Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem – VOLÓCHINOV (B-RED)

VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017, 373p. Resenha de: PISTORI, Maria Helena. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.13 n.2 São Paulo May/Aug. 2018.

Poucos duvidam que há muito precisávamos da tradução de Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem (MFL), feita diretamente do original russo. E é suficiente a observação da referência bibliográfica completa, registrada acima, para constatar estarmos diante de um importante e competente trabalho, e não apenas de uma nova tradução daquela que é, possivelmente, a mais conhecida obra do Círculo de Bakhtin entre nós, brasileiros. Aliás, uma tradução realizada por pesquisadoras brasileiras comprometidas com o pensamento bakhtiniano, conhecidas e reconhecidas na área dos estudos do discurso.

O texto que temos agora responde ampla e muito especialmente a nosso tempo-espaço: são 39 anos depois da primeira edição de MFL, pouco mais de 40 anos que nós, brasileiros, temos contato com a obra do Círculo (Cf. Brait, 2012, p.219). E isso nos deu tempo para buscar compreendê-la em maior profundidade, estudá-la, buscar-lhe a contextualização, dialogar com pesquisadores daqui e de outros espaços que dela também se ocuparam, dialogar mais detidamente com ela e com algumas traduções dela no Ocidente. Tudo isso nos permite afirmar que a recepção de MFL, hoje, é bem diferente daquela da década de 70: não há mais a novidade e a surpresa, ou o impacto causado pelas obras do Círculo que aos poucos foram sendo descobertas pelos primeiros estudiosos brasileiros. Em nossa academia, há muitos pesquisadores que fundamentam seus estudos da linguagem e da literatura, ou mesmo de educação e em outras ciências humanas, no pensamento haurido em fontes bakhtinianas; diferentes grupos de pesquisa que estudam Bakhtin e o Círculo, de norte ao sul do país. Na área dos estudos da linguagem, a Análise Dialógica do Discurso/ADD (Cf. Brait, 2010, p.9-31), de inspiração no pensamento do Círculo, alcança muitos estudiosos, ajudando-nos a compreender o discurso responsivamente. Mais ainda: temos, aqui no Brasil, um periódico acadêmico, bilíngue, cujo foco são os estudos bakhtinianos, de forma específica e em seu diálogo com outras áreas do conhecimento: Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. Nosso tempo-espaço é outro, e esta tradução responde a muitas das questões que, ao longo dos anos, foram levantadas pela anterior. Não é possível tratar de tudo isso neste texto: escolhemos partir dos dados da referência bibliográfica e fazer algumas comparações entre esta e a anterior. Ao final, trataremos brevemente do Ensaio introdutório, de Sheila Grillo, sem dúvida um texto brilhante e alentado que emoldura1 esta tradução e, por meio dele, permite novas leituras de MFL.

Autoria. Várias questões nos chamam a atenção na referência. Em primeiro lugar, a autoria da obra. Se, na conhecida versão brasileira do francês para o português, cuja primeira edição é de 1979, constava a autoria de Mikhail Bakhtin (V. N. Volochínov), agora temos VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). As tradutoras nos esclarecem: nos originais russos que foram a fonte da tradução (primeira edição de 1929 e segunda de 1930), a autoria é de Valentin Nikoláievtch Volóchinov. Nos parênteses, o Círculo de Bakhtin sinaliza ao leitor o âmbito em que foi produzida a obra, o que ainda nos remete aos variados debates acerca da autoria, sobretudo no Ocidente, desde que os trabalhos bakhtinianos começaram a ser conhecidos na Europa e Américas. Aliás, muito contribuíram para esse debate os textos de Roman Jakobson (e de Marina Yaguello), autores do Prefácio e da Apresentação daquela primeira edição, especialmente a conhecida frase de Jakobson: “Acabou-se descobrindo que o livro em questão e várias outras obras … foram na verdade escritos por Bakhtin…” (1981, p.9). Atualmente conhecemos várias das obras e ensaios de Volóchinov, respeitado linguista do grupo, com quem Bakhtin, Medviédev e outros membros certamente dialogaram. A autoria de MFL, colocada dessa forma, parece fazer jus à realidade daquele momento. No final do livro, consta ainda um “Sobre o autor”, com dados biográficos de Volóchinov (1895-1936), que possibilitam ao leitor conhecer um pouco de sua trajetória de vida, na Universidade de Leningrado (atualmente Universidade Estatal de São Petersburgo), no Instituto de História Comparada das Literaturas e Línguas do Ocidente e do Oriente (ILIAZV) e no Círculo de Bakhtin, como linguista, crítico de música, de arte e literatura.

Tradução. Voltando à referência inicial, observamos que a tradução, notas e glossário são de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Caso o leitor não as conheça, o livro traz, ao final, um “Sobre as tradutoras”. A primeira – Sheila Grillo, doutora em Linguística pela USP, professora associada da FFLH/USP, tendo realizado pesquisas em diferentes universidades francesas, no Instituto Górki da Literatura Mundial (Moscou), em arquivos de Valentín Volóchinov em São Petesbrugo e na Biblioteca Lenin (Moscou); é ela a autora do primoroso Ensaio introdutório. A segunda – Ekaterina Vólkova Américo, também é doutora pela USP, em Língua e Literatura Russa e professora da Universidade Federal Fluminense/UFF. Além das publicações individuais, ambas assinam a tradução de outros trabalhos do Círculo: O método formal nos estudos literários, de Pável Medviédev, e Questões de estilística no ensino da língua, de Mikhail Bakhtin. Na realidade, conhecem profundamente o pensamento bakhtiniano, não apenas a língua russa; e o leitor brasileiro, do qual são parte. Em relação a ele, em artigo que comentam o trabalho de traduções brasileiras de autores do Círculo, Grillo e Américo (2014) reconhecem a tensão entre a fidelidade ao texto russo e o contexto de recepção na língua portuguesa e afirmam:

Temos em mente um leitor estudioso da obra do Círculo de Bakhtin, isto é, um leitor ávido por compreender conceitos produzidos em um contexto intelectual preciso, em um tempo e em uma cultura distantes” (p.82).

Pretendem, assim, uma tradução que evite a “aproximação indevida da teoria do autor com correntes semióticas ocidentais […]” (p.81), mas que esteja atenta ao distanciamento temporal e cultural da produção de MFL. Nessa busca, no cap.2 O problema da relação entre a base e a superestrutura, já observamos muito maior clareza em relação à questão dos gêneros discursivos, preocupação dos membros do Círculo desde a década de 20 e pouco explicitada na tradução anterior, o que se tornou alvo de críticas recorrentes. Se temos ali “A psicologia do corpo social é justamente o meio ambiente inicial dos ‘atos de fala‘ de toda espécie […]” (1981, p.42), na nova tradução temos “[…] a psicologia social é justamente aquele universo de discursos verbais multiformes que abarca todas as formas […]” (2017, p.107). E adiante: “A psicologia do corpo social se manifesta essencialmente nos mais diversos aspectos da ‘enunciação’ sob a forma de diferentes modos de discurso, sejam eles interiores ou exteriores” (1981, p.42). Na nova tradução: “Na maioria das vezes a psicologia social se realiza nas mais diversas formas de enunciados, sob o modo de pequenos gêneros discursivos, sejam eles internos ou externos, que até o presente momento não foram estudados em absoluto” (2017, p.107). Ou, ainda, o título do capítulo A interação verbal (1981, p.110) é substituído por A interação discursiva, com a justificativa de estar ali presente o mesmo adjetivo russo do famoso texto de Bakhtin – Os gêneros do discurso (2017, p.201). Todos esses cuidados, porém, também respondem a críticas e debates que se seguiram e continuam surgindo em relação aos textos e conceitos elaborados pelos membros do Círculo. Assim, se num primeiro momento, num contexto francês (e depois brasileiro), a obra respondeu às teorias linguísticas daquele momento, com elas dialogando, aquiescendo, complementando, concordando, discordando, agora o diálogo continua, sob novas bases. Como afirma Brait, na orelha da nova tradução, reiterando sua importância e pertinência:

No estágio atual dos estudos bakhtintinianos, as (re)traduções , no Brasil e no exterior, devem-se à consciência de que o pensamento dialógico exige o conhecimento dos contextos de produção e de reprodução, para melhor situar os trabalhos, sua originalidade, seu diálogo polêmico ou não com outras vertentes do conhecimento. Nessa busca, a acessibilidade das fontes russas, arquivos e bibliotecas, possibilita a descoberta de primeiras edições, trabalhos não publicados, esboços preparatórios, documentos que atestam a vida profissional e acadêmica dos autores. […] os (re)tradutores são especialistas que se debruçam sobre as fontes primárias não apenas para divulgar obras e autores, mas para esclarecer a gênese e o alcance do pensamento. E as leituras se ampliam, enveredando por novos caminhos.

Notas. As notas representam, a meu ver, um ganho precioso para o leitor. Fiéis aos originais consultados, são em número bem maior do que aquelas que conhecíamos na primeira tradução: na atual tradução, 163: 107 do autor e 56 das tradutoras; na tradução anterior, 107: 96 notas do autor, 05 trazidas do tradutor do russo para o francês e 06 dos tradutores do francês para o português. No Prólogo na versão anterior, tínhamos apenas uma explicação da tradutora para o francês do que seria o “Skaz”, a partir da tradução francesa de La poétique de Dostoïevski; na correspondente Introdução atual, temos a oportunidade de um rico diálogo com Volóchinov nos comentários que ele mesmo adiciona ao texto principal. Assim, conta-nos que MFL é o “único trabalho marxista sobre a linguagem” que havia até então (1929), na nota de rodapé 1 (p.83); ou nos conta como os “fundadores do marxismo definiram o lugar que a ideologia ocupa na unidade da vida social”, na nota de rodapé 2 (p.84); apresenta sua visão acerca do positivismo e “o culto do ‘fato’ […] como algo inabalável e firme” (p.84), na nota de rodapé 3; ou destaca a pertinência do estudo que propõe na terceira parte – “o problema do enunciado alheio”- como um diálogo com os teóricos da literatura, nota de rodapé 10 (p.88).

As notas de rodapé são ainda um lugar privilegiado de diálogo com as tradutoras, que nos fornecem informações valiosas à compreensão do texto, ora por meio de notas históricas: “Aqui o autor se refere à abolição da servidão que, apesar de ocorrida em 1861, expressa um processo em curso desde o final da primeira metade do séc. XIX […]” (nota de rodapé 8, p.105); literárias, como a nota 7 (p.104), sobre a personagem principal de um romance de Turguêniev, ou a nota 66, sobre a obra de Dostoiévski, na tradução em português, “Pequenos retratos” em Diário de um escritor (1873): meia carta de um sujeito […] (p.235), entre outras. Ainda há aquelas que justificam a escolha de termos para a tradução, como a nota de rodapé 12 (p.117), a respeito do debatido/controvertido termo russo perejivánie, “tradução da palavra alemã Erlebnis, que pode significar ‘vivência’ ou ‘experiência'”. Nesse sentido, importante ressaltar um princípio que guiou as tradutoras, em contraposição às opções anteriores de diferentes traduções, expresso por Grillo e Américo: “As escolhas dos tradutores [das versões em francês – dialectologie sociale, e inglês – behavioral speech genres da expressão rietchevye jiznennye jánry] parecem revelar que eles estavam menos preocupados com os termos empregados em russo, do que em encontrar paralelos com o contexto intelectual da época em que realizaram as traduções” (2014, p.80). Princípio que, sem dúvida, responde a críticas realizadas ao longo dos anos a noções como intertextualidade, gêneros do discurso e outras, que tiveram seu entendimento prejudicado em virtude de traduções anteriores que obliteraram o sentido do termo em russo. Bem interessantes para nós, estudiosos da linguagem, são as notas de n.28 e 29 (p.166-7), em que as tradutoras comentam as “dificuldades” de Volóchinov na tradução dos termos saussureanos, já que o Curso de linguística geral foi traduzido na Rússia apenas em 1933, depois da publicação de MFL, portanto. É sempre o respeito ao leitor, a resposta antecipada a questões correntes entre os estudiosos, e a contextualização cuidadosa de termos, noções e obras.

Glossário. Considerando a ampla divulgação do pensamento bakhtiniano, o fato de que suas obras não foram conhecidas do público na ordem em que foram produzidas ou mesmo traduzidas nas várias línguas, o glossário é precioso, além de preciso e redigido por pesquisadoras que conhecem o conjunto das obras do Círculo. Nas palavras de Grillo e Américo (2014, p.81), sua elaboração: “[…] nos auxiliará na manutenção de uma coerência na tradução dos conceitos bem como na compreensão do núcleo conceitual de MFL pelo leitor brasileiro”. Assim, os verbetes primeiramente são apresentados no original russo (em transliteração), com as páginas em que apareceram na presente edição; a seguir, as autoras não só o definem, mas colocam em diálogo o conceito com a própria obra em questão, por vezes com o todo do Círculo e ainda com o contexto de sua produção. Três exemplos:

Ato discursivo individual e criativo ou ato individual de fala, ou ato discursivo (individuálno-tvórtcheski akt riétchi ou individuálni ákt govoriénia, p.140, 148, 153, 200, 225, ou retchevói akt, p. 200) – conceito que se origina na obra de Humboldt e é posteriormente desenvolvido na de Potebniá. A língua é um processo constante de criação individual por meio dos atos discursivos dos seus falantes, diferentemente da sua concepção como conjunto de regras gramaticais e de seu léxico, ideia que Humboldt associa ao resultado do trabalho do linguista. Em Marxismo e filosofia da linguagem (MFL), o enunciado ora é equiparado ao ato discursivo ora é concebido como um produto deste (p.200) (p.353).

Fundo de apercepção (appertseptívni fon, p.254) – também traduzido por “fundo aperceptivo”, termo proveniente da psicologia e da filosofia. O termo aparece em trabalhos posteriores de Bakhtin como O discurso no romance (Teoria do romance I) e Os gêneros do discurso, e compreende as vivências interiores em que o discurso alheio é percebido (p.359).

Signo ou signo ideológico (znak, p.91, ou ideologuítcheski znak, pp.92-4) – dividem-se em signo interior (vnútrenni znak) e signo exterior (vniéchni znak), sem traçar um limite preciso entre ambos. O signo interior é a vivência no contexto de um psiquismo individual, determinado por fatores biológicos e biográficos. O signo exterior existe em um sistema ideológico coletivo e surge no processo de interação entre indivíduos socialmente organizados. Suas formas são condicionadas pela organização social desses indivíduos, pelas condições mais próximas da sua interação, do horizonte social da época e de dado grupo social: ou seja, a existência determina e refrata-se no signo. O signo é a realidade material da ideologia. Os objetos que chamam a atenção da sociedade entram no mundo da ideologia, se formam e se fixam nele, tornando-se signos ideológicos ao adquirirem uma ênfase social. A realidade que se torna objeto do signo constitui o seu tema. Uma vez que as diferentes classes sociais compartilham os mesmos signos, neles se cruzam ênfases multidirecionadas e portanto um signo se torna o palco da luta de classes. O signo pode tanto refletir quanto distorcer a realidade (p.366-7).

Anexo. O trabalho de tradução revela não apenas os estudos profundos das tradutoras como também a pesquisa nos arquivos originais, sobretudo no arquivo pessoal de Valentin Nikoláievitch Volóchinov, preservado no Arquivo Estatal da Federação Russa, em Moscou. É assim que o leitor é brindado com um Anexo, não expresso na Referência bibliográfica, que apresenta o Plano de trabalho de Volóchinov para a elaboração de MFL, constituído pelo terceiro relatório que produziu no ILIAZV, entre janeiro de 1927 e maio de 1928. São 27 páginas valiosas, em que podemos verificar como foi projetada a escritura de MFL, comparar o projeto com sua realização, conferir alterações (poucas), etc., observar o método de trabalho investigativo/produtivo do autor.

Ensaio introdutório. É o derradeiro texto que emoldura esta tradução. Sem dúvida, o texto de uma pesquisadora séria e competente (admirável!), Sheila Grillo, o ensaio nos mostra que a obra é uma “resposta à ciência da linguagem do séc. XIX e início do século XX” na Rússia. Como o prefácio de Patrick Sériot3, que também acrescenta um profundo estudo à tradução francesa mais recente de MFL4, o ensaio destaca a importância de ler no contexto original da obra, mas não se detém na questão da existência ou não do Círculo de Bakhtin, foco daquele prefácio. Aqui, a autora vai reconstruir a “biblioteca virtual” de Volochínov, por meio dos textos citados por ele em MFL, com o generoso objetivo de dar “acesso a novas camadas de sentido” (GRILLO, 2017, p.8) ao leitor brasileiro. Para compreender a posição teórica que ocuparam aquele tempo-espaço da linguística russa, a autora envereda por dois caminhos: (1) a leitura de manuais de linguística e de história da linguística contemporâneos russos (como os linguistas russos interpretam o período); (2) a observação do diálogo entre tais autores, os textos citados em MFL e a posição de Volóchinov. Desse modo, só podemos lhe agradecer por ter ajudado a nós, brasileiros, a preencher a lacuna que tínhamos em relação àquele fecundo período da linguística russa. É um texto obrigatório para todos aqueles que desejam se aprofundar nos estudos bakhtinianos.

Enfim, esta resenha não pôde disfarçar o tom apreciativo entusiasmado e altamente positivo em relação à nova (e tão esperada, necessária) tradução. Nós, os leitores, certamente acrescentaremos novas “contrapalavras” (1981, p.132) em nosso diálogo com o enunciado concreto que temos em mãos; ou buscaremos “antipalavras” (2017, p.232) às palavras da nova tradução. No grande tempo que nos separa da época da(s) primeira(s) publicação(s) – 1929/1979, ainda que não tão grande, os sentidos renascem e se renovam5, no novo cronotopo, este espaço-tempo que é o Brasil do início do séc. XXI.

1Compreendemos o texto-moldura “como parte constituinte de um enunciado concreto, no sentido bakhtiniano, o que implica, para a produção de sentidos, tanto o texto principal quanto o conjunto de textos que o apresentam, que o cercam verbal e/ou visualmente” (BRAIT; PISTORI, 2016, s.p).

2Grillo utiliza a tradução para o português nas citações de Saussure (tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein, São Paulo: Cultrix).

3Recentemente traduzido para o português: SÉRIOT, P. Vološinov e a filosofia da linguagem. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2015. Sobre o Prefácio, cf. SOBRAL. A.; Giacomelli, K. MFL em contexto: algumas questões, in: Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. São Paulo, 11 (3), p.154-173, Set./Dez. 2016.

4SÉRIOT, P. Préface. In: VOLOSINOV (Vološinov) Valentin Nikolaevic. Marxisme et philosophie du langage. Les problèmes fondamentaux de la méthode sociologique dans la science du langage. Édition bilingue traduite du russe par Patrick Sériot et Inna Tylkowkski-Ageeva. Limoges: Lambert-Lucas, 2010.

5BAKHTIN, M. Por uma metodologia das ciências humanas. In: Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas / Mikhail Bakhtin; organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo Editora 34, 2017.

Referências

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BRAIT, B. Orelha. In: VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017. [ Links ]

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BRAIT, B. & PISTORI, M. H. C. Recepção de Bakhtin e o Círculo: modos de ler. Comunicação oral em Encontro Anual Nacional GT/ANPOLL/Estudos Bakhtinianos – XI Jornada do Grupo de Pesquisa/PUC-SP/CNPq Linguagem, Identidade e Memória. 29 de junho a 01 de julho de 2016. Universidade de Campinas/UNICAMP. [ Links ]

GRILLO, S. V. Ensaio Introdutório. In: VOLÓCHINOV, Valentin (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017, p.7-80. [ Links ]

GRILLO, S. V. C.; AMÉRICO, E. V. As traduções brasileiras de Bakhtin, Medviédev e Volóchinov. In: BRAIT, B. MAGALHÃES, A. S. Dialogismo: teoria e(m) prática. São Paulo: Terracota Editora, 2014, p.-89. [ Links ]

JAKOBSON, R. Prefácio. In: BAKHTIN, M. (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Prefácio de Roman Jakobson. Apresentação de Marina Yaguello. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1981, p.9-10. [ Links ]

Maria Helena Cruz Pistori – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo, São Paulo; Brasil. Editora Associada de Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso; mhcpist@uol.com.br.

Language, Ideology, and the Human: New Interventions – BAHUN; RADUNOVIC (B-RED)

BAHUN, Sanja; RADUNOVIC, Dusan (Eds.). Language, Ideology, and the Human: New Interventions [Linguagem, Ideologia e o Humano: Novas Intervenções]. Farnham, Surrey: Ashgate, 2012. 250 p. Tradução de Maria Helena C. Pistori. Resenha de: THOMSON, Clive. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.12 n.3 São Paulo Set./Dec. 2017.

Esta coleção de artigos apresenta algumas qualidades marcantes. Apesar disso, considerei difícil fazer esta resenha e tentarei explicar por quê. Em sua introdução (intitulada “Introducing, Intervening, and Introspecting” [Introduzindo, Intervindo e Interiorizando], Sanja Bahun e Dusan Radunivic, organizadores da coletânea, afirmam que o desafio que apresentaram aos colaboradores convidados foi explorar e percorrer os “orifícios” e “interstícios entre a linguagem, a ideologia e seus produtores e renegociadores humanos” (p.1)1. Os organizadores descrevem a diversidade de enfoques utilizada pelos colaboradores e assinalam com franqueza que “[…] as discussões de Language, Ideology, and the Human são notadamente heterogêneas” (p.8)2. Essa descrição dos doze capítulos corresponde exatamente à minha impressão depois da primeira leitura. Eu tinha notado que a natureza heterogênea da coletânea se manifesta tanto no nível das teorias que fundamentam os estudos quanto nos objetos de estudo escolhidos pelos colaboradores. Por exemplo, a Parte I (Revisiting [Revisitando]), cujo foco é principalmente teórico e filosófico, contém seis estudos, que envolvem, em graus variados e de modos muito interessantes, Kierkegaard, Platão, Nietzsche, Saussure, Wittgenstein, Searle, Chomsky, Kant, Zelinskii, Derrida e Carl Schmitt. Na Parte II (In the World, Prospecting [No mundo, prospecções]), há cinco capítulos estimulantes nos quais os autores desenvolvem análises mais concretas e específicas de uma variedade de fenômenos localizados em diferentes lugares geográficos/culturais: o ensino da Língua Portuguesa no Timor Leste, a lei consuetudinária na África do Sul, o turno discursivo e o corpo, o cosmopolitismo nas modernas sociedades europeias, e o tema do perdão num filme sul-coreano e o pensamento de Arendt. O posfácio de Ernesto Laclau mostra uma defesa convincente e provocante da necessidade de se criar um novo modo de pensar a respeito da ideologia, da linguagem e do homem.

Na segunda parte da introdução, Bahun e Radunovi explicam com detalhes suficientes as semelhanças entre as abordagens e metodologias dos autores da obra: “Todos esses enfoques implicam […] que há uma conexão íntima entre ideologia e linguagem e, especificamente, entre uma ideologia dentro da qual um indivíduo vive e sua visão da linguagem” (p.3)3. A coletânea se apoia num “impulso velado” que a orienta – um desejo de questionar a “viabilidade das fronteiras disciplinares” e esclarecer os “problemas com o modelo de estudos baseado na divisão de disciplinas” (p.9)4. A reunião de artigos também é descrita da seguinte forma pelos organizadores: “O desejo de tratar o pluralismo sem promover conciliações não conciliáveis nem assimilações numa coletividade benevolente favorável emerge poderosamente das páginas deste volume com muita força” (p.10)5. A questão de saber “como e por que fazemos esses estudos” é outro tema geral que percorre implicitamente todos os artigos, de novo de acordo com os organizadores. Além dessas similaridades amplas alegadas como caracterizadoras (de forma velada ou implicitamente) de todos os artigos, os organizadores identificam alguns subtemas que caracterizam alguns dos artigos, como: “A questão de saber se a verdade permanece o valor central em enunciados significativos é tratada numa série de capítulos neste volume […]” (p.11)6; “[…] duas contribuições [de Jean-Claude Monod e de Rey Chow] tratam especificamente da questão da subjetividade e da importância de sua contribuição relativa e/ou instável na esfera social” (p.11)7.

A dificuldade para mim, como resenhista, ocorre quando busco entender as afirmações opostas feitas pelos organizadores, que declaram, por um lado, que falta coerência às “discussões” na coletânea, enquanto, por outro lado, que os artigos revelam vários pontos comuns. Os organizadores, talvez inconscientemente, criaram uma situação na qual os leitores serão tentados, como eu fui, a perguntar qual a import6ancia relativa que deveria ser dado a cada opção. Depois de ler o volume cuidadosamente várias vezes, minha conclusão é que eu o vejo composto de doze artigos que têm muito pouco em comum. Não é que os organizadores estejam errados ao mencionar alguns fios condutores que percorrem alguns dos artigos. Pelo contrário, minha impressão é que esses fios são tão gerais que poderiam se referir a quase qualquer coletânea de artigos que se proponha interdisciplinar. Em outras palavras, não apenas a defesa dos organizadores da coerência da coletânea acaba por ser algo um pouco inquietante, mas ela me leva a notar algumas outras inconsistências e incoerências às quais retornarei no final de minha resenha.

Vários artigos da coletânea me parecem especialmente substanciais e originais. O artigo de Leonardo F. Lisi (The Politics of Madness: Kierkegaard’s Anthropology Revisited [A política da loucura: a antropologia de Kierkegaard revisitada]) apresenta lucidamente a definição de “o humano” (uma síntese do infinito e do finito e de liberdade e necessidade) e mostra como Deus funciona, em última análise, como uma alteridade radical. Essa alteridade tanto evita fechamento ideológico como torna necessário buscar o fechamento. O que é produtivo no pensamento de Kierkegaard (isto é, suas “implicações para política”, p.248) é que a contradição entre pensamento e experiência (isto é, o conflito básico para os seres humanos) pode resultar numa “falha de compreensão do sentido” (p.34)9. O artigo termina com uma sugestão cautelosamente otimista de que a incerteza, a ambiguidade e a falha podem “significar o fim da política ou sua reinvenção numa nova forma” (p.36)10. O admirável artigo de Craig Brandists (Rhetoric, Agitation and Propaganda: Reflections on the Discourse of Democracy (with some Lessons from Early Soviet Russia) [Retórica, agitação e propaganda: reflexões sobre o discurso da democracia (com algumas lições do período inicial soviético da Rússia])) tem como foco o modo como a propaganda funcionou durante a crise da democracia na União Soviética dos últimos anos da década de 1920, quando o discurso do Partido tornou-se um discurso monológico (isto é, ideológico) por excelência. O artigo bem elaborado de Aurora Donzelli (The Fetish of Verbal Inflection: Lusophonic Fantasies and Ideologies of Linguistic and Racial Purity in Postcolonial East Timor [O fetiche da inflexão verbal: fantasias lusofônicas e ideologias da pureza linguística e racial no Timor Leste pós-colonial]) demonstra concretamente como a transmissão de um sistema abstrato de regras gramaticais pode ser simultaneamente um instrumento de assimilação e o marcador da distinção racial e social (p.151). O contexto é o Timor Leste, quando a língua portuguesa estava sendo ensinada em sala de aula. Galin Tihanov (Cosmopolitanism: Legitimation, Opposition and Domains of Articulation [Cosmopolitismo: legitimação, oposição e domínios de articulação]), enquanto explora a diferença entre legalidade e legitimidade, cita Schmitt: “Através de uma confiança cega na legalidade, Schmitt defende que a sociedade ‘se torna incapaz de reconhecer o tirano que chega ao poder por meios legais'” […] (p.194)11. Tihanov sugere que “a legimidade deve ser compreendida como algo deferido, como algo com o qual se pode estar de acordo prospectivamente” (p.196)12. O artigo de Tihanov é instigante e potencialmente muito útil para nos ajudar a compreender como alguns discursos autoritários atuais funcionam.

Os quatro artigos que acabamos de mencionar, além de oferecer contribuições importantes em tópicos específicos, são exatamente aqueles que ecoam, de modos surpreendentes, certos debates políticos de 2017 e, portanto, apresentam “implicações para a política” – para usar a expressão de Lisi que citei no parágrafo anterior. De fato, sou tentado a afirmar que o valor principal desta coletânea é permitir nosso engajamento crítico com importantes questões da arena política contemporânea. Estou pensando especificamente nos intensos debates políticos relativos à recente decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia e os debates sobre democracia, liberdade de expressão e imprensa que estão ocorrendo, especialmente nos Estados Unidos, mas também na França e em outros países europeus. Nesses contextos, é particularmente deprimente observar os discursos populistas e antidemocráticos vindos de indivíduos e partidos políticos da direita. Vários artigos nesta coletânea têm o potencial de auxiliar a desconstruir afirmações como as seguintes, atualmente à disposição na Casa branca: “A imprensa é o inimigo do povo”; “Notícias falsas não dizem a verdade”; “A mídia desonesta constrói uma história falsa atrás da outra”; “Nós não vamos deixar que notícias falsas nos digam o que fazer, como viver ou no que acreditar. Somos livres e independentes e faremos nossas próprias escolhas”. Esses enunciados são, com certeza, o tipo de discurso ideológico que Brandist, Donzelli, Gorman, Parsons e Laclau mencionam em seus artigos. Segundo Laclau coloca, é por meio de tais discursos que “a classe hegemônica é capaz de transformar seus propósitos particulares naqueles da sociedade como um todo” (p.245)13. A fim de compreendê-los e ir contra eles, eles precisam primeiramente ser compreendidos dentro do contexto institucional no qual foram produzidos. Não é útil vê-los somente como o produto de uma mente psicótica ou caótica.

No último capítulo de Language, Ideology, and the Human: New Interventions (Afterword: Language, Discourse, and Rhetoric [Posfácio: linguagem, discurso e retórica]), Ernest Laclau mostra por que é importante ter uma clara compreensão de como “a imbricação entre a linguagem e a realidade humana é bem mais íntima do que a noção de linguagem como uma categoria regional sugere” (p.237)14. Laclau conclui seu argumento sugerindo duas direções possíveis que poderíamos tomar em nossos esforços para desconstruir tipos de retórica como aquele que tem sido produzido pela administração Trump. Primeiramente, é necessário compreender como os sentidos se constroem: “Se a objetividade estivesse fundamentada em bases perspícuas ela não seria ambígua: o signo seria um simples representante de algo que o precede […] (Um significante particular) significa uma totalidade que torna possível o sentido, mas uma totalidade que é um objeto impossível. Então, a significação é possível apenas ao significar sua própria impossibilidade” (p.245)15. Quando Trump afirma que: “Os vazamentos são reais mas as histórias da mídia são falsas”, ele cria um tipo de lapso que introduz o real como um terceiro termo (perturbador), subvertendo então a “lógica” binária (verdadeiro/falso) que qualifica suas outras afirmações (por exemplo, “As notícias falsas não dizem a verdade”). Uma compreensão do modo como os sentidos funcionam precisa, portanto, ser acrescida com uma chamada para a psicanálise. Isso é o que Laclau está propondo quando escreve: “Bem, nós estamos no epicentro de uma transformação intelectual cujos dois pontos iniciais básicos são a noção de langue de Saussure e a descoberta do inconsciente de Freud” (p.242)16.

Acho que eu seria omisso se não fizesse alguns comentários críticos a respeito dos modos como esta coletânea foi organizada. A maioria dos capítulos parece ter sido preparada e editada de acordo com as convenções acadêmicas contemporâneas (isto é, estão escritos num estilo razoavelmente padrão e uniforme e são acompanhados de notas de rodapé adequadas, com referências bibliográficas completas e detalhadas), enquanto outros se caracterizam por um estilo oral que sugere terem sido originalmente textos de conferências e não artigos. Alguns capítulos (especialmente aqueles de Brandist e Tihanov) são admiráveis por seu estilo “pedagógico” (considero-os pedagógicos pelo cuidado que tomam ao apresentar uma argumentação coerente e também porque os termos críticos básicos utilizados nos argumentos são explicados e contextualizados). Esses artigos são mais facilmente acessíveis a uma audiência de alunos no último ano da graduação e na pós-graduação, ou para leitores que talvez não tenham uma base sólida nos debates da teoria crítica atual.

Fica claro que os organizadores fizeram um esforço para escolher um título para a coletânea que cumprisse dois objetivos: criar uma impressão de unidade para o volume e indicar, tão precisamente quanto possível, seus temas principais. Um exame cuidadoso do conteúdo, porém, revela que apenas quatro artigos (Leonardi F. Lisi, Elizabeth Parsons, Aurora Donzelli, Ernest Laclau) têm como foco tratar, de um modo explícito e substancial, dos três tópicos mencionados no título – linguagem, ideologia e o ser humano. Dois artigos (David Gorman, Craig Brandist) tratam de assuntos relacionados a linguagem e ideologia. Dois artigos (Monina Wittfoth, Galin Tihanov) trabalham principalmente com a linguagem. Dois artigos (Jason Glynos, Rey Chow) focam questões de linguagem e do ser humano. Dois artigos (Jean-Claude Monod, Drucilla Cornell) tratam do humano mas não se envolvem com questões de ideologia ou linguagem – pelo menos, não explicitamente. Em outras palavras, há certa desconexão entre o título do volume e o foco de alguns dos artigos. Um título melhor poderia ser, talvez, Language, Rhetoric, and Subjectivity [Linguagem, retórica e subjetividade].

Desvia a atenção do leitor ver um grande número de erros tipográficos, especialmente na introdução. Mostro aqui apenas uma seleção de erros típicos17 (minha correção está em itálico): “In early 2000, merely thirty days [No início dos anos 2000, simplesmente trinta dias] (p.1); “not only the objectivist view of language” [não apenas a visão objetivista da linguagem] (p.2); “and the pre-Socratics” [e os pré-socráticos] (p.3); “such an open definition” [uma definição tão aberta] (p.3); “informed by the belief” [informado pela crença] (p.4); “revisits precisely (delete “to”) this point” [revisita (apague “a”) precisamente este ponto] (p. 5); “naturally coexist with us” [naturalmente coexiste conosco] (p.7); “frame through which” [moldura através da qual] (p.54); “bureaucracy were imposed” [burocracia foram imposta] (p.89); “Schmitt draws a distinction” [Schmitt traça uma distinção] (p.106); “the decision to choose as the” [a decisão de escolher como o] (p.138). Há também muitas frases inadequadas18 no volume, como as seguintes: “And it still endures in the declarations, in the political literature of fraternité, in the manifestos of French republicanism, and the similar” (p.105); “It might be that I have the impression, just now, at the time when the markets dictate even the decisions who should be political governors (in Italy or Greece, for instance), that Schmitt’s fear that the liberal “depolitization” in favour of the economic forces would culminate in a “liberalism” which can do without “democracy” has received a new and terrible actuality […]” (p.111).

Vale a pena a leitura de todos os artigos da coletânea. Muitos deles desenvolvem uma boa argumentação, são substanciais e originais. E, como tentei apontar, as ideias expressas por alguns colaboradores poderiam auxiliar a realizar o importante trabalho de envolvimento e desconstrução de discursos essencializadores/ideológicos que têm sido produzidos atualmente na esfera pública. No entanto, a meu ver, a coletânea, como um todo, não corresponde completamente às declarações dos organizadores a respeito de sua coerência geral ou de sua capacidade de ir além das teorias atuais em relação à “íntima conexão” entre linguagem e ideologia.

19Tradução de Maria Helena Cruz Pistori – mhcpist@uol.com.br

1Texto no original: “the interstices between language, ideology, and their human producer and re-negotiator”

2Texto no original: “”[…] the discussions comprising Language, Ideology, and the Human are markedly heterogeneous”.

3Texto no original: “”All of these approaches imply […] that there exists an intimate link between ideology and language, and, specifically, between an ideology within which an individual operates and his or her view of language”.

4Texto no original: “the viability of disciplinary boundaries”; “problems with the model of scholarship based on disciplinary division”.

5Texto no original: “This urge to address pluralism without promoting either irreconcilability or assimilation to a benign collectivity emerges powerfully from the pages of this volume”.

6Texto no original: “The question whether truth remains the central value in meaningful utterances informs a range of chapters in this volume […]”.

7Texto no original: “[…] both contributions [Jean-Claude Monod and Rey Chow] specifically address the question of subjectivity and the importance of its relational, and/or unstable contribution in the social sphere”.

8Texto no original: “implications for politics”.

9Texto no original: “failure to grasp meaning”.

10Texto no original: “spell the end of politics or its re-imagination in a new form”.

11Texto no original: “Through blind reliance on legality, Schmitt’s argument goes, society ‘disables itself from recognizing the tyrant who comes to power by legal means'” […].

12Texto no original: “legitimacy has to be understood as something deferred, as something that can be agreed to prospectively”.

13Texto no original: “the hegemonic class is able to transform its own particular aims into those of society as a whole”.

14Texto no original: “the imbrication between language and human reality is rather more intimate than the notion of language as a regional category suggests”.

15Texto no original: “If objectivity had an ultimate, perspicuous ground, it would be unambiguous: the sign would be a mere representative of something preceding it. […] (A particular signifier) signifies a totality which makes possible signification, but a totality which is an impossible object. So signification is possible only by signifying its own impossibility”.

16Texto no original: “Well, we are at the epicenter of an intellectual transformation whose two basic starting points are Saussure’s notion of langue and Freud’s discovery of the unconscious”.

17N. do T.: As correções sugeridas pelo resenhista referem-se primordialmente a questões gramaticais e de sintaxe. A tradução das frases infelizmente não leva à compreensão dos problemas que o autor da resenha indicou.

18N. do T.: Decidiu-se não traduzir as frases, tendo em vista a especificidade do uso da língua inglesa percebida pelo articulista, ao declarar serem as frases awkward (inadequadas, estranhas, “desajeitadas”).

Clive Thomson – Professor of University of Guelph, Guelph, Ontario, Canadá; cthomson@uwo.ca.

Mikhail Bakhtin. Rhetoric, Poetics, Dialogics, Rhetoricality (D. Bialostosky)

BIALOSTOSKY, Don. Mikhail Bakhtin. Rhetoric, Poetics, Dialogics, Rhetoricality [Mikhail Bakhtin: retórica, poética, dialógica, retoricalidade]. Anderson, South Carolina: Parlor Press, 2016. 191 p. Resenha de: PISTORI, Maria Helena Cruz. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.12 n.3 São Paulo Set./Dec. 2017.

Inicio esta apresentação destacando e comentando o título da obra, Mikhail Bakhtin: retórica, poética, dialógica, retoricalidade. A enumeração, aposta ao nome do filósofo russo, claramente representa uma síntese feliz de duas trajetórias: a primeira, a do próprio autor – Don Bialostosky, cujo percurso intelectual se inicia com o interesse pelas disciplinas do trivium, especialmente a Retórica e a Poética, passando depois a relacioná-las à obra de Bakhtin; a segunda, a trajetória do próprio livro, que coloca em diálogo a obra bakhtiniana com esses outros campos de conhecimento e, por muitas vezes, propõe leituras bastante originais, chegando à “dialógica” e, depois, à “retoricalidade”. Implicitamente, e dando unidade aos textos, está o compromisso do autor com o ensino da produção textual escrita, aspecto que também se destaca ao longo de todos os artigos.

O nome de Don Bialostosky – segundo a contracapa da obra, professor na área de Redação, Letramento, Pedagogia e Retórica, além de Chefe do Departamento de Inglês da University of Pittsburgh, Pennsylvania2 -, chama a atenção dos brasileiros ou por seu interesse na obra do Círculo – no Posfácio da tradução de Para uma filosofia do ato responsável, Faraco cita seu diálogo (polêmico) com Morson e Emerson (BAKHTIN, M. São Carlos – SP: Pedro&João Ed., 2010, p.148); ou, principalmente, como é o meu caso, por seus trabalhos que relacionam a obra bakhtiniana à retórica.

Fruto de pesquisas profundas tanto dos clássicos como da obra do Círculo de Bakhtin, os ensaios aqui reunidos surgem dos diálogos que Bialostosky encetou durante sua carreira, com diferentes interlocutores. Na realidade, trata-se da reunião de trabalhos publicados desde 1986, de forma esparsa, por instituições acadêmicas como a Modern Languagem Association (PMLA), ou a Rhetoric Society of America, ou organizados em livro por acadêmicos, preferentemente americanos. E em todos eles vamos observar que o autor sempre está respondendo a alguma questão, ora refutando, ora confirmando, discordando, antecipando as respostas contrárias e objeções potenciais, procurando apoio, etc. Dá espaço aos interlocutores contemporâneos, porém vai apresentá-los sempre criticamente, assim como faz com aqueles parceiros mais constantes, Aristóteles e Bakhtin. Embora apenas no último artigo afirme que vai manter nele o registro da presença das vozes de seus ouvintes e os comentários dos colegas – em geral, os artigos surgiram de comunicações orais em congressos -, os diálogos e polêmicas inscritos em todos os textos são facilmente recuperáveis numa leitura atenta, mesmo se velados.

Já no Prefácio, Don Bialostosky conta de sua descoberta da obra de Mikhail Bakhtin, em 1984, e da primeira apresentação de um trabalho sobre as implicações da teoria bakhtiniana para o ensino da produção de uma voz autêntica nos textos de estudantes universitários, na convenção da Conference on College Composition and Communication (CCCC) [Conferência sobre Produção Textual Universitária e Comunicação]. Naturalmente, começa lembrando o fato de a retórica ser marginal na obra bakhtiniana, com referências quase hostis e reducionistas. Justamente por isso, uma das principais questões que busca responder ao longo dos artigos é sobre o porquê de Bakhtin, autor que não tem nada de bom a dizer sobre a retórica, ser obrigatório e produtivo para estudantes de retórica e produção textual hoje.

Na Introdução, apresenta-nos vários autores que procuraram compreender Mikhail Bakhtin e o Círculo, relacionando-os a uma crítica retórica, e aponta a inclusão de suas obras em publicações na área de comunicação, retórica e composição. Para aqueles interessados tanto na retórica quanto na teoria do discurso bakhtiniana, e ainda no ensino de língua/linguagens, a leitura deste início é indispensável, não apenas como uma necessária e rica contextualização do que vem a seguir, mas também como fonte de indicações bibliográficas na área.

O livro está dividido em duas partes, que correspondem aos dois momentos em que a obra do Círculo foi traduzida para o inglês. Assim, na primeira parte Dialógica, retórica, crítica [Dialogic, Rhetoric, Criticism], o diálogo do autor se dá principalmente com Problemas da poética de Dostoiévski (BAKHTIN, M. M.), Marxismo e filosofia da linguagem (VOLOSHINOV, V. N.), O discurso na vida e o discurso na poesia (VOLOSHINOV, V. N.)3 e os textos que compõem a coletânea The Dialogic Imagination (BAKHTIN, M. M.)4, todos traduzidos antes de 1990. Conforme Bialostosky, neste momento, a “dialógica” é a questão mais importante para aqueles que trabalham com retórica e composição, e ele a define como a quarta arte do trivium já no primeiro artigo, Dialógica como uma arte do discurso (2) [Dialogics as an Art of Discourse]. Na construção de seu argumento, parte da oposição aristotélica entre retórica – arte do discurso centrada nas pessoas, e dialética – arte do discurso centrada em ideias/teses -para a compreensão do que considera a “arte bakhtiniana”, a dialógica – centrada na inseparabilidade entre ideias e pessoas, tal como Bakhtin coloca em Problemas da poética de Dostoiévski – a imagem de uma ideia é inseparável da imagem de uma pessoa, aquela que carrega a ideia. Se a dialética luta pela convicção numa questão e a retórica pela persuasão de uma audiência, a dialógica luta por uma responsividade compreensiva, e uma responsabilidade consequente entre pessoas-ideias de um tempo, uma cultura, uma comunidade, ou uma disciplina. A partir desses princípios, dialoga com outros autores, como Tzvetan Todorov, Merle Brown, Richard Rorty e Hans-Georg Gadamer, mostrando que os 25 séculos de história do trivium no Ocidente também deixaram marcas em suas ideias. No entanto, apenas a dialógica, segundo ele, permite o diálogo entre a retórica, a dialética e o discurso dos teóricos atuais, possibilitando a articulação das diferenças entre eles. Este capítulo proposicional é um dos mais importantes no livro, ainda que, na realidade, os outros o complementem, esclarecendo melhor as possibilidades dialógicas entrevistas por Bialostosky entre a obra bakhtiniana e as artes do trivium.

O capítulo seguinte (3), Booth, Bakhtin e a cultura da crítica [Booth, Bakhtin, and the Culture of Criticism], é dedicado ao exame da crítica retórica a partir da visão pluralista de crítica literária contemporânea de Wayne Booth. Orientador de tese de Bialostosky, autor de The rhetoric of fiction5, introdutor da tradução de Problemas da poética de Dostoiévski e aristotelista da Escola de Chicago, é a ele que esta obra é dedicada. Bialostosky faz a leitura da obra de Booth, afirmando que ele, ao tentar chegar a bons termos com o trabalho do Círculo, defende (impositivamente) um posicionamento em relação às outras possibilidades de crítica que mais o aproxima da retórica do que da dialogia. Em Retórica, crítica literária, teoria e Bakhtin (4) [Rhetoric, Literary Criticism, Theory, and Bakhtin], defendendo a possibilidade de uma crítica retórica para a leitura de trabalhos literários de todos os tempos, o capítulo se dedica inicialmente a tratar do debate entre o desconstrutivismo e a Escola de Chicago (aristotélica). A seguir, dialoga com a leitura que Jeanne Fahnestock6 faz das figuras de pensamento como elementos de interação contextual, ampliando-a bakhtinianamente.

O quinto capítulo (5) denomina-se Bakhtin e a crítica retórica [Bakhtin and Rhetorical Criticism]. Trata-se de um ensaio bastante interessante para aqueles que se surpreendem com a posição hostil de Bakhtin em relação à retórica, querendo compreendê-la. Sua origem é o debate dos trabalhos de Kay Halasek e Michael Bernard-Donals, numa convenção da Modern Language Association, em 1990. Em relação à primeira, que atribui a hostilidade de Bakhtin à sua recusa a um monologismo e dogmatismo “em defesa da autoridade opressora” (o regime soviético), propondo uma retórica dialógica, Bialostosky recorre a texto de Nina Perlina. Segundo essa última, Bakhtin se opõe, de fato, ao teórico retórico formalista seu contemporâneo, Victor Vinogradov, uma voz oficial da propaganda soviética, para quem a retórica é um jogo agonístico, cuja intenção principal é tornar sua oratória a única manifestação discursiva efetiva de autoridade (Com certeza, posição a conferir!). Quanto a Bernard-Donals, que almeja uma abordagem mais científica ao debate retórica, responde sobretudo com as oposições aristotélicas entre retórica, dialética e analítica, atribuindo ao interlocutor uma posição platônica. O final do ensaio deve despertar um interesse especial nos educadores, pois o autor retoma a exercitatio retórica e suas semelhanças com o processo bakhtiniano de apropriação de palavras (a palavra própria e as semi-alheias), propondo que “[U]uma pedagogia crítica e produtiva da poderosa articulação entre retórica e dialógica pode se desenvolver por meio do aprofundamento da história e da prática da exercitatio em combinação com reflexões ulteriores acerca da formação dialógica do sujeito”7.

Finalizando a primeira parte o capítulo 6, Antilógica, dialógica e psicologia sofística social [Antilogics, Dialogics, and Sophistic Social Psychology] articula a dialógica com o renascimento dos sofistas na recente teoria retórica, e examina trabalhos do sociólogo Michael Billig sobre a retórica de Protágoras. O autor começa, então, a reelaborar a polêmica definição de retórica já apresentada, diluindo-a num não institucionalizado processo discursivo – uma “retoricalidade”, na segunda parte do livro.

É em torno dos textos de Bakhtin com tom mais filosófico, traduzidos posteriormente para o inglês – a coletânea Art and Answerability8, em 1990, e Toward a Philosophy of Act9, em 1993 -, que Bialostosky reúne os ensaios da segunda parte, Arquitetônica, poética, retoricalidade, educação liberal [Architectonics, Poetics, Rhetoricality, Liberal Education]. Considera-os, de fato, igualmente importantes para os trabalhos com a linguagem e a literatura e continua a buscar neles contribuições para uma renovada compreensão das artes do trivium, refutando uma leitura de Para uma filosofia do ato (PFA) como basicamente um tratado de ética. Ao longo dos ensaios, o autor conduz o leitor à noção de “retoricalidade”, difundida por Bender e Wellbery10, que caracterizam os trabalhos de Bakhtin como “tratados virtuais sobre a natureza e funcionamento da retoricalidade”, uma “retórica generalizada que penetra os mais profundos níveis da experiência humana, … não limitada por nenhuma organização institucional, … não mais o título de uma doutrina e de uma prática… [mas] alguma coisa como a condição de nossa existência” (p.14; minha tradução)11. Bialostosky abraça essa perspectiva dinâmica, preferível a uma arte dialógica disciplinada, restritiva ou reguladora, segundo ele.

No capítulo 7, O rascunho grosseiro de Bakhtin [Bakhtin’s ‘Rough Draft’], os interlocutores preferenciais do autor são Gary S. Morson e Caryl Emerson, especialmente em Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics12; mas outros ainda que, como Helen Rothschild Ewald, defendem uma nova ênfase a questões éticas nesses primeiros trabalhos, praticamente invalidando quase uma década de apropriação da obra de Bakhtin nos estudos de composição, de modo predominantemente socioconstrutivista. Basicamente, Bialostosky não concorda com a leitura realizada por Morson e Emerson, que reduz a importância da linguagem e da sociedade na obra bakhtiniana, alegando que maior atenção deveria ser atribuída a “histórico”, como epíteto do ato responsável, assim como do enunciado concreto.

O capítulo 8, Arquitetônica, retórica e poética no primeiros estudos fenomenológicos e sociológicos do Círculo de Bakhtin [Architectonics, Rhetoric, and Poetics in the Bakhtin School’s Early Phenomenological and Sociological Texts] dá continuidade à argumentação anterior. E, junto aos dois seguintes, cap. 9 – A Retórica de Aristóteles e a teoria do discurso de Bakhtin [Aristotle’s Rhetoric and Bakhtin’s Discourse Theory] e cap.10 – Relendo o papel da retórica na Poética de Aristóteles à luz da teoria do discurso de Bakhtin: retórica como dianoia, poética como uma imitação da retórica [Rereading the Place of Rhetoric in Aristotle’s Poetics in Light of Bakhtin’s Discourse Theory: Rhetoric as Dianoia, Poetics as an Imitation of Rhetoric], são os ensaios que buscam mais detalhadamente compreender uma retórica bakhtiniana, concomitantemente a uma retórica e a uma poética clássicas a partir da teoria do discurso do Círculo. Nesses três capítulos, o autor nos leva a raciocinar em termos de categorias da retórica, da poética e da teoria do discurso bakhtiniana, abordando tanto os primeiros quanto os demais trabalhos de Bakhtin e membros do Círculo, e apontando o impacto que exercem na reconsideração de ambas as disciplinas clássicas. Indico a seguir apenas algumas questões levantadas por Bialostosky: a oposição de Bakhtin a um conhecimento sistematizado ou racionalizado em PFA aproximaria seu pensamento do modo de raciocínio retórico; a preocupação de seus textos com participação, avaliação, decisão e ação, e a questão do tom emotivo-volitivo, revelariam uma preocupação comum à retórica; o reconhecimento de que Bakhtin estrutura seu trabalho sobre a poética de Dostoiévsky a partir do fundo teórico da Poética de Aristóteles; ou ainda a observação de que, “em sua teoria do discurso, ele reabilita a mais abjeta parte da retórica aristotélica, a actio” – tratando do enunciado concreto, efetivamente realizado, “e subordina a mais importante – inventio, à dispositio, elocutio e actio13. A plena exposição do profundo raciocínio argumentativo do autor naturalmente não caberia em uma resenha…

Educação liberal, escrita e o indivíduo dialógico (11) [Liberal Education, Writing, and the Dialogic Self], o último artigo, é seu primeiro trabalho sobre Bakhtin e o ensino da escrita. Em parte um metatexto, na medida em que é um texto sobre a produção de textos, expondo o próprio trabalho de produção textual do autor, conta-nos das revisões e atualizações efetuadas no antigo manuscrito para inseri-lo nesta coletânea, das modificações requeridas ao mudar sua audiência, ou mesmo ao transformar a comunicação oral em escrita. Respondendo a teorias expressivistas e socioconstrutivistas, afirma que “ensinar a escrever de uma perspectiva dialógica é diferente de fazê-lo a partir de outras teorias sociais do discurso, em sua visão de pessoas ideologicamente situadas, envolvidas em lutas sobre o sentido das coisas e a propriedade das palavras” (p.152; minha tradução)14. Por meio de tal perspectiva, dá-se a descoberta da interação discursiva entre as disciplinas e suas diferentes linguagens, e a construção dialógico-discursiva do indivíduo, afirma. Enfim, segundo Bialostosky, a teoria bakhtiniana nos “alerta sobre as limitações em nossos modelos retóricos e, ao mesmo tempo, sugere modos de transcendê-las, ainda que sob o risco de perder a retórica, ou ao menos a retórica tal como a conhecemos”15 (p.13; minha tradução). Essa questão, a meu ver, o autor ousa enfrentar teórica e praticamente com sucesso e proveito, numa obra que mostra a coerência e a unidade do pensamento que desenvolveu ao longo de toda a carreira profissional.

Finalmente devo acrescentar que a obra apresenta uma lista de referências bastante útil para aprofundamento de qualquer um dos tópicos tratados, e um bem cuidado índice onomástico. Mas quero destacar ainda mais uma questão: a leitura da coletânea também oferece, com muita clareza, as condições concretas em que são produzidos os diferentes ensaios e, então, exotopicamente, observamos particularmente a grande importância do ensino da produção textual na universidade americana, ao lado da efervescência dos estudos retóricos, intimamente ligados às disciplinas de redação – composição de texto (acadêmico, poético ou ficcional) e crítica textual. Boa reflexão para nossas universidades…

2Currently he is Professor in the Composition, Literacy, Pedagogy, and Rhetoric track and Chair of the English Department at the University of Pittsburgh.

3VOLOSHINOV, V. N. Marxism and the Philosophy of Language. Trans. L. Matejka and I. R. Titunik. New York: Seminar, 1973; Discourse in Life and Discourse in Art. In Freudianism: A Critical Sketch. Ed. Neil H. Bruss. Trans. I. R. Titunik. Bloomington: Indiana University Press, 1987. Sem constar da tabela da p.vi, mas também citados: Os gêneros do discurso [The Problem of Speech Genres], que no inglês se encontra em BAKHTIN, M. M. Speech Genres and Other Late Essays. Ed. Michael Holquist and Caryl Emerson. Trans. Vern W. McGee. Austin: University of Texas P, 1986; Apontamentos de 1970-1971 [Extracts from ‘Notes’ (1970-1971)], que se encontra em BAKHTIN, M. M. Bakhtin: Essays and Dialogues on His Work. Ed. Gary Saul Morson. Chicago: University of Chicago Press, 1986; e Rabelais and His World. Trans. Helene Iswolsky. Cambridge, MA: MIT Press, 1968.

4BAKHTIN, M. M. The Dialogic Imagination. Four Essays. Edited and translated by Michael Holquist and Caryl Emerson. Austin: University of Texas Press, 1982. No inglês, encontram-se na coletânea os seguintes ensaios: O discurso no romance [Discourse in the novel]; Da pré-história do discurso romanesco [From the Prehistory of Novelistic Discourse]; Epos e romance (Sobre a metodologia do estudo do romance) [Epic and Novel]; e Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica) [Forms of Time and of the Chronotope in the Novel].

5The Rhetoric of Fiction. Chicago: University of Chicago Press, 1961.

6Rhetorical Figures in Science. New York: Oxford UP, 1999.

7No original: “A critically fruitful and pedagogically powerful articulation of rhetoric and dialogics might well grow out of further excavation of the history and practice of exercitatio in combination with further reflection on the dialogic formation of the subject” (p.72).

8BAKHTIN, M. M. Art and Answerability. Early Philosophical Essays by M. M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist and Vadim Liapunov. Translation and notes by Vadim Liapunov. No inglês, encontram-se nesta coletânea os seguintes ensaios: Arte e responsabilidade [Art and Answerability (1919)], O autor e a personagem na atividade estética [Author and Hero in Aesthetic Activity (ca. 1920-1923)], Suplemento: O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária [Supplement: The Problem of Content, Material, and Form in Verbal Art (1924).

9BAKHTIN, M. M. Toward a Philosophy of the Act. Edited by Vadim Liapunov & Michael Holquist. Translation and notes by Vadim Liapunov. Texas: University of Texas Press, 1993.

10BENDER, J.; WELLBERY, D. E. The Ends of Rhetoric: History, Theory, Practice. Palo Alto: Stanford University Press, 1990.

11No original: “virtual treatises on the nature and functioning of rhetoricality” (p. 37), a “generalized rhetoric that penetrates to the deepest levels of human experience, . . . bound to no specific set of institutions, . . . no longer the title of a doctrine and a practice . . . [but] something like the condition of our existence” (p.25).

12MORSON, G. S.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics. Palo Alto: Stanford University Press, 1990.

13No original: “In his theory of discourse, he rehabilitates the most abjected part of Aristotle’s rhetoric-delivery-and he subordinates Aristotle’s most important part-invention-to arrangement, style, and delivery” (p.122).

14No original: “A dialogic orientation to teaching writing differs from other social theories of discourse in its vision of ideologically situated persons involved in struggles over the meanings of things and the ownership of words” (p.152).

15No original: “His work alerts us to limitations in our rhetorical models and at the same time suggests ways to transcend them, even at the risk of losing rhetoric, or at least rhetoric as we know it” (p.13).

16Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP/Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, São Paulo, Brazil; mhcpist@uol.com.br

17BAKHTIN, M. Problems of Dostoevsky’s Poetics. Translated into English by Caryl Emerson. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 1984

18VOLOŠINOV, V. Marxism and the Philosophy of Language. Trans. L. Matejka and I. R. Titunik. New York: Seminar, 1973; Discourse in Life and Discourse in Art. In Freudianism: A Critical Sketch. Ed. Neil H. Bruss. Trans. I. R. Titunik. Bloomington: Indiana University Press, 1987. And without being directly referred in the table on p.vi, he also cites: The Problem of Speech Genres, which is in BAKHTIN, M. Speech Genres and Other Late Essays. Ed. Michael Holquist and Caryl Emerson. Trans. Vern W. McGee. Austin: University of Texas P, 1986; Extracts from ‘Notes’ (1970-1971), which is in BAKHTIN, M. Bakhtin: Essays and Dialogues on His Work. Ed. Gary Saul Morson. Chicago: University of Chicago Press, 1986; and, Rabelais and His World. Trans. Helene Iswolsky. Cambridge, MA: MIT Press, 1968.

19BAKHTIN, M. M. The Dialogic Imagination: Four Essays. Edited and translated by Michael Holquist and Caryl Emerson. Austin, TX: University of Texas Press, 1982. In this collection, we find the following essays: Discourse in the novel, From the Prehistory of Novelistic Discourse, Epic and Novel, and Forms of Time and of the Chronotope in the Novel.

20BOOTH, W. The Rhetoric of Fiction. Chicago: University of Chicago Press, 1961.

21FAHNESTOCK, J. Rhetorical Figures in Science. New York: Oxford UP, 1999.

22BAKHTIN, M. M. Art and Answerability: Early Philosophical Essays by M. M. Bakhtin. Edited by Michael Holquist and Vadim Liapunov. Translation and notes by Vadim Liapunov. Austin, TX: University of Texas Press, 1990. In this collection, we find the following essays: Art and Answerability (1919), Author and Hero in Aesthetic Activity (ca. 1920-1923), Supplement: The Problem of Content, Material, and Form in Verbal Art (1924).

23BAKHTIN, M. M. Toward a Philosophy of the Act. Edited by Vadim Liapunov & Michael Holquist. Translation and notes by Vadim Liapunov. Austin, TX: University of Texas Press, 1993.

24MORSON, G. S.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: Creation of a Prosaics. Standford, CA: Stanford University Press, 1990.

Maria Helena Cruz PistoriPontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP/Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, São Paulo, Brasil; mhcpist@uol.com.br.

Nuevo diccionario de la teoría de Mijail Bajtin – ARÁN (B-RED)

ARÁN, Olga Pampa. Nuevo diccionario de la teoría de Mijail Bajtin. Córdoba, Argentina: Ferreyra Editor, 2006. 284p. Resenha de: PISTORI, Maria Helena Cruz. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.7 n.2, São Paulo July/Dec. 2012.

Se Aurélio define dicionário como um “conjunto de vocábulos duma língua ou de termos próprios duma ciência ou arte, dispostos alfabeticamente, e com o respectivo significado […]” (grifo nosso), a proposta de um dicionário da teoria de Mikhail Bakhtin poderia se apresentar como a expressão da repetibilidade, do reiterável, da “explicação” monológica de termos. E ainda: se o léxico é apenas um dos aspectos do texto/enunciado/discurso na concepção bakhtiniana, sempre seria bastante complexa a tarefa de reunir o vocabulário do Círculo numa obra, com a finalidade de compreender o significado de cada termo ou conferir-lhe certa estabilidade de sentido. Fiel ao pensamento bakhtiniano, contudo, o diálogo está presente em todos os verbetes deste Nuevo Diccionario: com o autor/autores do Círculo, com o leitor, com diferentes comentaristas e críticos ao redor do mundo, ora com a teoria e/ou crítica literária, ora com a filosofia, a linguística, a psicologia, a antropologia…

O Nuevo diccionario de la teoría de Mijail Bajtin, publicado por Ferreyra Editor, Córdoba, Argentina, é dirigido e coordenado por Pampa Olga Arán, doutora em Letras Modernas e professora de Teoria y Metodología del estudio literario na Escuela de Letras da Facultad de Filosofía y Humanidades na Universidade Nacional de Córdoba. Arán esclarece, no Prólogo, que houve uma primeira edição, em 1998, mas que esta é uma nova versão, fruto do trabalho desenvolvido por ela, com a ajuda de Candelaria de Olmos – mestre em Sociosemiótica no Centro de Estudios Avanzados e chefe de Trabajos Prácticos de Semiótica na Escuela de Letras da Universidade de Córdoba, e uma equipe de investigadores, jovens em sua maioria. As diferentes vozes que se articulam no desenvolvimento dos 55 termos selecionados da obra bakhtiniana estão distribuídas entre as assinaturas de Pampa Olga Arán (13 verbetes), Candelaria de Olmos (8) e Lucas Berone – mestre em Sociossemiótica (9), responsáveis, assim, pela redação de mais da metade dos verbetes; os restantes são trabalhados pela equipe. O projeto contou ainda com o apoio econômico do Centro de Investigaciones de la Facultad de Filosofía y Humanidades e da Secretaría de Ciencia y Técnica.

A obra apresenta uma bem cuidada bibliografia de referência final, dividida em bibliografia específica de textos de Bakhtin; bibliografia específica de textos de Bakhtin e seu Círculo; estudos críticos e biográficos sobre Bakhtin; seleções bibliográficas; publicações periódicas; endereços URL. A seguir, breve notícia biográfica de todos os autores-colaboradores e o índice final dos termos.

Nas palavras da organizadora, “la forma de entradas múltiples y de recorridos simultáneos parece ser la que mejor se adecua al pensamiento abierto e inconcluso de Bajtín para quien nunca había sido dicha la última palabra”. Excelente justificativa, sobretudo ao mencionar as entradas múltiplas e as recorrências simultâneas, porque os termos da obra remetem constantemente uns aos outros, além de apontar para fora de si mesmos. Há mais: todos se inter-relacionam, não há como definir um sem que se defina sua ligação com os demais, constituem um sistema de pensamento “aberto e dinâmico”, em processo, e dependem de uma compreensão responsivo-ativa – de ao menos duas consciências. É por isso que as várias leituras da obra bakhtiniana, e ainda de seus críticos e comentadores, como é o caso deste Nuevo Diccionario, são sempre bem-vindas (ainda que seja para refutá-las, o que não é este caso).

Não há uma justificativa no Prólogo quanto à seleção dos termos. Por exemplo, os verbetes argumentoconhecimentocronotopodialogismogêneros discursivosparódiatexto, na realidade apresentam diferente relevância na obra do Círculo. Isto é, percebemos que não se trata de uma seleção de conceitos-chave para a compreensão da obra bakhtiniana, antes da seleção de noções que, naquele pensamento, assumem sentido e relevo particular.

A escolha do gênero parece ainda estar motivada pela epígrafe: “mi predilección por las variaciones y por heterogeneidad de términos en relación con un solo fenómeno” (Bajtín “De los apuntes de 1970-1971” Bakhtin, From Notes Made in 1970-71). Nesse sentido, lembramos que o problema terminológico na obra do Círculo não se atém apenas a essa predileção por variações e heterogeneidade de termos, expressa na epígrafe. Na realidade, a isso se acrescentam as traduções desconcertantes, surgidas no Ocidente a partir da década de 1960, publicadas fora da cronologia em que foram redigidas, muitas vezes refletindo e refratando teorias do espaço-tempo correspondente. Brandist, para quem a terminologia do Círculo, e especialmente aquela de Bakhtin ele mesmo, é muito particular e tem uma pluralidade de conotações, lembra que há termos como stanovlenie, que conheceu dez diferentes traduções no inglês, aparecendo de quatro formas distintas num mesmo ensaio. Isso também ocorreu de diferentes formas nas traduções para o francês, italiano, alemão, espanhol e português. É só pensarmos na possível confusão que poderia se formar em torno do vocábulo extraposición/exotopia, presente no Nuevo Diccionario. Constando do Prefácio de Tzvetan Todorov, na edição francesa de Estética da Criação Verbal, é o termo que ocorre na primeira tradução – do francês – que tivemos no Brasil. Paulo Bezerra, ao traduzir diretamente do russo, vai substituí-lo por distância ou distanciamento, com uma bela justificativa para isso na Introdução.

Independente dessas questões, ou talvez até por elas mesmas, este Nuevo Diccionario pode (e deve) ser lido como um hipertexto, que organiza cada um dos verbetes com uma introdução, apresentando o sentido mais geral do conceito na obra do Círculo. A partir daí, o autor rastreia a noção nas obras em que é encontrada, muitas vezes seguindo a ordem cronológica, e oferece ao leitor uma visão de como o conceito vai se estabelecendo ou se complementando (ou até se modificando) ao longo de todas elas, caso dos gêneros discursivos, por exemplo; ou então, como o Círculo restringe sua utilização a umas poucas obras, como é o caso de hibridación ou grotesco. No geral, há ainda uma conclusão mais ou menos avaliativa da fecundidade heurística da noção.

Alguns colaboradores são mais explícitos nos comentários e apreciações do conceito e estendem-se em aproximações com outras teorias. A meu ver, essa interação é extremamente enriquecedora. A esse respeito, o verbete sentido/significado, cuja autoria é de Analía Gerbaudo, é exemplar. Inicialmente, a autora já adverte da riqueza dos “aportes teóricos’ bakhtinianos tanto para a literatura como para a linguística. E aí, enquanto faz uma tomada panorâmica da questão sentido/significado na obra do Círculo, vai aproximando (e distinguindo) essa conceituação de outras, sobretudo de teóricos contemporâneos do Ocidente, como J. Derrida, Blanchot, o Barthes tardio, e mesmo Benjamin. Consciente está, porém, do desacordo entre os críticos dessas possibilidades de confrontação, pois conclui apresentando-nos, num breve balanço, especialmente a posição de comentadores bakhtinianos, como Ponzio, Zavala, Stewart, Morson e Holquist a esse respeito. Justifica-se, porém, com trecho do próprio Bakhtin, quando fala da “infinita heterogeneidade de sentidos” nos Apontamentos de 1970-1971: “La redujimos tremendamente mediante selección y modernización de lo seleccionado. […] Estamos empobreciendo el pasado y no nos enriquecemos nosotros mismos”. Desperta a curiosidade intelectual de nós, leitores, na comprovação das potencialidades de tais diálogos.

Convém assinalar que o referido problema de tradução eventualmente dificulta até nossa leitura de brasileiros, ainda que espanhol e português sejam línguas tão próximas. É o que pode ocorrer ao buscarmos o termo discurso. À primeira vista, o Diccionario não trata desse conceito essencial na obra do Círculo… Mas aí nos damos conta da existência do verbete palabra/discurso, assinado por Cristian Cardozo. E evocamos o conhecido ensaio de Voloshinov: no francês, Le discours dans la vie et le discours dans la poésie, Contribution à une poétique sociologique; no espanhol, La palabra en la vida y la palabra en la poesia. Hacia uma poética sociológica; na recente tradução para o português organizada pela equipe de Valdemir Miotello, A palavra na vida e discurso na arte. Introdução ao problema da poética sociológica. No entanto, palabra/discurso estão muito mais próximas no espanhol, diferentemente do que acontece em português (e também parece ser o caso do russo slovo). A partir de uma definição mais geral do termo na obra do Círculo, atribuindo-lhe inclusive a responsabilidade de conceituar toda a obra bakhtiniana como “una larga reflexión sobre ‘la vida de la palabra’ y sus modos históricos y sociales de producción de sentido, apropiación y refración” (p.203), o autor conclui o verbete com a importante afirmação de que “para estudiar la palabra como discurso no se la puede cosificar…” (p.211).

Em alguns momentos da consulta do Diccionario encontramos analogias intrigantes, como a de Candelaria de Olmos ao afirmar que Bakhtin parece substituir o binômio saussuriano langue/parole pelas relações dinâmicas entre gênero/enunciado: “a pesar de ser individual e irrepetible, el enunciado tiene un carácter social, mientras que el género – lejos de ser un sistema abstracto y normativo – , se presenta como un reservorio de reglas más o menos flexibles según el caso, elaboradas a lo largo de su uso, en situaciones histórico-sociales concretas” (p.138). Ou, ao consultarmos o verbete texto, também de responsabilidade de Olmos, constatamos a falta de referências importantes para a compreensão bakhtiniana do conceito, na medida em que a autora não busca o diálogo com as importantes obras de autoria disputada Voloshínov/Bakhtin, que poderiam enriquecê-lo… Por outro lado, há aí o posicionamento crítico frente à noção, situando-a em oposição ao estruturalismo ou ao pensamento sistêmico de Lotman, destacando a perspectiva polêmica bakhtiniana e apontando-lhe uma possível ambiguidade: “Hay que decir, pues, que la definición bajtiniana de texto es, cuanto menos, ambigua y que si en un sentido el término funciona como sinónimo del de enunciado; en otro, es su opuesto diametral y señala más bien, la materialidad del fenómeno (impresión, reproducción, etc). Esta ambigüedad es particularmente notable en ‘El problema del texto en la filología, la lingüística y otras ciencias humanas”. Sem dúvida, a compreensão responsivo-ativa do leitor deve levá-lo a refletir a esse respeito, instaurando novo diálogo com as obras do Círculo.

Cabe ainda um breve comentário sobre o verbete dialogismo, de importância primordial no pensamento bakhtiniano, muito bem organizado e de grande utilidade para o estudioso da linguagem (entre outros). Assinado pela coordenadora da obra, Pampa Olga Arán, de início apresenta uma visão cronológica de seu desenvolvimento e das várias ocorrências na obra do Círculo para, ao final, defini-lo como um “postulado que al condensar el imaginario de la dinámica histórica y social, atraviesa todos los conceptos, los une y les otorga sentido”.

Concluindo, apenas alguns poucos comentários: como esperado em obras coletivas, há diferentes profundidades e perspectivas na exposição e apreensão dos conceitos, o que de nenhum modo invalida o Diccionario. Em termos de complementação, a obra ganharia bastante – e também o estudioso de Bakhtin e seu Círculo, se houvesse a correspondência de cada um dos verbetes com outras línguas (o francês e o inglês); mas esbarramos aí novamente no problema da tradução. Por fim, é preciso destacar que livros organizados ou redigidos por especialistas brasileiros da obra bakhtiniana, como Beth Brait, Carlos A. Faraco, Irene Machado, Gilberto de Castro e Cristóvão Tezza foram consultados e fartamente citados.

Enfim, o Nuevo diccionario de la teoría de Mijail Bajtin revela-nos, antes de tudo, a penetração e a vitalidade da teoria do Círculo no país vizinho e, especialmente, na Universidade Nacional de Córdoba. Mas se, como nos diz Bakhtin, “um enunciado sempre cria algo novo”, na luta constante pela compreensão, este Nuevo Diccionario permite enriquecimento e mudança de todos nós, leitores/autores. Vale a pena! 

Maria Helena Cruz Pistori – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP/FAPESP, São Paulo, São Paulo, Brasil; mhcpist@uol.com.br.