Imperialismo e luta de classes no mundo contemporâneo | James Petras

O debate sobre o imperialismo e a luta de classes, abandonado por uma parte da esquerda e não considerado pela maioria dos pós-modernos, sempre esteve presente na vida dos povos latino-americanos. Na América Central, no Caribe e no México, onde o imperialismo se manifestou de forma mais atuante e visível, os movimentos revolucionários não apenas tomaram em armas, mas também apresentaram um projeto nacional para se contrapor ao Estado imperialista. Essa luta começou no final do século XIX e início do XX, com José Martí, em Cuba, que denunciou a ideologia colonizadora do pan-americanismo; passou por Emiliano Zapata e Francisco Villa, que expropriaram terras de estadunidenses em território mexicano para fazer suas reformas agrárias durante a Revolução de 1910; continuou com Augusto C. Sandino, que lutou contra a ocupação estrangeira para construir um Estado nacional na Nicarágua; e chegou a Che Guevara, que defendeu a tese da criação do segundo e do terceiro Vietnã para derrotar militarmente o imperialismo.

Hoje, líderes nacionalistas de esquerda começam a ganhar as eleições em vários países da América Latina, fazendo-o sobre os escombros das políticas neoliberais aplicadas a partir de meados dos anos 1970. Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e a própria Argentina são os exemplos mais conhecidos. Todos estes governos têm implementado, em menor ou maior grau, um projeto nacional de esquerda que se opõe frontalmente ao imperialismo. O Documento de Santa Fé II (1988), que orientou a política externa do Departamento de Estado estadunidense, afirmava que “o matrimônio do comunismo com o nacionalismo, na América Latina, representava o maior perigo para a região e para os interesses dos Estados Unidos”. Leia Mais

Hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio – PETRAS; VELTMEYER (RBH)

PETRAS, James; VELTMEYER Henry. Hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio. Petrópolis: Vozes, 2000. 268 pp. Resenha de: RAMPINELLI, Waldir José. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.21, n.40, 2001.

Se em meados dos anos 80 muito impacto causou à sociedade estadunidense o livro de Paul Kennedy Ascensão e queda das grandes potências, com certeza maior apreensão trará, hoje, para as comunidades organizadas da América Latina, o trabalho de James Petras e Henry Veltmeyer A hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio. Kennedy defendia a tese de que o poderio de Washington estava em decadência devido a uma “excessiva extensão imperial”. Isto é, a soma total dos interesses e das obrigações dos Estados Unidos no mundo se tornara muito maior que a capacidade que o país apresentava de defendê-los simultaneamente. Assim sendo, houve um aumento desproporcional entre tais interesses e obrigações e o seu crescimento econômico, empurrando-o obrigatoriamente para o descenso. Cabe lembrar, diz o autor, que essas foram as causas da queda de grandes impérios, como o espanhol e o britânico.

Mas os autores, ao contrário, demonstram como o imperialismo estadunidense – e também o europeu – ressurge com muita força neste limiar de milênio. A melhor explicação para a prosperidade das economias norte-americana e européia e a crise do Terceiro Mundo, segundo os autores, encontra-se na teoria do imperialismo, que focaliza o “Estado-nação” imperial como o centro de poder e tomada de decisão, e também como beneficiário de relações desiguais. Enquanto ocorrem melhoras de alguns indicadores macroeconômicos em determinados países pobres, os macrossociais caem vertiginosamente para as classes assalariadas. Atualmente, na América Latina, apenas entre 15% e 20% de sua população desfrutam de um estilo de vida de “Primeiro Mundo”.

A obra também analisa o uso irrestrito do poder militar pelos Estados Unidos para impor sua hegemonia, bem como a investida euro-americana contra toda tentativa de países do Terceiro Mundo de limitar sociopoliticamente a expansão empresarial multinacional.

O bombardeio da Iugoslávia pela OTAN/EUA, os ataques aéreos ao Iraque, o lançamento de mísseis contra a Somália e o Afeganistão, a ampliação do grupo de membros da OTAN para incluir países que limitam com a Rússia, a incorporação na OTAN de 23 novos integrantes como associados na paz, a incontestada hegemonia dos EUA sobre a Europa Ocidental, exercida mediante a OTAN, são sinais de crescente militarização e exercício unilateral do poder de polícia mundial pelos EUA. Este poder imperial ressurgente está intimamente relacionado com o formidável crescimento do domínio econômico norte-americano nos anos 90.1

Diante disso, conclui que há um governo global a partir de uma nova ordem mundial centrada em Washington e Wall Sreet, enquanto potências européias e asiáticas se subordinam a instituições militares e econômico-financeiras dominadas pelos EUA. Por isso, para uma classe capitalista mundial, especialmente a estadunidense, a década que passou foi sem dúvida a melhor de todo o século, em termos de acumulação. E conclui que está em marcha para todo o Terceiro Mundo um novo projeto de colonização. A Lei Helms-Burton e o depósito feito direto ao Tesouro dos Estados Unidos pelos compradores internacionais do petróleo mexicano são dois exemplos deste processo.

O livro está dividido em três partes muito concatenadas: Parte I: A economia do imperialismo; Parte II: Estratégia e ideologia do imperialismo; Parte III: Política do imperialismo.

Na primeira parte os autores analisam como o capitalismo, nas duas últimas décadas, tem causado tantos estragos à América Latina e, ao mesmo tempo, um período de prosperidade jamais visto para os bancos e corporações multinacionais estadunidenses. É o capitalismo chegando a seu estágio superior: o imperialismo. Esta nova ordem imperial se ergue sobre cinco pilares básicos: a) pagamentos de juros da dívida externa, b) maciças transferências de lucros provenientes de investimentos diretos e de ações e títulos, c) aquisição de empresas públicas; d) rendimentos provenientes de royalties; e e) balanços de contas correntes favoráveis.

E assim desmistificado o conceito de globalização apresentado como único e irreversível, e afirma que desde o início (século XVI) ela esteve associada ao imperialismo assim como a uma configuração específica de classe. Analisa igualmente a política agrícola estadunidense para a América Latina como uma estratégia de venda de máquinas e de insumos básicos produzidos por suas multinacionais bem como uma política agro-exportadora.

Na segunda parte são trabalhados os mecanismos ideológicos utilizados pelo império estadunidense para dominar o Terceiro Mundo – sem rebeliões –, que sofre o efeito do “ajuste estrutural”. Aqui desempenha papel relevante o Banco Mundial. O Estado imperial também se utiliza de outras vias, tais como as políticas de combate ao narcotráfico na América Latina, as estratégias da “cooperação para o desenvolvimento”, a política utilizada pela direita e, finalmente, o papel das ONGs como subsidiárias das políticas imperiais. Neste capítulo, o autor faz uma crítica muito pertinaz a essas “organizações governamentais” que, com raríssimas exceções, estão a serviço da implementação das políticas neoliberais. E distingue, com muita clareza, o que é solidariedade para um onguista e para um marxista.

A terceira parte é dedicada a temas mais especificamente políticos, tais como a democracia imperialista, a globalização e a cidadania, bem como a revolução socialista e a globalização. Descreve, por exemplo, como os regimes populares, democraticamente eleitos, foram derrubados pela classe capitalista ou por uma potência hegemônica simplesmente porque tentaram transformar ou reformar o sistema de relações de propriedade existente.

À pergunta reforma ou revolução? para enfrentar todos estes problemas gerados por uma classe capitalista internacional que tem nas elites de cada país do Terceiro Mundo os seus mais fiéis colaboradores, os autores respondem que a reforma não tem dado conta de resolver tais problemas, cabendo, sim, à revolução as grandes mudanças estruturais de nosso continente. E, ato seguido, analisa alguns exemplos revolucionários e suas conquistas, bem como os movimentos sociais radicais que começam a se fortalecer cada vez mais em toda a região.

Hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio é um livro polêmico, contundente e sem meias palavras. Pela força de sua argumentação e de seus dados, merece ser lido e estudado.

Notas

1 PETRAS, James & VELTMEYER Henry. Hegemonia dos Estados Unidos no novo milênio. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 15.

Waldir José Rampinelli – Universidade Federal de Santa Catarina.

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