Eric Hobsbawm: uma vida na história | Richard J. Evans

Richard Evans Foto Philipp Ebellin

Richard Evans Foto Philipp Ebellin

Alguns sobrenomes possuem uma grafia difícil de ser executada corretamente, sendo esse o caso de “Hobsbaum”, geralmente escrito com “u”, que designa o historiador Eric John Ernest Hobsbawm, inglês nascido na cidade de Alexandria em 1917, filho de pai britânico e mãe austríaca, ambos judeus. Contudo, a versão de Eric Hobsbawm – que, durante seu registro, teve, erroneamente, o “w” colocado ao invés do “u” – dificilmente será esquecida graças às obras que ele assina e à biografia em que ele mesmo se apresenta como título. Referimo-nos à obra Eric Hobsbawm: uma vida na história, escrita por Richard Evans e lançada, no Brasil, em 2021.

Eric Hobsbawm uma vida na historiaEvans é especialista em história europeia dos séculos XIX e XX, com foco nos estudos sobre a Alemanha nazista. Foi professor da Universidade de Cambridge e autor de diversos livros, com destaque para a trilogia O Terceiro Reich. Em sua obra mais recente, Evans traz a trajetória de uma figura cosmopolita desde suas origens, alguém que conheceu e foi conhecido em todos os continentes. Não se trata de uma biografia produzida para responder um problema, tampouco de um texto que procura engrandecer ou detratar a imagem do biografado. O objetivo do livro é situar a vida de Hobsbawm e sua atuação como historiador no contexto do século XX; trata-se de apresentá-lo ao mundo do século XXI através de suas “próprias palavras” (p.10). Leia Mais

Eric Hobsbawm: uma vida na história | Richard J. Evans

Richard Evans
Richard Evans | Foto: David Levene/The Guardian

“Durante toda sua carreira como historiador, Eric foi puxado por um lado por ser compromisso com o comunismo e, de forma mais ampla, pelo marxismo, e por outro por seu respeito aos fatos, aos registros documentais e às descobertas e argumentos de outros historiadores cujos trabalhos ele reconhecia e respeitava. Em alguns pontos […], o primeiro vence o segundo, mas no todo é o segundo que prevalece”.

Richard J. Evans

Lançado em 2019 na Inglaterra, acaba de ser lançada, no Brasil, em 2021, a biografia de Eric Hobsbawm escrita pelo historiador Richard J. Evans. Um livro sobre a vida de um dos mais influentes historiadores, dos séculos XX e XXI, no mundo (Hobsbawm), especialmente popular no Brasil, escrita por um proeminente historiador inglês (Evans), que se destacou por seus trabalhos sobre história da Alemanha no século passado, especialmente sobre o Terceiro Reich. Leia Mais

Histórias e conversas de mulher | Mary Del Priore

A historiografia contemporânea tem focado cada vez mais nos estudos acerca da história das mulheres, principalmente pondo-as como sujeito histórico, consciente ou não de sua condição de submissão e passividade ao longo da história, e que hoje já se percebe transitando espaços antes ocupados pelos homens. Nesta seara, a historiadora Mary Del Priore tem se debruçado em arquivos diversos, traçando assim a história do Brasil desde o período colonial aos nossos dias, com foco em questões tidas como tabu, como é a questão da sexualidade e do erotismo; as mulheres na sociedade; enfatizando os acontecimentos com riqueza de detalhes, prendendo assim seu leitor até o final.

A autora é referência em história das mulheres, tendo publicado os clássicos: História das Mulheres no Brasil, Ao Sul do Corpo, Corpo a Corpo com a Mulher, Histórias Íntimas, Histórias e Conversas de Mulher e contribuiu na organização de outras obras sobre a História do Brasil. Leia Mais

Los niños de Asperger. El exterminador nazi detrás del reconocido pediatra | Edith Sheffer

Los diagnósticos clínicos del pasado no surgieron del ingenio de una mente aislada; porel contrario, son históricos en la medida en que fueron pensados, forjados y modificados en una atmósfera intelectual específica. La psicopatía autista propuesta por el reconocido pediatra Hans Asperger en su tratado de 1944 refleja mucho del espíritu de una época de segregación racial y asesinatos sistemáticos perpetrados por el régimen del Tercer Reich. Ésta es la propuesta de la historiadora Edith Sheffer en su libro Aspeger’s Children: The Origins of Autism in Nazi Vienna (2018), traducido por editorial Planeta bajo el título Los niños de Asperger. Elexterminador nazi detrás del reconocido pediatra (2019). La obra de la catedrática de la Universidad de California, Berkeley, se suma a otras investigaciones que evidencian la participación de Hans Asperger con altos funcionarios higienistas, médicos eugenésicos y psiquiatras supremacistas integrados al sistema de exterminio nazi.1 Sin embargo, Sheffer centra su mirada en historizar las vidas y el destino de los niños a manos de los profesionales que juzgaron sus mentes. El libro tiene como propósito analizar las raíces ideológicas, políticas y culturales que permitieron el descubrimiento, la comprensión y las transformaciones clínicas de la enfermedad autista en el contexto de la Europa de entreguerras. Se trata de una obra que se inscribe en un cruce de caminos: la biografía intelectual, la historia política, la historia social y la historia de la psiquiatría, en razón de que su objeto de investigación está situado en diferentes campos del conocimiento, lo que le imprime agilidad narrativa presentando historias transversales alo largo de sus capítulos. Leia Mais

El año de Artaud. Rock y política en 1973 | Sergio Pujol

¿Quién conoce el corazón de la juventud salvo la propia juventud?

Patti Smith, Éramos unos niños

Sergio Pujol parte de la imagen distópica del presente para dar lugar a una forma local de la resistencia utópica asociada con los altos niveles de edición y venta, entre 2013 y 2015, del último álbum de Pescado Rabioso: Artaud. El año de su presentación en público es 1973, unos meses después del retorno del peronismo al poder. A través de una la dialéctica del tiempo histórico que une presente y pasado con proyección en el futuro; al autor problematiza el vínculo entre un presente incierto con la densidad de un año en el que se produce una doble ruptura política y cultural con anclaje categórico en la juventud. En tanto el estudio se concentra en esa imagen de ruptura, la metodología de análisis es la escala micro histórica como cristal que conjuga una serie de acontecimientos políticos, con los de la serie relativa al desarrollo del rock nacional. Lejos de resultar una asociación fortuita, la hipótesis que la convalida marca el diálogo entre el clima contracultural que propicia en rock y las nuevas posibilidades abiertas para la revolución social. En efecto, el autor se pregunta en qué medida el rock alimenta ese entorno de sublevación social distando de la tesis convencional que reconoce solo a los intelectuales “orgánicos” en tal quehacer. La lectura del rock, y de uno de sus íconos L.A. Spinetta, rompe la convención biográfica y periodística; como la política desgarra lo institucional. Las fuentes escogidas para la reconstrucción abarcan historiografía y literaturas específicas; discografía; entrevistas; diarios y revistas.

Cada uno de los doce capítulos lleva por título algún fragmento de las canciones de Artaud como representación de las series en conjunción. El análisis minucioso que realiza Pujol merece una presentación sujeta a esos tramos ya que cada mes es en sí y, en su continuo, un nudo de sentido. Leia Mais

Os diários de Alfred Rosenberg (1934-1944) – ROSENBERG (A)

ROSENBERG, Alfred. Os diários de Alfred Rosenberg (1934-1944). São Paulo: Planeta, 2017. 660 p. Resenha de: BERTONHA, João Fabio. Resenha de: Antíteses, Londrina, v.12, n. 24, p. 677-685, jul-dez. 2019.

Alfred Rosenberg (1893-1945) foi um nazista proeminente, mas é uma figura relativamente desconhecida para o grande público atualmente, ao contrário de outros, como Goebbels, Himmler ou Göring. Rosenberg, afinal, não comandou diretamente as operações de extermínio que marcaram o Terceiro Reich, não liderou Exércitos e nem conduziu ações espetaculares de propaganda. Ele teve, contudo, muita influência – ainda que ela tenha declinado com o tempo – no regime nazista. Hitler o nomeou para inúmeras posições de poder e seus escritos o levaram a condição de ideólogo chefe do nazismo. Ele era o grande doutrinador a quem todos prestavam atenção, mesmo quando não entendiam o que ele propunha ou consideravam, no íntimo, que suas ideias eram sem sentido.

Dois livros recentes, publicados em português, nos permitem ter uma primeira aproximação ao pensamento e às ações políticas desse homem. O primeiro, de Robert Wittman e David Kinney é, em essência, uma grande reportagem sobre o destino dos papéis de Rosenberg desde 1945 até a sua recuperação e disponibilização ao público, em 2013. Os autores combinam, no decorrer dessa reportagem em forma de livro, as trajetórias pessoais de Rosenberg e de Robert Kempner, o advogado que recuperou os diários (e outros papéis) na Alemanha e os trouxe para os Estados Unidos. O vai e vem dos papéis dentro dos Estados Unidos e os vários personagens que os possuíram ou tiveram interesse neles formam uma narrativa que prende o leitor, especialmente do historiador que está sempre a caça de fontes e documentos inéditos.

O segundo é mais denso e informativo, pois se trata justamente desses diários. Publicados com uma excelente análise crítica escrita pelos historiadores Juergen Matthaus e Frank Bajohr, eles nos trazem, em centenas de páginas, a possibilidade de olhar para dentro da mente e dos pensamentos de Alfred Rosenberg.

Obviamente, diários, como qualquer outra fonte, devem ser vistos com os cuidados metodológicos devidos. Nem sempre eles são confiáveis para datas e acontecimentos específicos e seu caráter de “monumento pessoal” os fazem documentos a serem lidos com especial cuidado. Ali, afinal, está o coração pulsando da memória de uma pessoa, aquilo que ela queria deixar registrado, com maior ou menor sinceridade, para o futuro. Todas as discussões teóricas sobre a “escrita de si”, sobre as diferenças entre memória e história e correlatas são especialmente necessárias aqui.

Aliás, como bem indicado pelos organizadores na introdução, o problema da redação de diários adquire um significado próprio quando se trata do Terceiro Reich. Normalmente, as pessoas escrevem diários para permitir uma reflexão sobre a própria vida, para facilitar a tomada de decisões ou a elaboração de ideias ou, ainda, para deixar um registro próprio dos acontecimentos vividos.

Na Alemanha nazista, contudo, a própria ideologia do movimento tornava esse exercício diarista inútil e até perigoso. Perigoso, pois deixar provas materiais de pensamento autônomo ou de divergência frente ao regime podia significar simplesmente a produção de provas que seriam usadas pelos inimigos.

E inútil, pois os nazistas se orgulhavam de serem homens de ação, sem tempo ou necessidade de reflexão crítica, adeptos do irracionalismo, numa perspectiva anti-intelectual. Obedecer aos líderes e agir era muito mais valorizado do que pensar e refletir, pelo que escrever num caderno todos os dias não servia para nada.

Além disso, os nazistas eram, em geral, pessoas de convicções ideológicas sólidas. Não no sentido de terem ponderado cuidadosamente sobre o que defendiam e se convencido da sua realidade, mas no de terem alguns eixos de pensamento muito claros, os quais davam sentido à vida e aos atos do dia a dia.

Sem dúvida sobre quais caminhos tomar, a autorreflexão realmente se tornava inútil. Por esse motivo, os principais líderes nazistas não deixaram diários. Hitler não o fez – sendo falsos os seus famosos diários descobertos em 1983 – e muito menos Himmler, Göring ou Heydrich. O que temos, no máximo, são agendas de trabalho ou coleções de cartas enviadas ou recebidas, a maioria burocráticas ou sem maior valor. Os únicos que o fizeram foram justamente os intelectuais do nazismo, ou seja, Goebbels e Rosenberg.

Em parte, o fizeram justamente por isso. Fazia parte das tarefas de ambos dar uma roupagem analítica e descritiva para o que acontecia no Estado nazista, seja formulando princípios e justificativas ideológicas seja elaborando diretrizes de propaganda para o dia a dia. Isso os obrigava a ter uma atividade intelectual mais densa – como será melhor desenvolvido abaixo – o que pode os ter estimulado a ser diaristas. O que eles produziram, contudo, foram essencialmente páginas de ataques aos inimigos, de autocomiseração com os fracassos e de registro de supostos feitos e realizações para futura referência. Como um todo, o nazismo não é bem apreendido na leitura dessas anotações e muito menos em termos ideológicos.

Na verdade, como parece ser a praxe para a maior parte dos intelectuais orgânicos da direita – e, especialmente, da extrema-direita – Rosenberg não era especialmente brilhante, compensando a pouca densidade da sua obra com um empenho contínuo, numa produção quase diária de textos, especialmente palestras. artigos de jornal, memorandos e relatórios. Sua obra prima, O Mito do Século XX, publicado em 1930, teria sido, aparentemente, ridicularizado até pela própria liderança nazista, que ou não o entendia ou o considerava um amontoado de bobagens. Hitler e o NSDAP souberam reconhecer, contudo, que ele servia perfeitamente como manual doutrinário e sua leitura se tornou obrigatória no Terceiro Reich, atrás apenas do Mein Kampf de Hitler como “livro sagrado” do nazismo.

Dessa forma, o papel central de Rosenberg foi o de tomar emprestado escritos de pensadores do passado, como Gobineau e Chamberlain, para formar uma ideologia simples e facilmente compreensível, centrada numa visão conspiratória da História, na superioridade racial e no antissemitismo. Sua importância, na verdade, reside justamente nas suas falhas como pensador. Como bem indicado tanto tempo atrás por Marilena Chauí para o caso do integralismo, a simplicidade e pobreza teórica e empírica, longe de serem um problema, faziam dele um ideólogo perfeito, chamando para a ação e não para a reflexão. Escrevendo sem parar em jornais, revistas e também publicando livros, ele era mais o divulgador e o mobilizador do que um pensador e um cientista, apesar de se considerar um.

Em 1934, Hitler oficializou essa sua posição, nomeando-o como o ideólogo oficial do regime. Mesmo levando-se em conta os limites de Rosenberg e dos seus papéis e a própria fragilidade teórica do nazismo, muita informação útil pode ser retirada dos seus diários; vários aspectos da política e da ideologia do III Reich se tornam evidentes nos mesmos, sendo passíveis de rediscussão a partir de um novo olhar. Mesmo quando seu conhecimento ou entendimento do que acontecia era limitado ou quando sua própria posição o impedia de ver o todo, o que emerge dos diários pode ser útil para repensar a ideologia e a política da Alemanha na época de Hitler.

Rosenberg foi importante, por exemplo, na elaboração da ideia de que havia uma conspiração judaica mundial por trás da revolução comunista na União Soviética. Nessa perspectiva, os eslavos eram uma raça inferior, a ser escravizada pelos alemães, e a URSS era um projeto judeu para liderá-los contra a raça superior. Isso justificou a guerra devastadora dos nazistas contra os soviéticos a partir de 1941 e Rosenberg, até por isso, recebeu cargos importantes no sistema de ocupação no Báltico, na Rússia Branca e na Ucrânia.

É difícil acreditar que Rosenberg tenha sido o criador dessa ideia, bastante comum nos círculos antissemitas e de extrema-direita nos anos 1920. E não apenas na Alemanha. Em Buenos Aires, por exemplo, já em 1917 essa proposta era ventilada e jornais da elite argentina escreviam que os operários em protesto estavam sendo instigados pelos judeus e que os bolcheviques eram conspiradores judeus disfarçados. É razoável admitir, contudo, que Rosenberg colaborou para implantar essa ideia nos ouvidos certos, da pessoa que, no futuro, tomaria as decisões do Holocausto: Adolf Hitler.

Ele também teve um papel importante na questão religiosa, sendo conhecida a sua postura anticristã. Ele considerava as práticas e símbolos cristãos como puro charlatanismo e a doutrina cristã como incompatível com a verdadeira alma alemã. No seu livro O Mito do século XX, isso é evidente. Segundo Rosenberg, os judeus, através de Paulo, haviam corrompido a mensagem original de Jesus e divulgado uma falsa doutrina de submissão, amor e igualdade. Tal doutrina seria incompatível com a superioridade racial alemã e o nazismo devia criar uma nova religião, adequada aos novos valores.

Essa postura o isolou frente a outros representantes da extrema-direita europeia – muitos dos quais tinham raízes no reacionarismo católico, por exemplo – e também dentro do nazismo. Afinal, havia nazistas que consideravam perfeitamente possível conciliar a mensagem cristã com a nazista e outros, provavelmente em maior número, que não acreditavam ser uma boa ideia se indispor com a tradição cristã da população alemã, preferindo o compromisso e a acomodação.

Em Rosenberg, e nos seus escritos, também fica evidente um dos aspectos mais cruciais no funcionamento do Estado nazista, ou seja, os conflitos entre Partido e Estado e entre as várias instituições e grupos dentro do regime. Suas críticas contínuas a Goebbels, a Himmler e a outros são representativas da selva competitiva que era a Alemanha nazista.

Nesses conflitos, ele ganhou e perdeu, conforme as circunstâncias e os equilíbrios do poder. No comando da Einsatzstab Rosenberg, ele saqueou bibliotecas, arquivos e coleções privadas em toda a Europa, especialmente judias. Nesse processo, estava em competição com a SS, que também roubava livros para sua biblioteca sobre os inimigos do Reich. Ele foi muito bem-sucedido e, no seu Instituto de Pesquisa sobre a Questão Judaica, fundado em Frankfurt, ele acumulou um imenso acervo sobre o judaísmo na Europa. Também saqueou arte de propriedade dos judeus por toda a Europa, em competição com Göring, com Goebbels e outros. Mais adiante, ficou responsável até mesmo pelo saque de mobiliário dos judeus. Nessa atividade, foi mais vencedor do que perdedor.

Já na administração do Leste ocupado, a competição com outras agências e grupos se tornou ainda mais brutal e, nesse caso, Rosenberg perdeu. Ele recebeu o encargo de organizar o novo território ocupado, mas sua influência se diluiu, especialmente frente à SS. Ele imaginava o espaço entre Berlim e Moscou como um de dominação, no qual, após o extermínio dos judeus e dos comunistas, haveria alguma negociação com os nacionalismos ucraniano, báltico e outros para a criação de uma frente anti-russa. Já Hitler, Göring e a SS queriam uma dominação mais completa e absoluta, de escravidão e, posteriormente, de substituição demográfica.

Também nas relações exteriores Rosenberg, que tinha sido um ator importante na formatação da política externa do NSDAP, perdeu influência no decorrer do tempo, especialmente para Ribbentrop. Ele também disputou com Goebbels o controle da arte e da literatura alemãs e, nesse caso, houve quase um empate, pois, mesmo perdendo poder, ele continuou um ator importante, comandando vários escritórios e agências culturais dentro da Alemanha.

Todas essas idas e vindas são identificáveis nos diários, especialmente nas suas contínuas críticas aos que o superavam, como Goebbels e Göring. Ao mesmo tempo, ele buscava e registrava cada possível aprovação de Hitler às suas ações, o que refletia tanto a sua submissão psicológica a ele como o reconhecimento que, na luta pelo poder na Alemanha nazista, o favor de Hitler era o elemento chave.

Nos seus papéis, ele vencia as batalhas que estava a perder na realidade e tinha esperanças de reverter a situação. Em linhas gerais, contudo, fica evidente como, com o passar do tempo, ele estava numa posição cada vez mais fraca na estrutura de poder nazista.

Talvez tenha sido um problema, no caso de Rosenberg, o fato de ele ser, apesar de medíocre, um intelectual. A liderança nazista preferia a ação, a política e desprezava a cultura, a não ser aquela dirigida à propaganda e à formação de consensos. Mesmo sendo um intelectual orgânico, no sentido de um homem ligado ao partido e ao Estado nazistas, o ser intelectual demandava um mínimo de refinamento teórico e a liderança nazista normalmente desprezava isso frente ao imperativo da ação, como já indicado acima.

Em qualquer projeto ideológico, na verdade, a escala de convencimento ideológico dos que aderem vai do totalmente pragmático (aquele que não leva a sério aquele conjunto de ideias, mas que as defende por interesses outros, materiais ou emocionais) até o totalmente idealista, ou seja, que acredita piamente em tudo o manifestado. Quase sempre, esses dois extremos não existem e a combinação entre ambos é o padrão geral, com contínuas oscilações conforme o tempo, o espaço, os grupos sociais, a individualidade etc.

No caso dos intelectuais orgânicos, o mesmo acontece, mas a sua própria função – estabelecer, refinar e proclamar uma ideologia que sustenta um dado modelo político ou econômico – demanda que seu pragmatismo seja controlado. Afinal, se o que sustenta a sua posição é o fato de ele ser o defensor de um conjunto de ideais, ele não pode simplesmente ignorar o que é dito e escrito, especialmente por si próprio. Assim, nem Himmler ou o próprio Hitler podiam simplesmente ignorar o que a ideologia nazista proclamava abertamente, mas sua margem de manobra era maior do que a de pessoas como Rosenberg.

A sensação que fica na leitura dos diários, na verdade, é que Rosenberg efetivamente acreditava na ideologia nazista. Como já indicado acima, como acontecia com a maioria dos nazistas, seus conceitos políticos não eram fixos e havia muito oportunismo e negociação na sua prática, como não podia deixar de ser frente a uma conjuntura sempre em mutação e o fato de ele ser um político além de um ideólogo. Mesmo assim, a sensação que fica da leitura dos diários é que seus princípios ideológicos eram mais sólidos do que em outros líderes nazistas.

Em resumo, Rosenberg compartilhou da flexibilidade entre teoria e prática (ou oportunismo) que o regime nazista sempre manifestou. No seu caso, contudo, essa flexibilidade era menor ou demandava, no mínimo, mais articulação teórica, até interna, pois ele parecia realmente acreditar naquilo que dizia e escrevia.

Ele era muito mais inflexível frente a seus princípios ideológicos básicos do que outros líderes nazistas, tanto que seus diários indicam seus malabarismos internos para lidar com a aproximação do Terceiro Reich com a Igreja Católica ou com a União Soviética. Isso, provavelmente, enfraqueceu a sua posição na luta pelo poder na Alemanha nazista, ao mesmo tempo em que delimitava e reforçava o seu espaço e as suas prerrogativas, já que ele era o guardião dos ideais.

Outro ponto interessante que a biografia e os diários de Rosenberg ressaltam é a problemática de ele ser um indivíduo no limite do aceitável para a ideologia nazista. Ele era etnicamente alemão, mas havia dúvidas e questionamentos a respeito da pureza das suas origens germânicas, até porque ele tinha uma sobrenome comumente associado aos judeus e tinha nascido no Báltico. Para piorar, ele, fluente em russo, falava alemão com um sotaque carregado, o que também dava margem a questionamentos e dúvidas: um pertencente ao “nós”, mas na fronteira entre o “nós” e “eles”.

Ao observarmos a história do nazismo, nota-se que, entre os maiores defensores da doutrina, estavam muitos que não se enquadravam perfeitamente no modelo ariano por suas características físicas. Himmler era franzino, Goebbels era muito moreno e manco, Göring era viciado em drogas, Heydrich era considerado, apesar de não ser verdade, meio judeu e o próprio Hitler não era um nórdico puro. A justificativa era que, apesar dessas características, eles ainda estavam dentro do padrão ariano aceitável, mas o fato óbvio era que o poder determinava, em boa medida, como a ideologia era aplicada nos casos reais. Ou alguém teria a coragem de afirmar que Hitler não deveria liderar por não ser um nórdico no modelo viking? Mesmo assim, essa falta de conexão com a doutrina era visível e isso poderia, conforme a conjuntura mudasse, ser utilizado contra os inimigos.

Do mesmo modo, é impressionante a presença de não-alemães no comando nazista. O próprio Hitler era austríaco, Rudolf Hess havia nascido no Egito e Rosenberg e vários outros eram refugiados do Báltico. Mesmo sendo aceitos como alemães, o fato é que eles estavam no limite: não haviam crescido na Alemanha, muitos falavam alemão com sotaque e suas origens, muitas vezes, podiam ser questionadas. Para os nesse meio-termo, a fidelidade ao regime e à ideologia podia ser ainda mais fundamental, até como forma de compensar uma origem questionável. A maciça presença, em termos proporcionais, de austríacos na máquina nazista talvez seja um reflexo não apenas da força da extrema direita na Áustria e no sul da Alemanha nos anos 1920 e 1930, como também um esforço deles para serem aceitos como plenamente alemães depois do Anschluss.

Essa problemática dos “na fronteira”, evidentemente, vai além do nazismo. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns italianos emigrados do Mezzogiorno se tornaram profundamente racistas para afirmarem uma identidade branca que era questionada por muitos anglo-saxões. Isso para não mencionar, evidentemente, o tradicional papel das classes médias no capitalismo, sempre sob o risco de proletarização e, até por isso, seus cães de guarda mais fiéis. Talvez a biografia de Rosenberg pudesse ser útil como foco para estudos desse tipo de perfil, cuja utilidade para o regime nazista ainda não foi explorada a contento.

Em resumo, os diários de Rosenberg são, dentro dos seus limites, uma fonte útil para o entendimento não apenas dele e de sua personalidade, mas também do regime em si. Isso não apenas no tocante à ideologia – o antissemitismo, o racismo, a perspectiva anticristã, o anticomunismo e as articulações entre esses elementos – como também na prática, na conversão desses princípios ideológicos em políticas e ações. Ideias, afinal, não existem fora do mundo real e mesmo as registradas em papeis privados estão conectadas ao mundo material, de interesses, disputas, negociações e acomodações. Rosenberg pode ter suas especificidades enquanto intelectual, mas ele pertencia a um grupo, a uma sociedade e a um regime e é estudando essa relação que sua vida, e seus diários, adquirem significado histórico.

Referências

ROSENBERG, Alfred. Os diários de Alfred Rosenberg (1934-1944). São Paulo: Planeta, 2017. 660 p.

WITTMAN, Robert; KINNEY, David. O diário do diabo: os segredos de Alfred Rosenberg, o maior intelectual do nazismo. Rio de Janeiro: Record, 2017, 460 p.

João Fabio Bertonha – Universidade Estadual de Maringá JAMES, Cyril. The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution, New York: Vintage Books, 1989.

A invenção da natureza. A vida e as descobertas de Alexander von Humboldt

Apenas um ano depois do lançamento do original em inglês, a editora Planeta e o tradutor Renato Marques brindam-nos com uma obra indispensável para todos aqueles interessados em história das ciências e da geografia. A invenção da natureza. A vida e as descobertas de Alexander von Humboldt é uma pesquisa bibliográfica e arquivística de fôlego cuja narrativa seduz o leitor da primeira à última página. Méritos para a autora, cuja escrita parece ter sido cuidadosamente elaborada — com destaque para a forma como ela posiciona as citações. São frases tão pequeninas quanto eloquentes cujo efeito é o de fazer parecer que estamos a conversar diretamente com Humboldt, Goethe, Bonpland, Darwin, Muir. Elogios também para o tradutor, que logrou a proeza de manter a fluidez e a elegância da versão original.

Baseado em nossa experiência como professor de História e Epistemologia da Geografia, cumpre confessar que Alexander von Humboldt (1769-1859) nunca foi tarefa fácil. Grosso modo, a impressão passada pela literatura acadêmica é a de que, a despeito de sua inquestionável erudição, seu projeto científico foi “ultrapassado” pela progressiva especialização disciplinar exigida pela institucionalização da geografia universitária. Todavia, as menções a ele são incontornáveis dentre os representantes franceses (Paul Vidal de la Blache), ingleses (Andrew J. Herbertson) e norte-americanos (Richard Hartshorne). Leia Mais

Do Outro Lado. História do Sobrenatural e do Espiritismo | Mary Del Priore

Depositário de filosofias e ciências europeias, mas singular no processamento destas, o imaginário do Brasil no século XIX é abarrotado de contribuições intelectuais, sobretudo francesas, que o tornaram um crente devoto, porém relapso, das ideias do progresso. Nesse ínterim, a religiosidade se manifesta num sincretismo de práticas e adorações, sendo o contato com o sobrenatural a marca que maior caracteriza a mentalidade comum a diversas camadas sociais brasileiras. É nesse sentido oculto que a obra “Do outro lado”, de Mary del Priore, transmite da maneira mais clarividente possível, os costumes e as esparsas formas de religiosidade durante o século XIX.

Autora reconhecida por suas pesquisas acerca do universo cultural brasileiro e suas mentalidades, vem cativando uma vasta gama de leitores por seus fascinantes temas e sua volumosa produção bibliográfica. Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1983), concluiu seu Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo e defendeu sua tese de Pós-Doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris (1996). Premiada diversas vezes pela Fundação Joaquim Nabuco e pelo solene prêmio literário Jabuti, entre 1998 e 2000, por mérito de seus livros História das Mulheres no Brasil e História das Crianças no Brasil, desenvolveu pesquisas que vão da história colonial, história de gênero a amplas áreas da cultura, vida social no século XIX, tendo maior destaque biográfico de expoentes do período imperial brasileiro, como O príncipe maldito (2007), A Carne e o Sangue. A Imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro e Domitila, a Marquesa de Santos (2012), Condessa de Barral, a paixão do Imperador e O Castelo de Papel (2013). Atualmente é professora do Programa de Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/NITERÓI e contribui como correspondente de diversas academias e institutos de pesquisa na América Latina. Leia Mais

Do outro lado: A história do sobrenatural e do espiritismo | Mary Del Priore

Sobre a autora

Mary Del Priore é ex-professora de história da USP e da PUC/RJ, pós-doutora na École dês Hautes Études em Sciences Sociales, de Paris. Possui mais de 40 livros publicados e é vencedora de vários prêmios literários nacionais e internacionais, como Jabuti, Casa Grande e Senzala, APCA e Ars Latina, entre outros. É sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, do P.E.N. Club do Brasil, da Real Academia de La Historia de Espanha e da Academia Portuguesa da História. Atualmente, leciona na pós-graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira, no Rio de Janeiro.

Resenha

Mary Del Priore em seu livro Do outro lado: A história do sobrenatural e do espiritismo nos faz mergulhar na história do sobrenatural nas sociedades, nos incita a pensar como as pessoas no decorrer de vários séculos encaravam a morte. A autora destaca, a influência do espiritual na vida das pessoas, desde o nascimento até a morte, e as transformações na forma das pessoas encaram o mundo. Leia Mais

A grande degeneração: a decadência do mundo ocidental | Niall Ferguson

Niall Ferguson, em “A Grande Degeneração” traz mais uma tese polêmica acerca da crise no mundo Ocidental. Professor da Universidade de Harvard, além de associado ao Instituto Hoover e à Universidade de Stanford, Ferguson é um dos mais renomeados historiadores do mundo, com uma vasta coleção de livros e prêmios, como o Benjamin Franklin Prize for Public Service e o Hayek Prize for Lifetime Achievement, rotineiramente lembrado pelas teorias sobre o Ocidente e a decadência do modelo tanto econômico quanto político vigente deste lado do mundo.

“A Grande Degeneração” não poderia ser diferente. Publicada em 2013, a obra trata de temas já tratados pelo autor em outras obras, nas quais defende a tese de que o Ocidente e suas instituições estão fadados ao declínio. Contudo, nesta obra, Ferguson teme que esse declínio se torne uma degeneração, ou seja, um evento mais radical em proporção e intensidade e, sobretudo, irreversível. Leia Mais

Los muchachos peronistas. Orígenes olvidados de la Juventud Peronista (1945-1955) – ACHA (A)

ACHA, Omar. Los muchachos peronistas. Orígenes olvidados de la Juventud Peronista (1945-1955). Buenos Aires: Planeta, 2011. Resenha de: SILVA, Maria Luz. Peronismo y Juventud. Volviendo a los orígenes. Antítese, v. 7, n. 14, p. 516- 520, jul. – dez. 2014.

El peronismo es un tema siempre presente en Argentina. Por lo mismo ha sido abordado desde múltiples perspectivas políticas e ideológicas y desde innumerables registros y disciplinas, las cuales comprenden desde el arte y el psicoanálisis hasta la historiografía, la antropología o la ciencia política. En ese inmenso campo de estudios, la Juventud Peronista ha sido enmarcada haciendo foco en los las décadas de 1960 y 1970, asimilándola al transcurso político vivido por las juventudes en proceso de radicalización del cono sur y el mundo. Dentro de este contexto de ideas, el libro de Omar Acha, joven historiador y docente argentino que ya detenta una prolífica producción en lo concerniente al peronismo, representa un aporte fundamental en dos sentidos. Por un lado, constituye una investigación histórica sobre un fragmento muy poco analizado sistemáticamente de la historia del peronismo: el desarrollo de la Juventud Peronista durante los años de la primer y segunda presidencia de Perón (período 1946-1955). En segundo lugar, y profundamente imbricado con el primer punto, se plantea reflexionar sobre núcleos significativos de carácter político-culturales, que dan cuenta de las peculiaridades del devenir histórico del peronismo. Para esto, busca cuestionar y explicar lo que conceptualiza como la construcción de un relato mítico. “La Juventud Peronista es un mito argentino” enuncia inicialmente, como una bofetada al lector desprevenido. Mito asociado al “compromiso político” y, como él mismo destaca, “a la añorada o temida Argentina del ‘setentismo’. Mito que evoca imágenes de conflictos nacionales, ya que no se recuerda aquella Juventud Peronista sin recordar la polémica. Mito que también registra el surgimiento de la Juventud Peronista en el año 1957, como respuesta organizativa generacional al golpe cívico-militar que derrocó al presidente constitucional Juan Domingo Perón en el año 1955. Mediante un riguroso relevamiento documental el autor espera dar cuenta de la existencia de una Juventud previa, olvidada y/o negada por los militantes peronistas de las décadas posteriores. Entre los numerosos méritos adjudicables al texto resaltamos el carácter federal en la indagación de fuentes documentales. Como abordaje metodológico de la problemática, fortalece sus hipótesis y dan cuenta de la diversidad de los desarrollos locales y regionales, a la par que supone romper con una tradición de estudios de este período anclados en la provincia de Buenos Aires.

Es dable señalar también que por momentos el texto trasciende las barreras de la historiografía en sentido estricto y se interna en controversias políticas vigentes en la actualidad en Argentina. Relativizando los planteos que reafirman “la vuelta de la juventud a la política” a partir del proceso abierto por los gobiernos peronistas de Néstor Kirchner y Cristina Fernández, Acha asevera que luego de ser devastada por la dictadura militar y hasta la actualidad, la juventud del peronismo no ha podido reconstituirse como una fuerza política fuerte, con capacidad de acción estratégica y proyecto político propio.

Indagando y revalorizando lo que denomina como un proceso de crecimiento molecular y contradictorio que vivió la Juventud Peronista a partir de 1951, Acha se plantea un objetivo tan afanoso como contemporáneo en la Argentina. El mismo reside en poner en jaque la perspectiva que asevera que la Juventud Peronista durante los años de gobierno de Perón fue solamente una herramienta institucional creada “desde arriba”. Y se arriesga aún más. Alega que esta mirada responde a una mirada del peronismo y del Partido como monolítico y vertical, dando lugar a un proceso más complejo en el que también tienen injerencia las pujas internas dentro del propio movimiento.

Para el autor, el olvido de la primera Juventud Peronista da cuenta de rasgos perdurables en la cultura política peronista en particular, y en la cultura política argentina en general, respecto de la juventud en el marco de partidos políticos. Ahonda en las peculiaridades de la definición política de la juventud en el ideario “peroniano”, sobrevolando el complejo vínculo entre juventud y política. Por esto, el texto aunque según indica su título se ancla en una década específica, se desliza reflexivamente, yendo y viniendo por el siglo XX argentino.

Tal como afirma, existen dificultades para el estudio de una originaria Juventud Peronista. Las mismas responden a varios factores entre los que subraya: la imagen del niño peronista, construida durante el gobierno de Perón que negaba a los jóvenes del momento su potencial político relegándolos para “el futuro”; la imagen negativa construida en torno de la Unión de Estudiantes Secundarios (UES) y, tal como adelantara, la construcción de un relato mítico que la omite. Acha concluye que efectivamente hubo una Juventud Peronista previa a la que surgió en los albores del golpe militar que derrocara a Perón, de tiempo breve pero no por eso menos importante. Surgida en los meses que rodearon la reelección de Perón en noviembre de 1951, durante la campaña del Almirante Teisaire para llegar a la vicepresidencia, tuvo su fin junto al gobierno peronista.

Un factor importante de su negación fue la traba interna en el propio peronismo que dificultaría el surgimiento de la Juventud Peronista como actor político, aunque ya en occidente se estuviera dando la estructuración de la juventud como sujeto social diferenciado en tanto etapa específica de la vida. Se establece allí una segunda hipótesis: es en el seno del peronismo en el poder donde se niega el carácter de sujeto político a la juventud, subsumiéndola a las actividades deportivas y asociativas. Cuando el escenario político cambia a mediados de la década del cincuenta, y la caída del peronismo era inminente, ya era tarde para ello. Probar esta idea mediante el relevamiento de fuentes periodísticas, de los órganos de funcionamiento del Partido y de los discursos de Perón, estructura gran parte del desarrollo siguiente del texto.

Apela además aquí a un breve recorrido del siglo para afirmar que la noción de juventud política precede al tiempo peronista retrotrayéndose prácticamente a principios de siglo. Para las décadas de 1930 contaban ya las juventudes ligadas al socialismo, el anarquismo, el radicalismo, el comunismo, a sectores de la derecha y el catolicismo, con un desarrollo dispar pero considerable y con una presencia real en las calles en los momentos de surgimientos del peronismo. A esta altura, la juventud ya era percibida como problema social y en Argentina comenzaría a ser catalogada en términos de clase y cultura. Distinción particularmente aplicada a los jóvenes de las clases populares que se integrarían al peronismo desde las jornadas de 1945, mientras que los jóvenes universitarios serían abiertamente antiperonistas. En este punto Acha nos entrega una piedra de Rossetta del siglo XX argentino: con la salida de los jóvenes a las calles durante el primer peronismo, comienza a imponerse una distinción en la juventud, que traccionará hacia el peronismo la descalificación de lo juvenil de corte popular: ya no serán considerados “jóvenes” sino “muchachones”. Constituye ésta una clave interpretativa que el autor anuncia y que invita a ser profundizada aún más, no sólo para entender un período histórico específico, sino porque nos otorga indicios de un modo de comprender la compleja trama social tejida a partir del derrotero peronista, muchas veces teñido de preconceptos y prejuicios académicos y políticos.

En lo que refiere a la puesta en práctica del ideario de Perón en torno a la juventud, Acha afirma que Perón y sus equipos técnicos tuvieron como proyecto la creación de una nueva infancia y juventud a través de modificaciones en el ámbito educativo, que trasladaría inmediatamente a la juventud como actor del futuro, no de aquel presente. Con ese marco, el proyecto peronista de integración social esperaba integrar a los jóvenes a partir de un triple enfoque de: incorporación al mercado laboral, educación moral y actividad deportiva. Como el peronismo se asumía a sí mismo como el fundador de un nuevo orden social futuro, superador de partidos políticos, a la infancia y la juventud le depararían la organización corporativa o asociativista, claramente no política.

Aquí el texto pone luz de alerta en ciertos sentidos comunes académicos sobre el peronismo. Para el autor, el asociacionismo favorecido por el peronismo no respondió a un uso meramente manipulatorio o totalitario, sino que responde a la lógica principal del poder peronista por el cual Perón esperaba obtener una estructura piramidal que permitiera la conciliación del conjunto de la sociedad a los fines de la armonía social. Este era el espíritu de su “comunidad organizada” en la que la juventud tendría su lugar predestinado como “nueva generación” renovadora de la Argentina. Con este cuadro de situación, durante los años de Perón en el gobierno, la Juventud Peronista navegaría entre lo político y lo apolítico. Proceso organizativo en el que el autor identifica dos fases sucesivas.

1951 sería el año de su conformación pero aún como un proceso débil y múltiple. Como viéramos, en su argumentación Acha destaca ciertas dificultades políticas, históricas y culturales que presenta la Juventud Peronista para traducirse en una matriz de organización política clara. En este sentido, afirma que los procesos electorales de ese año funcionaron como factor fundamental para el nucleamiento y expansión de la organización de los jóvenes, con la creación del Movimiento Juvenil Peronista (MJP) con ambiciones de alcance nacional. Allí tiene lugar la primera fase de la Juventud, que no era considerada aún una organización política propiamente dicha, con capacidad estratégica propia dentro del movimiento, sino subsumida a los actores políticos mayores. Para 1952 surge el nombre alternativo de Movimiento de la Juventud Peronista, que marca con su redefinición conceptual, lo que el autor denomina “la fundación subjetiva” de una Juventud políticamente relevante, dando pie al comienzo del proceso organizativo, que contó con las resistencias de propios y ajenos. Como tal no estaba integrada al esquema del Partido Peronista. Para 1954, dado el alcance nacional que había alcanzado, ya era evidente la necesidad de autonomización y acumulación política. Siendo esto contrario al ideario “peroniano” y a los hábitos del Partido es desarticulada. A partir de allí tuvo lugar la segunda fase, en un momento en que crecía la conflictividad entre el peronismo y sus opositores. Estos últimos meses de peronismo en el poder estarían marcados por el crecimiento y visibilidad de un nuevo activismo juvenil necesario para atemperar las circunstancias políticas en defensa de un gobierno cada vez más violentado. Surgirían allí los gérmenes del uso de la violencia en la acción directa dentro del peronismo y la presencia en los espacios públicos, que luego se multiplicarían en los años de la resistencia peronista a la dictadura militar. Siendo estos aportes originales de la Juventud, comenzaba a ser vista por algunos sectores como potencial rama del movimiento lo que generaría fricciones internas.

El advenimiento del golpe militar en septiembre de 1955 dio por tierra con estas fricciones y el reconocimiento debería esperar quince años para efectivizarse. A partir de allí comenzaría un tiempo político muy diferente. Frente a la dictadura militar y el exilio del líder, surge una nueva Juventud revolucionaria e insurreccional. Ésta comenzaría a plantearse como protagonista, partiendo de diferenciarse de su predecesora e instalándose como fundadora de un nuevo tiempo y de una nueva política peronista, pero esta vez con verdaderas y visibles pretensiones de autonomía. Con el tiempo sería asociada a un relevamiento generacional, lo que sería llamado por el propio líder el “trasvasamiento generacional”. Tanto la historia académica como aquella constituida por las memorias de los militantes ligados a esta nueva Juventud confinarían así al olvido, la negación o la invisibilización de la primigenia Juventud.

Vuelve Acha nuevamente aquí a una de sus argumentaciones iniciales. Fue fundante para los nuevos militantes erigirse como actores autónomos tanto política como simbólicamente, desconociendo o repudiando los procesos de organización previos de la otra Juventud. También, por qué no, cuestionando subrepticiamente o explícitamente la autoridad de Perón. Se instituirían así como nueva “generación política” y darían cuerpo a lo que con el tiempo sería el mito masivamente aceptado sobre la historia del peronismo. Este relato mítico fue eficaz y funcionó como herramienta de legitimación política dentro del propio peronismo, transmitido como memoria de una generación y devenido relato de orígenes. Para Acha el mito, en tanto narrativa, supone una operación política y por ende, un instrumento de disputa en un campo de fuerzas en competencia. Acha sintetiza el mito desde su carácter instrumental, y he aquí un argumento de su obra que podría ser revisado. Como diversas disciplinas han propuesto ya, los mitos no sólo refieren a la legitimación de una posición en una disputa, en este caso política, aunque este pueda ser sin dudas un núcleo constitutivo de los mismos. También se entrelazan con aspectos valorativos, afectivos, cognitivos, de cualquier colectivo social, que son especialmente sobresalientes en el peronismo, al que sus propios militantes consideran más que una identidad política una identidad cultural. Para el autor, a través del mito sobresalen los rasgos de la nueva Juventud: nacimiento en el “desierto”, inocencia revolucionaria y mística antiinstitucional. Diferenciándose sobre todo moralmente de la experiencia juvenil anterior considerada traidora y burocrátizada, establece una matriz de refundación del peronismo. Esta nueva juventud formaría parte de la emergencia de pequeños y diferentes grupos, lento proceso de convergencia de diferentes núcleos juveniles que conformó en 1959 una Mesa Ejecutiva de la Juventud Peronista y que lograría finalmente plasmarse generacionalmente dada una aspiración de acumular poder propio. La negación de la precedente juventud jugó a favor de este proyecto generacional dando forma al relato identitario que suprimía una historia originaria propia del período 1945-1955. Como cierre es importante señalar que, tal como esperamos dar cuenta aquí, el texto no sólo indaga en la caracterización política de la inicial Juventud Peronista, sino que también aporta argumentaciones en clave histórico-cultural sobre su confinación al olvido como indicios para pensar procesos históricos y conflictos nacionales más amplios.

Maria Luz Silva – Antropóloga. Profesora de la Universidad Autónoma de Entre Ríos. Doctoranda en Humanidades y Artes con mención en Antropología de la Universidad Nacional de Rosario. Becaria CONICET.

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