano y lo que ello implica para una lectura de los problemas de la revolución, la nación y la democracia. En este sentido resulta de interés el señalamiento de que en su trabajo se propone una forma distinta de encarar la modernidad capitalista sin que aparezca un sujeto o fuerza política que pueda asumir plenamente el impulso transformador. La dificultad de pensar la práctica política a partir de la obra de Echeverría se derivaría del peso que tiene en su obra la pérdida completa por parte del sujeto de la capacidad de darle forma a la socialidad. De allí que Ortega Reyna proponga situar las implicaciones políticas de su obra en el marco del autonomismo y de la política anti-estatal en general. Posicionamiento que difiere de la obra de Dussel, cuya propuesta liberacionista incluye una atención privilegiada al problema del Estado. De este modo, el recorrido por el trabajo del argentino propuesto por el autor del libro da cuenta de la idea de “volver útil” al Estado, la cual habilita tanto un distanciamiento de la obra de Echeverría como un acercamiento con otros marxistas latinoamericanos interesados en la cuestión estatal, tales como Álvaro García Linera y el ya mencionado Hinkelammert. Para finalizar, puede afirmarse que Leer El Capital, teorizar la política constituye un aporte relevante a los estudios sobre marxismo e izquierdas en la historia latinoamericana reciente. Centrado en la producción intelectual de Dussel y Echeverría, el libro de Ortega se detiene en un conjunto de cuestiones que resultan centrales en el pensamiento crítico latinoamericano y que hoy son los principales objetos de desafío político para las izquierdas del subcontinente. ¿Cómo fue comprendido el problema de la acumulación en las sociedades latinoamericanas? ¿Cuál es el vínculo entre la acumulación y la constitución del orden político y cultural de nuestra región? ¿Cuáles son las estrategias políticas más adecuadas para la transformación del orden social? Se trata de un conjunto de preguntas que el libro analiza a partir de una serie de perspectivas analíticas. A modo de círculos concéntricos, Ortega Reyna parte del despliegue global del discurso marxista en el siglo XX, luego constata las formas en las cuales dicho discurso es mediado por la realidad latinoamericana y finalmente analiza estos problemas en toda su complejidad en la obra de dos marxistas asentados en México. En suma, puede encontrarse en el libro tanto una contribución relevante a la historia del marxismo latinoamericano como un insumo para repensar la práctica de las izquierdas del subcontinente en este mundo tan cambiante y convulsionado. Leia Mais

Foucault: saber, verdade e política | Thiago Fortes Ribas

Professor do departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Thiago Fortes Ribas apresenta em seu livro uma reflexão derivada de sua tese doutoral, intitulada Saber, verdade e política no pensamento de Michel Foucault, concluída no ano de 2016 junto à Universidade Federal do Paraná, sob a orientação do Prof. Dr. André de Macedo Duarte. O problema abordado por Thiago Ribas em seu trabalho toca no cerne de um lugar comum que se constituiu a respeito dos textos de Foucault: trata-se da perspectiva que somente reconhece a emergência de uma concepção política específica em seus trabalhos desenvolvidos a partir de 1970, quando a ênfase à questão das relações de poder, e o exercício microfísico deste em determinadas instituições, vêm à tona em investigações elaboradas a partir do método genealógico – de alegada inspiração nietzscheana. Desse modo, nos trabalhos desenvolvidos por Foucault na década de 1960 – cuja tônica perfaz uma investigação dedicada à dimensão histórica que envolve a constituição dos saberes –, a política seria um tema pouco ou nada desenvolvido, relegada a ângulo obtuso no conjunto de suas preocupações ou, ainda, subjugada pela preferência a uma reflexão supostamente restrita a um âmbito epistemológico. Leia Mais

An Archaeology of the Political: Regimes of Power from the Seventeenth Century to the Present / Elías J. Palti

After the upheavals of 1989–90, there it was for a brief moment: this idea that all ideological disputes had finally (or unfortunately?) come to an end, that at least the global “differend” (in Lyotard’s sense)1 had dissolved, because one system of world interpretation and world domination, the liberal market economy, had prevailed over all others. The posthistoire seemed to have won out for a brief historical moment, this simultaneously liberating and frightening and decadent vision of a world society in which something is still going on, but nothing fundamental is happening.2 This would also have brought the political to its end, understood as the social form of negotiation and debate over the organization of collectives, as concretized in communications, standardizations, and institutionalizations. After the end of history, the political would then be replaced by the functioning of a politics that would only have had to administer what had been achieved by 1989–90.

As is generally known, things turned out differently. The binary scheme of the twentieth century3 did not dissolve into the unambiguity of a market‐liberal world domination, but led to a new obscurity.4 The political proved to be very resistant to politics. It was obviously not finished with a bored administration of what had been achieved. Rather, the space of the political, in which the formations and institutions of collectives are disputed, proved to be still unfinished and inconclusive. The lines of conflict have multiplied and changed constantly since the end of the Cold War. The world appeared to be confused by the resurrection of actors long believed to have been overcome, who suddenly populated the field of politics again: Nationalisms, fundamentalisms, and populisms have since experienced an unforeseen renaissance, even though not only the teachings of the Enlightenment, but also the dialectics of the Enlightenment5 had promised that all this would finally be overcome.

Since the end of the twentieth century, one can continue to wonder how lively, tricky, and imaginative the political is. Neither political nor historical analysis has stopped asserting that atavistic elements could reappear, that historical backwardness could creep into our present, or that a relapse into the Middle Ages could be observed (quite apart from the fact that this would be an insult to the Middle Ages). Donald Trump, Jair Bolsonaro, Brexit, nationalist governments in Hungary, Poland, Austria, Italy, or talk of a struggle between believers and unbelievers—all these phenomena are not simply undead from the past who do not want to disappear. Instead, we are dealing with a new constitution of the political, for the appropriate description of which we do not yet seem to have the right language.

Against this background, it is only too understandable to ask the question of what this political could be in a historical and theoretical sense, this political in which fundamental questions of collectives are disputed. The Argentine historian Elías José Palti chooses a double approach in his “archaeology of the political.” He doubts the existence of a quasi time‐independent essence of the political and tries to emphasize its historical emergence. He recognizes three decisive phases in the history of the political that can be roughly discerned in the seventeenth century, around 1800, and in the twentieth century. In addition to the historical description, Palti also undertakes a theoretical reflection, beginning with the almost classical starting point of Carl Schmitt, followed by the discussion as it has developed in particular since the late twentieth century with the participation of Lefort, Rancière, Badiou, Agamben, Mouffe, Laclau, and others. One cannot claim that since then it has really been clarified what exactly this substantiated adjective “the political” is supposed to address. But that is probably what makes this concept so attractive (for me as well), that, unlike “politics,” it does not pretend to be clearly definable. It is precisely blurriness and flexibility that characterize the political.

Palti wants to nail this jelly to the wall with historical tools. He marks the beginning of the political in the seventeenth century:

The opening up of the horizon of the political is the result of a crucial inflection that was produced in the West in the seventeenth century as a consequence of a series of changes in the regimes of exercise of power brought about by the affirmation of absolute monarchies. It is at this point that the series of dualisms articulating the horizon of the political emerged, giving rise to the play of immanence and transcendence hitherto unknown. (xviii)

Even though I have great sympathy for a privileging of the seventeenth century due to my own research focus, I am not sure whether this setting is convincing. Especially in the world of (formerly) Roman Catholic Christendom after the Reformation, one can certainly find many reasons to let the political begin in this constellation. But to identify the “absolutist monarchies” as a starting point then runs the risk of appearing a little too Hegelian (for it was Hegelianism that contributed decisively to the establishment of the concept of “absolutism,” because it regarded it as a necessary step in the establishment of the “modern state”).6

Why should the political have become relevant only in absolutism? One can hardly imagine a form of human cooperation and opposition in which the political should not have been important. Let’s take the fresco cycle by Ambrogio Lorenzetti from the fourteenth century about good and bad government in the Palazzo Pubblico of Siena, a popular example to illustrate medieval understandings of politics—but also an example of a problematization of the political.7 Or let us take the even more well‐known metaphor of the king’s two bodies.8 In my opinion, both examples could serve to explain Palti’s central concern, namely the relationship between immanence and transcendence. It is their mediation that for him is at the center of the question of the political, namely how the meaning and goal of the political can be justified with a view to a superordinate context (whatever name it may answer to). Palti calls this connection the “justice effect.” But this question also arose before the seventeenth century, albeit perhaps in the opposite direction: it was not so much the transcendent that was in question, but the immanent that had to prove itself in the name of the transcendent.

Palti has this connection in mind. The first chapter of his book is devoted to the “theological genesis of the political.” In it he explicitly poses the question of how the political has developed out of the theological, namely in clear demarcation from this precursor model. For Palti, the political is thus fundamentally new and fundamentally different from the theological attempt to determine the relationship between transcendence and immanence. Thus, he distinguishes himself from Giorgio Agamben, who in The Kingdom and the Glory9 emphasized the continuity between the two discourses. Palti even understands his entire argumentation as a reply to Agamben, whose argument he wants to refute (184).

If it were up to me to choose between Palti and Agamben, I would vote for Agamben. In the context of this review, this will lead me to disagree with some of Palti’s arguments. These responses do not mean, however, that this is a bad book. On the contrary, I would strongly recommend reading it for thematic, methodological, and theoretical reasons. However, my view of the problems presented here is partly different.

Let us begin with some methodological considerations: Palti presents a conceptual history with which he explicitly wants to set himself apart from a history of ideas. For quite understandable reasons, he considers the history of ideas to be anachronistic because it transfers current ideas to past conditions and examines their occurrence there.

One may, however, suspect that his conceptual history does not escape anachronism either. For example, if Palti (in parallel to Koselleck’s “Sattelzeit”10) identifies a “Schwellenzeit” (threshold time) between 1550 and 1650 in which the political gradually detached itself from the theological—isn’t that already an anachronistic statement? Doesn’t one have to know already that one has crossed a threshold before one can state that there was a corresponding threshold time? Isn’t it fundamentally anachronistic to have information at one’s disposal of which past contemporaries could not yet know anything, namely that their approach to the questions of transcendence and immanence could still be relevant in the early twenty‐first century?

In other words, can there be any historical approach at all that is free of anachronism? And by that I don’t mean the case of chronologically wrong classification, of manual error. I mean the mixing of times: Historical questioning must be anachronistic insofar as it brings times that are not simultaneous into contact with one another—and this happens in a highly productive way.

Another difficulty with conceptual history arises from Palti’s claim not to want to rely on ideas alone, like the history of ideas (whatever might be meant by “ideas”). He aims rather at “analyzing how the terrain within which those options could take shape was historically articulated” (28). However, if you look at the terrain that is being paced here, it turns out to be rather sparsely populated. Palti bases his argumentation on a few selected examples whose representativeness is not always plausible. He analyzes extensively Greco’s painting The Burial of the Count of Orgaz, the writing “Defensio fidei” by Francisco Suarez, plays by Shakespeare, Calderón, Racine, and Lope de Vega, the essay by the Capuchin monk Joaquin de Finestrad entitled “El vasallo instruido” from the late eighteenth century, examples from serial music, as well as political and legal theoretical treatises by Carl Schmitt and Hans Kelsen. This is not a complete enumeration, but these are the essential examples that Palti refers to in order to prove the conceptual development of the political over three centuries. Why these persons and artifacts should be representative for the corresponding development is not always clear. One could well have imagined a different selection—above all, a selection that could have illustrated completely different paths of development.

I would like to explain this by using the example of the discussion about absolutism. Palti assumes that absolutism, with the changed position of the monarch, also fundamentally changed the constitution of the political. One can see it that way. This has often been done in traditional historiography on this subject. But what Palti completely ignores are the other stories that can be told about the European seventeenth century and about absolutism.

Doubts about the model of absolutism have been expressed for decades. They condensed into an international debate in 1992, when Nicholas Henshall’s book The Myth of Absolutism was published.11 Since then, the general assessment has been that although there was a political theory of absolutism in the seventeenth century, in practice it permanently failed and reached its limits. This can be well substantiated for the supposed prime example of absolutism, the French monarchy.

Now the debate about whether absolutism has functioned as political practice or not would not have to play a major role for Palti’s conceptual history—because he does not care about the question of actual implementation. What is striking, however, is the limitation that Palti imposes in his description of absolutism and the seventeenth century. He describes this period at least with a view to the political as if absolutism had been the clearly dominant model. And that is not the case. There have been numerous other strands of discussion and practices in which the political has become relevant in this period: republicanism, utopias, communalism, resistance theory, uprisings, revolutions. With reduction and unification, however, Palti’s conceptual history, which claims to take the historical contexts into account, falls into a similar imbalance as the history of ideas itself, from which he wants to distinguish himself.

The reductionism Palti applies is ultimately intended to illustrate the break that he needs in the history of the political in order to make his thesis plausible. He superimposes his idea of the birth of the political in absolutism with a secularization thesis à la Max Weber: the disenchantment of the world. Now, in absolutism, the monarch has the task of creating the unity that no longer goes without saying. I would rather say: Absolutism brings with it (on the theoretical level) a shift in the political discussion, but does not represent a discursive rupture. The theological does not disappear. It moves to new places.

An essential concern of Palti’s becomes clear with this supposed break caused by absolutism—as well as a clear difference from Agamben’s argumentation in The Kingdom and the Glory. Whereas Agamben emphasizes the continuity that exists between theological and secular justifications of the political, Palti emphasizes the break. The political, which raises its head in the seventeenth century, represents something fundamentally new for him.

I, too, would rather emphasize continuity—and this with examples that are in part quite similar to those of Palti. It is therefore less a matter of diametrical views, but of different interpretations of quite similar facts.

What is connected with this is not least the question of the historical location and the essential characteristics of modernity. If one emphasizes with Palti a break in the seventeenth century (the otherwise classic historical site of modern self‐affirmation, the Enlightenment of the eighteenth century, plays a rather minor role in its depiction), then one first identifies ex negativo a period that is characterized above all by not yet being like “the present” and by not yet living in the circumstances that “we” do. Those in the present can constitute themselves by distinguishing themselves from the premodern (living in a different time or a different space).

If one understands, as already said, the political (in contrast to politics) as the unfinished and unclosable space in which questions of the organization of collectives are negotiated, then Palti is certainly right when he states that something not insignificant changed in this space in the seventeenth century. But is it a clear rupture?

I would rather say it is a reversal of the signs while retaining the basic problem—and in this respect I also distrust the self‐description of modernity. The problem of the political is shifting into transcendence. Although until the seventeenth century, the afterlife could be regarded as a fixed point and the here and now an uncertain problem zone, the transcendent increasingly became a problem in the wake of the Reformation. In this world one had to come to other forms of (self‐)insurance.12 And in this immanent world, other (modern) forms of transcendentally oriented ways of faith were developed, which structurally had (and have) similarities with the supposedly premodern ones: the belief in growth, progress, nation, subject, and so on.13

With the help of Niklas Luhmann, the question could be raised as to how system–environment relations were redesigned and which boundaries were actually used to enable the distinction between immanence and transcendence.14 One could then probably conclude that in the seventeenth century this distinction underwent a new shaping. The question now gradually became conceivable whether God makes decisions for the world, or whether transcendent connections must be created from immanent processes. Legitimation, one could say with Luhmann, succeeded now less and less with an otherworldly God, but had to be achieved with worldly procedures.15

The question now, however, is whether with this shift a new epoch dawned, even a new world arose in which the political, which had never existed before, first came to light.

Starting from the break with absolutism, Palti’s depiction takes further steps in chronological order. One chapter is devoted to the late eighteenth and early nineteenth centuries and the emergence of democracy. It refers to Latin America, and more specifically to the political theory of Joaquín de Finestrad. Also in this historical context, which is usually identified with the code “French Revolution,” the argumentation continues: How can a new transcendence be founded from immanence?

Around 1800, this question arises in the context of the emergence of the nation. Here, with “history,” another God‐substitute is used to answer the question of transcendence. With the help of “history,” the nation is detached from the political and becomes naturalized (103). And in such procedures I see more continuities than Palti does, because there are structural similarities between the functions that “God” and “history” take over.

Palti then describes the twentieth century in the sense of a return to the Baroque—on the one hand. For as in the seventeenth century, dualisms break open, reason and history, truth and knowledge, politics and society fall apart. On the other hand, however, in the twentieth century (unlike in the Baroque) transcendence no longer holds the promise of an all‐encompassing unity. Rather, it is the source of contingency that causes systems and orders to falter. To explain this development with the help of serial music, as Palti does, is possible, but not immediately comprehensible. Palti at least claims that the fundamental matrix that can be observed in serial music is underpinned by contemporary thinking about the political. In spite of sympathy for twentieth‐century new music, this connection is not immediately obvious to me. Here a little more argumentative reasoning would have been necessary.16

Palti summarizes the developments of the twentieth century as an age of form in which the historical and evolutionary of the nineteenth century were replaced by the discontinuous. Every new form (and serial music is an example of this) is made possible by a comprehensive reconfiguration of the system (125–126).

Finally, Palti identifies three epochs in his archaeology of the political: the epochs of representation (Baroque), of history (around 1800), and of form (twentieth century). In each of these epochs, the question of the relationship between transcendence and immanence is clarified in different ways.

If we move from Palti’s analysis further into our own present in the early twenty‐first century, we might conclude that, after the three phases of the constitution of the political that Palti introduced, we now find ourselves in the already implied situation of exuberant complexity of the political, precisely because coordinates believed to be certain have been lost, and established strategies no longer seem to function. The closer Palti moves to the early twenty‐first century, the more important emptiness becomes in describing the political. He identifies the concept of the subject as an empty signifier (51, 142) and treats paintings by Kazimir Malevich and Robert Rauschenberg that deal with the emptying of the picture surface (172–176).

In this very emptiness, I would also like to identify the culmination point that is constitutive for discussions about the political. Because the unfinished and unclosable space of the political has no ultimate anchor point, some collectives are quite desperately busy setting such a point. In the afterlife, in the origin, in the telos—wherever it may be found, sooner or later it turns out to be a void. And it is precisely with such empty spaces that collectives seem to have problems. Therefore, I consider postfundamentalist theories (also treated by Palti) to be very helpful in tackling this problem.17

Palti seems to me, however, to meet the problem of the empty foundation of the political only halfway, because he names and describes it, but immediately encloses it again in a historical representation including an epoch model. So Palti’s three phases are too simple. They are too simple because there are only three, and they are too simple because they are too clear. Palti is thus stymied in the interpretation he analyzed for the nineteenth century, the epoch of history. The linear sequence of the models of the political in his argument ultimately becomes the foundation of the political par excellence: the political exists because there is the specific history of the political. This entails the danger that everything is subject to the historical—with the exception of history itself.

Palti’s epochalization of the political thus goes hand in hand with the danger of fundamentalization. Each epoch designation carries the message that, thanks to it, one has found out what a certain time now really “is.” However, the critic of the “jargon of authenticity,” Theodor W. Adorno, has already stated (and explicitly with respect to the Baroque) that epoch designations are incapable of expressing historical complexity. They grasp only mediocrity, but could hardly cover anything that was not subordinate to this average.18 The same must be said of Palti’s Archaeology of the Political: an instructive, scholarly book that offers many insights, but which, with its epochalization, does not do justice to the complexity that arises in the dynamics between the temporal and the political. For these dynamics we probably need a new language, new forms of description, which are not yet available to us as a matter of course.

How about taking seriously the offers of avant‐garde painting that Palti quotes toward the end of his book? What if the white surface of a painting by Malevitch or the erased drawings of a Rauschenberg were taken as an opportunity to reflect more closely on questions of emptiness, negation, representability, and unrepresentability, especially in the historiographical context? Then it would not only be a matter of the possibilities of describing the political, but also of the possibilities of depicting the historical.

It is here that a problem with Palti reveals itself, which seems to me worth discussing about his approach. He relies too much on the historical as the backbone of his argumentation and presentation. For as right and important as it is to question the constitution of the political, it must seem strange to use the historical as its unquestioned support.

It would have been interesting to see how Palti’s argumentation would have changed if he had not relied on the linear logic of chronology, but had made even clearer the respective references and actualizations over time. His view from the seventeenth century to the present would have offered some clues, because it was not by chance that the Baroque was revalued by the discussions about postmodernism and that philosophers such as Spinoza, Pascal, or Leibniz have received much more attention since the end of the twentieth century.

The subject of the political would thus enable the investigation of the folds of time that become relevant when presences refer to absent times. These references are indeed not always linear, but much more creative and complex than the idea of the timeline suggests. Another history of the political would arise in this way. But it, too, would show (in another way) what Palti had intended in his book: that the political is not time‐independent in character.

Notes

1. Jean François Lyotard, The Differend: Phrases in Dispute (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1988).

2. Lutz Niethammer, Posthistoire: Has History Come to an End? (New York: Verso, 1992); Francis Fukuyama, The End of History and the Last Man (New York: Free Press, 1992).

3. Alain Badiou, The Century (New York: Polity Press, 2007).

4. Jürgen Habermas, “The New Obscurity: The Crisis of the Welfare State and the Exhaustion of Utopian Energies,” Philosophy & Social Criticism 11, no. 2 (1986), 1–18.

5. Max Horkheimer and Theodor W. Adorno, Dialectic of Enlightenment [1947] (Stanford: Stanford University Press, 2002).

6. Reinhard Blänkner, “Absolutismus”: Eine begriffsgeschichtliche Studie zur politischen Theorie und zur Geschichtswissenschaft in Deutschland, 1830–1870 (Frankfurt am Main: Lang, 2011).

7. Quentin Skinner, “Ambrogio Lorenzetti: The Artist as Political Philosopher,” in Malerei und Stadtkultur in der Dantezeit: die Argumentation der Bilder, ed. H. Belting and D. Blume (Munich: Hirmer, 1989), 85–103.

8. Ernst Kantorowicz, The King’s Two Bodies: A Study in Medieval Political Theology (Princeton: Princeton University Press, 1957).

9. Giorgio Agamben, The Kingdom and the Glory: For a Theological Genealogy of Economy and Government (Stanford: Stanford University Press, 2011).

10. Reinhart Koselleck, Futures Past: On the Semantics of Historical Time (Cambridge, MA: MIT Press, 1985).

11. Nicholas Henshall, The Myth of Absolutism: Change and Continuity in Early Modern European Monarchy (London: Longman, 1992).

12. The sociologist Elena Esposito has convincingly described this process with respect to the seventeenth century insofar as she has shown the new possibilities of designing other realities by means of probability calculus and fictional literature: Elena Esposito, Die Fiktion der wahrscheinlichen Realität (Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2007).

13. Karl Löwith, Meaning in History: The Theological Implications of the Philosophy of History (Chicago: University of Chicago Press, 1949).

14. Niklas Luhmann, Die Religion der Gesellschaft (Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2000).

15. Niklas Luhmann, Legitimation durch Verfahren (Neuwied and Berlin: Luchterhand, 1969).

16. For another description of the connection between politics and New Music, see Alex Ross, The Rest is Noise: Listening to the Twentieth Century (New York: Picador, 2007).

17. Oliver Marchart, Post‐foundational Political Thought: Political Difference in Nancy, Lefort, Badiou and Laclau (Edinburgh: Edinburgh University Press, 2007). Similar arguments can be found in a still very current book by Leo Shestov, All Things Are Possible (New York: R. M. McBride & Co., 1920).

18. Theodor W. Adorno, “Der mißbrauchte Barock,” in Gesammelte Schriften, vol. 10/1: Kulturkritik und Gesellschaft I (Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003), 401–422.

Achim Landweh


PALTI, Elías José. An Archaeology of the Political: Regimes of Power from the Seventeenth Century to the Present. New York: Columbia University. Press, 2017. 235p. Resenha de: LANDWEH, Achim. The (dis)continuous history of the political. History and Theory. Middletown, v.58, n. 3, p.451-459, sept. 2019. Acessar publicação original [IF].

Virginia Artigas. Histórias de arte e política | Rosa Artigas

Quando brumas caem sobre a cena pública e a polarização político-ideológica persiste, animada por grosserias, agressões e arroubos retóricos vindos de cima, é hora de valorizar a cultura e resistir aos que tentam criminalizá-la.

Na cultura repousa o que identifica uma nação e faz uma população se reconhecer como parte de uma coletividade. De norte a sul, de leste a oeste, nas grandes cidades e nas mais recônditas localidades do Brasil profundo, é a posse de uma mesma língua, de hábitos enraizados, de símbolos, de maneiras de pensar, sentir e fazer que dá ao brasileiro a percepção de que, na vida, há algo além da sua pessoa e do lugar geográfico. Por brotar da experiência, a cultura não pode ser capturada pelo Estado, muito menos pelos governos de plantão. Continua a pulsar, sempre. Leia Mais

Pas de Politique Mariô!: Mário Pedrosa e a política | Dainis Karepovs

Em artigo publicado na década passada, Dainis Karepovs ofereceu uma imagem para a historiografia dos instrumentos de luta da classe operária no Brasil. Segundo ele, a escrita da história dos organismos políticos de esquerda construiu um edifício, bem estruturado em alguns pontos e com lacunas a preencher em outros. A história do trotskismo no Brasil seria um “cômodo” da construção.1 Seguindo a imagem proposta por Karepovs, podemos dizer que o prédio e o cômodo destinado à história do trotskismo – que não é encerrado em si mesmo, estando interligado com os demais espaços da edificação – ganharam mais um ajuste com a publicação de Pas de Politique Mariô!: Mário Pedrosa e a política, obra que aborda a trajetória de atuação daquele que estava presente em Paris, em 1938, na conferência que fundou a IV Internacional, mas que também percorreu outros caminhos de elaboração e atuação política.

Dainis Karepovs já se encontrou antes com a figura de Mário Pedrosa. É dele – e de Fulvio Abramo – a organização do livro Na Contracorrente da História: Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933), obra fundamental para os estudos posteriores acerca dos grupamentos de oposição de esquerda no Brasil, por publicar documentos que dão acesso às formulações políticas de sujeitos e organizações ligados ao pensamento dissidente. É lá que se encontra o clássico texto “Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil”, produção que deu as bases teóricas e conceituais da Oposição de Esquerda no Brasil. A autoria é de Mário Pedrosa e Lívio Xavier, com os pseudônimos de M. Camboa e L. Lyon.2

Em Pas de Politique Mariô!, a escolha teórico-metodológica é a abordagem biográfica, na tentativa de compor uma “biografia política” de Mário Pedrosa. Desse modo, o período tratado no livro vai da década de 1920, com destaque para o ano de 1925, quando Pedrosa ingressa no Partido Comunista do Brasil (PCB), até 1980, ano de sua morte e de seu último ato de militância política, com a filiação ao Partido dos Trabalhadores em seu encontro fundacional.

Mário Pedrosa, nascido em 1900, era um estudante de Direito no Rio de Janeiro quando se aproximou dos comunistas. Leitor de publicações estrangeiras, sobretudo a revista francesa Clarté, Pedrosa adere às ideias de Leon Trotski e constrói uma Oposição de Esquerda no Brasil, junto de outros militantes comunistas como Lívio Xavier. Sua vinculação direta com o trotskismo vai até 1940, quando rompe com a IV Internacional diante da divergência acerca da caracterização da União Soviética como Estado Operário a ser defendido na Segunda Guerra Mundial. Naquele momento, Pedrosa alinha-se aos norte-americanos na posição de considerar a URSS como Estado imperialista, tal qual as potências ocidentais sobreviventes ao conflito. As fontes utilizadas por Karepovs para apresentar a militância de Pedrosa na Oposição de Esquerda são de vários tipos. O autor utiliza a correspondência entre Pedrosa e Lívio Xavier, as publicações dos diversos organismos políticos trotskistas da década de 1930 e material da imprensa carioca.

O autor procura não tornar os momentos posteriores à militância de Pedrosa junto aos trotskistas como desdobramentos sucessivos de uma identidade política. Da mesma forma, a ruptura não é a extinção de qualquer relação com os sujeitos e as ideias que compunham a sua experiência nos anos 1930.

Após a ruptura com o trotskismo, Pedrosa engaja-se na construção da União Socialista Popular (USP), grupamento que levantava a bandeira da superação da ditadura de Vargas e visava a construção de um partido político socialista no país. Em 1945, a USP apoiou Eduardo Gomes para a presidência da República. No entanto, a tarefa principal de sua militância na década de 1940 foi a publicação de Vanguarda Socialista, jornal que apresentava-se como um órgão não submetido a nenhuma disciplina partidária, embora fosse construído por um grupo de pessoas com base intelectual comum. Karepovs destaca o papel do periódico como difusor de textos de autores marxistas de épocas e posições políticas distintas como Rosa Luxemburgo, Bukharin, Kautsky, Trotski, Karl Korsch e Julius Martov.

O autor chama a atenção para algo que se apresenta relevante: o trabalho intelectual como característica de um programa político. Mário Pedrosa, nos anos 1930, esteve à frente de um projeto editorial, capitaneado pela Editora Unitas, para pôr em circulação obras de autores marxistas. Nos grupamentos trotskistas dos quais fez parte, a educação política dos trabalhadores também possuía centralidade na atuação dos militantes. Isso leva a uma reflexão sobre a crença no poder da palavra, do estudo e da erudição como característica comum a um determinado grupo de militantes que se forjaram na Oposição de Esquerda na mesma década que Pedrosa, como Lívio Xavier e Edmundo Moniz.

O momento em que Pedrosa busca integrar Vanguarda Socialista à construção do Partido Socialista Brasileiro, ao lado da Esquerda Democrática, se apresenta como uma das contribuições mais inovadoras do livro. Filiado ao PSB a partir da segunda metade da década de 1940, Pedrosa desenvolve intensa oposição ao que considerava ser o varguismo e suas ramificações. Diante do suicídio de Vargas, reage com frieza, vendo aquele momento como oportunidade de libertação das massas frente às lideranças populistas. Tal oposição ao getulismo leva ao ponto alto de sua crítica, quando, após a vitória de Juscelino Kubitschek sobre Juarez Távora, Pedrosa questiona a legitimidade da votação do candidato vencedor. Tal posição o aproximava do udenismo, mas a retórica e as preocupações de Pedrosa mantém-se no campo da defesa do que imaginava ser os interesses do operariado brasileiro. As críticas ao presidente JK seriam amenizadas no fim da década, em um gesto de deslocamento de posições.

Outras elaborações relevantes são acompanhadas de perto pelo autor. Pedrosa, diante do golpe que depôs João Goulart, procura interpretar os motivos e os percursos do desenvolvimento da economia brasileira. Um militante, Pedrosa vai para o MDB e chega a se aproximar da Frente Ampla, mas sem participação efetiva. Busca reforçar as suas concepções ligadas à análise do “terceiro mundo” e se tornava cada vez mais próximo das ideias de Rosa Luxemburgo acerca do caráter da revolução e das organizações de trabalhadores. A “biografia política” se encerra com a morte de Pedrosa em um momento no qual ainda houve tempo de participar da construção do Partido dos Trabalhadores.

Karepovs destina uma segunda parte do livro à publicação de textos de excompanheiros de militância e atividade intelectual, publicados na imprensa partidária e comercial. O autor também apresenta anexos à obra. Lista os livros que compunham o programa editorial Biblioteca Socialista, a ser lançado pela Editora Unitas; relação dos artigos publicados em Vanguarda Socialista; inventário de textos, apresentações, prefácios e livros escritos por Mário Pedrosa. O autor oferece uma obra que realiza uma análise menos fragmentada da trajetória do biografado, demonstra como a identidade destinada à Mário Pedrosa como um trotskista se associou a um conjunto de elaborações muito distintas e conflitantes. Ao mesmo tempo, Karepovs realiza também um trabalho para o futuro, indicando fontes e contribuindo com pesquisas que virão.

Destaca-se o material presente no Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa – CEMAP, acervo que hoje encontra-se sob guarda do Centro de Documentação e Memória – CEDEM, da Universidade Estadual Paulista. Por fim, gostaria de citar uma lembrança curiosa. Ao visitar o arquivo em questão – no qual Karepovs teve papel destacado em sua criação – acessei um documento no qual estava uma relação de projetos de pesquisa a serem desenvolvidos pelos membros do CEMAP durante a segunda metade da década de 1980. Um dos projetos listados é a construção de um “Dicionário Biográfico” de militantes do movimento operário. No rol dos biografados, estão Mário Pedrosa, Lívio Xavier, Hílcar Leite, Edmundo Moniz, entre outros. Aparentemente, o projeto vai se realizando, por outras formas, caminhos e ritmos.

Notas

1. KAREPOVS, Dainis. O Arquivo Edgard Leuenroth e a pesquisa sobre o trotskismo no Brasil. Cadernos AEL, v. 12, n. 22/23, p. 267-280, 2005.

2. ABRAMO, Fulvio; KAREPOVS, Dainis (orgs.). Na Contracorrente da História: Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933). São Paulo: Brasiliense, 1987.

Victor Emmanuel Farias Gomes – Doutorando no Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil. Mestre em História pela Universidade Federal do Ceará; graduado em História pela Universidade Regional do Cariri. E-mail: victor.emmanuelfarias@gmail.com  ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-1654-673X CV   Lattes: http://lattes.cnpq.br/5047979239664818


KAREPOVS, Dainis. Pas de Politique Mariô!: Mário Pedrosa e a política. Cotia, SP; São Paulo: Ateliê Editorial; Fundação Perseu Abramo, 2017. Resenha de: GOMES, Victor Emmanuel Farias. A opção intelectual: Mário Pedrosa e a política. Revista Maracanan. Rio de Janeiro, n. 22, p. 235-238, set./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

 

Madhouse: psychiatry and politics in Cuban history | Jennifer Lambe

This history of Cuba’s main psychiatric asylum, Mazorra – named after the owner of the slave plantation upon which the hospital was built – aims to be much more. Impressive in scope, historical detail, and thoughtful analysis, Madhouse largely meets its two parallel, if overlapping goals: to trace the history of attitudes towards and the experience of mental illness in Cuba, and to introduce a set of new historically-informed concepts for understanding Cuban mental states. Lambe evokes the latter in a line on the very first page of the book’s Introduction: “In the borderlands of indifference and on the margins of meaning lies Mazorra, primordial laboratory of the fifth dimension” ( Lambe, 2017 , p.1) The book fulfills the first goal well and provides a lot of insight into the second.

Lambe’s goal is not just to reconstruct Cuba’s attempts to deal with mental illness, but to understand the contours and effectiveness (or lack thereof) of the Cuban state through three or four very different eras. From the late nineteenth and early twentieth centuries, with its two US occupations, to the years of corruption, the Revolution, and beyond, Lambe documents the tremendous changes in the Cuban psych fields, as well as some continuities. The first sixty-plus years of Mazorra’s existence were marred by brutal levels of neglect; the mid-twentieth century attempts at reform had minimal effect. After the revolution, the government harnessed the power of a strong, centralized state and clear sociological objectives to broaden and deepen the treatment of social pathologies. Throughout, Lambe argues, Mazorra remained an enduring symbol of the island, including its best and worst images. Leia Mais

Virginia Artigas. Histórias de arte e política | Rosa Artigas

No final dos anos 1960, convivi mais com a personagem central deste livro do que com minha mãe. Nada contra dona Lia, mas a casa de dona Virgínia e do marido, o arquiteto e professor João Batista Vilanova Artigas, era uma espécie de imã para uma penca de adolescentes, secundaristas e universitários amigos dos filhos do casal, Júlio e Rosa, de quem fui colega de classe, de grêmio e de protestos contra a ditadura.

Atraídos pelas aulas informais que o velho Artigas nos proporcionava, feliz de manter contato com a juventude de que fora apartado ao ser cassado como professor da FAU pelo AI-5, mas de certo modo mais interessados na disposição de Virgínia para ocupar o papel de confidente e conselheira, sentíamos que a partir dali tomaríamos nosso rumo, sabendo muito bem o que o povo queria. Como alertava Virgínia e se verá a partir da página 239, não era bem assim. Leia Mais

Entre a religião e a política: Eurípedes e a Guerra do Peloponeso – MOERBECK (Topoi)

MOERBECK, Guilherme. Entre a religião e a política: Eurípedes e a Guerra do Peloponeso. Curitiba: Prismas, 2017. Resenha de: SILVA, Uiran Gebara. Conflito social, política e culto na Atenas de Eurípedes. Topoi v.20 n.41 Rio de Janeiro May/Aug. 2019.

O livro Entre a religião e a política: Eurípedes e a Guerra do Peloponeso é um importante trabalho sobre a relação da tragédia com a dimensão política e religiosa da sociedade ateniense do V a.C. Há no Brasil uma grande quantidade de estudos dedicados à poética da tragédia, mas poucos voltados para a investigação histórica por meio das tragédias, não sendo incomum que muitos dos estudantes só possam recorrer ao clássico conjunto de estudos sobre essa intersecção de Jean Pierre Venant e Pierre Vidal-Naquet.1 O autor do livro, Guilherme Moerbeck, já tem um conjunto respeitável de estudos que lida com a intersecção entre política e tragédia na Grécia Antiga. Esse conjunto de investigações se expressa em vários artigos e no livro Guerra, política e tragédia na Atenas Clássica.2 Enquanto no trabalho anterior o propósito foi perseguir a hipótese de que a relação entre política, guerra e a tragédia seria mais bem compreendida por meio da noção de “gerações”, nesta nova obra há um estudo mais interessado em Eurípedes, que põe no centro de suas preocupações a hipótese de que a dinâmica da participação política em Atenas no século V a.C. pode ser entendida como a configuração de um campo político, noção tomada de Pierre Bourdieu.

Para desenvolver essa ideia, na primeira parte do livro Moerbeck articula de maneira bastante competente uma série de questões teóricas. No primeiro capítulo, “Poder simbólico e habitus: aproximações teóricas para a análise das tragédias nas Grandes Dioni síacas”, o autor apresenta e delimita o emprego que faz da teoria dos campos (pensando a distribuição de bens simbólicos, distinções sociais e poder simbólico) e da noção de habitus (produção e reprodução e práticas no interior dos campos), ambas de Bourdieu. Seu ponto de partida é o teatro ateniense como uma prática engastada ou incrustada (seguindo a terminologia de Moses Finley), isto é, uma prática social integrada em outras práticas sociais. Como o teatro está incrustrado tanto na política quanto na religião, no segundo capítulo, “Espaço, ritual e performance na cidade das Grandes Dionisíacas”, o autor busca, por um lado, compreender a dimensão ritual do teatro em sua espacialidade na cidade de Atenas na sua relação com o festival das Grandes Dionisíacas, e, por outro, apreender as conexões com o desenvolvimento das práticas políticas atenienses entre a sua constituição democrática e sua vocação imperial. Isso resulta em intuições significativas no que diz respeito à hipótese da formação de um campo político (e talvez até mesmo de um campo artístico, associado) na Atenas do século V a.C. e ao papel do conflito social como elemento constitutivo da formação desse campo. A contraparte dessa perspectiva atenta à existência integrada das práticas sociais está nas dificuldades oferecidas pelas práticas religiosas na Antiguidade para com as interpretações modernas. O instrumental intelectual desencantado da modernidade3 tem muita dificuldade em compreender adequadamente o lugar do conflito dentro das práticas religiosas (em geral pensadas como homogeneizantes), em lidar com o grau de integração da religião com outras práticas sociais, e em pensar a força do religioso em relação ao político.

Na segunda parte do livro, Moerbeck analisa de modo sistemático duas tragédias de Eurípedes, As suplicantes e As fenícias. Aqui, ao se observar a relação do teatro ora com o campo político, ora com as práticas religiosas (um campo? O autor não o articula nesses termos), aquelas dificuldades se fazem presentes. No terceiro capítulo, “Política, posição social e guerra em As suplicantes de Eurípedes”, o autor demonstra como a recriação de Eurípedes do episódio mítico em que Teseu interfere no ciclo tebano se articula com temáticas políticas e religiosas prementes para a Atenas do V a.C. Do ponto de vista das relações da tragédia com a política, a interferência remete ao próprio debate ateniense sobre a guerra contra a Liga do Peloponeso, ainda em sua primeira fase. Aqui Moerbeck dá destaque aos significados da representação dramática do caráter democrático do governo de Teseu, com especial destaque para a configuração de um discurso de oposição à tirania e para a elaboração da voz do camponês como o representante do bom senso do conjunto dos cidadãos. Já ao observar a relação da tragédia com as práticas religiosas, a análise de Moerbeck adentra o território dos costumes enraizados em um passado distante, o pressuposto religioso por trás do tabu desrespeitado por Creonte ao não permitir o sepultamento devido dos invasores mortos no conflito entre Etéocles e Polinices. Há um conflito de contornos religiosos servindo de motivação para a ação de Atenas em Tebas, uma vez que o estatuto de Atenas e seu rei como responsáveis por zelar por esse costume na Ática é um dos elementos que entram no debate na assembleia presente na tragédia

Já no quarto capítulo, “Ambição, poder e política em As fenícias”, a tragédia que é analisada tem como conteúdo mítico episódios cronologicamente anteriores, mas foi composta posteriormente a As suplicantes. Aqui, Moerbeck reflete sobre como o conflito aristocrático entre Polinices e Etéocles, nela representado, também pode ser articulado com temáticas políticas e religiosas associadas a uma fase tardia da Guerra do Peloponeso. Por um lado, o das conexões com as temáticas políticas, o debate sobre a rotatividade de governantes e a invasão de Tebas por estrangeiros é remetido aos conflitos entre os legisladores e estrategos atenienses da última década do século V, com um papel de destaque para Alcebíades. Essa operação ilumina a dimensão sofística e demagógica dos discursos de Etéocles em favor da tirania na tragédia. Por outro, no que diz respeito às relações da tragédia com as práticas religiosas, o contexto de guerra e o imperialismo ateniense colocam em relevo os vários juramentos quebrados em As fenícias, que Moerbeck remete à problemática da recente destruição de Melos pelos atenienses e a justificativa do poder pelo poder.

Ao abordar nesses dois últimos capítulos a articulação entre esses três conjuntos de práticas sociais, Moerbeck se preocupa em não reduzir uma coisa à outra, buscando integrar da melhor maneira possível tanto as posições de Julian Gallego4 quanto as de Christiane Sorvinou-Inwood.5 O resultado da sua investigação não é transformar a tragédia em metáfora da política, nem reduzi-la a uma forma racionalizada de rituais dionisíacos, mas mostrar como essa tríplice articulação permite ver a formação do campo político em Atenas. E, por isso, o conflito social tem um papel muito importante na sua economia argumentativa. É, porém, exatamente essa centralidade do conflito social que nos reenvia às previamente mencionadas dificuldades da interpretação moderna no que tange às práticas religiosas.

Quando se trata de analisar o conflito social em termos políticos, as ciências humanas têm um instrumental teórico bastante apurado. A História, em particular, uma vez que a observação do conflito social sempre está associada às temáticas da permanência e da transformação de uma sociedade. Na investigação de Guilherme Moerbeck o conflito social com contornos políticos é, sem nenhuma surpresa, definido de várias maneiras em relação às cidades, à polis: há conflito dentro das cidades, fora das cidades, entre cidades. Nesse sentido, na análise de Moerbeck das relações entre o teatro e o campo político em formação, adentra-se numa esfera de observações que a hermenêutica moderna tende a ver como mais dinâmico no que diz respeito à observação dos conflitos sociais. Enquanto o autor busca resguardar a autonomia relativa da prática dramática, há também um esforço de interpretação da relação e do desvelamento das conexões com o conflito. Há uma dificuldade de fundo que se apresenta a interpretações desse tipo, que é o estatuto do mito recriado em cada tragédia específica, de modo que a investigação pode resultar em leituras redutoras que tratam o mito como metáfora ou alegoria do conflito social, da história. A solução de Moerbeck é pensar a própria historicidade da produção do mito (recusando tacitamente visões unitaristas do mito), preocupando-se em incluir na sua análise a diversidade de interpretações concorrentes e as reescritas do mito. Isto é feito por meio da análise tanto intra quanto extradiscursiva das duas tragédias de Eurípedes, principalmente no que diz respeito à observação dos contextos de encenação e as ambiguidades do conceito de performance (e suas implicações em termos de reprodução e criação do mito e das próprias tragédias). Assim, o conflito não é encontrado na metáfora, mas no contrapelo do texto.

A relação do teatro com as práticas religiosas cria dificuldades diferentes, pois, como já dissemos, aquela hermenêutica moderna configura o religioso como um campo mais estático: os ritos são primariamente pensados como tradição e permanência (uma derivação teórica persistente da atenção durkheimiana para com a coesão social). Aqui o risco é a redução do teatro à alegoria moral do costume tradicional, agora como rito que encena o costume. Nesse contexto interpretativo, a associação das tragédias de Eurípedes com uma moralidade pan-helênica pode levar a uma visão a-histórica dessa moralidade, ou tornar certas passagens incompreensíveis, como é o caso da nossa dificuldade em decifrar o sentido do ritual que leva ao sacrifício de Meneceu. A solução de Moerbeck é novamente pensar a produção histórica dos fenômenos, isto é, historicizar o rito.6 O tratamento dado pelo autor à dimensão espacial da produção e reprodução das relações sociais das Grandes Dionisíacas na Atenas do século V a.C. tem como resultado explicitar a interpenetração do político, do econômico e do religioso nos festivais. Outro importante resultado é que aquela moralidade pan-helênica com a qual as tragédias dialogam é vista como algo que é criado, transformado, que se consolida ou se enfraquece, isto é, em termos propriamente históricos. As tragédias de Eurípedes se revelam como um território de observação da contestação constante que se ofereceu a essa moralidade no contexto da Guerra do Peloponeso.

O lugar do religioso em meio às guerras contra os persas e à Guerra do Peloponeso remete necessariamente às regras de comportamento entre as cidades gregas nesse contexto belicoso. Do mesmo modo, a efetividade dessas regras conecta-se à efetividade da dimensão religiosa que lhes dá suporte. A análise de Moerbeck demonstra que tanto as tragédias de Eurípedes quanto a narrativa histórica tucidideana (como no caso de Mitilene e Melos) denunciam a falha sistemática em se cumprir tais regras. E, nesse sentido, uma das poucas lacunas que se pode apontar ao trabalho de Moerbeck é a de não ter explorado mais o quanto sua abordagem de historicizar essa moralidade permite colocar em questão a homogeneidade da identidade pan-helênica, uma homogeneidade que até pouco tempo era tida como consolidada nesse momento da história das cidades da Grécia. Ainda assim, seu estudo é um excelente ponto de partida para os futuros pesquisadores interessados em desenvolver essa linha de investigação.

1 VERNANT, Jean-Pierre, & VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 2005.

2 MOERBECK, GuilhermeGuerra, política e tragédia na Atenas Clássica. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.

3Cf. PIERUCCI, Antônio FlávioO desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2013.

4 GALEGO, Julian. La democracia em tiempos de tragédia: asamblea ateniense y subjetividad política. Buenos Aires: Miño y Davila, 2005.

5 SOURVINOU-INWOOD. ChristianeTragedy and Athenian religion. Lanham, MD: Lexington Books, 2003.

6Para uma colocação precisa destes problemas, cf. VERSNELL, H. S.Inconsistencies in Greek and roman Religion 2. Transition and Reversal in Myth & Ritual. Leiden: Brill, 1994.

Referências

GALEGO, Julian. La democracia em tiempos de tragédia: asamblea ateniense y subjetividad política. Buenos Aires: Miño y Davila, 2005. [ Links ]

MOERBECK, Guilherme. Guerra, política e tragédia na Atenas Clássica. Jundiaí: Paco Editorial, 2014. [ Links ]

MOERBECK, Guilherme. Entre a religião e a política: Eurípedes e a Guerra do Peloponeso. Curitiba: Prismas, 2017. [ Links ]

PIERUCCI, Antônio Flávio. O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2013. [ Links ]

SOURVINOU-INWOOD. Christiane. Tragedy and Athenian religion. Lanham, MD: Lexington Books, 2003. [ Links ]

VERNANT, Jean-Pierre, & VIDALNAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 2005. [ Links ]

VERSNELL, H. S. Inconsistencies in Greek and roman Religion 2. Transition and Reversal in Myth & Ritual. Leiden: Brill, 1994. [ Links ]

Uiran Gebara da Silva – Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco/Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em História, Recife/PE – Brasil. E-mail: uirangs@hotmail.com.

Pedagogías y políticas – KOROL (RES)

KOROL, Claudia. Feminismos populares: Pedagogías y políticas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: El Colectivo; Editorial Chirimbote; America Libre, 2016. Resenha de: PAULA, Thaís Vieira de; GALHERA, Katiuscia Morena. Feminismos plurais: a América Latina e a construção de um novo feminismo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.27, n.2, 2019.

Lançado em 2016, na Argentina, com o apoio da Fundación Rosa Luxemburgo e com fundos do Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, o livro é resultado de diversos âmbitos de esforços coletivos. Pautado no feminismo latino-americano, expresso livremente e a partir de experiências plurais concretas, a obra compila escritos organizados por Claudia Korol a partir de diversas organizações de base. Em comum, o livro e as organizações de base têm a preocupação com a vocalização de experiência de mulheres do Sul Global. A partir de feminismos populares na América Latina e, em menor medida, de outros países do Sul, vozes subalternizadas de movimentos de mulheres locais, comunitárias, populares, bolivarianistas, indígenas e de luta pela terra, dentre outras pautas, são mobilizadas.

São diversas as correntes feministas que permeiam o livro: há, por exemplo, tanto o feminismo liberal que percebe na aprovação de leis pelo Congresso o processo acertado de conquista de direitos, quanto o feminismo construtivista que pauta a necessidade do entendimento do contexto cultural e como influencia na construção social do objeto. Há, ainda, feministas que bebem de diversas correntes para montar sua ação: o caso da feminista marxista que se apoiou no Congresso para o avanço de direitos de pessoas transexuais, ou seja, a militante se apoiou em repertórios políticos dos feminismos liberais e dos transfeminismos, embora se identifique como marxista. Leia Mais

Raza y política en Hispanoamérica – PÉREZ VEJO; YANKELEVICH (RHYG)

PÉREZ VEJO, Tomás; YANKELEVICH, Pablo (coords.). Raza y política en Hispanoamérica. Ciudad de México: Iberoamericana, El Colegio de México y Bonilla Artiga Editores, 2018 (1ª edición 2017). 388p. Resenha de: ARRE MARFULL, Montserrat. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.41, p.199-205, 2019.

El conjunto de trabajos presentados en esta compilación realizada por Tomás Pérez Vejo y Pablo Yankelevich, que en total suman diez, incluyendo dos capítulos de los compiladores, es un apronte serio y actualizado del ya muy referido –aunque nunca agotado– tema de la construcción nacional en las diversas repúblicas americanas. El elemento novedoso en este caso es la sistemática inserción de la discusión sobre la “raza” que guía cada uno de estos trabajos, en un esfuerzo por hacer converger los idearios de identidad nacional que emergieron en América tras las independencias y las conflictivas relaciones político-sociales evidenciadas en estos espacios, a las que, con cada vez más fuerza y honestidad, definimos como racializadas .

Para los compiladores, proponer el análisis de estas dinámicas nacio- raciales en los siglos XIX y XX aparece como necesario ya que, según indican, “no es que la raza formase parte de la política, sino que era el fundamento de la política misma” (p.12). Partiendo, así, de esta premisa, los diez autores convocados ensayan y demuestran cómo es que las ideologías racialistas que se gestaron en América desde la conquista o desde el siglo XVIII ilustrado, calaron profundamente y configuraron de manera compleja las propuestas romántico-nacionalistas, liberales y cientificistas de los siglos XIX y XX –a lo menos–, hasta mediados del siglo pasado. Leia Mais

Entre as províncias e a nação: os diversos significados da política no Brasil do oitocentos | Adriana P. Campos, Kátia S. da Motta, Geisa L. Ribeiro e Karulliny S. Siqueira

Organizado por Adriana Pereira Campos, Geisa Lourenço Ribeiro, Karulliny Silverol Siqueira e Kátia Sausen da Motta, a obra “Entre as províncias e a nação: os diversos significados da política no Brasil do oitocentos”1 traz consigo um relevante debate acerca da multiplicidade de relações existentes no Brasil oitocentista. A contribuição de dez autores para a realização do livro, objetivou diversificar a história política do Império, por meio da inclusão de províncias e atores políticos variados. Assim, trazendo novo sentido ao contexto imperial. O livro é resultado de debates entre pesquisadores que participaram do III Simpósio Internacional da Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos (SEO), ocorrido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2018.

Ao nos debruçarmos sobre a obra, percebemos a multiplicidade de relações políticas contidas no Brasil Império que formavam um todo na trajetória contextual.

Retirar a lupa somente dos denominados “grandes acontecimentos” e dos principais atores políticos comumente ressaltados na historiografia é também traçar uma história política diversa em estrutura e significados. Neste sentido, a obra analisada percorre entre províncias distintas e personagens políticos ressignificados, promovendo assim, diversas participações para os acontecimentos do período, para além da Corte ou dos “grandes homens”.

Em primeiro momento, a obra contempla a temática “Biografias e trajetórias políticas” expressando a história de personagens políticos do Império que transcendem a historiografia tradicional. Vale ressaltar, a necessidade de colocar em evidência novos personagens políticos, enriquecendo o debate historiográfico com a criação de novos esquemas a serem analisados. Assim, Cecília Siqueira Cordeiro traz a análise do personagem político Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, propondo um novo olhar sob as decisões políticas do liberal que é comumente recordado pela historiografia como o defensor do Brasil na causa da Independência. Rememorando, através da análise de um opúsculo, que num primeiro momento Antônio Carlos defendeu a união de Brasil e Portugal no contexto da emancipação, evidenciando uma mudança de comportamento da figura em momento posterior. Deste modo, a autora não encontra um desarranjo na trajetória política do personagem, todavia, um indivíduo alinhado a cultura política da sua época. Ademais, Cecília Cordeiro traça a trajetória historiográfica da figura deste Andrada, e a timidez de sua relevância diante de seus irmãos José Bonifácio e Martim Francisco.

A autora Adriana Pereira Campos, conduz em sua pesquisa a trajetória política de Marcelino Duarte, um padre, redator e natural da Província do Espírito Santo que foi uma das vozes exaltadas que entoaram na Corte. A análise da historiadora revela a carreira de um padre exaltado cujo pensamento político se distinguia da cultura política de sua província natal. Assim, o estudo de Campos contribui para o debate acerca do pluralismo de opiniões que circulavam nas províncias do Império e a relação que esses indivíduos possuíam com o Rio de Janeiro.

Na segunda parte da obra, intitulada “Disputas políticas e partidárias”, contemplam-se as efervescências política na Corte e nas províncias. Logo, Rafael Cupello Peixoto, debruçado sob o tema da construção da identidade nacional brasileira, investiga a Carta de Barbacena, representada no passado como símbolo da nacionalidade brasileira, ou seu valor profético acerca do resultado da conjuntura política do Primeiro Reinado.

Indicando aspectos do jogo político no entorno da Corte Palaciana de Pedro I, a análise da fonte indicou ao autor duas tendências da direita conservadora dentro dos áulicos: os tradicionalistas e os conservadores. Ademais, Peixoto expõe cada vertente e o jogo político da época.

Ampliando a escala para o Maranhão, Roni César de Araújo dedica-se ao estudo da construção da identidade brasileira naquela província, compreende, através da análise de periódicos, que o “novo espírito”2 do Brasil chegou naquela localidade em momento posterior à Corte. Neste sentido, Araújo expõe que o antilusitanismo alcançou a imprensa da província em 1825, sendo precedido pela fidelidade ao governo português. Além disso, explica as relações de conveniências expressas na região.

A terceira parte da obra abarca o “Sistema representativo e práticas políticas”, destacando a dinâmica das eleições no Império, pondo em relevância a pluralidade existente no período, no momento em que destaca a realidade do processo eleitoral em algumas províncias. Assim, Rodrigo Marzano Munari salienta a participação popular no sistema representativo em São Paulo. O autor questiona a visão de passividade da população menos abastada da sociedade imperial. Estes indivíduos, em sua perspectiva, se configuravam como atores políticos envolvidos por vontades próprias, interferindo e agindo no processo eleitoral. Ademais, Munari chama atenção para um outro olhar que a sociedade possuía acerca do sistema representativo, pois, além do voto, participavam do processo por meio de petições, queixas ou até mesmo se armando contra a vontade dos poderosos.

Ana Paula Freitas traz em sua investigação o papel da província de Minas Gerais na estruturação do Estado Nacional, considerando a importância da participação dos deputados mineiros na Reforma Eleitoral de 1855. Deste modo, a autora destaca a importância do parlamento brasileiro no sistema representativo, ressaltando a trajetória do tema até sua aprovação. Assim, analisando os resultados da reforma no ano posterior a sua aprovação, Freitas conclui que a Lei de Círculos resultou na pluralidade do parlamento e ampliou a sua representatividade.

Trazendo o debate acerca da representação no Império brasileiro, Kátia Sausen da Motta expõe de que maneira se configurava o período pré-eleitoral e as relações entre votantes e aspirantes aos cargos políticos na Província do Espírito Santo. Revelando aspectos eleitorais da época e a particularização da localidade, a autora demonstra o empenho dos candidatos e suas estratégias para garantir a vitória no pleito. Neste sentido, salienta a utilização de chapinhas nos jornais da província com o intuito de divulgar as candidaturas.

Aproximando a escala para o Nordeste, Williams Andrade de Souza constrói a sua análise através da eleição de vereadores na Câmara Municipal de Recife na primeira metade do século XIX. O autor expõe o perfil dos candidatos e votantes, suas filiações e a representatividade emanada no município. Assim, Souza apresenta o processo eleitoral para além da manutenção das elites, manifestando as peculiaridades e os desvios do processo, propondo uma complexidade de compreensão ao tema, revelando a participação de cidadãos comuns de forma ativa no movimento. Além disso, evidencia o processo da ampliação de votantes no período e a heterogeneidade presente nos pretendentes aos cargos.

A quarta parte da coletânea se intitula “Linguagens e ideias políticas”, abordando especificamente os momentos finais do Império, debatendo a linguagem da propaganda republicana na Província do Espírito Santo e as discussões acerca da escravidão na localidade, por meio da imprensa local. Deste modo, Karulliny Silverol Siqueira traça a trajetória do republicanismo no século XIX, explicando seus diversos significados, sua heterogeneidade em práticas e de recursos linguísticos. Dessa maneira, a autora traz a especificidade da província do Espírito Santo, onde o radicalismo dificilmente aflorava, trazendo o significado do republicanismo primeiramente ao municipalismo, onde os redatores de Cachoeiro de Itapemirim reclamavam a centralidade dos monarquistas na capital da localidade.

Por fim, Geisa Lourenço Ribeiro esboça a linguagem da abolição no periódico O Constitucional, pertencente ao Partido Conservador na província. A autora propõe a revisão da retórica do jornal, pois, embora o discurso de benevolência ao fim da escravidão, a trajetória linguística do O Constitucional revelaria o contrário, expondo um abolicionismo de última hora, por conveniência. Assim, o estudo da fonte indicou uma trajetória escravista no idioma da folha, e que no fim buscou trazer para o Partido Conservador o advento da emancipação. Ademais, expõe a especificidade do abolicionismo na província do Espírito Santo, permeada por uma linguagem imbuída de moderação.

Ao analisarmos a peculiaridade da pesquisa de cada autor, não encontramos uma unidade de relações no Império, entretanto, a multiplicidade de significados políticos no território brasileiro. Esse tipo de historiografia concorda com o aspecto de Max Weber na qual a análise consiste em uma História no sentido variável, onde o indivíduo possui a direção das relações sociais no momento em que configura sua relação com o outro (DIAS; MAESTRO FILHO; MORAES; 2003). Assim, consideramos o estudo das particularidades como o estudo da criticidade sobre as macroestruturas, onde as individualidades, ao se afastarem da realidade como um todo, promoverão, uma compreensão das redes existentes para a formação dessa totalidade.

Neste sentido, consideramos obra de extrema relevância para o debate da cultura política do Império brasileiro. A análise das distintas províncias e os diversos personagens políticos promovem um entendimento dos conflitos existentes para a formação da realidade do território. Essa diversidade de conexões não confunde ou empobrece a História do Brasil Império, todavia promove uma amplitude no debate enriquecendo-o e instigando a possibilidade cada vez mais abrangente de estudo.

referências CAMPOS, Adriana Pereira; MOTTA, Kátia Sausen da; RIBEIRO, Geisa Lourenço; SIQUEIRA, Karulliny Silverol (Org.). Entre as províncias e a nação: os diversos significados da política no Brasil do oitocentos. Vitória: Editora Milfontes, 2019.

DIAS, Devanir Vieira; MAESTRO FILHO, Antônio Del; MORAES, Lúcio Flávio R. O paradigma weberiano da ação social: um ensaio sobre a compreensão do sentido, a criação de tipos ideais e suas aplicações na Teoria Organizacional. Revista de Administração Contemporânea. v.7 n.2, p. 57-71, Abr/Jun. 2003.

LUSTOSA, Isabel. O debate sobre os direitos do cidadão na imprensa da Independência.

In.: RIBEIRO, Gladys Sabina; FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone (Org.).

Linguagens e práticas da cidadania no século XIX. São Paulo: Alameda, 2010.

Notas 1 O livro é resultado de debates entre pesquisadores que analisam o século XIX, cujo objetivo é transitar entre as esferas locais e o nacional. É também o desfecho das discussões ocorridas em outubro de 2018 durante o III Simpósio Internacional da Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos (SEO), ocorrido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

2 O autor elucida que o termo destacado foi estudado por Isabel Lustosa, quando esta tratava do tema na imprensa fluminense, cujo significado expressava às “expectativas sobre a nova Ordem”. Cf. LUSTOSA, 2010.

Drlely Neves Coutinho – Graduada em História pela Faculdade Saberes. Aluna Especial de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail:drielynevescoutinho@gmail.com.


CAMPOS, Adriana Pereira; MOTTA, Kátia Sausen da; RIBEIRO, Geisa Lourenço; SIQUEIRA, Karulliny Silverol (Org.). Entre as províncias e a nação: os diversos significados da política no Brasil do oitocentos. Vitória: Editora Milfontes, 2019. Resenha de: COUTINHO, Drlely Neves. As províncias formam um Império: a pluralidade das relações políticas no Brasil oitocentistas. Revista Ágora. Vitória, v.31, n.1, 2019. Acessar publicação original [IF].

 

Sobre política capixaba na primeira República | Nara Saletto

O Arquivo Público do Estado do Espírito Santo lançou, na coleção Canaã, relevante contribuição da historiadora Nara Saletto sobre a Primeira República no Espírito Santo. A pesquisadora possui destacada produção historiográfica a respeito da história regional, especialmente sua dissertação de mestrado, intitulada “Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo”, e tese de doutorado, “Trabalhadores nacionais e imigrantes no mercado de trabalho do Espírito Santo (1888-1930)”.

Nas duas últimas décadas, a historiografia colocou as investigações de Nara Saletto entre os estudos clássicos sobre o Espírito Santo. No livro publicado pela coleção Canaã em 2018, a pesquisadora oferece ao leitor novos subsídios para a compreensão da história capixaba na Primeira República. E, uma vez mais, ela apresenta estudo seminal sobre nossa história regional. Leia Mais

The Age of Agade. Inventing empire in ancient Mesopotamia – FOSTER (PR)

FOSTER Benjamin R
Benjamin R. Foster and Karen Polinger Foster— 2011 Felicia A. Holton Book Award . www.archaeological.org/

FOSTER B The age of agadeFOSTER, B. R. The Age of Agade. Inventing empire in ancient Mesopotamia. Londres y Nueva York: Routledge, 2016. 438p. Resenha de: GARCÍA, J. Álvares. Panta Rei. Revista Digital de Ciencia y Didáctica de la Historia, Murcia, p.185-189, 2019.

Profesor de Asiriología en la Universidad de Yale, Benjamin R. Foster es un gran especialista en estudios sobre el Próximo Oriente antiguo. De entre sus líneas de investigación están la Historia, general, económica y social de Mesopotamia así como también sus estudios sobre literatura mesopotámica contando con trabajos como el galardonado Civilizations of Ancient Iraq (2010) o la obra Before the Muses (última edición de 2005), una antología de la literatura acadia ya considerada una obra clave en los estudios sobre historia intelectual del Próximo Oriente antiguo.

En el presente trabajo, encuadrado en esa línea de investigación más centrada en los estudios históricos, la intención del autor es mostrar las características políticas sociales, económicas y culturales que se desarrollaron en la región de Mesopotamia durante el periodo de Akkad y por qué motivos este periodo fue visto como un referente a lo largo de la Historia posterior del Próximo Oriente durante la antigüedad.

El primer capítulo está dedicado a la historia política de Akkad. Este periodo comienza con la llegada al trono de Kish de Sargón y sus diferentes campañas de conquista, ganándose la fama de gran rey con la que se le recordará en periodos posteriores. No obstante, su hijo y sucesor, Rimush, tendrá que hacer frente a un conjunto de revueltas tras la muerte de su padre; incluso es posible que acabara sus días asesinado. Tras esto, su hermano Manishtushu alcanzó el trono iniciando un programa de conquistas y de consolidación de las mismas. Posteriormente, su hijo Naram-Sin toma las riendas del estado y su reinado constituirá el apogeo del Imperio. Al igual que antecesores suyos tuvo que hacer frente a levantamientos, por lo que es posible que el recuerdo de la represión ejercida contra los sublevados le valiera la fama posterior de rey soberbio. Durante el reinado de Naram-Sin se llevó a cabo un amplio programa constructivo y una serie de reformas administrativas y burocráticas. En política exterior, junto a las conquistas también se desarrolla la diplomacia, con matrimonios dinásticos con reinos fronterizos. Por último, el sucesor de Naram-Sin, Sharkalisharri será el último gran rey de Akkad. Finalmente, las sublevaciones e invasiones exteriores, en un contexto de crisis económica y descontrol territorial, provocarán la caída de este proyecto político.

El autor reserva el capítulo segundo a dar las claves de la sociedad durante el periodo acadio. Seguramente sea el régimen ecológico de la zona norte de Mesopotamia la que de coherencia al territorio original acadio frente a la llanura aluvial del sur, Sumer. Es en esta zona donde se desarrolla (pero no exclusivamente) un sustrato etno-lingüístico acadio. Si en términos jurídicos debemos hablar de dos grupos de población: libres y esclavos, vemos que en términos socioeconómicos estos se diversifican en relación a las propiedades y los medios con los que cuentan. Las relaciones entre los miembros de las distintas clases sociales se rigen por redes clientelares y de patronazgo. De esta forma, la administración se organiza como una red de patrones y clientes que tienen en su cúspide al propio rey, seguido por sus familiares más allegados, administradores centrales, provinciales, cultuales, militares y todo el personal administrativo dependiente de ellos.

En el capítulo tres, el autor hace una descripción de los asentamientos acadios y de aquellos centros constatados arqueológicamente desde donde el poder acadio ejercía su autoridad tanto en Mesopotamia como en la periferia. De los diferentes asentamientos se destaca la especial importancia dada por parte de la administración imperial a la explotación económica de sus territorios circundantes así como a su papel estratégico como centros de recepción de materias primas desde la periferia, como Tell Brak, Assur o Susa. Finalmente, el autor reflexiona sobre si se puede calificar al estado acadio como Imperio, afirmando que sí si atendemos al programa de conquistas y control del territorio y a la ideología real que se desarrolla de “dominio universal”. En relación al anterior, en el capítulo cuatro se explican el conjunto de bases económicas y las actividades y trabajos desarrollados en torno a ellas. Las principales actividad económica es la agricultura y la ganadería, donde era fundamental la explotación de la región del sur mesopotámico (Sumer). En cuanto al trabajo, éste estaba basado en trabajadores dependientes a tiempo completo y trabajadores reclutados en épocas muy específicas, todos retribuidos mediante sistemas de raciones. En relación a la ganadería, destacaba la oveja por su lana, la principal materia de transformación y exportación. En lo referente al comercio y transporte, el autor destaca los cursos fluviales como vía principal de comunicación, además de ser fuente de recursos pesqueros. La última parte del capítulo está dedicada al conjunto de actividades de transformación de materias primas en alimento, destacando la molienda y la producción de cerveza.

El siguiente capítulo versa sobre el conjunto de actividades de tipo artesanal/industrial que se desarrollaron en el periodo acadio. Muchas son herederas de épocas anteriores, pero durante ésta podemos apreciar una alta estandarización producto de una mayor concentración de artesanos en talleres reales y una mayor cantidad de bienes gracias a, por un lado, una mayor importación de materias primas y, por otro, una mayor demanda por parte de las élites. Así pues, el autor comienza analizando la producción cerámica; pero destaca sobre todo los trabajos en metal, piedra y madera. alcanzándose una gran maestría técnica en ellas. También hay que destacar los textiles en lana o en piel; así como las artesanías más selectas como la ebanistería o los aceites perfumados.

En lo que respecta al capítulo seis, dedicado a la religión, el autor destaca una serie de innovaciones pese a la gran continuidad en la evolución de la religiosidad mesopotámica. Las divinidades acadias que se incorporan al panteón mesopotámico destacan por ser divinidades celestiales: Shamash, Sin, Ishtar, etc. y por participar en una mitología guerrera. De entre las mayores innovaciones está la deificación de ciertos reyes en vida, como Naram-Sin, junto a la elevación de Ishtar a lo alto del panteón nacional y la política de integración de cultos y divinidades acadias con sumerias. Si bien podemos identificar ciertos templos particulares del periodo acadio, en la mayor parte de los santuarios reina la continuidad. En estos se aprecia la vinculación entre religión y política puesto que son los reyes los que llevan a cabo ritos y realizan ofrendas suntuosas. Entre las formas de piedad colectiva siguen estando las festividades, las cuales carecen de un calendario estandarizado para todo el imperio.

En cuanto al aspecto militar, tratado en el capítulo siete, vemos como los reyes acadios recogen una serie de tradiciones anteriores, como el denominarse elegidos por Enlil para reinar sobre Mesopotamia. Pero, por otra parte, fomentaron el aspecto guerrero del rey y sus capacidades personales como aptitudes necesarias para ejercer la realeza. En lo tocante a la composición y armamento del ejército, vemos que esto no cambia demasiado respecto a periodos anteriores, exceptuando la organización del mismo que es puesto bajo la autoridad de militares profesionales.

El corto capítulo ocho está dedicado al comercio y las diferentes formas de intercambio. Como ya se ha dicho, la llanura mesopotámica carece de una serie de materias primas fundamentales que debían importarse; en época acadia lo que se aprecia es un incremento en dichas importaciones. En torno a la naturaleza de este comercio, la existencia de mercaderes privados que podían estar también al servicio de las grandes instituciones, la existencia de medios de pago estandarizados como la plata y la cebada, así como también de tasas, impuestos y precios estipulados indican que la economía real del periodo era plenamente tributaria y no exclusivamente redistributiva.

El capítulo nueve viene a tratar todo lo referente a las artes y a la producción literaria. Aquí podemos apreciar una línea transversal en el arte acadio, la inclinación por representar la ideología real basada en el militarismo, la fuerza, la heroicidad y la especial relación del rey con los dioses. La escultura, el relieve e incluso la glíptica, desarrollan estos temas y en ellas se alcanza una alta perfección técnica considerándose el periodo clásico de la escultura en Mesopotamia. En literatura sobresale la princesa y sacerdotisa Enheduanna. Esta poetisa (primera de la literatura mundial) también sirvió con su obra a la ideología real a través de sus himnos a los dioses y a los reyes. En prosa destacan las inscripciones conmemorativas, y la epistolografía, que adquieren un importante valor literario. En esta producción literaria hay que destacar el uso paralelo del acadio y el sumerio como lenguas eruditas, junto al desarrollo de la música que acompañaba la representación de las composiciones literarias. Por último, la matemática y la cartografía cuentan con una importante presencia asociada a la administración.

Una vez señalada la identidad del arte y la producción intelectual, el autor centra el capítulo diez en definir los valores humanos acadios, en otras palabras, la identidad acadia. En primer lugar a través de ciertos aspectos de la vida cotidiana como el nacimiento, la niñez y la educación, la vida familiar y la casa y la muerte y el funeral. Pero el autor también analiza los sentimientos y las emociones; de las cuales solo tenemos testimonio de las experimentadas por las élites. Aquí el autor comenta como se entendía en el periodo acadio la felicidad y la tristeza, el amor y la sexualidad y el espíritu competitivo entre los miembros de la élite que pugnaban por ascender dentro de la administración imperial.

En el capítulo once, el autor reflexiona sobre la memoria de los reyes de Akkad en periodos posteriores de la historia de Mesopotamia. Si bien algunos de ellos siguieron siendo reverenciados e incluso se mantuvo su culto funerario, otros recibieron el castigo y la deshonra. Sin embargo, en su gran mayoría las estelas de los reyes acadios permanecieron en los santuarios en donde fueron erigidas, siendo copiadas por escribas y eruditos. De hecho, el autor traza una relación entre menciones a los reyes acadios en la literatura profética posterior y los hechos contados en las estelas, por lo que dichos presagios se inspiraban en estas narraciones. Las crónicas posteriores no se olvidaron tampoco de los reyes acadios generándose incluso en torno a ellos una rica literatura épica. Por su parte, el legado acadio se aprecia en los nombres y titulatura de muchos reyes posteriores, queriendo emular la fuerza y poder de sus antecesores.

El último capítulo de la obra consiste en una reflexión sobre los estudios en torno al periodo acadio. Así pues, su presencia en la historiografía sobre el próximo oriente antiguo comienza con el descubrimiento, entre mediados y finales del siglo XIX, de textos e inscripciones que hacían referencia a los reyes acadios. A partir de aquí se sucedieron durante la primera mitad del siglo XX los hallazgos y las interpretaciones sobre quiénes eran y de donde procedían. Y fue a partir de entonces cuando se empezaron a publicar las primeras síntesis. No obstante, no fue hasta el descubrimiento de los archivos de Ebla en 1975 cuando se empezó a contar con un volumen importante de información.

De este modo, Benjamin R. Foster nos ofrece una completa y detallada síntesis del periodo acadio. Podemos ver cómo el denominado Imperio de Akkad hereda una serie de procesos históricos, sociales y económicos que se iniciaron en etapas previas, así como también un conjunto de estructuras políticas e ideológicas que recogen los reyes acadios. Sin embargo, este conjunto de características heredadas se potencian en esta etapa a todos los niveles: una más alta concepción de la realeza, una burocracia estatal más sólida, una explotación de los recursos más intensiva, un deseo de compenetración de las identidades socioculturales que componían Mesopotamia. Una aceleración de procesos que alcanza el apogeo en durante el reinado de Naram-Sin. Se generó así un conjunto de características exclusivas sin las cuales no podríamos explicar la historia posterior. De esto se dieron cuenta incluso los propios antiguos, reteniendo en su memoria a los poderosos reyes acadios.

No obstante, el profesor Foster es demasiado optimista al calificar de “Imperio” al proyecto político de los reyes acadios. Esto va más allá de un simple calificativo, puesto que el concepto histórico de “imperio” encierra unas connotaciones ideológicas y unos desarrollos políticos, sociales, económicos y culturales mucho mayores que aquellas a las que llegaron los reyes de Akkad. Sin lugar a dudas este periodo marcó la historia posterior de Mesopotamia en particular y del Próximo Oriente en general, dejando una fuerte impronta en el imaginario colectivo de la región. No obstante, aquellos que defienden la naturaleza imperial del estado acadio, se dejan llevar por las fuentes posteriores que tanto veneraron la tradición de aquellos reyes. Si estudiamos la naturaleza del periodo en su contexto, vemos un alcance limitado del “Imperio” tanto en su plano ideológico como fáctico.

En este sentido, hay que decir que el debate no cosiste en preguntarse si Akkad fue o no un imperio, un error metodológico por el cual se pretende adscribir el hecho a un concepto historiográfico convirtiendo así el concepto y no el hecho en el objeto último de nuestra investigación, perdiendo por tanto el concepto su capacidad de ser herramienta explicativa del hecho histórico. Por este motivo, en primer lugar, debemos preguntarnos, ¿qué es un imperio? Si lo estudiamos desde una perspectiva más amplia, podemos ver que, a lo largo de la historia, el denominador común de todo imperio es su ideología, por lo tanto, no podemos disociar imperio de imperialismo. En este sentido, el profesor Mario Liverani hace una interesante reflexión sobre el concepto “misión imperial” en su recentísima obra, Assiria. La preistoria dell’imperialismo, Bari: Laterza, 2017. Según este concepto, la clave para poder calificar una estructura política de imperio es la necesidad de conquistar, unificar, ordenar y gobernar el mundo, generándose unas estructuras políticas e ideológicas que se derivan de este conjunto de intenciones.

Siguiendo esta norma, no podríamos calificar de imperio al estado que crean los reyes acadios. Para empezar, los afanes de dominio universal de los que hacen gala los reyes acadios no corresponden a una ideología imperialista, sino más bien a una propaganda real propia del periodo por la que desean legitimar su gobierno a través de sus propias cualidades guerreras, heroicas y, en ciertos casos, divinas. Esto se aprecia además en que los reyes de Akkad, una vez unificada Mesopotamia, no dirigen empresas de conquista más allá, sino más bien desarrollan una serie de campañas destinadas a mantener bajo control puntos estratégicos necesarios para el abastecimiento de materias primas. Esto igualmente lo vemos en la producción artística y literaria, encaminada a servir de canal de propaganda de la realeza y no a ser la muestra de la gloria y el poder el supuesto imperio.

En su vertiente más económica, la posición de vanguardia que toma la región de Akkad frente a Sumer no se debió tanto a la política económica activa de los reyes acadios, sino que responde a una dinámica ecológica por la cual los territorios aguas arriba de los dos grandes cauces fluviales tienen ventaja sobre las tierras que hay en la llanura aluvial, cuyas aguas tienden a la salinidad y el estancamiento. Si bien no podemos negar que el dominio acadio sobre toda Mesopotamia y ejercido desde esa región del norte (económicamente más favorable) pudiera acelerar el proceso, tampoco podemos afirmar de ninguna manera que fuera una política consciente de los reyes acadios. En primer lugar, porque es un proceso ecológico que se encuadra en un marco cronológico mucho más amplio, que se inició antes de las conquistas de Sargón de Akkad y que continuará tras la caída del dominio acadio, con la excepción del periodo de gobierno de la III dinastía de Ur y sólo gracias a los ingentes esfuerzos de sus gobernantes por revertir dicho proceso.

Igualmente, en su faceta socio-cultural, no podemos adscribir a los reyes acadios el que el elemento semítico de la sociedad se anteponga al elemento sumerio. Esto tiene un proceso paralelo al ecológico del que hemos hablado anteriormente. Se trata de un proceso etnolingüístico por el cual aquellas lenguas que encuentran facilidades de traducción y reproducción en otras del entorno tienden a perpetuarse. En este sentido, el sumerio, pese a haber sido la lengua en la que se escribieron los primeros textos y constituir la base cultural de los primeros estados de Mesopotamia, no deja de ser un grupo etnolingüístico aislado, sin paralelos en otras lenguas. Por el contrario, el acadio, como lengua perteneciente al tronco semítico, encuentra fácil traducción y perpetuación en otras lenguas del entorno, como el eblaíta; por lo tanto, la fluidez de información es mucho mejor entre distintos territorios. Así pues, de forma semejante a lo que se ha comentado sobre el proceso ecológico que se desarrolla en Mesopotamia, el proceso etnolingüístico que favorecía al elemento acadio sobre el sumerio pudo ser acelerado por los reyes acadios, pero no podemos adscribirles a ellos el mérito de tal hecho puesto que continuará en periodos posteriores cuando los reyes acadios ya eran tan sólo un recuerdo y el sumerio quede relegado por completo al papel de lengua erudita.

Así pues, calificar de “Imperio” al estado unificado de Mesopotamia bajo el gobierno de la dinastía de Akkad sería algo erróneo. Pese a esto, no podemos obviar el hecho de que no se trató de un estado territorial más, puesto que se implementan muchas de las estructuras políticas y económicas previas, así como se aceleran muchos de los procesos históricos sin los cuales no podríamos entender la Historia posterior del Próximo Oriente. Por este motivo, Mario Liverani, en la obra conjunta que él mismo edita, Akkad, the first world empire: structure, ideology, traditions, Padova: Sargon, 1993; recurre al término de “red imperial”. Según este concepto, el estado acadio no habría cambiado las estructuras políticas y económicas previas, sino que se habría asentado sobre ellas controlando exclusivamente las relaciones entre las mismas, convirtiéndose así el estado central en punto de intersección de dichas estructuras.

Juan Álvarez García – Universidad Autónoma de Madrid.

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Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a excepção. vol. II (1915-1918) – CHORÃO (LH)

CHORÃO, Luís Bigotte. Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a excepção. vol. II (1915-1918). Lisboa: Letra Livre, 2018, 669 pp. Resenha de MATOS, Sérgio Campos. Ler História, v.75, p. 291-295, 2019.

1 Há hoje duas tendências muito frequentes nos estudos históricos, que aliás não são recentes. A primeira é a sua subordinação a agendas políticas parciais e a pré-conceitos que reduzem a multiplicidade de possibilidades que qualquer conjuntura histórica encerra em si mesma – esquecendo que qualquer tempo passado transporta consigo uma memória plural e expectativas de futuro que não se podem reduzir a um caminho único ; por exemplo, toma-se a I República em todo o seu percurso, indiferenciadamente e sem distinções mais finas, como um regime “radical e violento” ou até como um “regime terrorista” – o que impede a sua compreensão histórica. A outra tendência, que podemos designar de narrativista, prende-se com a ilusão de que uma narrativa linear de acontecimentos numa escala meramente individual e em ordem cronológica é suficiente para compreender os problemas. Esta tendência exprime-se na atracção pela biografia entendida do modo mais simples : como se a sucessãolinear de acontecimentos que se vão sucedendo numa vida pudesse explicá-la. O que não quer dizer que não encontremos excelentes biografias publicadas nos últimos anos por autores portugueses.

2 Ora, Luís Bigotte Chorão foge a estas duas tendências. Consciente da complexidade da época que estuda, escolheu um caminho bem mais difícil, prosseguindo um projecto iniciado há anos – o de analisar detalhadamen-
te as relações entre política e direito no tempo da I República. Um projecto coerente que se distingue por interesses históricos amplos. O autor já publicou um volume sob o mesmo título em 2011,1 e incide agora nos anos que coincidem com a I Guerra Mundial, anos críticos em que a recém-instaurada República foi posta à prova perante outras potências europeias que constituíam ameaças à sua integridade territorial e à própria independência nacional : o Império alemão e a Espanha. O problema do relativo isolamento internacional da I República e as ameaças externas e internas que a atingiam explica em larga medida a intervenção portuguesa na Grande Guerra. A difícil conjuntura em que se dá a intervenção na guerra permite-nos compreender, em larga medida, a dialéctica entre legalidade e excepção num regime que não chegou a durar 16 anos.

3 O historiador baseia-se num largo leque de fontes de carácter muito diverso : imprensa periódica, diários da Câmara dos Deputados e do Senado, memórias, depoimentos, panfletos, variada documentação de arquivo, etc. E dá-nos referências dessas fontes em frequentes e extensas notas. Mas as análises detalhadas que encontramos nas 670 páginas deste livro estão também escoradas em estudos actualizados, muitos deles internacionais (designadamente sobre a Grande Guerra). E também estes passam pelo bisturi crítico de Luís Bigotte Chorão, que por vezes discorda dos seus pares – geralmente com bons e provados argumentos –, sobretudo quando outros historiadores nos dão interpretações parciais de factos, não escoradas em provas. É que o autor é comandado por uma intenção central de veracidade histórica, dando voz aos múltiplos agentes e orientações políticas que sempre se confrontam numa comunidade nacional. O autor é avesso a pré-conceitos que estreitem a compreensão do passado e reduzam o leque de problemas e expectativas que coexistem em determinada conjuntura histórica. Esta é, pois, uma obra em que domina um regime rigoroso de verdade (ou não fosse o seu autor jurista de profissão) e um sentido analítico que não é acessível a qualquer leitor, pois convoca actores históricos, alguns de segundo plano, hoje esquecidos do leitor médio, acontecimentos, problemas e conceitos políticos e jurídicos, tudo isto com um detalhe que por vezes torna a sua leitura difícil para quem desconheça a história da I República.

4 Há uma preocupação de situar as dificuldades políticas de múltiplos ângulos, tendo em conta problemas estruturais, económicos e sociais, dados da história económica comparada – por exemplo, “o PIB per capita de Portugal era de cerca de um terço do dos países mais desenvolvidos, o mais pobre da Europa ocidental e dos mais pobres de toda a Europa” (p. 210) – com largas referências à crise das subsistências e à política de abastecimentos durante a guerra. Sem esquecer as políticas sociais debatidas na época ; o modo como foi considerada a participação de Portugal na Grande Guerra entre os juristas da Faculdade de Direito de Lisboa e a acção de vários ministros da justiça ; a atenção a problemas sociais – caso da vadiagem, ou do agudizar da conflituosidade e violência social que, na conjuntura de princípios de 1916, o autor caracteriza como “uma insurreição popular contra a carestia de vida, tendo por finalidade o assalto aos estabelecimentos comerciais de géneros alimentícios, calçado, roupa e casas de penhores” (p. 414). Mas a lente do historiador dá também atenção a faits-divers e a acontecimentos singulares sintomáticos que se repercutiram politicamente, caso do acidente de Afonso Costa num carro eléctrico, logo explorado criticamente pelos jovens futuristas ligados à Orfeu, entre eles Fernando Pessoa, pela voz de Álvaro de Campos. Ou o caso do soldado Ferreira de Almeida, único exemplo de um militar a ser executado, em Setembro de 1917, sentenciado que fora a pena de morte, acusado de ter passado para o lado do inimigo – em contraste com as centenas de militares de outras nacionalidades que foram sentenciados à pena máxima.

5 Destacarei cinco tópicos em que o autor abre horizontes de pesquisa pouco explorados pela historiografia portuguesa, situando-os numa perspectiva transnacional, e contribuindo para alargar o conhecimento da situação de Portugal no tempo da guerra, tanto no cenário interno como no âmbito internacional. O primeiro tem que ver com amnistias e indultos. O autor alude à “generosa tradição amnistiadora” da República, com múltiplos diplomas que remontam aos primórdios do regime (o primeiro datado de 4 de Novembro de 1910, três em 1911, um em 1912, um em 1913, quatro em 1914) além dos indultos e das comutações de penas (p. 40) – o que envolve o problema das relações do novo regime republicano com os seus detractores, e mostra bem a moderação que caracterizou o exercício da justiça na I República. Se o regime de separação de serviço de funcionários adoptado em 1915 suscitou reservas, desde logo pela sua natureza de lei de excepção (lei nº 319 de Junho de 1915, que afastava aqueles que não dessem “uma completa garantia da sua adesão à República e à Constituição”), a verdade é que as sucessivas amnistias e indultos adoptados durante a I República se inscrevem numa tradição humanista do democratismo republicano em que deve igualmente situar-se a abolição da pena de morte (só retomada em 1916 para alguns crimes militares). Por exemplo, segundo a lei de 17 Abril de 1916, só os funcionários que tivessem sido membros do anterior governo de Pimenta de Castro continuaram fora de serviço, mas a receber os seus vencimentos e sem prejuízo de aposentação ou reforma.

6 O segundo tópico é o que respeita às diferentes e matizadas posições políticas face à Grande Guerra : do intervencionismo ao pacifismo e direito das gentes ; posições partidárias, incluindo as de políticos socialistas e anarquistas, radicalmente contrários à intervenção. E sem esquecer tomadas de posição muito significativas no plano internacional. Por exemplo, a de Charles Maurras, que qualificava a guerra de “à la sauvage” e de extermínio : “L’attentat dont les passagers innocents de la Lusitania sont victimes achève de prouver que nous sommes en présence d’une guerre à l’antique et à la sauvage : dépossession, extermination” (p. 346, n. 1141). A este respeito, acrescentemos, Sigmund Freud, num notável ensaio sobre a Grande Guerra,2 referir-se-ia a um regresso a comportamentos instintivos e primitivos.

7 O terceiro tópico que destaco é o problema da neutralidade no grande conflito. Rui Barbosa, um jurista brasileiro citado, notou que a neutralidade, ao tempo, assumiu “um papel diferente daquele que desempenhara outrora”, até pela razão da interdependência dos estados entre si (p. 147). Luís Bigotte Chorão mostra como a violação da neutralidade da Bélgica teve profundo impacto nas diplomacias e opiniões publicas europeias. E lembra que a neutralidade desta pequena nação constituíra “uma condição do reconhecimento da sua independência de acordo com os tratados de 15 de Novembro de 1831 e de 19 de Abril de 1839, assinados em Londres” (p. 122). Aliás, na prática, Portugal já violara a neutralidade antes de entrar na guerra na Europa (p. ex. abastecendo e permitindo a passagem de tropas inglesas pelos seus territórios). E a declaração de 7 de Agosto de 1914, que Bernardino Machado, então chefe do governo, lera no parlamento foi uma “proclamação de neutralidade” que traduziu a dupla posição de Portugal de não-beligerante e de aliado da Grã-Bretanha.

8 O quarto tópico refere-se ao pangermanismo e anti-pangermanismo. As páginas que o autor dedica a este respeito trazem para primeiro plano um factor fundamental para a compreensão da Grande Guerra, o da propaganda e contra-propaganda, recorrendo a esclarecedora bibliografia francesa, brasileira, alemã e portuguesa. Considera a germanofilia de um intelectual e historiador como Alfredo Pimenta. Ou a posição crítica em relação ao pan-germanismo de autores tão diversos como o sociólogo E. Durkheim ou o jornalista A. Charadame, entre outros. Note-se que a propaganda pangermanista obedecia à intenção de criar um grande império alemão na Mitteleuropa. Lembremos que, muito mais tarde, Norbert Elias contribuiu para a compreensão deste projecto expansionista invocando a tardia unificação política da Alemanha – com o consequente tardio investimento na partilha colonial –, o sentimento de declínio que dominou as suas elites, e a curta experiência liberal por que passou, tudo factores que explicariam a seu ver esse expansionismo.3

9 Por fim, destaque-se o problema do perfil político da I República, um regime entre legalidade e excepção – débil legalidade, segundo o autor. Lembre-se que o conceito de estado de excepção envolve a suspensão do ordenamento jurídico como medida provisória e extraordinária, em domínios específicos. Ora, a I República viveu uma situação excepcional durante a Grande Guerra, como afirmou um jornalista de A Capital em 1915 : “Quem dirá que esta situação não é excepcional ? E sendo excepcional, evidentemente todos os problemas da vida portuguesa tomam aspectos excepcionais” (p. 215). Exemplos : a censura prévia adoptada por proposta do ministro da justiça Mesquita Carvalho (lei nº 495, de 28 de Março de 1916) ; as medidas excepcionais adoptadas contra a presença em território nacional de súbditos alemães (pp. 507 e ss) ; ou ainda o já referido afastamento do serviço, com carácter definitivo, dos funcionários que não garantissem “adesão à República e à Constituição” (lei nº 319 de Junho de 1915, criticada por Raul Proença). Mas qual a fronteira entre excepção e legalidade ? Em que sentidos deve tomar-se este conceito de excepção ? Pode aplicar-se indiferenciadamente a toda a vigência da I República ? Evidentemente que não. Se for no sentido de regime ditatorial moderno, nele não há separação de poderes. Poderá decerto esclarecer-se melhor esta tensão entre legalidade e excepção num próximo volume. Se houve momentos em que a I República resvalou para a ditadura num sentido oitocentista do termo – caso da governação de Pimenta de Castro –, noutros, diríamos, aproximou-se de um modelo autoritário contemporâneo, com Sidónio Pais – regime aqui bem visto “em ruptura com a ordem jurídico-constitucional de 1911 e sua substituição” (p. 639).

10 Concluindo, o autor distancia-se criticamente de interpretações redutoras e parciais ainda hoje aceites. Por exemplo acerca do 14 de Maio, que derrubou a ditadura de Pimenta de Castro e foi designada como “segunda revolução republicana” : “a história interna do 14 de Maio [comprova] não ter sido a decisão revolucionária exclusiva de democráticos, e mais, a solução governativa saída da revolução foi diferente da tentada pela Junta Revolucionária” (p. 364). Resultado de prolongada investigação, com dados e interpretações novas, este livro carreia fundamentos para uma compreensão mais distanciada da I República de um ponto de vista que faltava : o da relação entre o estado e o direito. Novidade tanto mais significativa quanto nos últimos anos se têm multiplicado os estudos sobre a participação de Portugal na Grande Guerra sem que este ângulo tenha sido privilegiado sistematicamente como Luís Bigotte Chorão o faz. Seria bom que, no final do seu projecto – haverá mais um ou dois volumes até chegarmos a 1926 ? –, o autor nos desse uma síntese mais breve e acessível a um público médio, não especializado, acompanhada de uma orientação de fontes e bibliografia seleccionadas. Está de parabéns não só o historiador, por mais este resultado do seu rigoroso ethos profissional, mas também o editor Letra Livre pelo cuidado que investiu na execução gráfica do livro.

Notas

1 Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a excepção. Vol. I (1910-1915). (…)

2 Ver “Considerações de actualidade sobre a guerra e a morte” [1915], in O mal-estar na civilização (…)

3 Ver Os alemães. A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. R. Janeiro: Zahar (…)

Sérgio Campos Matos – Universidade de Lisboa, Centro de História, Portugal. E-mail: sergiocamposmatos@gmail.com

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De Satiricón a Hum®: risa, cultura y política en los años setenta | Mara Burkart

O golpe militar de março de 1976 inaugura um dos períodos mais violentos e repressivos da história argentina, consistindo em um dos temas centrais nos ciclos de produção e reflexão intelectuais sobre as experiências ditatoriais latino-americanas. De Satiricón a Hum®: risa, cultura y política en los años setenta, livro de Mara Burkart, publicado no ano de 2017, dedica-se justamente a abordar um tema relevante e ainda pouco visitado na produção historiográfica argentina envolvendo o período ditatorial: as relações entre imprensa gráfica de humor, cultura e política a partir da perspectiva de resistência cultural.

Com a queda da última ditadura militar argentina em 1983 e em meio ao clima de transição democrática, as análises produzidas no calor dos acontecimentos sobre o passado recente foram provenientes sobretudo dos campos da sociologia e da ciência política, tendo os historiadores se mantido inicialmente distantes desse processo. Somente em anos posteriores, devido ao processo de afirmação da ditadura militar como problema histórico e o desenvolvimento do campo e dos aportes trazidos pela história recente é que foi possível perceber um avanço mais consistente na produção que situa a ditadura militar como objeto de investigação e reflexão a partir de uma perspectiva histórica2. Leia Mais

Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (1822-1850) | Alain El Youssef

Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (1822-1850) é resultado da dissertação de mestrado de Alain El Youssef, defendida em 2010, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de São Paulo. Na obra, o autor analisa como a temática do tráfico negreiro foi abordada nos periódicos do Rio de Janeiro desde o ano de 1822, marco da proclamação da independência do Brasil, até a década de 1850, quando houve a aprovação da Lei Eusébio de Queirós e o tráfico no Império brasileiro foi legalmente abolido. Ao eleger o tráfico negreiro e a escravidão nos periódicos como seu objeto de estudo, Youssef se contrapõe a autores da historiografia brasileira que postularam a ausência de debates relativos a esses temas na imprensa do Rio de Janeiro até a década de 1870 [1]. A obra é, portanto, historiograficamente, uma afirmação desta presença.

Além de constatar essa existência, o autor procura demonstrar como diferentes grupos políticos se utilizaram da imprensa, desde o Primeiro Reinado, como estratégia e instrumento para a formação de uma “opinião pública” sobre questões, entre outras matérias, relativas ao fim do tráfico negreiro para o Império do Brasil. Segundo Youssef, essa estratégia tinha como intuito “preparar o terreno” para a discussão pública de determinados temas que estavam ou entrariam em voga no parlamento imperial. Por outro lado, o autor busca evidenciar como esses mesmos grupos políticos recorriam ao argumento da “opinião pública” para legitimar suas pautas.

Neste sentido, são importantes para a construção do argumento de Youssef as categorias de espaço público e opinião pública, adotadas a partir das perspectivas de François-Xavier Guerra [2] e Marco Morel [3]. Aqui, a imprensa é vista como um espaço público na medida em que se constituía como um lugar no qual ocorriam interações de diversas naturezas entre agentes históricos. Por sua vez, a opinião pública é “tratada como um conceito que os coevos dos séculos XVIII e XIX utilizavam para legitimar suas práticas políticas, principalmente aquelas que visavam influir a administração pública” (p. 30).

Embora a imprensa não seja apresentada na obra enquanto uma espécie de partido propriamente dito, menos ainda nos termos empregados no século XXI, Youssef procura chamar a atenção dos leitores para a importância que os periódicos, muito dos quais explicitamente partidários, tiveram na propagação dos ideais de moderados, exaltados e restauradores, luzias e saquaremas, liberais e conservadores, na complexa conjuntura política imperial. No que se refere ao tráfico negreiro em específico, o autor procura demonstrar como a imprensa teve um papel de suma importância na consolidação da política do contrabando negreiro no Brasil, empreendida pelos conservadores.

Segundo o autor, com o avanço do regresso, os conservadores passaram a fazer uma intensa campanha de defesa da reabertura do comércio negreiro em periódicos, tanto apresentando as vantagens econômicas da continuidade do negócio como publicizando as propostas de reabertura do tráfico transatlântico apresentadas ao parlamento brasileiro. Assim, para Youssef, a imprensa funcionou como uma espécie de elo de comunicação entre os políticos e proprietários de escravos interessados na continuidade do comércio negreiro, dando uma poderosa contribuição ao fortalecimento do contrabando e, consequentemente, ao aumento das cifras relacionadas a essa atividade.

Sobre a política do contrabando negreiro, é explícito o diálogo de Alain El Youssef com a leitura feita sobre o fim do tráfico por Tâmis Parron em suas produções recentes. Em certa medida, o livro de Youssef é complementar à dissertação de mestrado de Parron, reformulada em livro com o título A política da escravidão no Império do Brasil (1826-1865) [4] em 2011. Ambos buscam analisar o fim do contrabando negreiro através da história política, a partir das perspectivas de segunda escravidão de Dale Tomich [5], e de economia-mundo/sistema-mundo, de Immanuel Wallerstein [6], e procuram entender como os debates e interesses político-econômicos em torno da (des)continuidade do tráfico transatlântico de africanos escravizados para o Brasil estavam inseridos dentro de um contexto maior de transformações socioeconômicas mundiais no período. Partindo de tantos pontos em comum, é principalmente nas fontes que Youssef e Parron tomam caminhos diferentes. Enquanto os discursos parlamentares são os principais documentos históricos empregados na análise da narrativa de Parron, Youssef constrói sua narrativa a partir dos periódicos cariocas – o que confere complementaridade às duas obras.

Por pensar seu objeto a partir de uma perspectiva ampliada, Youssef procura entender a imprensa (assim como o tráfico negreiro) dentro das transformações ocorridas no mercado e na sociedade mundial no período. Dessa maneira, o autor busca demonstrar como a expansão do capitalismo, a queda de monarquias absolutistas, as revoluções de independência no Novo Mundo e a reconfiguração das áreas fornecedoras de importantes commodities para o mercado mundial, entre outros fatores, também contribuíram para a difusão de novas (ou modernas) formas de sociabilidades, que passam a conviver com as do Antigo Regime. No caso da imprensa, essas transformações teriam oportunizado a proliferação de impressos, a abolição/diminuição da censura, o surgimento de espaços de leitura e sociabilização das ideias presentes nestes impressos, e, como consequência, possibilitado a emissão de julgamentos por parte do público aos acontecimentos a ele contemporâneos.

Em termos de leitura histórica, outra produção historiográfica cuja influência sobre o livro de Youssef é notável é O Tempo Saquarema, de Ilmar Mattos [7]. Obra de referência sobre a história do Brasil Império, publicada pela primeira vez em fins da década de 1980, O Tempo Saquarema aborda elementos centrais contidos no livro de Youssef, como a relação entre expansão cafeeira, formação de projeto político imperial centralizador, continuidade do tráfico negreiro e o papel político-econômico britânico neste contexto. No entanto, Youssef distancia-se de Mattos em dois aspectos centrais do seu trabalho, a imprensa e a pressão inglesa. Enquanto Mattos, na perspectiva gramsciana, entende como secundário o papel da imprensa e das organizações civis consideradas privadas na construção da coalização entre proprietários do centro-sul e o grupo conservador na política imperial, Youssef apresenta a imprensa como tendo um papel central neste processo. Segundo o autor, a imprensa foi uma das principais responsáveis para que essa aliança, assim como a política do contrabando negreiro, tenha alcançado êxito.

Sobre o papel britânico nesse contexto, enquanto para Mattos os interesses internos da classe dirigente são vistos como predominantes, embora a pressão externa não seja ignorada, Youssef atribui protagonismo à pressão externa sobre as decisões relativas ao tráfico negreiro adotadas pelo governo imperial. Para o autor, a intensificação da pressão britânica pelo fim do comércio negreiro para o Brasil em meados da década de 1840 – e, inclusive, a iminência de um conflito armado entre as duas nações – por exemplo, não deixou alternativas aos Saquaremas senão a defesa do fim do contrabando. O grupo retornaria aos periódicos para preparar o terreno, desta vez para a abolição do tráfico.

A respeito disso, observa-se que Youssef também se distancia de recentes produções historiográficas brasileiras sobre o fim do tráfico negreiro que, embora não desprezem a importância que a pressão britânica teve sobre os rumos tomados por esta atividade, têm repensado como outros fatores influenciaram o fim do comércio proibido de escravos [8]. O autor procura demonstrar que fatores como o haitianismo, para citar um dos aspectos apontados recentemente pela historiografia, que também é mencionado pelo autor, não teve grande peso sobre o fim do tráfico transatlântico de africanos escravizados para o Brasil. Youssef avalia que o haitianismo foi utilizado na imprensa do Rio de Janeiro muito mais como argumento retórico do que como um temor real.

Na obra de Alain El Youssef, a imprensa é, ao mesmo tempo, fonte e objeto histórico, informações que o autor deixa explícitas já no princípio da obra. Sobre isso, nota-se que, ao adotar a imprensa também como objeto, o autor consegue ir além do texto publicado. Investigando, por exemplo, as vinculações partidárias dos editores dos periódicos que consultou, é capaz de acessar alguns dos interesses existentes por trás das notícias veiculadas. Assim, o autor não deixa de chamar atenção para o modo como parte da historiografia brasileira tem utilizado a imprensa. Ao analisar os periódicos pontualmente, muitas vezes sem levar em consideração as vinculações das publicações, a historiografia acaba por reproduzir um discurso enviesado. Neste sentido, chama a atenção para a necessidade de se observar o enviesamento existente nas publicações.

Ao fazer a leitura deste livro no ano de 2018, período indubitavelmente conturbado da política brasileira, não poderia deixar de mencionar a atualidade da obra. Através do livro de Youssef verificamos como o argumento político da “opinião pública” e a construção politicamente enviesada da “opinião pública” pela imprensa têm sido empregados ao longo do tempo para conformar os rumos da história do Brasil.

Notas

1. Cf. KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SOUZA, Christiane Laidler de. Mentalidade escravista e abolicionismo entre os letrados da Corte (1808-1850). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1994.

2. GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: Ensayos sobre las revoluciones hispánicas. México: Mapfre/Fondo de Cultura Económica, 1992.

3. MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.

4. PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

5. Cf. TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.

6. Cf. WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. Nova York: Academic Press, 1974. vol. 1. Idem. The capitalist world-economy. Nova York: Cambridge University Press, 1979. Idem. The modern world-system: mercantilism and the consolidation of the European world-economy, 1600-1750. Nova York: Academic Press, 1980. vol. 2.

7. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL, 1987.

8. Dentre as produções que repensaram o papel da pressão britânica destacamos os estudos de Sidney Chalhoub, Flávio Gomes, João José Reis, Jaime Rodrigues e Robert Slenes. Cf.: CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX, ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835, ed. rev. e ampl., 1ª reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas, SP: Editora da Unicamp, Cecult, 2000. SLENES, Robert. “Malungu, Ngoma vem!”: África coberta e descoberta no Brasil. Revista USP, n. 12, 1992.

Referências

CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX, ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: Ensayos sobre las revoluciones hispánicas. México: Mapfre/Fondo de Cultura Económica, 1992.

KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.

PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

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RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas, SP: Editora da Unicamp, Cecult, 2000.

SOUZA, Christiane Laidler de. Mentalidade escravista e abolicionismo entre os letrados da Corte (1808-1850). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1994.

SLENES, Robert. “Malungo, Ngoma vem”: África coberta e descoberta no Brasil. Revista USP, n. 12, 1992.

TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.

WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world system: capitalist agriculture and the origins of the European world-economy in the sixteenth century. Nova York: Academic Press, 1974. vol. 1.

WALLERSTEIN, Immanuel. The capitalist world-economy. Nova York: Cambridge University Press, 1979.

WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system: mercantilism and the consolidation of the European world-economy, 1600-1750. Nova York: Academic Press, 1980. vol. 2.

YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (Rio de Janeiro, 1822-1850). São Paulo: Intermeiros; Fapesp, 2016.

Silvana Andrade dos Santos – Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói – Rio de Janeiro – Brasil. Doutoranda, PPGH-UFF, bolsista do CNPq. E-mail: silvanaandradeh@gmail.com


YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (1822-1850). São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2016. Resenha de: SANTOS, Silvana Andrade dos. Imprensa como partido: “opinião pública” e tráfico negreiro em periódicos cariocas. Almanack, Guarulhos, n.19, p. 331-337, maio/ago., 2018. Acessar publicação original [DR]

O socialismo de Oswald de Andrade: cultura, política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930 – CARRERI (RHH)

CARRERI, Marcio Luiz. O socialismo de Oswald de Andrade: cultura, política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930. Curitiba: CRV, 2017. 164p. Resenha de: SOTANA, Edvaldo. Política e literatura: um estudo sobre Oswald de Andrade. Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 248-252 – 2018.

O livro intitulado O socialismo de Oswald de Andrade é fruto da tese de doutorado desenvolvida por Marcio Carreri no Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Algumas indagações motivaram a pesquisa do professor do curso de história da Universidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp). Dentre elas, destacam-se: “Que contribuição um homem da cultura pode dar para as ideias políticas?” e “É possível situar Oswald de Andrade como um socialista, primeiramente como escritor e também como homem de ação e, fundamentalmente, reconhecer sua contribuição para o pensamento social brasileiro?” (Carreri, 2017, p.16). Leia Mais

Rap e política. Percepções da vida social brasileira | Roberto Camargos

Originalmente escrita como dissertação de mestrado na Universidade Federal de Uberlândia, Rap e política é resultado de intensa pesquisa, que mereceu mais de um prêmio antes mesmo de ser publicado. Seu autor, Roberto Camargos, é, atualmente, doutorando na Universidade Federal de Uberlândia, a mesma universidade em que fez a graduação e o mestrado. Para a pesquisa que resultou nesta publicação, pesquisou centenas de músicas daquele gênero, gravadas entre 1990 e 2005, num trabalho que demandou muita pesquisa e apuro crítico.

O autor começa discordando das posições críticas que desautorizam o rap como arte, expressão cultural, comportamento etc., afirmando que é necessário Leia Mais

The Political Economy of East Asia: striving for wealth and power | Ming Wan

Já faz algum tempo que os pesquisadores que tratam das relações internacionais na Ásia sentem a necessidade de associar os temas tradicionais do campo das relações internacionais com os conhecimentos oriundos da economia política. Tal ocorrência deve-se ao fato de que os estudos de Economia Política Internacional (EPI) ainda são bastante influenciados pela corrente ocidental, notadamente de vertente norte-americana e inglesa. A escola francesa veio a décadas atrás lançar luz sobre tais estudos escapando da armadilha dos pressupostos homogêneos e deixando de lado a leitura contextual originada no mainstream. Contudo, tal corrente é pouco difundida no ambiente acadêmico. É nesse sentido que se deve sublinhar a contribuição de Ming Wan ao propor um estudo da economia política do leste asiático.

O objetivo de Wan (2008) é organizar um livro que aglutine questões relativas ao comércio, produção, finanças e moedas, porém entendidas dentro de um cenário de características distintas daquelas vigentes nos países ocidentais. Logo, torna-se necessário partir de premissas diferenciadas para que se entenda a economia política da região do leste asiático. Dentre essas destaca-se a questão do regionalismo, devidamente tratada no capítulo 11 da obra. O capítulo supracitado chama atenção pois tal assunto merece uma formulação conceitual transcende a proximidade geográfica, trazendo à tona outros elementos analíticos complementares tais como a complementaridade, o esforço de cooperação e a coesão regional. Leia Mais

Feminismo e Política: uma introdução | Felipe Luis Miguel e Flávia Biroli

O objetivo dos autores em Feminismo e Política: uma introdução, como o nome sugere, é propor uma discussão introdutória referente à teoria política feminista, apontando e discutindo as diferenciadas vertentes do movimento feminista, bem como as suas contribuições no combate às desigualdades e na busca de uma sociedade mais justa. A obra, publicada em 2014, é organizada no formato de uma pequena coletânea, que é composta por onze artigos.

Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli são os organizadores e os autores dos estudos. Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília – UNB, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê. O estudioso é autor de livros como: Mito e discurso político[1] ; Política e mídia no Brasil [2] ; O nascimento da política moderna [3] ; Mídia, representação e democracia [4] ; Coligações partidárias na nova democracia brasileira [5] ; Caleidoscópio convexo: mulheres, política e mídia [6] ; Teoria política e feminismo: abordagens brasileiras [7] ; Teoria política feminista: textos centrais [8] ; Desigualdades e democracia: o debate da teoria política [9] ; Coligação e disputas eleitorais na Nova República [10]; Encruzilhadas da democracia [11] , [1]2 . Leia Mais

Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850) – SOUSA NETO (HU)

SOUSA NETO, M. de. 2013. Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2013. 336 p. Resenha de: FONTINELES FILHO, Pedro Pio. Entre a fé, a política e a educação: Padre Marcos e traços da história do Piauí, na primeira metade do século XIX. História Unisinos 21(2):278-281, Maio/Agosto 2017.

Marcelo de Sousa Neto é um importante historiador da nova e consolidada geração de historiadores piauienses, levando-se em consideração a periodização proposta pela historiadora Teresinha Queiroz (2006) sobre a historiografia piauiense. Dentre seus muitos trabalhos de pesquisa, o que mais se destaca, sem dúvida, é Entre Vaqueiros e Fidalgos. Trabalho de excelente lavra, fruto de sua tese de Doutorado, concluída na Universidade Federal de Pernambuco.

Foi publicado após vencer, em primeiro lugar, o Concurso Novos Escritores, na categoria Realidade Histórica, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, da cidade de Teresina, Piauí. O mesmo texto havia sido escolhido pelo Colegiado da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, para ser publicado pela editora daquela instituição, mas preferiu fazer a publicação pela Fundação Cultural, como mais uma demonstração de sua ligação com o Piauí. Os comentários contidos no Prefácio, na orelha e na quarta-capa do livro, escritos por renomados historiadores, atestam a qualidade e a profundidade da obra, que amplia os horizontes da história do Piauí do século XIX, em suas dimensões sociais, políticas, econômicas, educacionais e culturais.

Ao tomar a figura de Padre Marcos, Sousa Neto demonstra a habilidade na construção da narrativa histórica, pois liga a trajetória do sujeito em amálgama com a história da sociedade, considerando as nuances de espacialidades e temporalidades. Nesse sentido, a obra é desenvolvida nos lastros da proposta de uma biografia histórica, que toma o sujeito como uma forma de compreender as intrigas e ranhuras que constituíram a sociedade piauiense e brasileira no período oitocentista. Para tal empreitada, o autor faz diálogo teórico-metodológico com autores especialistas na discussão sobre sujeito, sociedade e biografia. Realiza isso sem perder de vista as discussões sobre tempo e temporalidade, entendendo que o sujeito deve ser percebido em suas interrelações entre o micro e o macro, entre o passado e o presente. A estrutura de organização do livro revela, também, a astúcia do autor, não somente como pesquisador, mas como exímio escritor, pois torna a leitura técnica mais acessível, inclusive para o público não especializado ou acadêmico. Está dividido em seis capítulos, distribuídos em três partes temáticas, ou melhor dizendo, eixos temáticos: A Serviço de Deus e dos Homens; Entre o Gado e as Letras: a instrução escolar no Piauí; e Nos Bastidores do Poder: Política e Família no Piauí do Século XIX. Na primeira parte, encontram-se os dois primeiros capítulos. O primeiro, intitulado “Entre o (Re)Criado e o Esquecido”, aborda aspectos do caráter lacunar da História, enfatizando a memória, no que se refere ao lembrar e ao esquecer. Ao clamar as reflexões sobre memória, o autor chama atenção para o fato de que a inscrição do Padre Marcos de Araújo da Costa está cravada na figura de “benemérito educador”. As suas identidades de atuação política e social encontram-se, na historiografia piauiense, esquecidas, ou, pelo menos, colocadas em um plano de pouca expressividade. Segundo Sousa Neto, isso se deu em decorrência do lugar social daqueles que produziram uma memória escrita, que centra e concentra seus olhares sobre um “Padre educador”, muito embora haja um caudaloso mar documental que falem do “Padre político” e do “Padre religioso”. O estranhamento inicial se dá em decorrência de que, ao se falar de um Padre, a priori, se esperaria uma memória escrita com destaque para o viés religioso. Tentando compreender esses “esquecimentos” ou “silenciamentos”, o historiador aponta o botânico inglês, George Gardner, que teria sido o primeiro a escrever sobre o Padre Marcos. Gardner foi o único memorialista e historiador a conviver com o Padre Marcos, pois teria visitado, em 1939, a fazenda de Boa Esperança, onde também funcionava a escola de mesmo nome, de propriedade do Padre. Escola essa que se firmava, “para toda a Província, como a principal escola de Primeiras Letras e de Instrução Secundária” (p. 40). Ao falar dessa visita, Sousa Neto aproveita para traçar o panorama da situação econômica e, principalmente, na Instrução Pública da Província, que passava por uma severa crise. O autor, assim, considera o botânico como o primeiro biógrafo do padre, minimizando “sua atuação como artífice político e como religioso, ressaltando apenas sua importância como educador” (p. 38). Assim, criou-se uma espécie de “tradição” historiográfica, na qual os escritos posteriores tomavam as informações fornecidas por Gardner e as reproduziam ou as endossavam. Sousa Neto, então, afirma que essa memória escrita e narrada “cria um espaço de ficção que, mais que descrever, realiza um golpe, um movimento que (re)cria o sujeito como ‘benemérito educador’, renascido entre o lembrado e o esquecido” (p. 38). No lastro dessa memória escrita sobre Padre Marcos, Sousa Neto destaca atuação de Fernando Lopes Sobrinho, José de Arimatéia Tito Filho, Antonio Reinaldo Soares Filho, Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, Marcos de Araújo Costa Ferro, Odilon Nunes, Francisco Augusto Pereira da Costa, Itamar Brito, Celso Pinheiro Filho, Wilson Carvalho Gonçalves, José Patrício Franco e Cid de Castro Dias. Dentre todos os seus biógrafos, segundo Sousa Neto, apenas Lopes Sobrinho e Castelo Branco teriam dedicado obras completas ao Padre Marcos. Os demais mencionam o Padre de forma secundária e periférica, mas todos enfatizando a atuação do Padre na perspectiva educacional, seguindo a memória escrita iniciada por Gardner. Ir além dessa “tradição” escrita sobre o Padre Marcos, como educador, não seria difícil, como afirma Sousa Neto. Para ele, “basta, para tanto, acompanhar alguns registros em documentação preservada no APEPI, mesmo que de forma não organizada” (p. 46). Assim, o historiador destaca suas atuações em funções públicas, como a vice-presidência do Conselho de Governo da Província e vice-presidência da Província, membro do Conselho Geral da Província, a presidência da Câmara de Jaicós, dentre outras ocupações, em diferentes anos e situações, de 1924 a 1950, quando veio a falecer.

No capítulo 2, “Padre Marcos e seu sacerdócio sagrado e profano”, o autor amplia as reflexões de que “Como membro de uma importante rede familiar, Padre Marcos destacou-se em diversos espaços do cenário sócio-político piauiense. Entretanto, suas ações como sacerdote são, indubitavelmente, as menos discutidas” (p. 53). Descendente de influente grupo familiar piauiense, Padre Marcos teria transitado por diversos e diferentes espaços sociais e políticos do Piauí, mas a sua atitude de homem mais reservado seria, segundo Sousa Neto, uma das razões que dificultam mapear a sua trajetória para além da memória escrita inaugurada por Gardner. Para o historiador, para compreender a sua atuação no sacerdócio é indispensável que se observe e se analise a própria atuação do catolicismo e da religiosidade no Brasil, com suas estruturas, ligações, conflitos, disputas de poder e os aspectos do padroado. É somente no tópico “De Reza e de Política: Padre Marcos e seu sacerdócio”, ainda do segundo capítulo, que Sousa Neto traça as primeiras linhas do que seria da biografia propriamente dita do Padre. Ele apresenta o ano de nascimento do padre, 1778, mencionando seu avô materno, bem como seu pai e sua mãe. Dá destaque para a atuação política de seu pai, Marcos Francisco, que teria ocupado cargos importantes na Capitania. Nesse sentido, afirma que “Filho de pais cuja atuação política e social já se destacava, Padre Marcos herda bens e prestígio que soube multiplicar, sabendo valer-se de sua condição de “homem das letras” e “homem do Sagrado”, agregando elementos de ordem econômica e política à sua atuação sacerdotal, que, por sua vez, resultou em novos proveitos para si e para o grupo familiar ao qual pertencia” (p. 66). O autor ainda discute sobre as discordâncias entre os biógrafos acerca da formação sacerdotal do padre, notadamente sobre a realização do curso de formação em Coimbra, Portugal, ou no Seminário, em Olinda. Sousa Neto fala que há registros relativos à permanência do padre em ambos espaços, concluindo que “a atuação em um espaço não exclui a participação no outro”, diferente de como sugeriam os outros autores. O autor aproveita a ocasião para discutir sobre o papel do Seminário de Olinda, inaugurado em 1800, seguindo os moldes do Iluminismo português. O Seminário, então, assumiu importante tarefa, além das funções religiosas, na formação educacional no Brasil, pois “constituiu-se na primeira instituição de ensino do Brasil a possuir uma estrutura escolar em que as matérias apresentavam uma sequência lógica, trabalhadas de acordo com um plano de ensino previamente estabelecido, em cursos que possuíam uma duração determinada e com alunos agrupados em classes, procurando ainda reunir em seu plano de estudos, o ensino clássico e moderno” (p. 71).

Isso possibilitou, em larga medida, a formação dos filhos dos grupos dirigentes, a formação ideal e necessária para o ingresso nas universidades europeias. E é nesse Seminário que Padre Marcos teria se matriculado. O autor chama a atenção para o fato de que os sacerdotes no Brasil e no Piauí do século XIX eram mal remunerados, o que lhes levava à busca de outras formas de complemento no sustento. No Piauí, os sacerdotes se afastavam do sacerdócio, “dedicados aos cuidados com suas fazendas de gado” (p. 81). Padre Marcos era um desses “padres fazendeiros”, mas, como afirma o pesquisador, não se afastou de suas obrigações sacerdotais. Ordenou-se Padre em Coimbra, no ano de 1805, retornando ao Brasil naquele mesmo ano, para Recife. Teria ido, também, para o Rio Grande do Norte, depois Oeiras e se mudou definitivamente para a fazenda Boa Esperança, em 1820. Nesse mesmo capítulo, Sousa Neto ainda destaca o trabalho de Padre Marcos nas construções arquitetônicas, com ênfase na capela de Santo Antônio, na fazendo de Boa Esperança, e a igreja matriz de Jaicós. Além dos aspectos de se inscrever por meio dessas obras, Padre Marcos teria atuado no sacerdócio, movendo-se, também, pelo sonho da criação de um Bispado no Piauí, sendo “o seu maior sonho e com certeza a sua maior decepção sacerdotal, em virtude da veemente recusa que impediu a sua criação” (p. 111).

No capítulo 3, “Entre o Gado e as Letras: a instrução escolar no Piauí”, Sousa Neto ressalta que discutir a instrução formal no Brasil do período colonial e imperial, mesmo diante do crescente número de pesquisas acadêmicas, ainda é um grande desafio, sobretudo por causa da escassez das fontes documentais. Ao falar dos “trôpegos passos”, diferente do que se costuma esperar de uma região na qual a oferta do ensino formal não era uma prioridade para grande parcela da população, o autor assevera que “a documentação consultada pôs em destaque a preocupação governamental com as chamadas Aulas Públicas” (p. 120), que começou a ter maior relevância no início do século XIX. Os baixos salários pagos ao magistério, contudo, constituiu-se em um dos entraves para a instrução pública, não só no Piauí, mas em outras províncias, levando-os a se dedicarem a outras atividades, inclusive o magistério particular. Como enfatiza Sousa Neto, a baixa remuneração fazia “parte de uma conjuntura política e econômica, na qual, com um discurso contraditório, os gestores da Instrução reconheciam a importância social do trabalho dos professores, mas, por outro lado, isso não correspondia a ações para melhor qualifica-los e remunerá-los” (p. 136).

Assim, o autor comenta inúmeras leis e decretos que impactaram nos rumos da Instrução Pública, que versavam sobre remuneração, oferta de cadeiras e currículos. É nesse cenário que a escola de Boa Esperança “distinguiu-se no cenário piauiense, atraindo o interesse de muitos pais e alunos, despertando uma forte demanda por vagas” (p. 171). Em relação a Padre Marcos, o autor diz que “a história da Escola toca e se confunde com a história do Padre” (p. 174), ao passo que discutir um implica transitar pela história do outro, pois a Escola “é tomada com um dos pontos de contato e de troca entre o indivíduo e o coletivo” (p. 174).

Dessa maneira, no capítulo 4, “Mão de ferro em luva de pelica: Padre Marcos e sua escola”, trata especificamente da escola de Boa Esperança e como ela se tornou referência de Instrução no Piauí, sendo “considerada a primeira instituição de instrução formal a funcionar efetivamente no Piauí” (p. 173). O autor afirma que, mesmo a parte da população mais interessada nas atividades de subsistência, a escola tornou-se a “mais importante e bem sucedida experiência educacional no Piauí, até a primeira metade do século XIX, tendo seus reflexos ultrapassando as fronteiras da Província e da própria educação, ajudando a formar boa parte de seu corpo dirigente e marcando significativamente a história local” (p. 173). Mesmo nos momentos em que assume funções na vida política, sobretudo a partir de 1824, quando assume a Vice-presidência da Província, suas ausências não comprometeram o funcionamento ininterrupto da Escola, até mesmo porque utilizou monitores, que eram os alunos mais avançados, para o acompanhamento dos alunos iniciantes. Outro aspecto da Escola, que permitiu o seu funcionamento durante as ausências de Padre Marcos, foi o formato de internato, ofertando, também, um ensino prático ligado às atividades mais desenvolvidas na região, notadamente as das fazendas.

No capítulo 5, “Nos bastidores do poder: política e família no Piauí do século XIX”, Sousa Neto analisa que as muitas facetas de Padre Marcos, como “clérigo, fazendeiro, intelectual, educador, político” (p. 219) devem ser compreendidas no seio das redes de poder nas quais ele estava imerso. Isso é pertinente, pois Padre Marcos foi “herdeiro político da elite dirigente do Centro-Sul piauiense, constituída a partir das redes familiares, que se alicerçavam” (p. 219) nas bases do parentesco e favores mútuos. Nesse sentido, o autor faz uma acurada discussão teórica e metodológica sobre a produção historiográfica pautada nas relações entre família, sociedade, política, economia e poder. A partir disso, traça o panorama das redes familiares, Estado e patrimônio no Brasil e no Piauí, do século XIX. Por esse viés, “Padre Marcos representou, assim, sujeito dos mais importantes nas relações de poder no Norte do Império, expressivo representante das redes familiares do Centro-Sul piauiense” (p. 246). Segundo o pesquisador, “o sucesso da escola de Boa Esperança deveu- -se, em muito, ao prestígio desfrutado por seu idealizador e à sua condição de mantenedora da ordem social vigente, ao oferecer aos jovens uma educação apropriada aos interesses dos grupos familiares da elite da época” (p. 247).

No capítulo 6, “Tempo de Semear; Tempo de Colher”, o autor menciona as diversas manifestações a favor da Independência, que ferviam por todo o Brasil e, também, no Piauí, sobretudo nas vilas de Parnaíba e Oeiras.

A Insurreição de 1817 atingiu, além de Pernambuco, as capitanias da Bahia, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Piauí. Nessa última o movimento “não ganhou maiores contornos nem firmou raízes” (p. 253), muito embora tenha havido um envolvimento concreto. Durante esse movimento de insurreição, conforme Sousa Neto, o Padre Marcos teria ficado afastado, pois não era de interesse de seu grupo familiar aderir à Insurreição, visto que, “de maneira geral, não havia entre os grupos familiares que compunham a elite piauiense, o desejo de ruptura com Portugal” (p. 254). As reverberações da Insurreição foram sentidas em momento posterior, com a agitação causada pela Revolução do Porto, em 1820. No Piauí, a inquietação se deu no ano de 1821, principalmente em Oeiras e nas vilas de Parnaíba e Campo Maior. Esse estado de agitação se prolongou durante todo o ano de 1822, cujo “projeto vitorioso de Independência foi o das elites locais, formadas a partir de influentes grupos familiares e que já faziam parte da administração provincial” (p. 266). E, no período, Padre Marcos “firmou-se como o grande articulador dos grupos familiares do Centro-Sul piauiense e da adesão da capital à Independência do Brasil” (p. 274). Para endossar seus argumentos de que Padre Marcos detinha muita influência, o historiador também fez análises de correspondências trocadas entre clérigos contemporâneos do Padre. Segundo Sousa Neto, “percebe-se que os argumentos usados por Padre Marcos foram tomados em consideração mais por seu prestígio pessoal”, em suas tentativas de intervir contra movimentos de insurreição. O respeito que o Padre possuía era de tamanha envergadura que a sua casa, “na fazenda de Boa Esperança, funcionou muitas vezes como ‘tribunal’, no qual muitas contendas políticas ou desavenças pessoais foram resolvidas” (p. 294).

Em Entre Vaqueiros e Fidalgos, Sousa Neto inscreve sua marca na historiografia como astuto pesquisador de História, desbravando as trilhas dos pensares e fazeres de uma temporalidade e de uma espacialidade circunscritas nos vários “entre” que engendram a construção de sua narrativa, contemplando os limiares entre o sujeito e a sociedade, bem como entre a história, a religião, a política e a educação.

O historiador Marcelo de Sousa Neto, de forma corajosa e competente, conseguiu construir uma narrativa esclarecedora sobre a história do Piauí e Brasil do século XIX, tomando as aproximações entre Padre Marcos e o seu período. Ele teceu “uma imagem que procurar recuperar, na narrativa, o macro através da poeira de acontecimentos minúsculos” (p. 315), com o intuito de demonstrar que, “por meio de uma trajetória individual, como as singularidades relacionam-se e podem expressar as regularidades coletivas” (p. 315). Assim, como ressalta o próprio autor, “o fato é que não era possível ignorar as páginas da história do Piauí que Padre Marcos ajudou a escrever e que continuam sendo reescritas” (p. 313) e relidas, reinterpretadas. E Entre Vaqueiros e Fidalgos é um indício provocador para novas reflexões sobre a história e a historiografia brasileira do século XIX.

Referências

QUEIROZ, T. de J.M. 2006. Historiografia piauiense. In: T. de J.M.

QUEIROZ, Do singular ao plural. Recife, Edições Bagaço, p. 141-170.

Pedro Pio Fontineles Filho – Universidade Estadual do Piauí. Campus Clóvis Moura. Rua Des. Berilo Mota, s/n, Dirceu Arcoverde I, 64001-280, Teresina, PI, Brasil. E-mail: ppio26@hotmail.com.

Ética, direito e política: a paz em Hobbes, Locke, Rousseau e Kant – NODARI (C)

NODARI, Paulo César. Ética, direito e política: a paz em Hobbes, Locke, Rousseau e Kant. Paulus, 2014. Resenha de: RECH, Moisés João. Conjectura, Caxias do Sul, v. 22, n. 2, p. 401-407, maio/ago, 2017.

A tarefa que Paulo César Nodari se coloca é, em grande medida, ambiciosa, para dizer o mínimo. Sua pesquisa de tese de Pósdoutoramento que se constituiu na presente obra, tem como mote o “projeto filosófico da paz no contratualismo moderno” (2014, p. 298), na qual Nodari empreende profundos estudos acerca de autores clássicos do pensamento político-moral da modernidade: Hobbes, Locke, Rousseau e Kant – com notória ênfase no pensador de Königsberg. O inovador enfoque elaborado em Ética, direito e política… é justamente olhar sob um novo prisma os autores destacados, qual seja, o prisma da paz. Desse modo, Nodari desembaraçar-se da carga pessimista que os autores contratualistas carregam consigo, no que diz respeito à propensão da natureza humana à guerra.

Para tanto, o texto se desenvolve a partir de duas partes, que se dividem em seis capítulos. A Primeira Parte, intitulada: “O contratualismo moderno e o projeto filosófico da paz: Hobbes, Locke e Rousseau” é subdividido em três capítulos, que, igualmente, são divididos em partes de contextualização e de inovação. Leia Mais

O mal ronda a Terra: um tratado sobre as insatisfações do presente – JUDT (MB-P)

JUDT, Tony. O mal ronda a Terra: um tratado sobre as insatisfações do presente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. 212 p. Resenha de: SANTOS, Pedro Hélio dos. O antagonismo do papel do governo – a sensação de mal-estar coletivo. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

O mal que ronda a terra foi a última obra do autor, escrita durante a doença que o levaria à morte. No título identifica que algo profundamente errado no modo como pensamos e vivemos hoje em dia. O autor realiza uma crítica ao individualismo contemporâneo e suas influências no campo da política econômica através das desregulamentações e do contínuo esvaziamento do espaço público promovido pela classe política nos últimos anos. Esse mal tem como pano de fundo um rompimento do contrato social que definiu a vida em sociedade tanto na Europa quanto na América, principalmente no pós-guerra. Os temas que permeiam os diversos capítulos de sua obra são: a escalada das desigualdades, tanto entre indivíduos quanto entre regiões; a redução da participação cívica; e a subordinação consentida da política e de outras dimensões da vida à economia.

Com o “culto do privado” a febre do novo liberalismo contaminou o mundo com grande velocidade e muitos fatores foram discutidos nesses momentos de crise. Esta visão politica demostrava vantagem na implantação, de forma sistemática, das privatizações, acrescentando a hipótese de ganho da iniciativa privada com a eficiência do serviço. Desta forma, o controle das empresas, sem dúvida, seriam conduzidas com uma visão de investimentos a longo prazo e preços eficientes, contudo na pratica tem sido bem diferente. “Ironicamente nas Parcerias Público- Privadas (PPP) inglesas de gestão de hospitais existia uma cláusula de resguardo que obrigava o governo a bancar prejuízos para evitar a descontinuidade dos serviços”.

O profundo sentimento de apreensão, ocorrida nas últimas três décadas do século passado e que se prorroga até os dias atuais em todos os países, em especial nos Estados Unidos e no Reino Unido, foi influenciado pelo aumento da desigualdade social. Sendo aqueles anos caracterizado por avanços sociais que haviam reduzido a desigualdade nos países abastados. Ela é nociva à confiança das pessoas, bem como gera um nível menor de bem-estar, inclusive para os mais ricos. O livro apresenta uma série de estatísticas que demonstram: quanto maior é a desigualdade menor é a mobilidade social e maiores são os problemas sociais, tais como: os homicídios e as incidências de doenças mentais. As incertezas, em torno da economia ou da governança, resultaram em surtos de pavor coletivo, que é outro fator responsável pela corrosão da confiança e das instituições, pois todos e quaisquer empreendimentos exigem confiança entre as partes.

A questão do sistema previdenciário é outro fato interessante tratado neste livro, que já a algum tempo, é objeto de grande preocupação dos países da Europa. A redução na quantidade de contribuintes e o elevado número de beneficiários, causado pelo aumento da faixa etária, que é um instrumento catalizador da inversão da pirâmide etária desses países, provocaram um grande desequilíbrio desse sistema. Ele cita o exemplo dos maquinistas na França, que devido as condições de vida precária e uma baixa perspectiva de vida no início do século XIX, possuíam altos salários e grandes benefícios para compensarem a situação daqueles profissionais. Com o avanço das questões sociais e trabalhistas, logo vieram as melhores condições de vida e a longevidade desses trabalhadores, estimulando o desequilíbrio no sistema previdenciário da rede ferroviária.

As crises econômicas dos anos 1980 e de 2008 apresentaram causas diferentes entre si e alteraram, de maneira significativa, o modo de vida contemporâneo. No fim dos anos 80, com a queda do Muro de Berlim, destacou-se o discurso hegemônico dado pelo Consenso de Washington, com as seguintes caracteristicas: estado mínimo com privatização de empresas estatais, monetarismo, redução de impostos, desregulamentação de atividades com incentivo à livre iniciativa, focalização de políticas sociais, etc. Por outro lado, defender a regulamentação de mercados e universalização de políticas sociais era algo classificado como “socializante”. Já a crise de 2008 mostrou o quanto o capitalismo pode ser perverso, segundo Judt, essa crise rompeu com o paradigma entre Estado e Mercado, pois exigiu Estados fortes e governos “intervencionistas” para evitar uma “quebradeira” geral como a ocorrida em 1929.

Na proporção que se avança na leitura dos capítulos, percebe-se que os contextos pesquisados pelo autor, nos países da Europa e dos Estados Unidos, revelavam-se como problemas universais, de um mundo cada vez mais globalizado e integrado nos modos políticos e econômicos, como o movimento de integração que surgiu na época da independência colonial. Portanto, os fatos vividos no Brasil, nas últimas décadas, foram reflexos das decisões emanadas dos países centrais. Além disso, ficou a tentativa de resgatar uma visão de mundo e dos valores da Social-Democracia (a liberdade, a igualdade, a justiça social e a solidariedade), a luta e a primazia do julgamento individual. Contudo, os governantes deveriam ser menos preocupados com a defesa do prestígio e do enriquecimento individual e mais engajados civicamente.

Tony Judt, nasceu em janeiro de 1948 em Londres, e faleceu, em 2010, em Nova York, nos últimos anos lecionava na Universidade dessa Cidade. Dentre suas principais obras constam os seguintes títulos: Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos; Reflexões sobre um Século Esquecido – 1901-2000; Passado Imperfeito: um olhar crítico sobre a intelectualidade francesa; Pós-Guerra – Uma História da Europa desde 1945.

Pedro Hélio dos Santos – 2º. Tenente da Marinha do Brasil

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O socialismo de Oswald de Andrade: cultura/ política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930 | Marcio Luiz Carreri

Obra originária de pesquisa para obtenção do título de doutor em história-social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP no ano de 2017. O livro “O socialismo de Oswald de Andrade: cultura, política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930”, partindo da capa e seus contraste em preto e branco em que o autor destaca seus personagens principais que compõe sua narrativa histórica, como a Pagú, Mario de Andrade e sobretudo o Oswald tendo por base a foice e o martelo em vermelho, e acima de todos a figura emblemática de Marx.

Trata-se de escrita leve e fluente, sem o peso do academicismo que se exige para uma tese de doutorado em história, porém com o rigor metodológico dela. Marcio em seu trabalho consegue perfeitamente trafegar entre duas linhas tênues e belas que é a da confluência entre literatura e história, com o mérito de trafegar por essa zona quente sem se esquecer do metier, do construto da história. Dessa forma a literatura entra como pano de fundo para o fazer historiográfico de uma época de “tensões na modernidade de São Paulo” como diz o título. Leia Mais

O socialismo de Oswald de Andrade: cultura/ política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930 | Marcio Luiz Carreri

Obra originária de pesquisa para obtenção do título de doutor em história-social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP no ano de 2017. O livro “O socialismo de Oswald de Andrade: cultura, política e tensões na modernidade de São Paulo na década de 1930”, partindo da capa e seus contraste em preto e branco em que o autor destaca seus personagens principais que compõe sua narrativa histórica, como a Pagú, Mario de Andrade e sobretudo o Oswald tendo por base a foice e o martelo em vermelho, e acima de todos a figura emblemática de Marx.

Trata-se de escrita leve e fluente, sem o peso do academicismo que se exige para uma tese de doutorado em história, porém com o rigor metodológico dela. Marcio em seu trabalho consegue perfeitamente trafegar entre duas linhas tênues e belas que é a da confluência entre literatura e história, com o mérito de trafegar por essa zona quente sem se esquecer do metier, do construto da história. Dessa forma a literatura entra como pano de fundo para o fazer historiográfico de uma época de “tensões na modernidade de São Paulo” como diz o título. Leia Mais

Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória – HUYSSEN (AN)

HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Trad. Vera Ribeiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014. Resenha de: MACHADO, Diego Finder. Imaginar o futuro em um mundo globalizante: paisagens transnacionais dos discursos do modernismo e das políticas da memória. Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 44, p. 371-379, dez. 2016.

Como imaginar futuros em um mundo cada vez menos confiante em relação às promessas de progresso de uma época anterior? As sociedades contemporâneas do Ocidente, em contraste com outras sociedades, têm manifestado um renovado interesse pelo passado e pelos seus vestígios. Frente ao que podemos considerar uma “crise de futuro”, o presente vem ocupando uma posição dominante em nossas experiências de tempo. Contudo, trata-se de um presente que procura, insistentemente, enraizar-se em um passado apropriado às suas ansiedades, em uma tentativa de barrar a efemeridade dos nossos dias. Neste contexto, ainda é possível imaginar futuros alternativos que não sejam apenas o futuro da memória?

O crítico literário alemão Andreas Huyssen, em seu último livro traduzido para o português, a coletânea de ensaios intitulada Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória, aproxima duas temáticas centrais em suas pesquisas: as consequências do modernismo na obra de alguns artistas contemporâneos e as políticas da memória, do esquecimento e dos direitos humanos. Estabelecendo trânsitos pelas fronteiras que demarcam essas temáticas, a afinidade entre os diferentes capítulos do livro é construída em torno da problematização da memória em contextos transnacionais. Para o autor: A afirmação mais geral deste livro é que tanto o discurso do modernismo quanto a política da memória se globalizaram, mas sem criar um modernismo global único ou uma cultura global da memória e dos direitos humanos (HUYSSEN, 2014, p. 12-13).

Para além das experiências históricas da Alemanha e dos Estados Unidos, que lhes são mais familiares, buscou interpretar conexões transnacionais que ultrapassam as geografias do Atlântico Norte, aproximando-se de geografias alternativas das paisagens de memórias traumáticas e de experimentações estéticas modernistas na América Latina, Ásia e África.

Diante da evidência contemporânea de um declínio do debate sobre o “pós-modernismo”, o autor chama atenção para o retorno dos discursos sobre a modernidade e o modernismo na arquitetura e nos estudos urbanos, assim como na literatura, nas artes plásticas, na música, nos estudos midiáticos, na antropologia e nos estudos pós-coloniais. Para ele, aquele debate foi “uma tentativa norte-americana de reivindicar a liderança cultural”, a partir dos anos de 1920, por isso marcado por um “provincianismo geográfico” (HUYSSEN, 2014, p. 11).

A primeira parte da obra é dedicada a interpretar geografias alternativas do modernismo em um mundo globalizante, colocando em discussão as maneiras como a cultura metropolitana de um modernismo clássico foi traduzida e apropriada criativamente em países colonizados e pós-coloniais na Ásia, África e América Latina, antes e após a Segunda Guerra Mundial. Um diálogo crítico com alguns artistas e seus experimentos estéticos é tramado: o argentino Guillermo Kuitca e seus experimentos cartográficos como um pintor do espaço; o sul-africano William Ketridge e a indiana Nalini Malani e os seus teatros de sombras como arte memorial; o vietnamita Pipo Nguyem-duy e sua série de fotografias de ruínas ecológicas da modernidade; e a colombiana Doris Salcedo com sua instalação artística que convida à reflexão sobre as continuidades entre colonialismo, racismo e imigração. Não deixa de lado outros artistas de diferentes nacionalidades, fazendo-nos compreender que a geografia do debate deve focar como o modernismo, nas artes visuais, é reiterado e reinterpretado.

Inspirado no antropólogo indiano Arjun Appadurai (2004), Huyssen procura analisar como a modernidade e o modernismo foram disseminados por fluxos culturais complexos que aproximaram as ideias de local e global em constante negociação. Para ele, é preciso escapar da crença inocente em uma cultura local autêntica que deveria ser preservada dos encantos homogeneizantes da globalização.

Como afirma, “[…] o binário global-local é tão homogeneizante quanto a suposta homogeneização cultural do global à qual se opõe” (HUYSSEN, 2014, p. 23). Esse olhar dualista, atado ao local, impede a compreensão transnacional das práticas culturais e o reconhecimento dos fluxos desiguais de traduções, transmissões e apropriações locais de um “modernismo sem entraves”.

Outra questão apontada é a necessidade de retomar, sob novos ângulos, o modelo superior e inferior pelo qual o espaço cultural do início do século XX foi hierarquicamente clivado entre cultura de elite e cultura de massa. Segundo o autor, este modelo, prematuramente descartado nos estudos norte-americanos sobre o pós- modernismo, ainda pode servir como paradigma para analisar modernismos alternativos e culturas globalizantes que assumiram formas distintas em diferentes momentos históricos. A reinscrição desta problemática nas discussões da modernidade cultural em contextos transnacionais pode estimular novos tipos de comparação que vão além das dicotomias clichês – tais como global versus local, colonial versus pós-colonial, moderno versus pós-moderno ou centro versus periferia –, recolocando em debate hierarquias e estratificações sociais que atravessam as culturas de acordo com as circunstâncias e as histórias locais. Além disto, repensar a relação superior-inferior hoje nos remete aos debates sobre os novos vínculos entre estética e política, bem como entre experiência e história.

A segunda parte do livro é dedicada à problematização das políticas de memória, de esquecimento e de direitos humanos na contemporaneidade, retomando, sob novos matizes, questões já apresentadas ao público brasileiro em Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia (HUYSSEN, 2000). Antes, como um entremeio que estabelece conexões entre modernismos e culturas de memória, Huyssen lança um debate instigante que se desloca entre a nostalgia contemporâneas das ruínas e as memórias traumáticas dos escombros da modernidade. Esta diferenciação entre ruína e escombro, que faz eco aos escritos do filósofo alemão Walter Benjamin (2012), nos convida a pensar sobre às diferentes maneiras como, em um presente globalizado, olhamos para a decadência dos vestígios do passado. Por um lado, há um olhar nostálgico que se aproxima do encantamento pitoresco dos românticos pelas ruínas, uma utopia às avessas que demonstra a saudade de um outro lugar localizado no passado. Segundo o autor, “[…] essa obsessão contemporânea pelas ruínas esconde a saudade de uma era anterior, que ainda não havia perdido o poder de imaginar outros futuros” (HUYSSEN, 2014, p. 91). Por outro, a nossa contemporaneidade se depara cotidianamente com os escombros de uma modernidade cruel, marcada por atrocidades que soterraram os futuros sonhados pelos vencidos da história. Como lembra, os bombardeios nunca pretenderam produzir ruínas, mas escombros. Porém, em uma época seduzida pelo passado, tais escombros, muitas vezes, acabam estetizados enquanto ruínas, alimentando um mercado da memória como entretenimento que banaliza e envolve em sentimentos nostálgicos as marcas presentes de um passado traumático. Este imaginário das ruínas é, como destaca o autor: Central para qualquer teoria da modernidade que queira ser mais que o triunfalismo do progresso e da democratização, ou a saudade de um poder passado de grandiosidade (HUYSSEN, 2014, p. 99).

Para além de um otimismo cego, podemos nos defrontar com o lado obscuro e destrutivo da modernidade visível nas ruínas, os desastres do passado que continuam a assombrar a nossa imaginação.

Estabelecendo um diálogo crítico com os estudos consagrados sobre a memória, especialmente com a obra dos franceses Maurice Halbwachs (2006) e Pierre Nora (1993), Huyssen destaca que tais estudos inseriram a memória primordialmente em contextos nacionais, bem como procuraram demarcar uma fronteira que colocava em lados opostos a história e a memória. Atualmente, o divisor história/ memória tem sido superado, reconhecendo a interdependência entre as maneiras de narrar o passado. Além do mais, tais estudos se mostram insuficientes em um momento no qual os discursos sobre a memória e a análise das histórias traumáticas tornaram-se transnacionais.

É preciso, segundo o autor, abandonar o conceito de memória coletiva, tal como uma memória mais ou menos estável de um grupo ou uma nação como ideal, em busca de memórias conflituosas. Para ele, “[…] a memória é sempre o passado presente, o passado comemorado e produzido no presente, que inclui, de forma invariável, pontos cegos e de evasão” (HUYSSEN, 2014, p. 181). A memória “nunca é neutra” e “[…] está sempre sujeita a interesses e usos funcionais específicos” (HUYSSEN, 2014, p. 181). Neste sentido, para além do conflito entre memórias coletivas e memórias individuais, ou entre memória e historiografia, seria importante analisar “[…] os conflitos entre campos de memórias rivais que tentam eliminar ou, pelo menos bloquear um ao outro” (HUYSSEN, 2014, p. 182).

Esta virada teórica e metodológica faria com que atentássemos às batalhas entre passados, travadas não apenas em contextos nacionais, como também em contextos transnacionais. Portanto, pensar em políticas da memória em um mundo globalizante está para além da circunscrição do que seria uma “memória cosmopolita”. É preciso compreender as assimetrias e competições travadas nas trajetórias transnacionais da memória.

Em um mundo obcecado pela memória, o esquecimento, o duplo inevitável da memória, é malvisto, considerado uma falha ou uma deficiência que deveríamos combater. Mesmo em excesso, a memória é positivada, visto ser considerada fundamental para a coesão social e como alicerce para identidades. Neste contexto, pouco se refletiu a respeito da importância de uma política do esquecimento que, para além do “dever da memória”, pusesse em pauta uma ética do esquecimento.

Em diálogo com o pensamento do filósofo francês Paul Ricoeur (2007), Huyssen busca interpretar situações em que uma política de esquecimento foi importante na construção de um discurso politicamente desejável e de uma esfera pública democrática: o esquecimento das mortes causadas pela guerrilha urbana na Argentina em prol de um consenso nacional em torno da figura vitimada do desaparecido e o esquecimento dos bombardeios de cidades alemãs durante a Segunda Guerra Mundial para o pleno reconhecimento do horror do Holocausto. Em ambos os exemplos, uma forma de esquecimento foi necessária para atender reivindicações culturais, jurídicas e simbólicas em consonância com as políticas nacionais de memória.

Ao propor a discussão sobre uma ética do esquecimento público, o autor se aventura em um tema difícil que, sem dúvida, consiste no ponto mais audacioso e inovador da obra. No entanto, apesar de insistir no caráter residual de como o tema aparece nos escritos de autores que, como Paul Ricoeur, privilegiaram o estudo da memória, não deixa muito clara uma proposta original para refletir sobre o que considera um “esquecimento voluntário”, um tipo de esquecimento que exigiria esforço e trabalho. Mesmo ao complexificar a questão, situando as estratégias de esquecimento num campo de termos e fenômenos tais como “[…] silêncio, desarticulação, evasão, apagamento, desgaste, repressão” (HUYSSEN, 2014, p. 158), acaba não esclarecendo as diferenças entre estas estratégias.

Afinal, é possível dizer que algo silenciado ou reprimido foi de fato esquecido? Talvez, uma atenção maior às sutilezas de cada um destes termos poderia nos mostrar níveis intermediários entre a memória e o esquecimento, tal como já há alguns anos propôs Michael Pollak (1989) ao problematizar o silêncio não como uma forma de esquecimento, mas como uma “memória subterrânea” que, em disputas de memórias, resiste aos excessos das memórias oficiais.

A emergência à esfera pública de memórias traumáticas em busca pela reparação de injustiças cometidas no passado, coloca em questão as aproximações entre as políticas de memória e as políticas de direitos humanos. Na contemporaneidade, há uma sobredeterminação entre estes discursos. Contudo, como destaca o autor, não é raro que os debates sobre os direitos humanos permaneçam separados dos debates sobre a memória, sendo o discurso da memória dominante nas humanidades e o discurso dos direitos humanos nas ciências sociais. Se faz necessária a ligação dos estudos da memória aos direitos e à justiça, não somente em termos teóricos e discursivos, mas também em termos práticos. Por um lado, as políticas de memória precisam de uma dimensão normativa jurídica, que lhe dê sustentação na reivindicação de direitos de indivíduos e grupos. Por outro, os discursos sobre os direitos humanos, alimentados pelas memórias de violações de direitos, deixariam de pautar-se apenas em princípios abstratos, levando em consideração os contextos históricos, políticos e culturais. Entretanto, como afirma o autor, tal aproximação não é isenta de riscos, pois “[…] tanto o discurso dos direitos quanto o da memória são alvos fáceis de abuso, como véu político para encobrir interesses particulares” (HUYSSEN, 2014, p. 201).

Um campo onde as aproximações entre direitos humanos e memórias têm emergido de maneira mais intensa é o campo das reivindicações pelos direitos culturais de populações indígenas ou descendentes de escravizados na América Latina, no Canadá e na Austrália, bem como os direitos civis e sociais nas novas formas de imigração e diáspora. Essa dimensão dos direitos humanos: Reivindica os direitos de grupos culturais dentro de nações soberanas, mas entra em conflito com a ideia tradicional dos direitos humanos como direitos dos indivíduos, e também com um entendimento homogêneo da nacionalidade (HUYSSEN, 2014, p. 206).

O movimento pelos direitos culturais, movimento que desestabiliza as ideias de identidade nacional, tem dado ênfase na diversidade cultural em um mundo cada vez mais interligado, aderindo, fundamentalmente, à política de identidade grupal. Neste debate, as ideias de global e local entram em conflito, em reações contra a globalização e a temível possibilidade de uma homogeneização cultural. Novamente o autor traz à tona uma crítica a concepções que imaginam uma suposta autenticidade intocada das culturas locais, o que gera conflitos quando grupos culturais diferentes entram em contato. Para além de uma compensação identitária, “[…] os direitos culturais devem preservar a prerrogativa de que o indivíduo nascido numa dada cultura possa deixá-la e escolher outra” (HUYSSEN, 2014, p. 209).

Embora não circunscrita no interior dos limites do campo da História, a obra de Andreas Huyssen tem sido fundamental para pensar a prática historiadora, especialmente em relação à História do Tempo Presente. As análises elaboradas pelo autor nos convidam a pensar, a partir da problematização das políticas da memória e dos modernismos em um mundo globalizante, as imbricações entre temporalidades e espacialidades no presente vivido. Como um crítico da cultura, este autor propõe uma reflexão sobre as maneiras como no presente se articulam passado e futuro, global e local, alertando para a importância da imaginação de futuros alternativos. Não se trata da nostalgia de uma crença inocente nas promessas de progresso atualmente desacreditadas, mas uma incitação a pensarmos sobre as maneiras como futuros possíveis, desamarrados de um peso asfixiante do passado, foram e continuam sendo imaginados.

A experiência histórica brasileira, embora brevemente mencionada em alguns dos seus ensaios, praticamente está ausente da cartografia de geografias alternativas analisada e interpretada pelo autor. O Brasil, ao contrário da Argentina, não é, nesta obra, um território privilegiado na compreensão das políticas de memória e dos modernismos na América Latina. Apesar disso, a historiografia brasileira da última década tem se valido de conceitos e teorias mobilizadas pelo autor em seus trabalhos, especialmente a noção de “cultura da memória”. Em diálogo com autores do campo da História, como Reinhart Koselleck (2006) e François Hartog (2013), a obra de Andreas Huyssen tem sido apropriada pelos historiadores interessados em pensar o tempo não apenas como um instrumento taxionômico, pelo qual os acontecimentos de um passado são medidos e circunscritos, mas o tempo como algo vivido e experimentado em sociedade. Na atualidade de nosso país, experiências diversas de tempo são friccionadas, colocando lado a lado, por exemplo, os traumas do período da nossa ditatura civil-militar e as lutas pelo reconhecimento de direitos culturais negados a minorias.

Neste sentido, a leitura de Culturas do passado-presente pode ser um interessante convite a novos olhares para a nossa própria história, a um olhar crítico para um tempo presente demasiadamente encantado pelo passado e temeroso por um porvir que se mostra pouco promissor.

Referências

APPADURAI, Arjun. Dimensões culturais da globalização: a modernidade sem peias. Lisboa: Teorema, 2004.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. revista. São Paulo: Brasiliense, 2012. (Obras escolhidas v. 1).

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014. (Coleção ArteFíssil).

Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: UNICAMP, 2007.

Diego Finder Machado – Doutorando em História na História da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Agonística: Pensar el mundo politicamente – MOUFFE (EL)

MOUFFE, Chantal. Agonística: Pensar el mundo politicamente. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2014.  Resenha de: BONIN, Joel Cezar. Eleuthería, Campo Grande, v. 1, n. 1, p. 83-87, dez. 2016/mai. 2017.

A obra em relevo é uma das últimas publicações em espanhol da pensadora política Chantal Mouffe, datada de 2014, com o título de Agonística, pensar el mundo políticamente. A versão utilizada para esta resenha foi traduzida por SoledadLaclau e publicada pelo “Fondo de Cultura Económica de Argentina S.A”, sendo que a versão original em inglês, foi lançada em 2013 com o título de Agonistics, Thinkingthe World Politically pela editora “Verso”. A obra está dividida em sete capítulos fundamentais, a saber: I –O que é política agonista?; II – Que democracia para um mundo agonista multipolar?; III – Uma aproximação agonista para o futuro da Europa; IV – A política radical hoje; V Política agonista e práticas artísticas (incluindo introdução e conclusão) e mais uma entrevista com a autora. O trabalho aqui desenvolvido se propõe em abordar, em linhas gerais, a temática fundamental do texto, a saber, o agonismo político e assinalar os principais interlocutores de Mouffe em sua pesquisa política.

Diante disso, se faz assaz necessário destacar que a autora em tela é professora de Teoria Políticado “Centro para Estudos da Democracia” da Universidade de Westminster, Londres e autora de vários livros que abordam a temática política dentro do cenário contemporâneo. Sua linha de pensamento pode ser denominada de “agonística”, pois sua visão contempla a ideia de que, para além dos dilemas antagonistas inerradicáveis da política, devemos ponderar e considerar um cenário agonista, no qual não se vê o outro como um opositor/inimigo, mas como um adversário que luta agonisticamente por uma democracia radical e vibrante. Ela aponta para um viés que não é unânime e nem tampouco uníssono, contudo, em suas obras nota-se que o caráter dissensual das disputas políticas é visto como algo salutar para o desenvolvimento de um senso político crítico e sagaz, dissociado de vicissitudes dialéticas entre esquerda/direita ou entre burguesia/proletariado. Dessa maneira, a resenha desse livro visa, diante disso, mostrar as ideias fulcrais da autora e o modo como a mesma desenrola o novelo epistemológico e filosófico de seu pensamento agonista.

De início, no primeiro capítulo, Mouffe tenta demonstrar como já fizera em outras obras132, o que significa, de fato, uma política agonista. Por este prisma, sua abordagem revela o papel preponderante da ideia de hegemonia. Segundo ela, “denominamos ‘praticas hegemônicas’ aquelas práticas de articulação mediante as quais se cria uma determinada ordem e se fixa o significado das instituições sociais. Segundo este enfoque, toda ordem é a articulação temporária e precária de práticas contingentes. As coisas sempre poderiam ser diferentes e toda ordem se afirma sobre a exclusão de outras possibilidades. Qualquer ordem é sempre a expressão de uma determinada configuração de relações de poder. O que em um determinado momento se aceita como a ordem ‘natural’, junto com o sentido comum que a acompanha, é o resultado de práticas hegemônicas sedimentadas” (MOUFFE, 2014, p. 22).

Essa citação nos leva a reflexão de que o conceito de hegemonia é resultado de uma eleição de práticas, isto é, tal assertiva nos leva a ponderação de que aquilo que decidimos como político/antipolítico/apolítico é o resultado de uma criteriosa definição de prioridades que são “optadas” como as mais aceitáveis ou mais eloquentes para o convencimento de um modo de pensar e agirque é mais “forte diante dos outros”. Contudo, nos fica evidente que a configuração das práticas hegemônicas não é algo que ocorre de modo casuístico. O que definimos como hegemonia, segundo os moldes de Mouffe, é algo definido pela maioria ou pelo ato democrático de uma escolha. Porém, essa definição não é permanente e não é definitiva. Ela é volátil e contingente e, por sua vez, sempre suscetível a mudanças.

Diante disso, é essencial que entendamos que o pensamento de Mouffe nos orienta a uma prática de dissenso, pois diante de práticas hegemônicas podemos apresentar condutas contrahegemônicas justamente porque aquilo que consideramos como hegemônico está provisoriamente posto. Além disso, Mouffe compreende que as práticas que envolvem o universo político estão sempre em conflito e essa é a “natureza própria” desse universo, mesmo que cindido em dois: “‘O político’ se refere a essa dimensão de antagonismo que pode adotar diversas formas e que pode surgir em diversas relações sociais. É uma dimensão que nunca poderá ser erradicada. Por outro lado, ‘a política’ se refere a um conjunto de práticas, discursos e instituições que busca estabelecer uma certa ordem e organizar a coexistência humana em condições que sempre são potencialmente conflitivas, já que estão afetadas pela dimensão ‘do político'” (MOUFFE, 2014, p. 22).

Diante do exposto, nos faz necessária uma indagação: mas afinal o que Mouffe quer dizer com essa ideia de antagonismo e agonismo? Se lermos com atenção o parágrafo anterior, podemos compreender o seguinte: o olhar “político” é o olhar do dissenso, da diferença e da antagonia. Esse fato é impossível de ser dirimido ou subsumido no universo dos interesses pessoais, das contendas pelo poder. Contudo, o espaço da “política” é o espaço no qual essas ideias não suplantadas pelo exercício racional do discurso ou da “boa vizinhança”. Eles permanecem, porém, o modo como essas questões são encaradas se modifica. É aqui que o agonismo ganha importância e valor. Se no primeiro conceito, ve-se o outro como um inimigo a ser massacrado ou destruído, no segundo momento, verifica-se a noção da luta de interesses mediados por uma “cadeia de equivalências” nas quais todos possuem o direito à diversidade e à multipolaridade de intenções. Dito de outro modo, se trata de se pensar o mundo para além de uma visão cosmopolita que por inúmeras vezes, se reveste de uma perspectiva eurocêntrica. Parafraseando Mouffe, não se pode pensar o mundo apenas como um universo, como um pluriverso de interesses, todos eles legitimáveis e consideráveis. É nesse ponto que Mouffe critica veementemente a postura liberal de que o campo político é um campo neutro, onde os ditames da razão são os únicos esteios orientadores do debate. As paixões nunca foram e nunca serão eliminadas, pois no campo da disputa pelo poder sempre emergem vozes e atitudes que, supostamente teriam sido superadas pela evolução racionalizada do pensamento e do agir humano.

Segundo a pensadora belga, não vivemos mais os tempos de Maquiavel e Kant, contudo, isso não quer dizer que as vicissitudes de outrora não ecoam mais em nosso tempo. Por isso, ela afirma – com base em Carl Schmitt, uma ideia importante na relação entre amigos/inimigos ou entre nós/eles: “De fato, muitas relações nós/eles são meramente uma questão de reconhecer as diferenças. Porém significa que existe a possibilidade de que esta relação ‘nós/eles’ se converta em uma relação de amigo/inimigo. Isso ocorre quando os outros, que até o momento eram considerados simplesmente como diferentes, começam a ser percebidos como questionando nossa identidade e como uma ameaça a nossa existência. A partir desse momento, como assinalou Carl Schmitt, toda forma de relação nós/eles – seja religiosa, étnica ou econômica – se converte em um locusde antagonismo” (MOUFFE, 2014, p. 24-25).

No decorrer do texto, Mouffe faz vários “links” entre o seu pensamento e de outros pensadores políticos contemporâneos como Badiou, Connolly, Habermas, Virno,Hardt, Negri, etc. Contudo, gostaria de delinear uma visão um pouco mais aprofundada da relação do pensamento mouffeano com os de Virno e Hardt/Negri. No capítulo no qual ela trata da “política radical hoje”, ela aponta os pontos essenciais do trabalho de Antonio Negri e Michael Hardt (Império, Multidão e Commonwealth), que tentam demonstrar que o “império” como fonte de acumulação do capital não está mais territorializado, pois ele se manifesta em todos os cantos do mundo por meio de um modo de apreensão da vida na qual a disciplina se dá de modo biopolítico. É um controle muito mais profundo pois envolve toda a vida das pessoas, desde suas práticas mais comezinhas até o mundo do trabalho. Contudo, se trata de extrapolar esse modo de controle sobre a vida pois visto que não há mais territorialidade e sim conectividade ao redor do mundo que pode-se pensar em alternativas que rompam com esse modelo de controle, por meio de um contra-império, no qual a criatividade e a inventividade busquem formas concretas de viver o mundo político. As ONGs, as associações de grupos minoritários133 são modelos de como isso pode acontecer, pois ligados a ambientes virtuais de debate, nascem os modelos contrahegemônicos de inserção e discussão social. Isto posto, pode-se dizer que a interconexão virtual engendra mudanças reais na análise de “visão de mundo” de seus participantes. Se, contudo, tais possibilidades de ação prática não se fazem possíveis, a “saída pela tangente” deve ser o êxodo e a deserção, como meios de distanciamento da vida pública.

Por outro lado, o pensamento do filósofo italiano Paolo Virno opõe-se em alguns aspectos ao pensamento de Negri e Hardt, pois ele não consegue vislumbrar outra alternativa para a vida social que não seja a deserção. “[…] Se na era disciplinária, a sabotagem constituía a forma fundamental de resistência, […] na era do controle do império, esse papel é desempenhado pela deserção. De fato, considera que é por meio da deserção – mediante a evacuação dos espaços de poder – que se podem ganhar as batalhas contra o império. A deserção e o êxodo constituem […] uma forma poderosa de luta de classes contra a pósmodernidade imperial” (MOUFFE, 2014, p. 81).

Entretanto, a análise de Mouffe é bem diferente nesse quesito, pois o que ela considera como fundamental não é a deserção dos espaços de poder, mas a sua verdadeira e legítima posse por parte de todos os envolvidos como se vê na nota de rodapé da página anterior. Antes ainda, afirma Mouffe, faz-se necessário que uma visão renovada do papel e do valor dos espaços públicos de democracia. E aqui ela volta ao ponto inicial: é preciso que haja

dissenso, luta, desentendimento se preciso for, pois somente por meio desse movimento contínuo de retorno ao debate democrático, por vezes consensual, mas mais ainda dissensual que os conflitos podem encontrar um espaço adequado de desenvolvimento. Contudo, ela reitera: a extinção, deserção ou eliminação do Estado não é o caminho que levará as sociedades à plenitude de uma democracia vibrante e radical. Em verdade, a única radicalidade conclamada por Mouffe é a da participação dissensual agonista. Dito de outro modo, trata-se de repensar as possibilidades políticas de nosso tempo por um viés constantemente rechaçado por políticas liberais ou neoliberais, o de que só possível a vivência plena da política num ambiente que seja capaz de “incluir o outro na sua diversidade”: eis um caminho possível, segundo Mouffe, para uma vida política que aponta possibilidades, pois já compreende de antemão a impossibilidade de uma erradicação total do antagonismo, mas que nas brechas, nos interstícios do sistema político-econômico luta (agoniza134, no sentido grego do termo) por uma vida democrática onde todos são iguais e dignos dessa igualdade.

Notas

132 É fundamental lembrar também que a obra em relevo é uma “revisitação” e atualização de outras obras por ela publicadas, tais “En torno a loPolitico” e “El retorno delo Político”.

133 […] Não se pode definir o adversário em termos amplos e gerais como “império” ou “capitalismo”, senão em termos de pontos nodais de poder que devem ser atacados e transformados com o fim de criar as condições de uma nova hegemonia. Se trata de uma “guerra de posição” (Gramsci) que deve ser lançada em uma multiplicidade de lugares e isto exige uma sinergia entre uma pluralidade de atores: movimentos sociais, partidos e sindicatos. (MOUFFE, 2014, p. 85, grifo meu).

134 Nesse ponto, Mouffe aponta uma ideia fundamental de William Connolly e se apropria dela: “Connolly está influenciado por Nietzsche e tentou tornar compatível a concepção nietzscheana do ‘agón’ com a política democrática”. Reclama uma radicalização da democracia, que resultará do cultivo por parte dos cidadãos de um novo ethosdemocrático de compromisso, que os levará a entrar em uma disputa agonista a fim de impedir toda forma de fechamento. Para esta perspectiva resulta central a ideia do ‘respeito agonista’ que Connolly percebe surgindo da condição existencial compartilhada da luta pela identidade e moldada pelo reconhecimento de nossa finitude. O respeito agonista representa para ele a virtude cardeal do pluralismo profundo e é a virtude política mais importante em nosso mundo pluralista contemporâneo. (MOUFFE, 2014, p. 31, grifos no original)

Joel Cezar Bonin – Pontíficia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

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[DR]

 

El mito de la Argentina laica: catolicismo, política y Estado – MALLIMACI (AN)

MALLIMACI, Fortunado. El mito de la Argentina laica: catolicismo, política y Estado. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2015. Resenha de: QUADROS, Eduardo Gusmão de. O estado da fé: catolicismo e governo na história Argentina Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 43, p. 491-496, jul. 2016.

Conhecer a história dos argentinos contribui para alargar a visão geralmente difundida da história do Brasil. Existe, afinal, uma série de processos políticos e econômicos que apresentam traços semelhantes, o que poderia ser ampliado, obviamente, para a história latino-americana como um todo. Isso é especialmente válido se o foco estiver em uma instituição internacional, como é o caso da Igreja Católica Romana.

Qualquer estudo sobre a história do catolicismo necessita articular esses dois aspectos: o global, gestado a partir do Vaticano, e o nacional ou local, onde a ação religiosa deve intervir respeitando os elementos condicionantes mantidos pelos atores sociais. No primeiro nível, a Igreja Católica apresenta-se como salvadora da humanidade, já que representa a ação do Deus criador dos céus e da terra; no segundo nível, é uma instituição política que atua como uma “nação” dentre outras, com o interesse de fortalecer seu domínio.

Ao enfrentar a questão do “mito da laicidade” na história da Argentina, Fortunato Mallimaci tem isso claro. Portanto, por toda a obra, sua análise percorre as vias de mão dupla entre a Europa e a América Latina, sem esquecer o modo como as camadas populares reagem às estratégias implantadas pelas elites, sejam elas políticas ou religiosas. O fundamento teórico-metodológico para integrar tais  aspectos é de inspiração bourdieusiana, apesar de o autor indicar diversas vezes as reflexões de Ernst Troeltsch como suporte relevante.

O livro estrutura-se em seis capítulos. Eles podem ser lidos como hipótese de periodização, mas também podem ser formas de relação que a instituição eclesiástica católica estabelece com as demais esferas sociais. Assim, não é meta do autor realizar uma abordagem propriamente contextual, e o texto rompe com a confortável linearidade cronológica, uma decorrência da postura de considerar “,[…] el catolicismo como un lugar social donde se confrontan discursos competitivos y desiguales” (p. 66), preferindo intercambiar os marcos históricos com processos contemporâneos. Os limites entre o que estaria “fora” ou “dentro” da igreja são altamente questionáveis quando se quer entender seu papel na governamentabilidade: Un análisis sociológico sobre el catolicismo no puede abordar su sujeto de estudio si lo encierra en un universo puramente religioso. El fenómeno debe estar ligado a la sociedad que lo involucra y si esta se encuentra dividida, conflictuada, enfrentada, se pueden encontrar esos conflictos, con formas proprias, dentro del espacio de lo religioso, especialmente si se trata de un movimiento dominante y extensivo como es el catolicismo. Si esos conflictos se agudizn se puede ver cómo se generan estructuras intermedias y paralelas que un estudio de ese tipo no puede ignorar. Por esto, creemos necesario mostrar los procesos que relacionen estructuras, agentes y personas en el largo plazo (p. 66).

Nessa perspectiva, o capítulo inicial trata da mescla dos valores e símbolos católicos com as manifestações nacionais argentinas. O ideário de edificar uma religião civil perpassa o discurso das elites sócio-religiosas.

Mesmo que tenha sido declarada a laicidade estatal desde meados do século XIX, bem como da educação, o autor afirma que “[…] sin símbolos y sin sagrados no se consolidan las nuevas naciones” (p. 20).

A igreja católica não era tão forte, na época, para interferir diretamente nesse projeto, contudo havia uma crença difusa, sem demasiada fidelidade doutrinária ou ética, que unificava boa parte da população. O conflito com as ideias do positivismo foi tênue e já nos primórdios do século XX a igreja-mãe estava casada com o estado-pai (p. 33).

Nas décadas de vinte e trinta do mesmo século, as tendências integristas, totalizadoras, inspiradas na imagem do Cristo Rei, tornaram- se consolidadas. Os cristãos, nessa visão, precisavam lutar para estabelecer o domínio divino, e consequentemente da instituição que o representa, sobre todas as coisas. A oportunidade de atuação eficaz adveio de um fator extrarreligioso: a crise global do liberalismo ao final dos anos vinte. Dessa forma, o discurso católico passou a se colocar como uma terceira via entre o temido comunismo e os problemas da democracia burguesa. As duas fontes secularizadas de esperança perderam, naquele momento, boa parte de sua credibilidade social.

Cada vez mais a igreja assumiu a posição de ser o cimento que sustentava a sociedade argentina. O processo de diocesização, incrementado rapidamente nessas primeiras décadas do século, possibilitou a capilaridade necessária à expansão da “geografia católica” pelo território nacional. Há, entretanto, uma diferença sensível em relação ao catolicismo brasileiro nesse caso, pois a maioria do clero, inclusive o episcopado, era natural do próprio país (p. 94).

O capítulo terceiro demonstra a importância da Ação Católica para todo o período que se segue. Sua espiritualidade, de forte aspecto militar e integral, contribuiu efetivamente para incorporar ao seio da igreja católica setores sociais ainda desprezados, a exemplo dos jovens e das camadas empobrecidas. O autor ressalta que a recente ruptura teórico- metodológica, relativizando as dicotomias entre sagrado e profano ou oficial e popular, são importantes para que surjam novos estudos acerca desses sujeitos, geralmente invisibilizados na documentação. Esses estudos deveriam enfocar mais suas lógicas internas, os motivos de adesão e as estratégias simbólicas de legitimação constituídas (p. 109).

O grupo de militantes da Ação Católica partia do pressuposto de que existiria um déficit de catolicidade na configuração social e até entre os membros da igreja. Encampavam, então, a tarefa de cristianizar todas as instituições sociais, gerando um novo tipo de patriotismo católico em um contexto de fortes conflitos ideológicos. A comprovação dessa habilidade de produzir um novo consenso nacionalista foi o apoio dado ao vitorioso movimento golpista de 1943, com a posterior incorporação de muitos membros do laicato católico no aparato estatal.

Decorrente desse modelo de inserção social, o foco do autor nos três últimos capítulos da obra parte da análise do mundo do trabalho.

A afirmação deste na configuração política e religiosa ocorreu através da mescla de valores religiosos com o insurgente peronismo. Existem afinidades evidentes entre a forma de governo estabelecida por Perón e o catolicismo social moldado pela Ação Católica, mesmo que houvesse grupos discordantes que acusavam as ações ditatoriais do regime. Nesse momento de intensa politização do cristianismo, ou de sacralização do político, Jesus passou a encarnar “el primer justicialista” (p. 137).

Apesar de Perón ser militar de carreira, a militarização do catolicismo, com a consequente simbiose entre a igreja romana e as forças armadas, manifestou-se com maior intensidade na ditadura dos anos setenta. Mallimaci faz questão de denunciar o regime instaurado após o golpe de 1976 como um terrorismo de Estado com fundamento cívico-religioso-militar (p. 168). Verdade que o quinto capítulo busca demonstrar um período mais duradouro, que perpassa todos os golpes militares, e este provém do catolicismo de matiz integral propalado pelos militantes católicos. Tal herança nunca fora unívoca, é bom ressaltar, e o movimento antiperonista nutriu-se igualmente do imaginário cristão-militarizado para excomungar e expulsar Perón da Argentina.

O catolicismo integral e o peronismo serão objetos de disputa social no esforço coletivo de construir uma Argentina verdadeiramente católica. Dois movimentos são exemplares desse conflito de tradições.

De um lado, está o movimento Sacerdotes para o Terceiro Mundo, a experiência de messianismo utópico e popular mais importante do final da década de sessenta. Conforme o autor: La critica social y politica del Movimiento a la ditadura del momento fue respondida desde lo politico, lo social y lo cultural.

También hubo otra, teológica, política y religiosa, pronunciada por los sacerdotes católicos que formaban parte de ese gobierno militar. […] (Pero) En el Movimiento de Sacerdotes para el tercer Mundo se disociaba la memoria católica de la función legitimadora de las relaciones sociales hegemónicas y se las trasladaba a las clases subalternas primero y luego al movimiento político mayoritario en sectores populares (p. 192).

Do lado oposto, partindo da crítica teológica, política e religiosa, nessa ordem, estavam os capelães militares. Esse grupo, em texto divulgado na grande imprensa, denunciava seus companheiros de batina, como é demonstrado pelo autor quando este cita um documento gerado pelo Comando de Operações Navais, assinado pelo capelão Duilio Barbieri. Afirma-se nesse texto que: […] hay fundadas razones para creer que entre estos sacerdotes (para el tercer mundo) hay algunos que son activistas comunistas expresamente infiltrados ya desde el seminario, y que con esos sacerdotes estamos en el cero absoluto del espíritu (BARIBIERI, 1970 apud p. 193).

A tensão sócio-religiosa perdurou até a ditadura civil-militar implantada em 1976. A repressão violenta, utilizando inclusive grupos paramilitares, foi legitimada pela Conferência Episcopal Argentina.

Mallimaci chega a afirmar peremptoriamente que “[…] los golpes militares nunca recibieron la reprobación del cuerpo epsicopal, tanto en Argentina como en el resto de América Latina” (p. 194).

O leitor pode estar curioso para saber como o padre Jorge Bergoglio, atual Papa Francisco, se portou nessa conjuntura. A obra apresenta denúncias de que ele, enquanto superior dos Jesuítas, desprestigiou tanto sacerdotes quanto leigos ligados à Companhia de Jesus durante a perseguição governamental e eclesiástica. Estes eram aqueles que estavam inseridos exatamente nas lutas dos pobres. Ainda como provincial da Universidade do Salvador, vinculada à Companhia inaciana, padre Bergoglio participou da condecoração, concedida em 1977, ao almirante Emílio Massera, conhecido já na época por sequestrar, torturar e “fazer desaparecer” muitos membros do catolicismo (p. 200).

Esse tema do papa argentino retorna ao final do livro, quando este trata das reconfigurações recentes no campo religioso argentino.

O catolicismo integral ficou fragmentado com o impacto das redefinições democráticas no espaço público, bem como com o crescente pluralismo religioso. Ter um papa peronista (cf. p. 239) fortalece a relação simbiótica entre nação e fé católica. Assim, a laicidade permanecerá apenas no nível jurídico, como um mito social vigoroso nesse enviesado processo de reconhecimento da liberdade.

A obra aponta, destarte, para desafios fulcrais da democratização ainda recente na América Latina. Talvez o autor tenha, no intuito de demonstrar sua tese, ressaltado demasiadamente a continuidade da relação instituída entre catolicismo e governo, ou desprezado momentos em que a religião se distanciou do campo político, que é um princípio afirmado teoricamente (p. 149). Todavia, como se buscou indicar nesta resenha, o livro de Mallimaci está prenhe de intuições analíticas e metodológicas capazes de revigorar os estudos acerca dos atores religiosos, suas representações sociais, lógicas identitárias, pretensões legitimadoras e, sobretudo, crenças.

Imaginar o futuro em um mundo globalizante: paisagens transnacionais dos discursos do modernismo e das políticas da memória.

Eduardo Gusmão de Quadros – Docente do PPG em História e em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Doutor em Historia pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: eduardo.hgs@hotmail.com.

Festas Chilenas: sociabilidade e política no Rio de Janeiro no ocaso do Império | Jurandir Malerba, Cláudia Heynemann e Maria do Carmo Teixeira Rainho

Em 1965, Dona Ivone Lara, Silas de Oliveira e Bacalhau cantaram, em samba-enredo do Império Serrano, uma história dos grandes bailes da história da cidade do Rio de Janeiro.[1]2 Um dos destacados pelos compositores, o último d'”Os cinco bailes da história do Rio”, era o baile da Ilha Fiscal, que o governo da monarquia promoveu em 9 de novembro de 1889 em homenagem à visita de oficiais chilenos ao país – poucos dias antes, portanto, do fim do regime. O tema não era novidade para a escola: em 1953 o Império ficou na segunda colocação no desfile com o samba “O último baile da Corte imperial”, assinado por Silas de Oliveira e Waldir Medeiros. Em 1957, foi a vez da Unidos de Vila Isabel relembrar a efeméride, indo para a avenida com o samba “O Último Baile da Ilha Fiscal”, de Paulo Brandão, ainda que sem tanto sucesso. A presença do baile da Ilha Fiscal nos três sambas sugere sua força como marco para a memória urbana do Rio de Janeiro.

O último e nababesco baile da monarquia brasileira ressurge no livro Festas Chilenas: sociabilidade e política no Rio de Janeiro no ocaso do Império (EdiPUCRS, 2014), organizado por Jurandir Malerba, Cláudia Heynemman e Maria do Carmo Rainho. O livro reúne artigos de especialistas nas mais diversas áreas (moda, música, gastronomia, esportes e política) sobre uma notável coleção de documentos que o capitão de fragata José Egydio Garcez Palha organizou recolhendo menus, carnês de bailes, partituras musicais e comentários variados na imprensa sobre o baile, seus participantes e seus promotores. Recolhida entre 1889 e 1891, a coleção pertence desde 1930 ao Arquivo Nacional.

Um dos pontos destacados pelos organizadores na apresentação da obra reside no farto manancial de informações sobre diferentes aspectos do fazer cotidiano da cidade que se queria moderna. Desde nuances do fazer da mais alta política em suas recepções diplomáticas aos cochichos e maledicências sugeridas na imprensa, passando pelas preferências estéticas da elite imperial em sua frequência a casas da moda, cabeleireiros e confeitarias, a coleção realça a grandiosidade daquele baile sob a ótica dos personagens da própria época. Mesmo quem não esteve entre os aproximadamente 4 mil presentes à grandiosa festa pôde sentir de perto a grandeza do momento. Do Cais Pharoux dava para apreciar a suntuosidade da Ilha Fiscal fartamente iluminada por fogos de variadas cores, 700 lâmpadas elétricas e 60 mil velas. Do cais, ademais, partiam as damas e senhores da sociedade rumo ao baile.

A recepção aos chilenos se estendeu para além do baile, tendo durado dois meses. Nesse tempo, um interlúdio: a república fora proclamada bem no meio da visita dos convidados daquele país, chegados ao Rio em meados de outubro e partindo da cidade em finais de novembro. Em que pese a mudança de regime, mantiveram-se as variadas atividades propostas aos ilustres visitantes. Não fosse a república, teriam ainda as conversas sobre o baile rendido mais um tanto? Seja como for, o fato é que, 15 de novembro à parte, a grandeza do ultimo baile da monarquia imprimiu sua marca indelével na memória da cidade.

“Dê-me um pouco de magia, de perfume e fantasia e também de sedução”: impressões sobre as festas chilenas.

No livro, os capítulos de autoria de Victor Melo, Carlos Sandroni, Laurent Suaudeau, Carlos Ditadi e de Maria do Carmo Rainho apresentam por meio da análise da imprensa o que os organizadores chamam de “clima de opinião”. De fato, brotaram comentários os mais variados nos jornais da cidade, incluindo a observação de costumes e práticas de elite não tão bem assimiladas por alguns dos convidados presentes no baile. Algo a se estranhar, a princípio, pois segundo Melo, coordenador do Laboratório de História e do Esporte e Lazer da UFRJ, “a cidade já estava acostumada e apreciava atividades públicas” de monta, desde teatros ao turfe e ao remo, passando por festividades religiosas e sociedades dançantes (p. 118-119; 158).

De fato, se nos fiarmos no samba de Ivone, Silas e Bacalhau, a tradição festiva da cidade vem de longe. Segundo o musicólogo Carlos Sandroni, na ausência de formas de comunicação como o rádio, eram as bandas musicais, geralmente militares, que embalavam as festas, numa mobilidade impressionante que lhes permitia tocar em locais diferentes no mesmo dia. Sua onipresença não marcaria apenas a importância e formalidade de ocasiões solenes. Pelo contrário, elas botavam as pessoas para dançar. No baile de Ilha Fiscal tocou-se de tudo: quadrilhas, valsas, polcas e lanceiros animaram os presentes madrugada adentro, até quase o sol raiar, prática comum, aliás, em outros bailes frequentados pelos cariocas (p. 138-140).

Ao som da música, o detalhe das práticas ditas civilizadas – inclusive porte e vestimenta adequados para as danças – passava como forte signo de distinção, aspecto que apontava proximidades políticas e maneiras de inclusão no regime, tema que perpassa toda a obra. Victor Melo, em capítulo sobre as práticas esportivas, apresenta as disputas entre grupos de elite por receber a comissão chilena em seus clubes de remo e de turfe, preferência entre os cariocas mas que dividia as elites. Esses clubes serviam de ponto de encontro e aproximação entre grupos de preferência política comum, como republicanos ou monarquistas, respectivamente (p. 121; 129). Idem para o porte nessas ocasiões ou mesmo à mesa: estima-se que o refinadíssimo banquete oferecido aos chilenos no baile da Ilha Fiscal tenha custado aos cofres públicos 250 contos de Réis, segundo Suaudeau, que é chefe de cozinha, e Debati, pesquisador no Arquivo Nacional, quase 10% do orçamento da província do Rio (p. 162). Repleto de iguarias da culinária estrangeira, especialmente francesa, o banquete foi alvo de crítica de parte da imprensa pelos seus custos e também pelo pouco apreço às “iguarias puramente brasileiras”, segundo matéria n’O Paiz (p. 166). Convidados e garçons também foram alvo da crítica de jornalistas: homens fumando, conversando alto, acotovelando as senhoras, atirando restos de comida ao chão receberam comentários reprovadores. Assim como os criados, considerados desleixados e um tanto “esquecidos” (p. 107, 165). As senhoras não foram poupadas: entre os objetos encontrados após o baile, havia até mesmo espartilhos e “algodões em rama”, usados por debaixo dos espartilhos para dar corpo às mulheres (p. 107). Ao que parece, os algodões perdidos – e que demandavam o manejo, digamos, mais complexo da vestimenta feminina – não foram poucos, segundo Sandroni (p. 144). Não haveria ocasião melhor para manejos mais quentes. Afinal, a proximidade de corpos em danças regradas (ou nem tanto) realçava um tipo particular de experiência sensual que legava às senhoras assíduas frequentadoras de baile a “fama de assanhadas”.

A falta de civilidade pareceu quase geral, segundo observadores, incluindo a adequação da roupa à ocasião. Perder espartilhos não era pouca coisa: frequentada como foi por “senhoras e cavalheiros da fina flor fluminense” (p. 144), festas como a oferecida aos chilenos inscrevem-se, segundo Rainho, especialista em História da Moda, numa “cultura das aparências” que ganhava força entre a elite carioca especialmente nos anos finais do Império. O baile da Ilha Fiscal gerou um apagão no comércio de modas na cidade: não havia costureiras, maisons e cabeleireiros suficientes para tanta dama convidada. Ao mesmo tempo que manuais de etiqueta ensinavam cada vez mais a circunspecção feminina, as roupas atuavam como um poderoso meio de sedução que não cabia nesses manuais (p. 199).

“Algo acontecia, era o fim da monarquia”: aproximações entre cultura e política.

Segundo Rainho, além do mais, algo chamava a atenção nos comentários na imprensa sobre o grandioso baile: a ausência de comentários sobre a vestimenta dos oficiais chilenos (p. 201). Sebastião Uchoa Leite, poeta e ensaísta, em texto originalmente publicado em 2003 para o projeto que deu origem ao livro, apresenta um ponto interessante nesse sentido. Em grande parte dos comentários e reportagens sobre a recepção dos chilenos havia “um clima de oposição crítica ao próprio status quo reinante no país” (p. 101).

“Espécie de miragem”, ainda segundo Leite, o baile teria sido o ponto culminante do significado das “festas” para a monarquia. A observação não deixa de ser paradoxal, dado que a corte de Pedro II era avessa a grandes festividades. Jurandir Malerba, professor da PUCRS, lembra que o último baile no Paço Imperial ocorrera em 1852 após o encerramento das atividades do Parlamento (p. 39). Nesse ínterim, a família imperial teria se contentado com apresentações teatrais um tanto amadoras e para poucos convidados. No que Malerba lança uma hipótese interessante: considerando a destreza política de Dom Pedro II e sua saúde já frágil que cada vez mais servia como justificativa para seu distanciamento da condução direta da política nacional, o baile da Ilha Fiscal pode ter sido calculado para encenar “o grand finale de seu reinado” (p. 42-43).

Minuciosamente representado como signo de civilização em terras americanas, o Império do Brasil apresentava também seu lado moderno por meio de sua capital, o Rio de Janeiro. Cláudia Heynemann, supervisora de pesquisa no Arquivo Nacional, chama atenção para o vasto roteiro de visitas da comissão chilena, que em muito se aproximava daqueles propostos por livros de viagem do oitocentos (p. 57). Malgrado a presença de alguns problemas como calçamento e arborização, o processo de modernização pelo qual passava a cidade na segunda metade do XIX entrelaçava natureza e cultura por meio de obras como as do Passeio Público, do Campo da Aclamação e do Jardim Botânico (p. 65), uma modernidade ao mesmo tempo pedagógica e disciplinar (p. 70). Cidade já bastante grande, que contava com 226 mil pessoas livres e quase 5 mil escravos segundo o censo de 1872, o Rio de Janeiro se complexificava: novos bairros foram criados, acompanhados pela expansão do serviço de trens e bondes. Novas práticas de sociabilidade surgiam a seguir marcadas por hábitos europeizados, segundo Vivien Ishaq, doutora em história. A rua do Ouvidor mantinha o cetro de polo dos modismos e do bom gosto, mas cada vez a cidade também se dividia em várias se considerarmos os usos distintos dos espaços pelos grupos de diferentes camadas da sociedade (p. 81-84).

Em comum a todos os artigos de Festas Chilenas está o destaque para o baile como espaço de autorrepresentação tanto das elites imperiais quanto do próprio regime: esse ponto é especialmente destacado por Sebastião Uchoa Leite e Jurandir Malerba. Leite, ao sublinhar aspectos políticos de ocasiões festivas, neste caso por meio da imprensa através das críticas a usos e maneiras apresentados no baile, afasta o caráter “ameno” da ocasião. Houve encontros entre os aproximadamente 4 mil presentes mas havia também tensões (p. 109-110), presentes já no momento de seleção dos convidados. Malerba, ao realçar o baile como momento político, o faz invertendo o argumento recorrente de que a monarquia apostava, ali, no início de um esplendoroso terceiro Reinado, sob a batuta de Isabel e secundada por seu esposo, o conde d’Eu. Para o autor, o baile foi um último lance político mas com repercussões na esfera da cultura: era a memória da monarquia que estava em jogo.

Malerba distancia-se, assim, do argumento de José Murilo de Carvalho de que o baile teria sido um “golpe de publicidade” pró-continuidade monárquica, pensado por este autor em grande medida a partir de obras ficcionais de Machado de Assis. Em sua argumentação, Malerba oferece ao monarca (e ao regime como um todo) o papel de agente de sua história – e da representação da memória de seu reinado. Ainda que lançado como hipótese, o argumento é interessante na medida em que se aproxima de discussões mais recentes no campo da cultura acerca de sua percepção como manancial de estratégias referendadas pelo contexto, e não como um todo encerrado em si mesmo (segundo uma concepção vulgar e equivocada, porém corrente, de sistema).

Na esfera da historiografia contemporânea, a micro-história propõe um importante debate nesse sentido. Sua aproximação com a antropologia, especialmente aquela proposta por Clifford Geertz, promoveu o entendimento da cultura como um campo no qual o sentido dos símbolos deve ser entendido na análise de situações sociais específicas – é exemplar a “descrição densa” da briga de galos balinesa proposta por Geertz.[2] Mais especificamente, a micro-história investe seu esforço de análise nas ressignificações dos símbolos em situações de disputas sociais, tendo em vista a reflexividade dos sujeitos e sua capacidade de ação racional – como não se lembrar, por exemplo, do pensamento do moleiro Menocchio, estudado por Carlo Ginzburg?[3] Para Giovanni Levi, em artigo de revisão das tendências de análise na micro-história, “a abordagem micro-histórica dedica-se ao problema de como obtemos acesso ao conhecimento do passado [tomando o] particular como seu ponto de partida […] e prossegue, identificando seu significado à luz de seu próprio contexto específico”.[4] Longe da dicotomia que prevaleceu em discussões sobre agência e estrutura ou, de modo mais específico, entre cultura e política, Festas Chilenas lança um olhar sobre a esfera cultural que em muito se alimenta do próprio contexto político. Embora o imperador não ofertasse bailes de monta havia décadas, isso fazia parte do script do fazer monárquico. A suntuosidade da ocasião parecia acenar, assim, menos para o futuro que para o passado de grandiosidade da própria monarquia.

O samba do Império Serrano traz tais elementos para dentro da cena: “o luxo, a riqueza, imperou com imponência” ainda no baile da Independência. No baile da Ilha Fiscal se brindava “aquela linda valsa, já no amanhecer do dia”. “Iluminado estava o salão, na noite da coroação” de Pedro II. Acompanhando os cinco grandes bailes da cidade eleitos pelos compositores, dois localizam-se nos tempos do reinado de Pedro II. Ainda que o recurso ao fausto das festas apresentadas no samba tenha relação com a própria lógica de composição interna do samba-enredo, que ganhava novo formato especialmente nas mãos de Silas de Oliveira,[5] na memória urbana do Rio de Janeiro aquele momento parecia estar encravado como digno de rememoração. Não foi esse o único samba, aliás, a lembrar o baile: mesmo que o samba de 1953, também de Silas, tenha sugerido que nem imperador nem a corte esperavam o fim da monarquia, o esplendor do baile agradara a todos, inclusive os homenageados.[6]

Na esteira da hipótese de Malerba, que vê o baile como grand finale à luz do modus operandi do regime monárquico e de suas lógicas de formação de laços centralizados na figura de Pedro II (“não se faz políticas sem bolinhos”, lembrava o barão de Cotegipe), seria interessante perceber as inscrições desse último movimento do regime não apenas na memória da cidade, mas na memória popular urbana do Rio. Mesmo que todos os artigos da obra considerem, por exemplo, matérias em jornais como expressão de olhares algo debochados e um tanto críticos do baile, da elite imperial e do regime em si, a aproximação dessa perspectiva com outras do restante da população da cidade poderia iluminar mais o argumento central. Poucos anos mais tarde João do Rio chamaria a atenção para a forte presença de símbolos imperiais entre a população pobre e negra da capital da agora república.[7] Os grupos de capoeiras que desmantelavam conferências de republicanos e, após a abolição, a própria guarda negra suscitavam temor frequente entre os grupos aderentes ao novo regime instaurado enquanto os chilenos nos visitavam. Embora nossas fontes disponíveis não o expressem de maneira discursiva, alguns aspectos da cultura popular da cidade parecem ter alguma coisa a nos dizer sobre os significados não só do último baile da monarquia, mas do regime monárquico como um todo, mais tarde cantados “em sonho” na memória urbana carioca.

Notas

1. Vale escutar o áudio do samba-enredo da escola daquele ano, de autoria dos três, intitulado Os cinco bailes da história do Rio“. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=laEBlDSZQZc . Acesso em 10 de abril de 2016.

2. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas.Rio de Janeiro: LTC, 2008.

3. GINZBURG, CarloO queijo e os vermes:o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

4. LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In BURKE, Peter (org). A escrita da história:novas perspectivas. São Paulo: EdUNESP, 1992, p. 154-155.

5. VALENÇA, Rachel; VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano: o império do samba. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.

6. Ver, por exemplo, a crônica “Os Tatuadores”, no livro A alma encantadora das ruas:crônicas. Organização de Raúl Antelo. São Paulo: Companhia das Letras. 2008.

7. Ver, por exemplo, a crônica “Os Tatuadores”, no livro A alma encantadora das ruas:crônicas. Organização de Raúl Antelo. São Paulo: Companhia das Letras. 2008.

Carlos Eduardo Dias Souza – Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP São Paulo, SP, Brasil. E-mail: kdudiaz@gmail.com


MALERBA, Jurandir; HEYNEMANN, Cláudia; RAINHO, Maria do Carmo Teixeira (Orgs.). Festas Chilenas: sociabilidade e política no Rio de Janeiro no ocaso do Império. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2014. Resenha de: SOUZA, Carlos Eduardo Dias. O quinto baile da história do Rio. Almanack, Guarulhos, n.13, p. 210-214, maio/ago., 2016.

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Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do Império aos sucessos da Primeira República – CASTELLUCCI (RBH)

CASTELLUCCI, Aldrin A. S. Trabalhadores e política no Brasil: do aprendizado do Império aos sucessos da Primeira República. Salvador: Eduneb, 2015. 251p. Resenha de: VISCARDI, Cláudia. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.36, n.71, jan./abr. 2016

O discurso historiográfico – muito por sua relação interdisciplinar com a sociologia histórica – se constrói a partir de alguns paradigmas que, embora contribuam para a apresentação dos resultados de pesquisa e confiram certo grau de objetividade ao campo, podem gerar distorções em seus resultados. Refiro-me especialmente aos conceitos e às categorias. Seu uso pode interferir sobre a pesquisa, distorcendo a análise ou funcionando como verdadeiros diques a controlar os resultados. Para ser mais específica e ir diretamente à reflexão que pretendo fazer acerca do livro de Castellucci, dois conceitos que permeiam a sua obra são postos em relação, opondo-se às abordagens anteriores que sempre os trataram como mutuamente excludentes: os conceitos de cidadania e de oligarquia. Basta recorrermos a qualquer manual da sociologia política, do mais simples ao mais sofisticado, para encontrarmos esse par de conceitos como antitéticos, na medida em que a ausência do primeiro é a essência do segundo.

A historiografia brasileira levou essa disparidade (no sentido literal de pares opostos) ao senso comum, relegando a participação política, as lutas pela cidadania, e sobretudo suas conquistas, a um período posterior à plena consolidação do capitalismo entre nós. Por essa razão, os períodos anteriores a 1930 são categorizados como oligárquicos e, por assim o serem, nenhum historiador a eles deve se dirigir na expectativa de encontrar sujeitos em luta e em exercício da cidadania política. Vistos como massas de manobra da classe senhorial, submetidos ao paternalismo, às redes clientelares ou à violência, seus atores tonaram-se destituídos de identidade e autonomia, inseridos nas categorias escravos, povo, massa, classes dominadas, pobres, desvalidos, assistidos e marginais, entre outras tantas.

Claro que muito se ganha com o uso de tais categorias. Facilitam análises, sobretudo as de caráter comparativo. Unificam o discurso, permitindo o diálogo transdisciplinar. Nos ajudam a perceber rupturas e mudanças. Mas muito se perde também, principalmente os historiadores, cujo olhar sobre o passado deve prevenir qualquer tipo de anacronismo, compreendendo os indivíduos imersos em seu tempo, sem que o seu horizonte de expectativa contamine a análise do passado. Categorias unificadoras criam sérios riscos para a análise do passado. Conceitos que hoje compartilhamos podem não fazer sentido entre os contemporâneos sobre os quais lançamos nosso olhar, como há muito nos advertiram não só os historiadores collingwoodianos, mas também os alemães liderados por Koselleck. Perde-se não só a possibilidade de nos surpreendermos com as fontes, mas também, à semelhança dos ansiosos, corre-se o risco de olhar o passado em busca do futuro, perdendo a chance de usufruir daquilo que o passado pode efetivamente nos proporcionar.

Felizmente, nos últimos anos acompanhamos tentativas bem-sucedidas de revisionismo historiográfico, feitas com o fim de romper com a camisa de força das categorias e dos conceitos e abrindo o olhar do historiador para as experiências de luta e conquista de cidadania, em passados bastante remotos. No período compreendido entre os anos finais do Império e a Primeira República, novos estudos têm revelado uma presença mais ativa dos indivíduos e grupos nos campos político e cultural. Entre eles, destaco o encontro que tive com o livro de Aldrin Castellucci e falarei das agradáveis surpresas que sua leitura me proporcionou.

Com fôlego de um nadador em águas profundas, Castellucci apresenta ao leitor um conjunto muito amplo de questões. Ao se impor tantos desafios, vê-se obrigado a encontrar suas respostas num mar de fontes. Deriva daí a primeira surpresa. Nós, pesquisadores do campo da história social e da história política, temos por fontes preferenciais a imprensa, os anais parlamentares, os documentos das associações organizadas, as estatísticas, as memórias, as correspondências e a documentação oficial. Castellucci se vale de todo esse conjunto a um só tempo, ao passo que igualmente recorre a inventários post-mortem, almanaques e testamentos. O volume é muito grande, o que confere à tese e ao leitor, a um só tempo, um porto seguro e a certeza da propriedade de seus resultados.

O livro é uma versão modificada de sua tese de doutorado defendida em 2008 na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Tem como foco principal a análise da relação entre trabalhadores e Estado a partir do acompanhamento de uma agremiação que apresentou três facetas em diferentes momentos. O Centro Operário da Bahia, originado do Partido Operário de 1890 e que teve uma dissidência em seu primeiro ano de existência, a União Operária Baiana. Nessa relação o autor privilegiou a participação do Centro nos diferentes processos eleitorais.

O livro é dividido em cinco capítulos. O primeiro (“As Regras do Jogo”) aborda os marcos jurídicos que delimitavam a prática eleitoral brasileira nos anos finais do Império e ao longo da Primeira República. Trata-se de uma boa síntese que ajuda o leitor a acompanhar a participação eleitoral da agremiação diante das mudanças nas regras do jogo político brasileiro. Considero como ponto alto desse capítulo a análise dos indicadores de participação eleitoral de outros países no mesmo período, contribuição valiosa que insere o Brasil, comparativamente, no circuito de direitos políticos usufruídos pela população em diversos lugares do mundo. Tal análise permite ao leitor perceber que a exclusão de parcela significativa da população da cidadania política não foi uma originalidade tupiniquim, mas encontrava correspondência em várias democracias liberais contemporâneas. Destaca-se também nesse capítulo uma análise minuciosa da Constituição do estado da Bahia, objeto em geral relegado a segundo plano no debate sobre eleições e partidos no Brasil.

O capítulo 2, intitulado “A Montagem de uma Máquina Política Operária”, aborda o processo de formação do Partido Operário da Bahia levando em consideração sua trajetória de cisões e rearticulações, entre elas, o surgimento da União Operária Baiana e do Centro Operário. Trata-se de um capítulo onde Aldrin apresenta para o leitor seus principais atores e o modo como foram construídos e reconstruídos ao longo do tempo. O ponto alto desse capítulo, no meu entendimento, é a demonstração dos esforços do Centro Operário em intervir no jogo político com o fim de ampliar direitos, sobretudo os sociais. Como estratégia, vinculou-se às elites locais numa tentativa de ampliar suas bases, que se tornaram, por conseguinte, policlassistas.

“Os Trabalhadores e o seu Mundo” é o título dado ao terceiro capítulo do livro, que enfrenta uma tarefa difícil, mas na qual Aldrin obteve êxito: o de traçar um perfil sócio-ocupacional e étnico-nacional dos membros do Centro Operário. O uso das fontes notariais lhe permitiu concluir que mais de 74% dos associados ao Centro eram artesãos, ou seja, trabalhadores mais qualificados. Revela com esse perfil a presença, entre os associados do Centro Operário, de uma elite trabalhadora – dona de oficinas e dos instrumentos de trabalho – e de uma elite política e econômica, como industriais, comerciantes e políticos, entre outros. Para que o capítulo não se resumisse a levantamentos estatísticos, Aldrin trouxe para o texto a análise de algumas biografias, de modo que o leitor ampliasse sua visão sobre o perfil dos membros da agremiação. Na análise da composição racial de seu grupo, concluiu que o percentual de brancos era inferior a 23%, sendo os demais pretos, pardos e mestiços. O que mais chama atenção é que a agremiação era menos branca que a própria Bahia (75,9% contra 68%). Aldrin mostra ao leitor o que já se esperava – mas é sempre importante ver comprovado -, que os poucos brancos existentes pertenciam à elite política e econômica dos associados. Mostra igualmente as relações do Centro Operário com as mutuais e as irmandades, com o fim de identificar a formação das diferentes redes que compunham a sociedade civil baiana no período e de mostrar que muitos membros do Centro eram também sócios das mutuais e membros das irmandades a um só tempo. Certamente é esse o melhor capítulo do livro, o que nos mostra como o Centro Operário se compunha e de que forma interagia com diferentes setores da sociedade civil para que seus fins fossem atingidos.

Os capítulos 4 e 5 tratam do ideário político e social dos membros (“O Sonho com a República Social”) e da atuação político-eleitoral da agremiação (“Os Eleitos da Classe Operária”), respectivamente. O quarto capítulo, em minha opinião, contrasta com os demais em razão das dificuldades enfrentadas pelo autor no acesso ao imaginário político dos sujeitos – tarefa muito desafiadora tendo em vista a falta de fontes e as complexidades próprias ao tema. Ressalta a diversidade de culturas políticas (o autor prefere falar em “ideário político”) compartilhadas pelos associados, revelando uma heterodoxia que reunia a um só tempo o marxismo, o cristianismo, o republicanismo, o positivismo, o abolicionismo e o liberalismo. Identificou em meio a essa diversidade dois valores recorrentes: o de ajuda mútua e o do cooperativismo. Tal heterodoxia refletir-se-ia na prática política de seus membros, que lutavam pela ampliação dos direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, assumiam, na visão do autor, o papel de “reformistas sociais”, sem questionarem, em nenhum momento, a ordem estabelecida. Essa participação política resultou em conquistas para os trabalhadores, mas também gerou facções internas. Não obstante, o autor destaca a eficiente intervenção do grupo sobre a política local ao conseguir eleger trabalhadores para vários cargos, tornando-se uma engre- nagem eleitoral a contribuir com o pleno funcionamento da máquina política republicana.

A análise de Castellucci desmistifica uma série de afirmações recorrentemente encontradas na literatura sobre o mundo do trabalho no Brasil, principalmente as de viés marxista. A ausência de uma “consciência de classe” a inspirar as ações do Centro Operário é atestada não só pela composição por demais heterogênea da agremiação, mas também pelas suas hierarquias internas, que submetiam trabalhadores menos qualificados às lideranças, em relações que acabavam por repetir as de clientelismo e patronagem, comuns na época. Tal ausência impediu também que o Centro Operário se mobilizasse em torno de mudanças mais estruturantes e objetivasse apenas ganhos mais imediatos para a categoria, a exemplo da expansão dos direitos sociais. Nesse momento, em minha visão, Castellucci “escorrega” em sua avaliação, na medida em que deposita no Centro uma expectativa que seus membros poderiam não compartilhar. Talvez, em sua heterogeneidade, desejassem apenas ter uma ação efetiva na política com o fim de obter ganhos sociais, o que não era pouco, sem imprimir mudança mais radical no ordenamento político e econômico no qual estavam inseridos. Retira assim do grupo a autonomia antes concedida, ao afirmar que a burguesia os usava como eleitores, o que poderia ter interferido negativamente para a formação de uma “consciência de classe” (p.111). Ora, a leitura do texto não faz ver ao leitor que o Centro era objeto de manipulação e muito menos que pudesse ou quisesse desenvolver uma consciência de classe específica. Ao contrário, o livro mostra uma organização autônoma, que se valia das relações com as elites para obtenção de ganhos para a categoria e que reproduzia em seu interior a cultura paternalista contra a qual não se colocava, até por estar nela inserido. Por diversas vezes o autor afirma que os associados não viam contradições em suas relações com o poder público, com as elites e nem mesmo com a polícia, desde que seus ganhos fossem viabilizados, numa demonstração clara do pragmatismo político.

Outra importante contribuição de Aldrin Castellucci refere-se à manifesta ligação dos trabalhadores do Centro com o republicanismo. Tal abordagem reforça a ideia de que a república não foi exclusivamente uma construção da elite, à revelia do povo, que dela pouco tinha conhecimento. O autor revela que o novo regime foi recebido com otimismo pelos trabalhadores, pois viam nele a possibilidade de ampliação de seus direitos, o que de fato ocorreu, segundo suas análises. Outra importante contribuição é a constatação de que muitos libertos se tornaram trabalhadores na Bahia e não foram relegados à marginalidade social. Além disso, o Centro se tornou um importante espaço de interação social por parte dos negros recém-saídos do cativeiro.

Por fim, o trabalho de Aldrin se reveste da maior importância por tratar de uma região fora do eixo Sul-Sudeste, o que expressa o vigor da historiografia brasileira após a expansão da pós-graduação. Dessa forma, ganhamos todos com a possibilidade de compreensão das diversidades nacionais e evita-se a generalização que pouco tem nos ajudado a compreender nossa sociedade multicultural.

Iniciamos esta resenha a falar sobre os prejuízos que o uso de conceitos e categorias rígidas pode causar sobre os resultados da pesquisa histórica. A maior contribuição do livro de Castellucci foi ter evitado essa armadilha, ao relacionar a cultura paternalista e oligárquica aos anseios e lutas por cidadania de pretos, pardos e mestiços e ao comprovar sua efetiva participação na construção e consolidação do projeto republicano. Só por essa razão, a leitura de Trabalhadores e Política no Brasil já valeria a pena.

Cláudia Viscardi – Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pesquisadora do CNPq. Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: claudiaviscardi.ufjf@gmail.com

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Economía Y Política em la Argentina Kirchnerista | Adrián Piva

Adrián Piva é sociólogo, docente na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA), e docente e pesquisador nos Departamentos de Economia, Administração e Ciências Sociais da Universidade Nacional de Quilmes. O livro tem como questionamento central o chamado período da pós-convertibilidade na Argentina (pós-2001), sob a óptica de como se procedeu à reestruturação da acumulação de capital dentro das novas configurações de blocos de poder, tendo o papel do Estado como agente reagrupador de forças, pelas mãos do kirchnerismo. Leia Mais

Política y religión en el Mediterráneo antiguo. Egipto, Grecia, Roma | Marcelo Campagno, Julián Gallego, Carlos G. GArcía Mac Gaw

Sería lógico pensar que los campos que actualmente identificamos con el nombre de “religión” y “política” en nuestro universo simbólico son esferas diametralmente opuestas, dado que el imaginario colectivo contemporáneo asume que la dimensión que abarcan una y otra son asuntos totalmente distintos, en tanto a la primera le conciernen cuestiones vinculadas con el mundo de “lo sagrado”, “lo trascendente” y la espiritualidad del ser humano, mientras que la segunda se inclina a asuntos netamente terrenales conectados grosso modo con las acciones que tienen lugar en la esfera pública y afectan por tanto la vida de una determinada sociedad. Sin embargo, la experiencia histórica demuestra que la política y la religión han coincidido en varios aspectos, así como también tejido numerosos vínculos y construido escenarios comunes, al punto de confundirse y llegar a semejar un único plano de la realidad, desdibujándose de este modo la línea entre lo espiritual y lo terrenal. En efecto, las relaciones entre lo religioso y lo político han marcado de manera diversa, abigarrada y compleja la trayectoria de las más variopintas culturas a lo largo de la historia. Para bien o para mal, las prácticas y representaciones de la religión interactuaron con las prácticas y representaciones de la política a lo largo de diversos contextos espacio-temporales, dando por resultado una suerte de trasvase de actitudes, comportamientos, sentimientos, aspiraciones, ideas, referencias, imágenes, significaciones y concreciones. Indudablemente, este tipo de argumentaciones puede aplicarse al mundo antiguo, una de cuyas principales características radica en el hecho de que el conjunto de sus formas de ejercicio del poder, instituciones, prácticas económicas, modos de sociabilidad, costumbres rituales y percepciones se ve afectadas – de un modo directo y profundo – tanto por las dinámicas producto de la religiosidad como por aquellas que se originan en el ámbito político, aunque sus respectivos alcances no siempre son fácilmente discernibles, ya que ambas esferas definían una realidad inextricablemente unida y no una simple interconexión o superposición de capas, como parecen demostrar la articulación entre las costumbres rituales y las prácticas institucionales, el rol del templo y la religión en el ejercicio del poder, o la amalgama entre el universo simbólico y las dinámicas políticas. En consecuencia, la escisión entre ambos aspectos es acertada sólo en términos analíticos cuando el objetivo pase por comprender cómo operaban la política y la religión en la estructuración y funcionamiento de las sociedades antiguas. Leia Mais

Rádio, arte e política – COSTA (REi)

COSTA, Mauro Sá Rego. Rádio, arte e política. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2012. Resenha de: CORDEIRO, Salete de Fátima Noro. Revista Entreideias, Salvador, v. 4, n. 2, 162-171 jul./dez. 2015.

Mauro Costa reúne, nessa obra, vários de seus artigos, cuidadosamente selecionados para levar o leitor à reflexão sobre a importância e dinâmicas do rádio, ao longo do tempo até o contexto contemporâneo. No primeiro artigo, “Rádio Arte e Política”, o mesmo que dá título à obra, logo marca o tom da sua escrita, colocando o rádio, desde sua origem, como um meio universal que atinge grandes contingentes da população e, portanto, um instrumento cultural, artístico e político que pode chegar a qualquer cidadão, instruído ou não. Apresenta o rádio com seu caráter plural, sendo usado, tanto numa perspectiva autoritária, – a exemplo da rádio nazista e fascista na Alemanha e Itália respectivamente –, como libertária, a exemplo da radiodifusão nos EUA no início do século XX e das rádios livres na França e Itália em meados da década de 1970. O rádio ganha notável reconhecimento da população, uma vez que a comunicação passa a acontecer ultrapassando as barreiras geográficas, o que significa dizer que as pessoas começaram a se comunicar a longas distâncias sem a interferência do Estado ou de empresas. Em estilo contraventor ou reacionário, expande-se, principalmente quando começa a se difundir e servir de meio de comunicação livre nos EUA (comunicação entre rádios amadores).
Nesse caso, o Estado intervém através do “Ato do Rádio” legislação que obriga os rádios amadores a tirar licença e só permite a comunicação por ondas curtas, sob a alegação do Congresso americano de “interferências maliciosas”. Mera coincidência em relação aos atos de criminalização das rádios comunitárias nos dias atuais, tanto nos Estados Unidos como em diversas partes do mundo.

Essa restrição definia uma faixa do espectro muito limitada para uso, sob pena de multa para quem infringisse as regras, o que levou a um movimento pela liberdade de comunicação, produção e arte.

A luta pela liberdade de expressão através das rádios caminhou junto com sua clandestinidade, dando origem a criação de um repertório cada vez mais variado, entre eles, a emissão de propaganda, música e narrativas orais. Muitas rádios, ainda hoje, continuam clandestinidade, ou seja, sem licenças, pela grande burocratização das instituições reguladoras e pelos interesses políticos dos proprietários de rádios comerciais, que dificultam sua regulamentação.

Na França e na Itália, até os anos 1970, todas as rádios eram estatais. Somente após esse período é que as rádios comerciais começaram a surgir. Mauro Costa cita o exemplo da rádio “Alice,” uma rádio livre que surge em Bolonha, na Itália (1976-1977), como um projeto estético-político, sendo considerada contraventora para a época e tendo como um dos seus fundadores o ativista Franco Berardi (Bifo). Torna-se a primeira rádio livre de Bolonha, onde a contrainformação passa a ser o principal instrumento no desmascaramento do discurso do poder. O mesmo grupo que organiza a rádio “Alice”, organiza também a revista Altraverso, um grupo que, em meio aos movimentos políticos da época, buscava fazer uma outra política, ou pelo menos, constituir maneiras diferentes de fazê-la, através dos meios de comunicação, promovendo a circulação de informação e comunicação. Política e informação caminhavam juntas no pensamento desse grupo, onde, “informações falsas produzem eventos verdadeiros” (p.65).

Do ponto de vista teórico, Mauro Costa, apresenta os sentidos e significados, ou melhor, não sentidos e não significados, que envolvem a perspectiva de fazer uma rádio contraventora, que transmite contrainformação, que interage com ouvintes e que transmite silêncio. Embasado em Burroughs e Deleuze, toma a palavra como vírus e, dessa maneira, a palavra se espalharia e dominaria as narrativas e discursos, exercendo papel condicionante e de controle. Segundo ele, nós, seres humanos, já não comunicamos por nós mesmo, pelas nossas percepções, pelo real, mas pelo que a palavra fez da linguagem, “pedaços de linguagem” que vão se articulando e esparramando. Já não é o ser humano que fala, mas a palavra, o vírus. O que cria uma distância entre as palavras e a experiência. A mídia instituída fala por cada um de nós e nos retira a potência da linguagem, da comunicação. Segundo ele, o que vale é a experiência direta, adâmica, a que está antes da palavra, no silêncio. O vazio precede a palavra. Sentido e não sentido fazem parte de um mesmo agenciamento. Vazio é espaço de privilégio, onde os artistas estão no ato da criação, no momento da poiésis, onde esquecem os códigos, ultrapassam os limites da linguagem instituída e criam o inédito, o singular e o novo.

Esse lugar potente, que rompe com o instituído dando abertura para o nonsense, para a criação, é o que almejava a rádio “Alice” em termos de potência política, “ético-estética”. O silêncio do rádio é quebrar, abrir, fechar, cortar, interromper a linguagem feita da palavra vírus, escapar do controle, interromper a comunicação, linguagem que fala por todos. Abrir espaço para a construção de novas linguagens, possibilitando outras maneiras de comunicar, de pensar, de criar, de estabelecer relações outras, com valores pertencentes a cada um e aos seus coletivos.

A rádio “Alice” é uma rádio subversiva. “O problema real é o de criar novas condições culturais, cotidianas, vivenciais, relacionais, psíquicas para que um processo de auto-organização da sociedade possa se livrar das correntes do comando capitalista…”(67).

Ela está relacionada a uma política emergente, instituinte, micropolítica que não está relacionada a nada até então instituído, nem aos movimentos de direita nem de esquerda, nem ao capital, nem ao movimento trabalhador. O modelo político estético criado pela rádio “Alice”, potencializa a criação de zonas de auto-organização, onde cada coletivo passa a pensar e a descobrir sua expressão.

Ela remete diretamente, através da sua ousadia da sua performance e de seus repórteres, à invenção de linguagens e expressões, à uma outra arquitetura de rádio.
A “rádio Alice” é descrita como uma experiência paradigmática de comunicação, caracterizada sob uma abordagem teórica de lógica de sentido fundamentada em Deleuze e Guattari. Os meios políticos dessa rádio estão basicamente na forma, e não necessariamente no conteúdo, valorizando uma política de contrainformação, que se dá através de um rádio teatralizado. Foi uma experiência marcada pelo nonsense, cheia de paradoxos, fluxos, intensidades do ato de comunicar. Os meios radioelétricos deram o suporte para uma nova perspectiva de tempo que foi instaurado, uma comunicação instantânea, que valorizava um tempo contínuo através dos meios, a exemplo do uso do próprio telefone, que estabelecia uma comunicação em rede através da publicização da ligação ao vivo.

Pela primeira vez, aqueles que mobilizavam os movimentos político- artísticos e estéticos estavam utilizando uma mídia eletrônica e criando uma rede através das pessoas que circulavam pela cidade, pelos eventos e pelas manifestações. A comunicação podia acontecer através do rádio e do telefone que eram utilizados para criar interação com público ouvinte. Ela acontecia em tempo real, antes mesmo do surgimento da web, cobrindo uma diversidade muito grande de eventos e com uma proposta de produção de conteúdos e uma linguagem cheia de ineditismos.

Mauro Costa ainda menciona a publicação de um livro de Bifo, onde aparece, explicitamente, a intencionalidade da criação de uma política do movimento, com caráter não linear, mas múltiplo, convergindo para as mídias e para o rádio. Os escritos de Bifo são importantes pois falam das rádios livres da época (Itália e França) sob uma perspectiva de ruptura, muitas vozes no ar, mostrando que a cultura minoritária estava florescendo através do rádio.

Depois do fechamento da rádio “Alice” (1977), Bifo refugia-se na França e continua sua mobilização e militância através da escrita, ampliando a discussão do rádio até o surgimento do movimento da cibercultura, onde faz uma análise da internet como uma nova protagonista do sistema e das relações de poder, como em sua obra Mutazione e Cyberpunk (1994).

As rádios livres criavam essa dinâmica, trazendo o inusitado para a programação, compartilhamento com o público, potencializando um ambiente propício para a efervescência cultural.

No entanto, a sua legalização, imposta pelo governo italiano, causou o seu esfacelamento e sua completa derrocada. No momento em que o governo submete a existência das rádios livres a um estatuto, a sua institucionalização acaba com sua essência e sua liberdade.

Exigir conteúdos, audiência e qualidade retirava das emissoras sua liberdade criativa, a autonomia de produzir o que quisesse, sem a preocupação com expansão ou audiência. Esse é o panorama geral das rádios livres e da sua regulamentação também no Brasil.

Aqui, para pensar o funcionamento e legalização das rádios comunitárias, foi instaurada a Comissão de Comunicação, Tecnologia e Informática do Congresso Nacional que leva à aprovação da Lei nº 9.612, em 1998. Cabe ressaltar que a maioria da bancada parlamentar estava direta ou indiretamente ligada a empresas de rádio e televisão, o que deixa sua marca indelével na legislação.

As barreiras criadas pela legislação geram morosidade nos processos, fazendo com que muitas rádios permaneçam na clandestinidade, mesmo realizando um trabalho intenso e relevante em suas comunidades. Nas palavras de Mauro Costa, são “verdadeiros centros culturais populares” (p. 91), deles participando pessoas de todas as idades e gêneros, mas principalmente jovens. São as rádios que chegam e suprem o vazio deixado pelas políticas públicas de cultura, esporte, lazer, trabalho, entre outras, principalmente no que está relacionado às demandas da juventude.

Essa comunicação que nasce à margem da lei, produz uma outra realidade e emerge daí a presença, envolvimento e participação marcante dos jovens. O Ministério da Cultura, sensível a essa realidade e à necessidade de estimular a produção cultural envolvendo as tecnologias que estavam chegando naquele momento, cria os Pontos e os Pontões de Cultura e projetos para o desenvolvimento da cultura em comunidades populares.

Foi dentro desse contexto que aconteceu um evento denominado Radiofórum, no ano de 2008 em Londrina- PR, onde intelectuais de diversas áreas se reuniram pensando numa rádio que mexesse, sacudisse, fizesse um rebuliço com o instituído modo de pensar e de fazer rádio no Brasil. No momento em que as tecnologias digitais disponíveis propiciaram a transição para a incorporação das tecnologias da informação e comunicação e a criação das rádios web, o desejo desse grupo foi de construir uma rádio que ultrapassasse o modelo de transmitir informação (tempo, clima e trânsito), que realmente fosse um elemento provocador no sentido de quebrar esse cotidiano e principalmente, fazer pensar.

A partir do surgimento da internet, são criadas as rádios web, muitas delas impensáveis do ponto de vista político. A internet surge como espaço alternativo tanto para quem quer ouvir e acessar, como para quem quer produzir e disponibilizar conteúdos.

Tanto as rádios web como os sites de músicas, acabam sendo um local privilegiado de produção cultural dos jovens, pois eles são os primeiros a chegar e se engajar quando dos projetos de rádios comunitárias, por exemplo. Isso mostra, por um lado, um vácuo nas políticas públicas que não contemplam a população jovem em suas necessidades, principalmente em relação à cultura. Os jovens no Brasil fazem parte de uma massa de excluídos, de desempregados e de um grupo que faz aumentar os índices de violência.

As rádios livres e comunitárias estão diretamente ligadas a modos de resistência e, atreladas à tecnologia digital, vêm oferecer formas de produção de arte e cultura, e consequentemente, a produção de um trabalho imaterial.

No livro, Mauro Costa baseia-se em Toni Negri e Michael Hardt (xxx) para falar dessas formas de produção, trazendo para o centro do debate, as maneiras de cooperação ou colaboração que lhes são inerentes. A inteligência coletiva que é produzida através das redes não dispensa a necessidade de corpos e mentes. Muito pelo contrário, é formada por eles, trabalhando de maneira conjunta, tudo graças a essas tecnologias digitais que permitem o trabalho em rede, sem os constrangimentos espaço-temporais. É nas fendas, nas brechas, que essa parcela de excluídos do trabalho formal encontram táticas de sobrevivência diante do que as tecnologias digitais propiciam e da construção dessa inteligência coletiva, encontram maneiras de desenvolver outras atividades produtivas.

“Várias atividades produtivas vêm se articulando desta maneira, principalmente nos setores da juventude, estes que estão em situação de crise na relação como trabalho juridicamente regular” (p. 91). Para exemplificar essas formas de trabalho imaterial propostas ou criadas pela juventude, o autor registra três experiências: as rádios comunitárias, o hip-hop e a produção de artes plásticas por coletivos independentes.

A primeira experiência descrita pelo autor são as rádios comunitárias, e traz como exemplo a rádio web Musicadiscreta, que produz programas sobre música, acontecimentos e personagens de vários estilos musicais até passeios etnomusicais; a Rádio Pacífica- NY-EUA, uma rádio comunitária nos Estado Unidos que, bem diferente da legislação daqui, permite que rádios comunitárias operem em rede, tudo com financiamento dos ouvintes. Cita ainda o site Sussurro, uma biblioteca musical de acesso livre criada pelo professor da UFRJ Rodolfo Caesar, que disponibiliza músicas e documentos, artigos, programas de rádio, uma variedade de conteúdos e gêneros musicais. Como, por exemplo, a Boomshot- SP, criada por um fã do hip-hop, que frequenta os espaços desse ritmo e faz das pessoas aí presentes seus entrevistados. Seus programas realizados ao vivo ficam disponíveis para download no site. Na onda do hip-hop, e seguindo a proposta de compartilhar conteúdos livres, o autor cita Bocada Forte, Rap Nacional e Só Pedrada Musical, que também possuem a característica de serem espaços alternativos, não seguindo padrões instituídos ao modelo da indústria fonográfica, onde os artistas trocam, compartilham e disponibilizam suas músicas, seus mixtapes. Suas músicas circulam pelas redes globais, onde muitas vezes ficam conhecidos, ganham prestígio na comunidade e são chamadas para fazer seu trabalho, instaurando-se assim, circuitos paralelos de construção de cultura.

A segunda experiência é o contexto de produção e circulação do hip-hop, que apresenta-se como contracultura, já que sua existência não está vinculada ao apoio de nenhuma organização institucional. Todo o processo de construção da música acontece através de uma auto-organização do coletivo, que promovem encontros, eventos, oficinas, onde uns vão passando/compartilham as técnicas e saberes para/com os outros.

A terceira experiência citada por Mauro Costa refere-se ao Coletivo Imaginário Periférico. Trata-se de um grupo de artistas plásticos, que desenvolve seu trabalho dentro de uma linguagem contemporânea de arte. Também não está atrelado a nenhum órgão ou entidade instituído no campo da cultura ou da arte, como por exemplo, escolas ou museus, mas é um grupo que se auto organiza através de eventos de arte e ateliês coletivos. É a partir desses espaços, mais alternativos, que as trocas e as aprendizagens acontecem.

Seguindo essa lógica de produção e compartilhamento, inúmeros sites são criados na web, dando oportunidade de acesso a uma grande variedade de produções sonoras, gêneros radiofônicos, programas de radioarte e radiodrama, documentários sonoros, paisagens e poesia sonoras, além da possibilidade de abertura de canais para discutir essas produções artísticas, teóricas e culturais.

Dentro dessa perspectiva plural de produzir rádio, o autor discute acerca do pensamento sobre a escuta, o som e a arte do rádio, um campo teórico pouco explorado ou inexistente. A Utilização do rádio, limitado muitas vezes ao campo da música, como em “arte dos ruídos” de Luigi Russolo e “a libertação dos sons” de Edgar Varèse, se por um lado buscava renovar a arte musical, restringia a liberdade de escuta do que seriam os elementos fundamentais para as experiências sensoriais, da busca do ruído como som em si. Segundo Mauro Costa “a não separação de uma arte do rádio ou da escuta, da arte da música, impediu, até recentemente, o desenvolvimento de critérios de leitura (de audição) próprios dela” (p. 22). Isso quer dizer que toda a codificação ou busca de pureza nos ruídos só prejudicou o desenvolvimento de outras maneiras de perceber, tratar, produzir sons e desenvolver uma teoria da escuta.

Ele traz exemplos de compositores que vão buscar suas experiências sensoriais nos estúdios de rádio, nas experiências acústicas que esse meio proporciona, resgatando inspiração e técnicas para desenvolverem suas composições, como o caso de Pierre Schaeffer que desenvolve a sua “música concreta”, proporcionando o desenvolvimento do pensamento sobre a escuta livre, ou de François Bayle, que a partir dessa senda, inicia os trabalhos que levam ao estudo da percepção auditiva ligada à cognição. Por fim, cita o compositor e teórico da educação Murray Schafer, que cria o conceito de “paisagem sonora” contemplando aspectos estéticos e ecológicos que envolvem os ambientes sonoros. A ecologia acústica, estudo desenvolvido por esse intelectual, propõe uma educação da escuta, uma atenção consciente do ambiente sonoro em que habitamos, através da educação que atingiria um grande contingente, que envolveria, pelo menos, três aspectos: desenvolver uma melhor percepção sonora desses cidadãos e dos espaços que habitam; tomar consciência de que cada um de nós somos coautores da produção sonora que nos cerca; e da percepção da produção de poluição sonora (esse programa teria ambição de abranger a educação e a saúde pública). Por outro lado, a educação da escuta do ambiente a nossa volta, encaminharia novos desafios de percepção sonora, abrindo para outras “linguagens musicais pós-tonais”, “ritmos não regulares” e desenvolvimento cognitivo. O interesse por essa área do conhecimento levou o autor a aprofundar os estudos, levando em consideração a criação de novas narrativas e principalmente de uma experiência estética, dando origem, então, a vários eventos e projetos, como o Laboratório de Rádio da UERJ/ Baixada, na Faculdade de Educação.

O livro ainda contém uma entrevista com Murray Schafer, onde aborda a origem do projeto “paisagens sonoras das cidades”, um projeto mundial que saiu de uma proposta de ensino no Departamento de Comunicação da Universidade Simon Frazer, no Canadá, e toma com espaço de trabalho a própria cidade.

O projeto estuda não apenas os sons musicais, mas qualquer tipo de som, ruído que faça parte do cotidiano, ou o que ele chama de “paisagem sonora”. Essa é entendida como algo dinâmico, móvel e, portanto, merece ser estudada, já que esses sons cotidianos estão mudando e afetando o comportamento dos cidadãos. O primeiro desses estudos foi feito em Vancouver/Canadá, e os restantes em outras cidades do mundo, evidenciando a diferença sonora presente em cada uma delas.
O rádio passa a ser entendido como um meio onde essas experiências podem ser compartilhadas e estimuladas. Isso tudo, segundo Mauro Costa, pode levar a um aprofundamento da experiência sonora ao ponto de falar em um “rádio fenomenológico”, que seria um tipo de rádio com uma programação com menor interferência possível ou sem interferência de quem o faz (colocar o microfone em um espaço e não interferir, apenas transmitir para outros espaços), o que levaria à criação de singularidades acústicas/ sonoras expressando a paisagem de cada lugar a partir dos sons que são específicos e característicos de cada região ou localidade.
O texto de Mauro Costa ainda ressalta o brilhantismo e ineditismo nas composições e instalações musicais de John Cage e relaciona seu pensamento ao de Deleuze e Guattari em muitos aspectos, entre eles a concepção de uma lógica pervasiva, que vai equiparar som e silêncio, quebrar a noção de espaço e de tempo da modernidade (tempo presente, passado e futuro) e dar espaço para o acaso, onde qualquer coisa pode acontecer durante a elaboração da obra, não havendo predominância de qualquer interpretação ou qualquer gosto do artista. Estabelece um paradoxo entre silêncio e som, caracterizado pelo tempo de duração, onde “nenhum som teme o silêncio que o extingue. E nenhum silêncio existe que não esteja pregnante de som.” (p. 51) O conteúdo de sua construção musical reúne sons musicais e ruídos registrados a partir dos meios eletrônicos, uma música inédita “sem propósito, aleatória, intempestiva, rompendo a barreira entre arte e vida, a música e os sons da vida, das ruas, do cotidiano-aprender a ouvir o mundo” (p. 40).

A perspectiva de Cage trata da desconstrução do compositor/autor diante dos equipamentos de áudio, especialmente o rádio, ou seja, é retirada a centralidade do artista no processo de criação. Entre as várias obras sonoras, criadas por Cage, fica marcante a diversidade na introdução, apresentação ou utilização do rádio. Ele acreditava que a música do futuro seria produzida a partir de instrumentos elétricos, sendo o rádio um dos principais instrumentos de trabalho do artista. Cage é considerado o inventor da radioarte, antes mesmo de ser criado esse conceito.

É discutido na obra de Mauro Costa, o rádio com grande potencial educacional, mas que enfrenta dificuldade de se desprender dos modelos padronizados e comerciais de fazer a programação.

Muitas vezes os programas têm um conteúdo revolucionário, mas seus formatos reproduzem padrões, não apresentam outras estéticas possíveis, outras vozes que destoem de um modelo predeterminado, ampliando as experiências possíveis nesse campo.

A leitura dessa obra é interessante para todos aqueles que estão buscando experiências outras de produzir conteúdos sonoros e comunicação; para aqueles preocupados com a construção de uma educação de resistência, colaboração e, ao mesmo tempo, de sensibilidade da escuta.

Salete de Fátima Noro Cordeiro – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia. E-mail: salete.noro@ufba.br

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Diccionario político y social del mundo iberoamericano. Conceptos políticos fundamentales / 1770-1870 | Javier Fernández Sebastián

O segundo tomo do Diccionario político y social del mundo iberoamericano – Conceptos pol íticos fundamentales, 1770-1870, é resultado de mais uma etapa exitosa do projeto Iberoamericano de História Conceitual, ou simplesmente Iberconceptos. Trata-se de uma obra coletiva original e de grande fôlego, com impactos relevantes no âmbito das vertentes historiográficas de enfoque atlântico. Seus 10 volumes reúnem 131 ensaios escritos por quase uma centena de autores provenientes da América Latina, dos EUA e da Europa, demonstrando, logo de início, a magnitude de tal obra.

Inspirado no dicionário histórico de léxicos políticos e sociais alemãoGeschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland (1972-1997), o Iberconceptos tornou-se uma referência internacional para os subsequentes projetos de história dos conceitos em perspectiva transnacional criados na Europa, na Índia e no Extremo Oriente. Sem, contudo, reproduzir ipsis litteris o modelo do dicionário de O. Brunner, W. Conze e R. Koselleck, e adotando uma perspectiva transnacional, oIberconceptos aborda o universo histórico-linguístico do espaço Atlântico ibérico na sua transição para a modernidade , entre fins do século XVIII e meados do século XIX, quando, em razão de um modo distinto de experimentar e conceber o tempo histórico, se construiu “un nuevo régimen de conceptualidad” das experiências políticas e sociais, como salienta seu mentor e coordenador geral, Javier Fernández Sebastián, na Introdução ao Diccionario (DPSMI , Tomo II, Vol. 1, p. 30).

Na primeira fase do projeto, o historiador espanhol, professor de História do Pensamento Político da Universidad del País Vasco, reuniu setenta e cinco especialistas em história de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, México, Peru, Portugal e Venezuela, dividindo-os em nove equipes nacionais responsáveis por elaborar ensaios para dez conjuntos de conceitos. Além dessas equipes, coordenadores distribuídos por conceito ficaram responsáveis por juntar os resultados dos nove estudos de caso nacionais sintetizando-os num ensaio de caráter transnacional. O tomo I (Diccionario político y social del mundo iberoamericano – La era de las revoluciones, 1750-1850), publicado em 2009 e atualmente disponível para download na página oficial do projeto (http://www.iberconceptos.net), compõe-se dos seguintes verbetes:América/americanos, cidadão/vecino, constituição, federação/federal/federalismo, história, liberal/liberalismo, nação, opinião pública, povo/povos e república/republicanismo . O critério de seleção se justifica em função da centralidade desses termos para o vocabulário político da época. Seu caráter fluido e polissêmico permitia a estruturação de performances discursivas e projetos políticos por vozes e protagonistas antagônicos. Dessa forma, podemos afirmar que o projeto não aspira oferecer definições unívocas e normativas dos termos selecionados, mas enfatizar o viés polêmico e controverso dos usos linguísticos aparecidos na trajetória histórica dos conceitos. Por fim, oIberconceptos I organiza-se em volume único de mais de 1400 páginas, em que cada conceito representa uma seção do Diccionario , na qual um ensaio introdutório de caráter transversal e comparativo é seguido por outros nove estudos de caso nacionais.

Iberconceptos II traz algumas mudanças importantes em relação ao tomo anterior. A primeira delas se refere ao formato. Organizados não mais num livro único, nesse segundo tomo outros dez conceitos foram selecionados obedecendo aos mesmos critérios acima mencionados, mas distribuídos por volumes. São eles:civilização, democracia, Estado, independência, liberdade, ordem, partido, pátria, revolução e soberania . Como antes, para cada conceito há um estudo de caráter transversal de autoria dos coordenadores que apresentam uma síntese dos resultados das pesquisas de corte nacional. Não obstante, nesse último tomo noventa e oito autores dividiram o trabalho de ampliação da escala de investigação, chegado a uma dúzia de países e territórios, assim distribuídos: Argentina/Rio da Prata, Brasil, Caribe/Antilhas hispânicas, América Central, Chile, Colômbia/Nova Granada, Espanha, México/Nova Espanha, Peru, Portugal, Uruguai/Banda Oriental, Venezuela . Como se pode notar, além da inserção do Uruguai ao sul do continente e das áreas banhadas pelo mar do Caribe, incluindo o istmo Centro Americano e as Antilhas hispânicas, percebe-se a dupla denominação tradicional (Vice-Reino) e nacional para os territórios da Argentina, Colômbia e México. Isso reforça a ideia tão cara ao projeto, de que, embora por razões operativas um dos eixos doDiccionario responda a uma lógica territorial, o estudo da história política e intelectual em qualquer caso não coincide estritamente com os atuais marcos nacionais. Além disso, o Iberconceptos vem demonstrando o potencial da história dos conceitos no lidar com temas que estão para além dos limites do Estado-nação. Inscreve-se definitivamente entre as tendências historiográficas que se pretendem comparativas, conectadas ou globais, como a chamada “História Atlântica”, cujas múltiplas interconexões devem ser pensadas num sistema plural abarcando não somente as regiões anglófonas e francófonas, mas também hispânicas e lusas.

Quanto às mudanças ocorridas entre os dois tomos, um último aspecto a ser sublinhado é o ajuste no recorte temporal do projeto. Conforme notamos pelos subtítulos dosDiccionarios houve um deslocamento do marco 1750-1850 para 1770-1870. Fernández Sebastián justifica que havia uma certa insatisfação entre vários participantes do projeto com o ponto de partida em 1750, visto que, em geral, as transformações político-conceituais no mundo ibérico só chegaram a adquirir maior intensidade nas últimas três décadas do setecentos. Grosso modo , o novo marco inicial coincide com o momento auge da versão ibérica da Ilustração, bem como as chamadas reformas borbônicas e pombalinas, respectivamente, nas monarquias intercontinentais hispânica e lusa. Por outro lado, o encerramento da pesquisa em 1850 deixava em aberto processos cujo desenvolvimento pleno só ocorreria anos depois, com a implementação de novas instituições liberais e republicanas na maioria dos Estados-nações surgidos após a desintegração de ambos os impérios (DPSMI, Tomo II, Vol. 1, p. 32).

A leitura dos verbetes do novo Diccionario deixa claro que ao longo dessa periodização secular (1770-1870), os ritmos de mutação conceitual não chegavam a coincidir em todos os territórios. Contudo, não há como negar que determinados acontecimentos e conjunturas específicas (a exemplo da crise aberta pela invasão napoleônica na península ibérica em 1807/1808, ou os movimentos constitucionalistas do início da década de 1820, decisivos para as independências), quando observados em conjunto, evidenciam que entre os coevos despontava uma nova consciência temporal que ensejava redescrições conceituais “futurocêntricas”, ainda que o horizonte de expectativas oscilasse entre perspectivas positivas e negativas. Nesse sentido, Guillermo Zermeño observa, na síntese transversal do conceito revolução,que depois de 1820 consolidou-se a ideia de “revolución como cambio de orden irreversible” ao mesmo tempo em que “el futuro se vulve incierto e irreconocible”. Foi a partir desse momento, segundo Zermeño que emergiu uma filosofia do progresso, embora os agentes políticos da época buscassem sempre – sem êxito – encerrar o ciclo de revoluções, que mais parecia um espiral sem solução definitiva (DPSMI , Tomo II, Vol. 9, p. 46).

Sem sombra de dúvidas, as independências e o vocabulário constitucional a elas associado foram um divisor de águas do ponto de vista das mudanças políticas e conceituais. Como destaca Fernández Sebastián, o Diccionario reforça a tese de que, em poucas décadas, a semântica política de toda a área do Atlântico ibérico ingressou em profundos processos metamórficos. Porém, alerta que interpretar esse período a partir de categorias dicotômicas como tradicional x moderno requer cautela. As concepções e práticas surgidas do “turbilhão revolucionário” (como alguns contemporâneos costumavam chamar) não eliminaram por completo uma série de instituições e marcos interpretativos vigentes. Por mais significativo que fossem as transformações no domínio simbólico daquelas sociedades, cujas raízes culturais e experiências históricas eram em boa medida familiares e compartilhadas, a substituição radical de um universo de representações por outro não ocorreria do dia para noite. Sendo assim, Fernández Sebastián sugere que, para pensar o intervalo de tempo que vai de 1770 a 1870, talvez os historiadores devessem substituir a palavra “revolução” como signo de uma época de rupturas, por “transição”, pois no que concerne aos fenômenos político-semânticos, estes seriam processos complexos de situações híbridas de transição. Nas palavras do próprio autor, “suponen no sólo coexistencia y solapamiento entre ‘lo viejo’ y ‘lo nuevo’, sino algo más importante, paradójico y sutil: procesos complejos a través de los cuales la tradición engendra la novedad” (DPSMI, Tomo II, Vol. 1, p. 40).

Isso é o que ocorre, por exemplo, com o conceito de Estado . Annick Lempérière, no seu ensaio transversal, explica que foi no âmbito da crise decorrente das invasões napoleônicas à península ibérica e das revoluções de independência, que surgem nos mundos iberoamericanos novas concepções acerca do Estado. Segundo a autora, no caso hispânico, a vacatio regis foi condição essencial para que o Estado deixasse de ser visto como objeto de propriedade do príncipe e retornasse à condição de sujeito com direitos e vontade própria. Não obstante, a representação metafórica docorpo , dominante no Antigo Regime, na qual o príncipe era a cabeça e os vassalos em seus distintos estados e estamentos os membros, não sofreu de súbito um abandono; ao contrário, constituiu-se um importante legado para a nova era política (DPSMI , Tomo II, Vol. 3, p. 26). O Estado que se transforma em sujeito (ou seja, que existe sem o príncipe, contudo, que tem poder), projeta uma concepção abstrata de que qualquer comunidade política possa atuar e defender-se no âmbito interestatal frente a outros Estados. É sob esta noção que se operará um conceito pactista de retroversão da soberania aos pueblos ,fundando aquilo que Lempérièrechama de “concepción federalista hispanoamericana del estado”, motor da fragmentação da monarquia espanhola e da formação de novas entidades nacionais (DPSMI , Tomo II, Vol. 3, p. 30).

Assim sendo, chegamos a uma importante questão abordada por Javier Fernández Sebastián na Introdução, e sobre a qual o Diccionario como um todo contribui para pensar: de que forma teria o mundo iberoamericano colaborado para a construção da modernidade? Esta obedeceria a um padrão único de desenvolvimento, ou não? Desde início do Oitocentos, consagrou-se na historiografia a ideia de uma modernidade ideal e normativa centrada nas trajetórias britânicas, francesa e norteamericana, que haveria funcionado como uma espécie de farol para os habitantes das demais regiões do globo, incluindo-se os ibéricos tidos como uma espécie de “não contemporâneos” do avanço civilizacional produzido naqueles países. Assim, supostamente proviria daqueles centros um único repertório conceitual, político e constitucional capaz de produzir em larga escala as transformações dos últimos séculos. Essa visão historiográfica, explica Fernández Sebastián, possuía raízes históricas nas disputas teológico-políticas e nas guerras de religião entre católicos e protestantes desde o século XVI, quando não só a Europa se dividiu em tais disputas como elas se prolongaram para a América. Quando em fins do século XVIII e início do XIX a hegemonia protestante foi reforçada discursivamente pelos ilustres representantes das Luzes, o mundo ibérico se viu excluído do cânone cultural (DPSMI , Tomo II, Vol. 1, p. 49). Os estereótipos negativos acumulados contra os espanhóis e portugueses acabaram sendo reforçados, em parte, por suas próprias elites político-intelectuais quando estas se defrontaram com a tarefa de “reformar” o império ou fazer “progredir” a nação; ou pelos colonos americanos, que em certos contextos das lutas de emancipação não poupariam críticas à Espanha e Portugal como incapazes de imitar o modelo do “clube das nações civilizadas”, como demonstra João Feres Jr. no ensaio transversal sobre o conceito decivilização (DPSMI , Tomo II, Vol. 1, p. 98).

Para Fernández Sebastián, não há dúvidas da contribuição do Atlântico Ibérico na construção da modernidade, entendida em linhas gerais como um novo marco simbólico e um novo vínculo social, uma nova legitimidade política, bem como uma nova maneira de vivenciar o tempo histórico (DPSMI , Tomo II, Vol. 1, p. 30). Compartilhava com os demais quadrantes do mundo ocidental uma espécie de “globalización/atlantizaciónconceptual”, operada mediante um intenso tráfico cultural, de conceitos e experiências políticas, cujas dimensões amplas e multilateral nos permite considerar seu período de transformações como o de autênticasrevoluções atlânticas . Nesse sentido, afirma:

A despecho de tales barreras y estereotipos, todo indica que en la segunda mitad del setecientos el tráfico de lenguajes e ideas se intensificó enormemente en las dos orillas del Atlántico. A este respecto, es oportuno subrayar que el sistema atlántico no es simplemente un plexo de rutas comerciales oceánicas para la circulación de bienes y de personas: junto a los seres humanos y a las mercancías ordinarias, circularon – con especial intensidad durante la era de las revoluciones – muchos libros, periódicos e impresos de todo tipo; y con ellos, argumentos, noticias y conceptos (DPSMI , Tomo II, Vol. 1, pp. 49-50).

A nosso ver, aqui reside um dos pontos fortes do Iberconceptos em geral, qual seja: sua compreensão do sistema atlântico como um laboratório conceitual de interações recíprocas, sobretudo a partir das últimas três décadas do setecentos e intensificado nas primeiras do Oitocentos com a difusão do vocabulário político-constitucional alimentado pela crise das monarquias ibéricas e os subsequentes movimentos de independência. Nesse contexto, os processos de circulação de ideias e traduções de textos políticos, longe de resultar em alguma forma de homogeneização e unificação semântica dos discursos políticos, na verdade produziu uma diversificação de sentidos que buscavam responder a situações comunicativas variadas e a desafios específicos (DPSMI , Tomo II, Vol. 1, p. 53). Sendo assim, mais do que pretender esgotar o léxico do mundo iberoamericano entre 1770 e 1870, a base criada pelos Diccionarios (tomos I e II) garante um solo fértil para projetos futuros que busque enveredar por unidades de análise cada vez mais amplas, seja no sentido espacial, social ou linguístico. Nesse último caso, as análises de campos semânticos permeados pelo cruzamento de um conjunto amplo de conceitos, metáforas, linguagens e discursos podem se valer do caminho aberto por este projeto.

Rafael Fanni – Universidade de São Paulo, São Paulo – SP, Brasil. E-mail: rafaelfanni@gmail.com


FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (Dir.). Diccionario político y social del mundo iberoamericano. Conceptos políticos fundamentales, 1770-1870. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales/ Universidad del País Vasco, 2014. Tomo II, en 10 vols. Resenha de: FANNI, Rafael. Iberconceptos II, 1770-1870: tempos e espaços da “atlantização” dos conceitos. Almanack, Guarulhos, n.10, p. 502-506, maio/ago., 2015.

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Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino – AQUINO (SY)

AQUINO, Santo Tomás de. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Tradução e introdução de Francisco Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Editora Vozes, 2011. Resenha de: BELLO, Joathas Soares. Synesis, Petrópolis, v. 7, n.1, p.155-158, jan./jun., 2015.

Os Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino, publicados pela Editora Vozes, trazem dois textos fundamentais para a compreensão da questão política no Aquinate: as “Questões sobre a lei na Suma Teológica” e o Do reino ou do governo dos príncipes ao rei de Chipre. A tradução dos dois textos, feita por Francisco Benjamin de Souza Neto, está baseada no texto crítico da edição leonina sob sua forma mais recente. O tradutor nos brindou, ainda, com uma introdução, na qual apresenta uma síntese dos textos.

Para Tomás de Aquino, as reflexão e prática política e jurídica são inseparáveis da ética: o exercício do governo, as relações sociais, as leis, o bem comum, devem estar em harmonia com o que é considerado bom e justo para o indivíduo – ao contrário da ciência política moderna, inaugurada por Maquiavel, em que a prática política é considerada autônoma, independente da ética individual. A ética tomasiana, por sua vez, enquanto fundamentação do agir formalmente ético, é inseparável da moral, enquanto conteúdo concreto em que a forma da ética se realiza – ao contrário da concepção formalista inaugurada por Kant, que acabou por estabelecer uma dicotomia entre a forma do agir ético e a moral como conjunto de costumes ou leis que variam de povo para povo e que, portanto, é múltipla e não universal. De outra parte, ética/moral têm uma fundamentação metafísica, estão ancoradas no ser mesmo da pessoa humana, na sua natureza ou essência, naquilo que a tradição clássica chamou de Lei (moral) natural, que não deve ser entendida como alguma espécie de dado “espontâneo” ou meramente biológico, mas como a leitura ou interpretação que a razão humana faz das inclinações naturais e consequente promulgação dos deveres/direitos daí decorrentes –“natureza” aqui tem o sentido clássico  anterior à separação entre natureza e espírito ou natureza e história ou natureza e cultura, etc.; também ou principalmente a razão constitui a natureza da pessoa humana. Deve-se dizer, ainda, que tal Lei natural é um reflexo do que Santo Tomás chamou de Lei Eterna, isto é, a Sabedoria eterna de Deus, pela qual este pensou e criou suas criaturas –a qual não deve ser confundida com os dez mandamentos ou Lei divina positiva ou revelada para auxiliar o homem a conhecer seus deveres morais–, Sabedoria esta que está espelhada no próprio âmago da criação. Em síntese, pode-se dizer que, ao estudarmos política em Santo Tomás, estudamos conjuntamente o direito, a ética, a moral, a metafísica (antropologia filosófica e teologia natural), e aludimos à teologia moral. Como é característico no pensamento tomasiano, a realidade –no caso, a realidade política– é compreendida nas suas múltiplas relações ou conexões com outros âmbitos do real, sem os quais não chegaria a ser entendida de modo mais pleno.

O homem é um “animal sociável e político”: desprovido de instrumentos que lhe garantam automaticamente a sobrevivência, mas dotado de razão para buscar os meios da existência, não pode, sozinho, encontrar tudo o que necessita, sendo-lhe natural, portanto, a vida social –ao contrário do que diria a filosofia política de Thomas Hobbes, segundo o qual o homem, no “estado de natureza”, é “o lobo do homem”, e o Estado é um artifício, o “Leviatã” que, por meio da força, impõe a “paz”. E se o homem não pode viver sua vida a não ser em sociedade, é preciso sobrepor aos bens particulares o bem comum de todos. A política é a arte de dirigir a multidão à consecução do bem comum –e não meramente um jogo de luta pelo poder, como a modernidade passaria a considerar–, para a qual é imprescindível a presença de um governante, que saiba harmonizar os interesses presentes na sociedade, subordinando-os aos interesses mais gerais.

Quando o governante busca seu bem privado, é injusto e perverso o governo: tirania (governo injusto de um só), oligarquia (governo injusto de alguns poucos ricos) e “democracia” (governo injusto de muitos) –não há que se entender, aqui, a palavra no sentido moderno, mas como oposição à politeia, como “demagogia”. Os governos justos são: a politia(transliteração latina de politeia) ou governo da multidão, a aristocracia ou governo de poucos, porém virtuosos (os “melhores”), e a realeza ou monarquia, isto é, o governo de um só, o rei. No De Regno, Tomás diz preferir o governo do rei para realizar o objetivo primordial da sociedade, que é a unidade da paz, precisamente porque considera que um só tem mais condições de evitar a dissensão; mas no Tratado da Lei se inclina a um governo misto, que combina os três regimes justos: “Esta é a organização política mais perfeita, bem mesclada do reino, enquanto um preside; da aristocracia, enquanto muitos exercem o principado segundo a virtude; e da democracia, isto é, do poder do povo, porque dentre os populares podem ser eleitos os príncipes e ao povo pertence a eleição dos príncipes” (S.Th I-II, q105, a2).

O fundamental, no governo, é a orientação da sociedade ao bem comum; o governante não pode deliberar sobre este bem comum, mas tão somente sobre os meios para alcançá-lo. Nesse sentido, Tomás não veria com bons olhos uma democracia que se entendesse, não como método que faz a multidão participar da eleição dos meios ou estratégias políticas, mas como fim do próprio processo político, como se a noção do bem comum pudesse ser constantemente refeita por novas demandas.

Entre os regimes injustos, a “democracia” é o menos pior, porque os muitos governantes se atrapalham, o que minimiza os estragos do regime; o pior é a tirania, pois se busca somente o bem de um. Os tiranos se esmeram para que seus súditos não sejam virtuosos ou magnânimos, perdendo assim a capacidade de reagir a seu regime; semeiam discórdias entre os súditos, para que não haja entendimento entre eles e assim sua tirania possa se exercer mais facilmente. Tomás reconhece à sociedade o direito de destituir o governante instituído ou lhe refrear o poder, caso dele abuse tiranicamente. Ao tirano, cujo governo só se sustenta pelo temor, Deus não permite que reine por muito tempo.

Cabe destacar, aqui, dois princípios estabelecidos no Tratado da Lei, para compreender este “princípio da rebelião”: o primeiro, de que uma lei humana é injusta, se contradiz a Lei natural (S.Th I-II, q95, a2); e o segundo, de que a autoridade política pertence ao povo (ou a seus representantes): “Ora, ordenar algo para o bem comum compete a toda a multidão ou a alguém a quem cabe gerir fazendo as vezes de toda a multidão. Portanto, estabelecer a lei pertence a toda a multidão ou à pessoa pública à qual compete cuidar de toda a multidão” (S.Th I-II, q90, a3) –vale à pena mencionar o seguinte comentário de Domingo de Soto, tomista da Escola de Salamanca: “os reis e os príncipes são criados pelo povo, aos quais [(reis e príncipes), o povo] transpassa seu império e potestade” (Sobre a justiça e o direito). Este segundo princípio não implica menoscabo da ideia bíblica de que “todo poder vem de Deus”, precisamente porque a Lei natural é uma participação na Lei eterna, e a autoridade humana é uma participação no domínio de Deus sobre os homens. A política não significa uma ordem humana independente da ordem cósmica, mas inserida na mesma, e com isso podemos entender melhor a relação entre a vida política e o sentido religioso da vida humana segundo Santo Tomás.

O fim da sociedade humana é a vida virtuosa, mas o fim último do homem é a fruição divina, assim o fim último da multidão também é chegar à fruição divina; daí que os governantes humanos devam estar sujeitos à Igreja, que realiza a obra de Cristo, de conduzir os homens à bem-aventurança eterna –trata-se, não de confusão entre Estado e Igreja (teocracia), mas de uma distinção sem separação, com uma subordinação do Estado, não nos assuntos eminentemente políticos, mas naquilo que toca à salvação dos homens.

Para finalizar, são três as condições exigidas para uma boa vida da multidão: a unidade da paz, o procedimento virtuoso dos cidadãos (isto é, a ação em conformidade com o bem moral que se expressa na Lei natural), e abundância do necessário para o viver bem.

Temos aqui uma teoria política inexequível nos dias atuais? Talvez… Mas se trata de uma teoria necessária para mitigar os danos do “realismo” político maquiaveliano, evidenciando que a prática política deve se fazer na busca do bem comum, ainda que o conteúdo do mesmo já não seja tão evidente para nós como fora para Tomás, desde a perspectiva clássica e cristã por ele assumida.

Referências

TOMÁS DE AQUINO (SANTO). Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Tradução e introdução de Francisco Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Editora Vozes, 2011 (Coleção Textos Filosóficos).

Joathas Soares Bello – Faculdade São Bento do Rio de Janeiro, Brasil. Doutor em Filosofia pela Universidade de Navarra, Espanha. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0908316222954469.  E-mail: joathasbello@gmail.com

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Diccionario político y social del mundo iberoamericano. Conceptos políticos fundamentales/1770-1870 | Javier Sebastián Fernández

El Diccionario político y social del mundo iberoamericano II. Conceptos políticos fundamentales, 1770-1870, o Iberconceptos, es resultado de la ambiciosa labor emprendida por el Proyecto Iberoamericano de Historia Conceptual, más conocido por su abreviación Iberconceptos. Dirigido por Javier Fernández Sebastián. El colectivo, integrado por más de un centenar de académicos, presenta los resultados de sus investigaciones en el segundo tomo del lexicón. Inspirado esencialmente en el marco teórico y metodológico propuesto por la escuela de Historia de los Conceptos, cuyos orígenes encontramos en el trabajo de Reinhart Koselleck, Otto Brunner y Werner Conze, el Diccionario es la más clara manifestación de la relevancia que ha cobrado en tiempos recientes la Begriffsgeschichte o historia conceptual en los países de hablas española y portuguesa en América y Europa. Leia Mais

Les Suisses – DIRLEWANGER (DH)

DIRLEWANGER, Dominique. Les Suisses. Paris: Ateliers Henry Dougier, 2014, 143p. Resenha de: MASUNGI, Nathalie. Didactica Historica – Revue Suisse pour l’Enseignement de l’Histoire, Neuchâtel, v.1, p.209, 2015.

Ce livre s’insère dans la collection « Lignes de vie d’un peuple », dont l’objectif est de présenter des populations en remettant en cause les stéréotypes (souvent tenaces) s’y attachant.

La dimension polymorphe de la Suisse et de ses habitants est mise en exergue par le biais de témoignages d’experts autour de thèmes politique, historique, économique et culturel. Chaque spécialiste propose, en plus de ses considérations scientifiques, son point de vue personnel quant à ce qui fonde l’identité des Suisses, hier et aujourd’hui.  L’ouvrage intéressera les curieux avides de percer le secret d’un pays qui, lorsqu’il est évoqué de l’extérieur, est celui des clichés: la Suisse est décrite comme un paradis fiscal, comme une terre habitée par un peuple heureux, comme une nation située au « carrefour des cultures europeennes et avec quatre langues nationales […] ». Dominique Dirlewanger propose d’aller au-delà de ces images. Il montre ce qui fait ce pays, dont mythes et légendes jalonnent également la création de sa propre identité vis-àvis de l’étranger.

Ce livre permet aussi au lectorat suisse de trouver des réponses à une question récurrente qui hante le débat politique et l’espace public: celle de la définition d’une identité commune, matérialisée par un « qui sommes-nous? » qui n’appelle pas de réponse simple et définitive.

Les Suisses peut enfin être employé comme ressource réflexive à l’attention d’élèves du secondaire (14-18 ans), afin de mettre en perspective des thématiques abordées dans le cadre des cours d’histoire, de citoyenneté ou d’économie et droit.

Historien et enseignant, Dominique Dirlewanger est l’auteur de plusieurs ouvrages, dont Tell me. La Suisse racontee autrement (ISS-UNIL, 2010). Il collabore avec l’Interface sciences-société de l’Université de Lausanne pour la création d’ateliers de vulgarisation scientifique en histoire. Il a fondé l’association memorado.ch afin de promouvoir l’histoire suisse.

Nathalie Masungi –  Établissement scolaire du Mont-sur-Lausanne et Haute École pédagogique, Lausanne.

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Hannah Arendt e a modernidade: política, economia e a disputa por uma fronteira – CORREIA (RFA)

CORREIA, Adriano. Hannah Arendt e a modernidade: política, economia e a disputa por uma fronteira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. Resenha de: MELLEGARI, Iara Lúcia. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.26, n.39, p.917-924, jul./dez, 2014.

Hannah Arendt é uma importante e polêmica pensadora política contemporânea. Sua obra pode ser compreendida como uma resposta ao que ela considerou o problema mais crucial do seu tempo, o fenômeno totalitário. Esse evento, sem precedentes históricos, teria ocasionado, segundo ela, uma ruptura com a tradição filosófica, uma vez que colocou em questão os critérios morais e políticos tradicionais para opor-lhe “antídotos eficazes” (DUARTE, 2000, p.25). Arendt constatou, nesse evento, a instauração de uma nova forma de governo e dominação, baseado na organização burocrática de massas, no terror e na ideologia, que demandava uma extrema dificuldade de compreensão, em razão da lógica de paradoxos contida em sua estrutura. Movida pelo sentimento de compreender o que teria possibilitado a ocorrência de tal fenômeno, era preciso repensar toda a tradição no sentido de encontrar os recursos teóricos que permitissem sugerir algumas alternativas políticas à catástrofe totalitária.

Contudo, à diferença da maioria dos filósofos, ela não se preocupou em elaborar um sistema teórico rígido, inflexível. Sua teoria política, como um todo, defende a importância da diversidade de opiniões e procura evitar a repressão do livre intercâmbio das ideias, comum em governos totalitários. Por isso, ao enfatizar a importância de perspectivas novas e diferentes que surgem continuamente no mundo, sua teoria é um constante esforço em entender a multifacetada natureza da vida política.

Mencione-se, ainda, que distintamente de renomados filósofos de seu tempo, que usavam uma linguagem tipicamente filosófica, Arendt era uma escritora de linguagem clara que, com frequência, escrevia para o público em geral, não se restringindo aos leitores do mundo acadêmico, tornando, assim, muitas de suas ideias apreciáveis pelos recém-chegados ao seu pensamento. Entretanto, por ser uma escritora extremamente fértil, que tratou de diversos temas, é quase impossível a compreensão rápida da visão do seu pensamento (FRY, 2009, p.11) Nesse sentido, Adriano Correia propicia com seu livro, Hannah Arendt e a Modernidade: política, economia e a disputa por uma fronteira, um importante instrumento de auxílio para a compreensão da teoria política de Arendt, passando, assim, a fazer parte do elenco daqueles autores cujas obras tornam-se leitura indispensável para quem deseja conhecer e, sobretudo, entender o pensamento arendtiano.

O livro que ele nos apresenta, composto de oito capítulos, em suas duzentas páginas, trata com muita propriedade de temas fundamentais da teoria política de Hannah Arendt. Com erudição e muito fiel ao espírito arendtiano, examina questões como o liberalismo e a prevalência do econômico; a biopolítica; a diluição da distinção entre a esfera pública e a esfera privada com a consequente ascensão do social; o conceito de poder; as análises das Revoluções Modernas sob o prisma da liberdade política, tão cara a Arendt; os sistemas de conselhos; entre outros. Mas o foco principal do livro são os temas da alienação e perda do mundo, e a vitória do animal laborans, reflexões centrais de Arendt em sua obra A Condição Humana. Preocupada com a desestabilização do mundo e com o progressivo desinteresse do homem moderno pela ação política, ela propõe, em A Condição Humana, “refletir sobre o que estamos fazendo” (ARENDT, 2008, p.13). A hipótese geral de Correia é que o movimento final dessa obra de Arendt, notadamente no que concerne ao que ela denomina a “vitória do animal laborans”, conserva seu vigor para uma critica do presente, e que certos fenômenos, a exemplo da prevalência do consumo cada vez mais intenso na definição das formas de vida, fazem parte do movimento de alienação do mundo (CORREIA, 2014, p.XXX).

Na era moderna, ocorre o que Arendt entende por alienação de mundo, na medida em que a tecnologia, o progresso científico e a introspecção, conjugados com o primado do trabalho, acarretarão a perda do senso comum. A alienação acontece em duplo sentido: tanto no do abandono da Terra, desencadeado a partir da invenção do telescópio, que impulsionou a conquista do espaço e descobertas para além dos limites da Terra, quanto no da alienação do homem para o interior de si mesmo, iniciada por Descartes, que teria aberto o caminho para uma relação intrínseca entre certeza e introspecção, sendo levada a cabo pela Reforma Protestante “na sua alienação em direção a um mundo interior, coroando a desterritorialização com a universalização do indivíduo humano enquanto ser racional” (CORREIA, 2014, p.46). Arendt chama a atenção para o fato de que, nesse cenário moderno, a ação humana não ocorrerá mais no campo político, mas no âmbito técnico-científico e na crescente esfera social, ditada pelas necessidades privadas. Correia perpassa, com acuidade, o percurso arendtiano que conduzirá à perda de mundo e à vitória do animal laborans, que vão se operar, na visão de Arendt, na articulação entre a condição humana, o surgimento da sociedade e a prevalência de uma mentalidade atrelada ao mero viver por meio do trabalho e do consumo (CORREIA, 2014, p.71).

Animal laborans é a expressão utilizada por Arendt para designar a condição humana, cujas atividades correspondem ao processo biológico do corpo humano, no qual o crescimento espontâneo, o metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades do processo vital. Tal atividade, presa ao ciclo da natureza, não humaniza, não singulariza nem transcende a necessidade natural de sobrevivência, de modo que o homem nessa condição não passa do animal humano. Distintamente, a condição humana do trabalho, correspondente à atividade do homo faber, relaciona-se à fabricação, ao artifício humano que constrói coisas que servem de uso para os homens, traduzindo, por sua vez, a capacidade propriamente humana de edificação de mundo. Corresponde, assim, à condição humana da mundanidade, na qual é possível reconhecer vidas individuais e não apenas a vida da espécie (CORREIA, 2014, p.87). Nessa atividade, bem observa Adriano, não se trata mais de sintonizar o ritmo da existência ao ritmo da natureza, como naquela do animal laborans, mas de dispor da natureza para extrair dela material para a edificação do mundo. O homo faber, portanto, já vive uma vida humana, mesmo que não na plenitude de suas potencialidades, uma vez que esta somente será alcançada no mundo politicamente organizado, no qual a aparição das singularidades, por meio da ação e do discurso, promove o intercâmbio das diferentes perspectivas que constituem o sentido do mundo (CORREIA, 2014, p.88). A ação é, pois, para Arendt, a única atividade política por excelência, uma vez que ela é exercida diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas ou da matéria. Ela corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens — e não o homem — habitam o mundo. Dessa forma, a pluralidade é a condição específica de toda a vida política (ARENDT, 2008, p.15).

Entretanto, o moderno movimento em direção à desqualificação da vida contemplativa, na passagem da ordem do Ser para a do Conhecer, associada à inversão de posições entre a ação e a fabricação, resultará na vitória do animal laborans sobre o homo faber. Ditado pelo progresso e impelido pelo avanço da tecnologia em um mundo capitalista em ascensão, o engenho do homo faber será canalizado para o ciclo produtivo, no qual a exigência do desejo de consumo e de produção se ampliará com uma velocidade ímpar, fazendo com que a condição do homo faber, de sujeito do processo de produção, transforme-se em instrumento desse processo. O animal laborans, na medida em que incorpora a engenhosidade do homo faber, vê ampliado o horizonte de suas necessidades e carências, bem como o da sua produtividade, por intermédio da divisão do trabalho e da mecanização. Com a emancipação do trabalho proporcionada pelo homo faber, o animal laborans, transfigurado pelo uso da técnica, vai promover constantemente “o crescimento artificial do natural”. Nesse movimento, labor e consumo voltados para a sobrevivência e satisfação seguirão um ao outro em um processo contínuo e serão apenas dois estágios do ciclo incessante da vida biológica. Assim, os ideais de permanência, estabilidade e durabilidade do homo faber serão vencidos pelo ideal de abundância, que o animal laborans compreende como felicidade (CORREIA, 2014, p.97). Correia elucida como o conceito de processo foi devastador para uma atividade que extrai o seu sentido da relação meios-fim. A diluição da fronteira entre uso e consumo e a consequente ilimitabilidade de um consumo desatrelado das necessidades vitais imediatas, em um “modo de vida” artificialmente natural, promove a desertificação do mundo do homo faber de modo análogo ao do terror, no âmbito da dominação totalitária, com o mundo comum do homem de ação (CORREIA, 2014, p.103).

Na concepção de Arendt, o princípio da utilidade que prevalecia nos primórdios da modernidade, cuja condição de meio servia para a produção de coisas no mundo, foi substituído pelo princípio da felicidade, representado pela priorização da produção e consumo. A redução do espaço público pela conquista de interesses dessa natureza e o desaparecimento das atividades propriamente políticas da ação e do discurso abriram caminho para dominações totalitárias, que são a ausência de política. A promoção de uma vida radicalmente antipolítica — aquela do trabalhador consumidor — fomentou essa dominação. Por essa razão, Arendt é contra e nunca acreditou no liberalismo. Ao defender a liberdade em seu sentido negativo — como não impedimento — o liberalismo separa a liberdade da política, concepção que se opõe ao conceito de liberdade defendido por Arendt, que pensa a liberdade como um fenômeno eminentemente político, representado pela ação livre dos indivíduos no espaço público.

A vitória do animal laborans, segundo Arendt, está relacionada à promoção do trabalho decorrente do advento social, quando o antigo abismo entre o restrito domínio do lar e o elevado domínio político foi progressivamente preenchido por uma “organização pública do processo vital”. Com a diluição da divisão entre a esfera privada e a pública, as questões sociais e interesses privados adquirem relevância pública, ou seja, o privado e o público dissolvem-se no coletivo, no qual não se espera por ação, mas por comportamentos, uma vez que se impõem “inúmeras e variadas regras, todas elas tendentes a ‘normalizar’ os seus membros, a fazê-los comportarem-se, de modo a excluir a ação espontânea ou a façanha extraordinária” (ARENDT apud CORREIA,. 2014, p.89). Nessa perspectiva, a vitória do animal laborans, não coincide com “classe social” alguma, mas com uma “mentalidade”, ou ainda, na indicação de Correia, com um paradoxal “modo de vida” extraído das condições do mero viver. Por isso, para compreender a relação entre economia e política na era moderna, é preciso atentar para esse outro sentido da expressão animal laborans como “modo de vida”, assim como no do produto de uma sociedade atomizada.

A ascensão do social e a prevalência do econômico no espaço público têm como resultado a redução da ação política livre, que passa a ter como foco a administração de questões oriundas da esfera privada. Isso destoa da concepção de política de Arendt, pois para ela uma ação genuinamente política não envolve questões de natureza social ou econômica, uma vez que estas estariam restritas aos assuntos do âmbito privado. E aqui surge uma questão polêmica na teoria de Arendt, que Adriano Correia enfrenta com muita honestidade: a dificuldade da filósofa “na compreensão dos vínculos estreitos entre economia e política no âmbito do capitalismo” (CORREIA, 2014, p.100). Apesar de reconhecer nas questões sociais as necessidades dos mais pobres, Arendt não deixa claro qual o mecanismo ou o procedimento pelos quais essas questões seriam admitidas no domínio político sem provocar a sua ruína ou se converter em uma usurpação do espaço público por interesses privados. De forma coesa, Adriano promove um diálogo com os críticos de Arendt, visando elucidar tais problemas.

Nesse contexto, a política se transforma em biopolítica, uma vez que suas atividades voltam-se exclusivamente ao gerenciamento de questões relativas à sobrevivência da vida em suas necessidades biológicas e de consumo. Tema que Correia aborda sob a ótica das teorias de Arendt, Foucault e Agamben, traçando as proximidades e distâncias entre esses autores. Nesse sentido, lembra as reflexões de Michael Foucault ao apontar o processo por meio do qual, nos limiares da Idade Moderna, a vida natural começa a ser incluída nos mecanismos e nos cálculos do poder estatal, e a política se transforma em biopolítica:

por milênios o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal em cuja política está em questão a sua vida de ser vivente (AGAMBEN, 2004, p.11).

Para Foucault, a sociedade civil torna-se o correlativo da tecnologia liberal de governo, pois na medida em que o soberano, pautado pela tese liberal de que o Estado deve manter distância da economia, ele não pode governar o homo economicus. Por essa razão, a governabilidade só pode ser garantida no campo da sociedade civil. As conclusões de Correia sugerem que Foucault e Arendt, ainda que por caminhos argumentativos distintos, julgam que a modernidade pode ser compreendida politicamente como o primeiro período na história em que o mero estar vivo assume relevância política e é alvo da gestão estatal.

Em sua parte final, após tratar do conceito de poder em que articula um diálogo com a concepção de Arendt e Habermas, o livro trata de questões como a liberdade política, direitos humanos e o sistema de conselhos, capaz de proporcionar a participação de todos os cidadãos na vida política. A questão da liberdade, aqui tratada, está inserida no contexto das Revoluções Modernas, principalmente a americana e a francesa, as quais Arendt analisa destacando suas diferenças, seus aspectos comuns positivos e seus fracassos. Tomando como ponto de partida a afirmação “a tradição revolucionária e seu tesouro perdido”, feita por Arendt em Sobre a revolução, bem como sua concepção de que a liberdade política só pode significar a efetiva participação no governo, Adriano Correia vai reconstruir o pano de fundo dessas convicções, examinando, sobretudo, os vínculos entre liberdade, engajamento e participação (CORREIA, 2014, p.175). Como um ponto comum entre as revoluções, cita que em ambas a ideia central da revolução é a de fundação da liberdade, isto é, a “fundação de um corpo político que garante o espaço onde a liberdade pode aparecer” (ARENDT apud CORREIA, 2014, p.179). Um de seus fracassos, contudo, estaria relacionado à sua incapacidade de converter em forma de governo a experiência do sistema de conselhos, vale dizer, “um novo espaço público para a liberdade que se constituía e se organizava durante o curso da própria revolução” (CORREIA, 2014, p.206). Esse novo tipo de organização política permitiria eventualmente a todos os cidadãos participar ativamente do governo.

A despeito de todas as razões e dificuldades, que segundo Arendt impediram a efetivação plena do espírito revolucionário, ela nunca duvidou da capacidade de resistência à opressão. Nesse sentido, Correia observa que “os movimentos recentes em várias partes do mundo em grande medida reverberam a convicção arendtiana de que a paixão pela liberdade e pela felicidade públicas pode ainda inspirar o engajamento político para além das demandas estritamente econômicas e sociais, ainda que frequentemente provenham delas” (CORREIA, 2014, p.195). As análises e interpretações efetuadas por Adriano Correia trazem à luz e revelam a atualidade do pensamento de Arendt, e reavivam a promessa de que a liberdade pode ser restituída como uma experiência política e se afirmar em oposição à prevalência de uma vida que não almeja sair do estrito âmbito da satisfação das necessidades.

Referências

AGAMBEN, G. Homo sacer I: o poder soberano e a vida nua. Tradução de H. Burigo. Belo Horizonte: UFMG, 2004.

ARENDT, H. A Condição Humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

CORREIA, A. Hannah Arendt e a modernidade: política, economia e a disputa por uma fronteira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.

DUARTE, A. O Pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia em Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

FRY, K. A. Compreender Hannah Arendt. Tradução de Paulo Ferreira Valério. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

Iara Lúcia Mellegari – Doutoranda em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR – Brasil. E-mail: iaramellegari@gmail.com

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