Arquivos pessoais: reflexões disciplinares e experiências de pesquisa | Luciana Heymann, Isabel Travancas e Joelle Rouchou

Embalado por um movimento entendido nos estudos da pós-modernidade como “o retorno do sujeito”1 se percebe há mais de trinta anos um aumento crescente do interesse de pesquisadores quanto a utilização de arquivos que “vão além” daqueles considerados “consagrados”. Mas quais seriam estes arquivos “para além”? A palavra “arquivo” correntemente esta associada à imagem de grandes conjuntos documentais onde podem ser encontrados os saldos das atividades burocráticas de determinada instituição, seja ela pública ou não. Já os arquivos “para além” ultrapassariam essa noção circunscrita de arquivo como um lugar de verdade e imparcialidade.

Como exemplo destes diferenciados corpos documentais, se colocam os arquivos pessoais, que, durante décadas, desde as primeiras manifestações do movimento Annales, ficaram marginalizados pois entendia-se que estes estavam ligados a um fazer histórico a ser superado. No entanto, mudanças no “fazer” historiográfico ligadas sobretudo a releitura de uma história política e o desejo de construção de uma história do “ordinário”, do homem comum, suas práticas e hábitos trouxeram novamente à cena tais vestígios, instigantes testemunhos de trajetórias individuais. Leia Mais

Ciência: pesquisa, métodos e normas – DAU; DAU (ARF)

DAU, Shirley e DAU, Sandro. Ciência: pesquisa, métodos e normas. Mutum: Expresso, 2013, 173 p. Resenha de: CARVALHO, José Maurício. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n.13, jan./jun. 2015.

Os autores são professores de Filosofia e trabalham com Metodologia Científica há anos, havendo publicado diversas obras sobre o assunto. Sandro é Doutor em Filosofia com estágio de pós-doutorado em Ética e Shirley é mestre em Filosofia e estuda Filosofia analítica, Lógica e Linguagem. Dedicam-se também a Epistemologia e História das ciências.

Este livro foi organizado em 16 capítulos e trata da pesquisa científica e sua divulgação. Parte da fundamentação teórica dos estudos científicos para a especificidade das práticas de investigação que contribuem para o desenvolvimento da ciência. Os autores abordam, como atividades práticas, o processo de construção: do projeto e da pesquisa em geral, dos resumos, referências, monografias, relatórios técnico-científicos e artigos científicos.

No capítulo inicial os autores examinam a especificidade dos textos científicos e oferecem técnicas de divisão e interpretação das partes que permitam a boa compreensão desses textos. Esclarecem a diferença entre comentário e explicação, mostrando que a segunda prevalece sobre o primeiro, porque é anterior e restringe-se ao texto, enquanto o comentário pressupõe a explicação, interroga e não se restringe ao texto.

Segue-se o capítulo dedicado aos métodos utilizados na ciência. Eles são apresentados como “caminho estabelecido por determinada ciência, a fim de conseguir conhecimentos válidos por intermédio de instrumentos confiáveis” (p. 17) ou, mais rigorosamente, citando os autores L. Liard, como “conjunto de processos de conhecimento que constituem a forma de uma determinada ciência” (id, p. 17). Neste caso o método possui uma base lógica e dois pontos básicos: reprodutibilidade e falsificabilidade. O primeiro ponto significa que a pesquisa ou experimento pode ser repetido por qualquer pesquisador e o outro que suas hipóteses podem ser recusadas ou falsificadas. As ciências usam variados métodos e, portanto, a escolha do método deve se adequar ao problema e tratamento escolhidos pelo pesquisador. Os autores explicam que a ciência moderna desenvolveu-se partindo da observação, da formulação de hipóteses falsificáveis, da indução ou colocação das hipóteses à prova, da interpretação dos resultados e formulação da teoria, estabelecimento da conclusão.

O capítulo terceiro trata do resultado dos experimentos consolidados em teorias que são fundamentais em qualquer ciência. Os autores aproximam a origem da Ciência com o da Filosofia, remetendo-a ao século VI a. C. na antiga Grécia. Esclarecem que a Ciência moderna, cujo método foi desenvolvido por Galileu Galilei, ganhou perfil diferente e afastou-se da Filosofia e Ciência antes praticadas, adotando “experiências rigorosas, organizadas em leis gerais, por outras palavras, é qualquer corpo de conhecimentos fundado em observações dignas de fé e organizado no sistema de proposições ou leis gerais” (p. 26). Ao tratar da especificidade da Ciência moderna estruturada na razão aplicada (experimental), os autores a diferenciam da Filosofia que se baseia na razão pura; da Religião que usa a fé, possui caráter mais subjetivo e depende da crença de cada um, e da Arte baseada na intuição e não na razão. Eles diferenciam o método indutivo, que vai do particular para o geral, do método dedutivo, que segue o caminho inverso. O conhecimento científico, de modo geral, possui os seguintes traços: “classificar os conhecimentos, descrever os fatos, explicar os fenômenos; interpretar os diferentes casos; ser autocorretivo, experimental, descritivo, particular, cumulativo, operativo” (p. 31). Os autores esclarecem que o conhecimento científico é parcimonioso, isto é, prefere explicações simples. Salientam o propósito da ciência de construir teorias que expliquem os fenômenos e se referem à estas teorias como “uma visão sobre um tema” (p. 40). Eles as caracterizam como possuidoras de “definição rigorosa; coerência interna, generalização por meio de deduções, ampliação do conhecimento” (p. 40). Destacam ainda a utilidade das teorias como critério para sua continuidade.

O capítulo IV é dedicado ao estudo dos conceitos, que são a base da ciência. Contudo, comentam os autores, que não basta reunir conceitos para chegar a uma ciência, é preciso que os conceitos estejam organizados em teorias, cujas características foram examinadas no capítulo anterior. O conhecimento adequado dos conceitos é um bom critério para saber se se conhece uma teoria e para organizar o debate, pois “aquele que afirma e aquele que pergunta, devem ter claro qual o significado do conceito empregado” (p. 44).

Um conceito científico caracteriza-se “por ter um significado claro, preciso e abstrato, que não resulta de preferências, de gostos e de anseios individuais” (p. 44). Contudo, a característica principal de um conceito científico é “identificação dos elementos centrais daquilo que é estudado” (p. 45) e não se referir “a um caso único, a um fenômeno, mas a classes, a grupos, a relações, etc.” (p. 45). A compreensão de um grupo de conceitos que estão numa ciência dirige o olhar do cientista, assim ele perceberá o fenômeno com os olhos da ciência que lhe é familiar, ou “cada um perceberá o mundo com os conceitos que for condicionado” (p. 46).

Segue-se um capítulo dedicado a verdade. Os autores tratam dos critérios de verdade estabelecidos por três grandes escolas filosóficas: realismo (relação entre a consciência e a coisa), idealismo (coerência interna) e pragmatismo (utilidade das afirmações). No que se refere propriamente às verdades científicas, elas se dividem em três tipos: as que se limitam a formular o que pode ser exato, as que aceitam a probabilidade e aquelas que se abrem à possibilidade do mundo de cada pessoa influir no conhecimento. Estas últimas são as ciências humanas que, com base na fenomenologia, reconhecem, por baixo dos fatos objetivamente descritos, elementos do chamado mundo da vida. No que se refere à relação dos fatos, os autores distinguem as verdades lógico-formais, das objetivas, ontológicas e morais. Poderíamos entender as primeiras como as da Lógica e Matemática, as segundas como as das Ciências da natureza e as duas últimas da Filosofia. Quanto a relação com a verdade ela pode produzir quatro tipos de dúvidas: “espontânea, refletida, metódica e universal.” (p. 53). A primeira é aquela em que a pessoa não emite juízo sobre algo, mesmo que tenha elementos para fazê-lo, a segunda nasce da ausência de elementos necessários à conclusão, a terceira é um tipo de método empregado para chegar a uma verdade indubitável e a última refere-se à posição dos céticos, que negam a possibilidade de chegar a verdades fundamentais.

Quanto aos critérios de verdade os autores apontam seis: a autoridade (abandonada pelas ciências modernas), a evidência (o que aparece para o indivíduo), o senso comum (uma espécie de instinto comum), a necessidade lógica (ausência de contradição) e a experiência.

O capítulo VI estuda a pesquisa científica e os autores a definem como a que utiliza “métodos racionais, científicos, na comprovação ou não, das teorias apresentadas” (p. 57). Eles apresentam como objetivo da pesquisa científica “encontrar respostas coerentes, para os problemas (questões) propostos pelo pesquisador” (p. 58) e diferenciam as pesquisas quantitativas, que trabalham com a quantificação das variáveis, das qualitativas, mais empregadas nas ciências humanas. Esclarecem que essas últimas se desenvolveram no século passado e resumem o debate então realizado entre os intérpretes das chamadas ciências duras e as outras. Tratam, ainda que superficialmente, dos limites da razão experimental que foi desenvolvida na modernidade para tratar dos problemas do homem, assunto da fenomenologia.

A partir do capítulo VII o livro ganha um caráter prático, orientando o leitor em como utilizar as técnicas empregadas na pesquisa científica. Distinguem esquema, resumo e fichamento. Esclarecem que esquema “permite ao estudante compreender uma obra em seu todo” (p.63). Eles propõem no capítulo VIII o resumo como “apresentação concisa de um texto qualquer” (p. 65) e tratam no capítulo IX de um tipo especial de Resumo denominado Resenha.

Explicam que Resenhas são um tipo específico de resumo seguido de comentário crítico, por isto dizem que eles devem ser “elaborados por especialistas” (p. 67). Normalmente as revistas científicas recebem bem este tipo de resumo dedicando-lhe uma parte própria, porque é importante aos especialistas da área terem um resumo comentado das obras daquela ciência pois não é possível, hoje em dia, ler tudo que se publica nas diversas áreas da ciência.

O capítulo X é dedicado ao fichamento, definido como técnica para “guardar um grande número de informações sobre um documento em pequeno espaço.” (p. 69). O fichamento pode ser da obra toda ou de uma parte, além de conter citações que serão úteis na elaboração do trabalho que pretende fazer. O capítulo XI é um resumo da NBR 10520 e explica como fazer citações curtas e longas. Segue-se um capítulo sobre como fazer referências, resumo da NBR 6023, de livros, monografias, periódicos, eventos, trabalhos em eventos, legislação, jurisprudência, doutrinas, filmes, documentos cartográficos e sonoros.

O capítulo XIII explica como se faz um projeto de pesquisa, apresentado como “caminho que será percorrido, no estudo do problema proposto” (p. 97).

Os autores detalham os elementos imprescindíveis do projeto (capa, folha de rosto, sumário, apresentação, justificativa, área de concentração, natureza, delimitação do assunto, revisão da literatura, problema, hipóteses, procedimento, análise dos dados, objetivos, conteúdo, metodologia, cronograma, referências, anuência do orientador).

O capítulo seguinte é dedicado à monografia, definida como “texto sobre um único assunto” (p. 129), e que pode ser desde um TCC até uma tese de doutoramento. Consiste num resumo da NBR 14724. Suas características básicas são: sistematicidade, metodologicidade e relevância. Uma monografia se divide, geralmente, em cinco partes: “introdução, desenvolvimento, conclusão, bibliografia, notas.” (p. 131). Os autores finalmente afirmam que a estrutura formal da monografia são três grandes partes: os elementos pré-textuais, os textuais e os pós-textuais.

Os capítulos finais explicam como fazer um relatório e um artigo científico, respectivamente comentando as NBRs 10719 e a 6022. Os artigos científicos, matéria do último capítulo, são definidos como: “publicação com autoria declarada, que apresenta e discute ideias, métodos, técnicas, processos e resultados nas diversas áreas do conhecimento.” (p. 163). O artigo serve para divulgar um tema estudado e deve vir em linguagem “clara, coerente, objetiva, impessoal” (p. 163) e conter os elementos pré-textuais, textuais, pós-textuais.

Este livro é importante porque coloca o leitor diante do fato de que fazer ciência é mais do que aprender conceitos e teorias, exige produzi-la. Esta atitude é própria de um tipo de ciência desenvolvido na modernidade, com os estudos de Francis Bacon, Isaac Newton e os iluministas, que contrapunham a nova formulação da ciência à antiga construída na velha Grécia por Platão e Aristóteles. A ciência moderna nunca está pronta, mas em continuado processo de construção. Por isso, o estudo das técnicas de pesquisa é essencial numa atividade que está sempre se fazendo. O movimento iluminista reforçou a confiança na razão aplicada e no modelo de ciência moderna pautada na observação dos fatos, experiência e cálculos. Os autores incorporam aspectos importantes dos estudos de filosofia da ciência. Entre eles o entendimento de que a enumeração dos fatos ou descrição dos conceitos não é suficiente para fazer ciência, antes é preciso comparar os fatos observados e julgá-los para construir teorias. Isto é o que ensinava, por exemplo, o médico e fisiologista francês Claude Bernard no século XIX. Os autores incorporaram ainda uma concepção mais atual de ciência que trata da sua validade em virtude da autocorreção, princípio baseado na falibilidade das teorias, conforme postulado por Charles Sanders Peirce e pela falsificabilidade, conceito desenvolvido por Karl Popper. Para este último uma teoria é válida não devido a sua demonstração, mas por sua permanência provisória, enquanto não vingam os esforços por refutá-la.

No capítulo IX os autores tocaram numa questão importante da ciência moderna, a sua necessária especialização. Como lembra Ortega y Gasset no capítulo XII de La rebelión de las masas (O.C., Madrid, Alianza, v. IV, 1994): “nem sequer a ciência empírica, tomada em sua integridade, é verdadeira se separada da Matemática, da Lógica, da Filosofia. Porém o trabalho em que nela se tem, irremediavelmente, tem que ser especializado.” (p. 217). Esta especialização exigida pela ciência moderna contém, contudo, um grave risco que o Ortega repetiu em mais de um lugar e isto não foi mencionado no livro.

É que a especialização não legitima o conhecedor de uma ciência opinar sobre outros assuntos. Quando ele assim faz torna-se uma espécie de novo bárbaro, detalhadamente estudado por Ortega. Este especialista deverá passar por uma reciclagem, se estiver correto o que diz Ortega na continuidade do livro, pois se:

o especialismo tornou possível o progresso da ciência experimental durante um século, aproxima-se uma etapa nova em que ele não poderá avançar por si mesmo se não encarregar uma geração melhor de construir um novo aparelho mais poderoso. (p. 219-220). Este novo especialista é uma exigência dos nossos dias, mas ainda assim será ele um especialista.

O assunto nuclear, da perspectiva epistemológica, consiste na discussão entorno à verdade levada a cabo no capítulo V. E aí também há virtudes. Parece importante a distinção dos conceitos de verdade construídos por diferentes escolas filosóficas: realismo, idealismo e pragmatismo. Também parece fundamental a diferença entre os critérios de verdade adotados por diferentes ciências: a verdade exata da linguagem matemática, as afirmações aproximativas da estatística e as verdades cuja objetividade relativa está em disputa com as referências subjetivas do mundo da vida. Faltou indicar que essas diferentes visões de verdade científicas nascem em diferentes tipos de ciência, as primeiras da natureza e as últimas do homem. A distinção entre os diferentes tipos de dúvida também foi muito criativo. O que ficou a merecer maior aprofundamento é o fato de que as verdades são diferentes nas Ciências, na Filosofia, na Religião e até as Pessoais. Todas as formas de verdade são importantes, mas se organizam em níveis distintos. Neste aprofundamento sobre as diferentes verdades faltou também um esclarecimento sobre os limites das chamadas ciências duras, ou a ciência experimental, pois suas teorias começaram a ser refutadas pelo desenvolvimento da própria filosofia da natureza no século que passou.

José Maurício Carvalho – Doutor e professor de Filosofia na UFSJ. Email: josemauriciodecarvalho@gmail.com

Acesso à publicação original

Abordagens estratégicas em sambaquis – GASPAR; SOUZA (BMPEG-CH)

GASPAR, Maria Dulce; SOUZA, Sheila Mendonça de (Orgs.). Abordagens estratégicas em sambaquis. Erechim: Habilis Editora, 2013. 311 p. Resenha de MILHEIRA, Rafael Guedes. Metodologia de pesquisa em sambaquis: uma leitura sobre abordagens estratégicas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.9 no.1, jan./abr. 2014.

Quando me deparei na livraria com esta obra, intitulada “Abordagens estratégicas em sambaquis”, eu já sabia que o conteúdo traria grandes contribuições metodológicas para a área de Arqueologia no Brasil. É o tipo de trabalho que eu costumo chamar de “Arqueologia na veia”, pois trata de temas específicos da Arqueologia (no caso, técnicas de campo), de maneira ortodoxa e interdisciplinar, contribuindo na direção de como e por que fazer trabalhos de campo, otimizando recursos e maximizando resultados. Ao iniciar as primeiras páginas, foi ficando evidente que o livro, embora tenha um foco centrado na temática dos sítios sambaquieiros da costa litorânea brasileira, dialoga e propõe técnicas de campo que podem ser facilmente utilizadas em todos os sítios arqueológicos pré-históricos (e não seria exagero incluir os sítios históricos) do Brasil. Aliás, essa foi também a impressão de André Prous na apresentação do livro, ao comentar que “o presente livro será, sem dúvida, de grande utilidade para os estudantes e pesquisadores – não apenas para aqueles que estudam os sambaquis, mas também para todos os praticantes de Arqueologia”.

Na introdução, as organizadoras recorrem a um breve histórico das pesquisas em sambaquis no Brasil desde o século XIX, os avanços e desafios dos últimos anos, sobretudo com o acúmulo de conhecimento resultante de grandes projetos temáticos financiados, predominantemente, por agências nacionais e públicas de pesquisa, amplamente divulgados no cenário nacional e internacional. Esses projetos foram a base das experiências dos autores dos treze capítulos do livro, e é claro que as discussões amadurecidas só chegaram ao alto nível de qualidade por conta da formação de equipes interdisciplinares, experientes e altamente comprometidas com o estudo dos sambaquis da costa brasileira. O livro, além do formato impresso, é acompanhado (opcionalmente) por um CD-ROM, que é o “Guia ilustrado das abordagens estratégicas em sambaquis”. Esse guia é um banco de imagens devidamente legendadas, que exemplificam as orientações metodológicas apresentadas nos textos, tornando a leitura da obra mais didática e acessível.

Seria demasiadamente enfadonho sintetizar aqui o conteúdo e as discussões de cada um dos capítulos do livro. Porém, arrisco-me a classificar os temas dos textos em três tópicos latu sensu: prospecção e registro de imagens em campo; estudos e coleta para sedimentologia e geoarqueologia; análises e coleta de material bioarqueológico (zooarqueologia, arqueobotânica e antropologia física). Embora haja uma divisão de temáticas abordadas no livro, há algumas questões que permeiam todos os textos e que merecem ser destacadas, por exemplo: como coletar amostras em campo, para que coletá-las e como registrá-las e acondicioná-las devidamente para análises futuras em laboratório. São questões relevantes e que atormentam (pelo menos, deveriam atormentar) qualquer coordenador de campo, na medida em que nos fazem pensar sobre a fragilidade e sutileza do registro arqueológico, a facilidade em confundir, misturar e perder amostras e, portanto, dados arqueológicos. E, por fim, refletir sobre o tamanho adequado das amostras versus o tamanho, geralmente limitado, das nossas reservas técnicas espalhadas pelo Brasil.

Eis uma das principais contribuições do livro: os autores conseguem, com maestria, demonstrar que é possível realizar intervenções pontuais nos sítios arqueológicos, minimizando os impactos físicos aos pacotes deposicionais e maximizando os resultados interpretativos. Essa conta positiva é possível com a padronização adequada e experimentada de coletas amostrais, que permitem obter vestígios microscópicos oriundos desses sítios arqueológicos monumentais, materiais que, embora sejam micro em tamanho, ao serem identificados, permitem avançar em discussões de larga escala, que vão da economia e dieta alimentar até práticas de manejo da paisagem e conformação territorial; vide o caso dos parasitos, o estudo da fauna ictiológica e o estudo dos carvões que compõem as fogueiras rituais e de aquecimento residencial.

A padronização das amostras em volume, formato e registro são temas importantes e que foram amplamente discutidos no livro por quase todos os autores. Da mesma forma, os autores foram bastante contundentes ao incentivar o uso de protocolos de coleta altamente padronizados, que permitam a comparação das amostras no processo laboratorial. Porém, há um aspecto que me preocupou na leitura e que poderia ter sido mais bem conduzido, talvez, até mesmo, por um capítulo à parte: o perigo da ‘superpadronização’. Os autores demonstraram uma grande preocupação em tecer uma escrita que, não obstante tenha um caráter bastante técnico, consiga atingir os recém-iniciados em Arqueologia. É até curioso um texto acadêmico que ensina como segurar a pá, para que lado e em que sentido se deve realizar uma limpeza e retificação de perfil, e de que forma se deve preencher um diário de campo.

Com certeza, os autores estiveram preocupados em manter uma linguagem bastante clara e acessível, visto que, no cenário nacional universitário, novos cursos de graduação em Arqueologia vêm sendo criados sistematicamente, o que gera novos leitores. Eu, como professor de práticas de campo e laboratório, fico extremamente agradecido, pois vale lembrar que, nas graduações brasileiras, utilizar um texto em língua estrangeira é quase um atentado, portanto textos que ‘traduzam’, por assim dizer, técnicas e métodos difundidos internacionalmente são muito bem-vindos. Entretanto, retomando minha preocupação com a ‘superpadronização’, fiquei pensando que um jovem leitor poderá facilmente entender que as escavações arqueológicas devem atingir um alto nível de padronização, em que todas as informações devem ser protocoladas em fichas de conteúdo fechado e limitadas em seus campos de respostas, uma espécie de ‘ficha de ticar’, em que caberia ao arqueólogo coletar amostras em volumes pré-determinados, preencher os protocolos e armazená-las adequadamente para incorrer corretamente às análises laboratoriais. Certamente, não foi essa a mensagem que moveu o interesse dos autores ao compor a obra, contudo vale a pena lembrar os leitores de que fazer ciência requer um alto grau de sensibilidade e subjetividade e que, não seria incorreto dizer, em Arqueologia, pelo caráter empírico, confiar no feeling não é ceder à falta de objetividade.

Trago essa discussão exatamente pela minha experiência como professor de graduação e pós-graduação em Arqueologia, e por estar imerso num cenário em que essa disciplina é cada vez mais demandada pelos empreendimentos de engenharia no Brasil, por conta das práticas de licenciamento ambiental. No contexto das atividades de licenciamento, vem se tornando senso comum que a qualidade das pesquisas arqueológicas está relacionada ao volume de dados que gera e, sobretudo, à confiabilidade técnica que conformou os dados. Nesse sentido, a padronização das informações registradas em campo vem sendo tomada como essencial, refletindo qualidade e confiabilidade na pesquisa. Logo, o estabelecimento de um protocolo de coleta, em todas as etapas do quotidiano da pesquisa, permite aos arqueólogos gerarem dados ‘a toque de caixa’, com baixo índice de subjetividade científica e que nega ou dificulta o exercício da reflexão. Nesse sentido, é importante ressaltar que o livro em tela contribui para a divulgação de técnicas padronizadas, que devem ser adotadas nas diferentes pesquisas após reflexões aprofundadas, algo que, muitas vezes, a Arqueologia de contrato não atende.

Há, ainda, outro aspecto a destacar. A coleta e o estudo cuidadoso das coleções artefatuais e das amostras biológicas em campo elucidam uma discussão emergente no Brasil. Cada vez mais, arqueólogos têm se debruçado sobre uma tendência recente em desvalorizar, de certa forma, atividades interventivas nos sítios arqueológicos, baseando-se no discurso do preservacionismo e da limitação das reservas técnicas. Da mesma forma, desconsideram a importância de análises sobre coleções fragmentárias, argumentando que somente as coleções artefatuais mais significativas deveriam ser abordadas, pelo seu cunho elucidativo, simbólico e educativo. Porém, com a leitura da obra, fica também evidente que foi somente com novas intervenções arqueológicas em sítios já bastante estudados, e com base em análises de coleções até então desconsideradas pelo seu aspecto microescalar ou secundário, que novos modelos teóricos sobre as sociedades sambaquieiras puderam ser constituídos, ou seja, esses modelos são fruto de trabalhos de campo exaustivos, experimentação, discussões amadurecidas e publicação de dados. Invariavelmente, essas novas intervenções arqueológicas avolumaram as reservas técnicas, o que leva a discussão para além da Arqueologia tradicionalmente realizada no Brasil, invadindo temas como gestão do patrimônio arqueológico, reservas técnicas, ciência da conservação e museologia.

Na busca da popularização de uma abordagem estratégica bem pensada, que dialogue com pesquisas nacionais e internacionais, a obra contribui amplamente para o desenho de projetos de pesquisa e, com certeza, se tornará uma boa referência. Considerando o pool de pesquisadores que contribuíram para a tessitura do livro, e pelo seu conhecimento de técnicas importantes que ultrapassam as práticas de campo, fico na expectativa da publicação de um segundo volume, composto por abordagens metodológicas em laboratório, envolvendo as mesmas temáticas já abordadas na obra.

Rafael Guedes Milheira – Universidade Federal de Pelotas. E-mail: milheirarafael@gmail.com

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A pesquisa em trabalho, educação e políticas educacionais – ARAUJO; RODRIGUES (TES)

ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima; RODRIGUES, Doriedson S. (Orgs.). A pesquisa em trabalho, educação e políticas educacionais. Campinas: Alínea, 2012. 188 p. Resenha de: TEODORO, Elinilza Guedes. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.11, n.1,  jan./abr. 2013.

O livro organizado por Ronaldo Marcos de Lima Araujo e Doriedson Rodrigues é uma coletânea de dez textos organicamente organizados e resultam de um colóquio de pesquisa realizado em abril de 2009 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE), do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará.

O referido evento tomou como temática norteadora questões referentes à pesquisa em trabalho e educação, políticas educacionais e suas relações com a abordagem de pesquisa qualitativa e o materialismo histórico e dialético, chamando para essas discussões pesquisadores vinculados ao projeto Laborar – Laboratório em Rede de Políticas e Práticas de Formação do Trabalhador -, financiado pela Capes (Procad), e ao projeto As Práticas Formativas em Educação Profissional, financiado pelo CNPq.

As discussões ali travadas mostram que no âmbito das políticas educacionais na área de Trabalho e Educação duas perspectivas sociológicas as fundamentam, quais sejam: mercadológica e social e, sendo assim, os textos debatem questões especificas de estudo assumindo que a realidade social é tomada pelo que resulta das relações de produção presentes em nossa sociedade e pelos posicionamentos político-ideológicos de projeto societário que expressam. Contribuem ao final para melhor caracterização das investigações e estudos dentro da área de Trabalho e Educação, compreendendo políticas educacionais que fomentam práticas formativas emancipatórias e as que permitem a conformação de trabalhadores aos interesses do mercado.

No primeiro artigo, “Trabalho e formação profissional: desafios teórico metodológicos das comparações intranacionais”, Fernando Fidalgo destaca como principal desafio teórico-metodológico para as três pesquisas vinculadas ao Laborar, e seus respectivos grupos de pesquisa, o tratamento das peculiaridades produzidas em cada realidade local pela tendência a tratar as pesquisas de cunho crítico relativos a formação dos trabalhadores, apenas nos seus aspectos macrossociais. O texto contribui apresentando quatro dimensões a serem consideradas nos estudos que compõem o referido projeto que possibilitará a comparação entre eles e a consolidação de uma metodologia comparativa de realidades entre estados. Nesse sentido, o texto apresenta uma lista de 16 elementos balizadores aos estudos das políticas de gestão do trabalho e da formação profissional para possibilitar uma tipologia e finalmente apresenta o desafio de superar a visão binária de estudos dos sistemas públicos e privados, aproximando-se dos estudos de redes em sua complexidade e com as diversidades próprias da formação social em realidades distintas.

O segundo artigo “Demandas por qualificação profissional – Recife, segunda metade do século XIX”, de Ramon de Oliveira e Adriana Maria Paulo da Silva, trata das investigações no âmbito da História da Educação Profissional no estado de Pernambuco, em que objetiva analisar o perfil das demandas por qualificação profissional de trabalhadores e empregadores, ao mesmo tempo em que analisa a oferta de serviços de aprendizado de ofícios específicos, no recorte temporal que inicia na segunda metade do século XIX. A referida investigação também se situa no interior do projeto Laborar e tem como grande contribuição o aprofundamento dos aspectos teórico metodológicos no âmbito da pesquisa histórica em Trabalho e Educação, mais especificamente das demandas de qualificação profissional, possibilitando estudar e reconhecer a existência, e por vezes ausência delas, de diferentes políticas públicas de educação profissional.

Ana Waleska P. C. Mendonça, autora do terceiro artigo, “O ensino profissional no Brasil, contribuições das pesquisas sobre a história das instituições escolares”, enfatiza a renovada tradição de estudos sobre instituições escolares em países como Portugal, França e também Brasil e a quase ausência de estudos sobre escolas de ensino técnico ou profissional na França e também aqui. Para isso a autora recupera um estudo de Compére e Savoie (2005) e provoca com questões referentes ao motivo da ausência de tais estudos que muito contribui para pesquisas sobre história de instituições escolares na área de Trabalho e Educação. Tomando as referências ‘renovadas’, a autora afirma que dois grandes objetivos se colocam ao estudo da história de instituições escolares: evidenciar os aspectos organizacionais que definem o quadro educacional numa dada escola e identificar o modo diverso como os sujeitos dessa unidade escolar colocam em ação o programa institucional definido para ela. Nessa perspectiva, finaliza o texto com desafios que se colocam ao estudo historiográfico de modo geral e no campo do estudo de instituições escolares de educação profissional. Pode ajudar a enfrentar problemáticas que atravessam o debate sobre o ensino profissional, quais sejam: dimensão pluridimensional que requer o tratamento das relações da escola com seu entorno, consigo mesmo e com o poder central e lidar com a memória individual e coletiva para construir a memória institucional para alem da enumeração de fatos de modo descritivo.

“Apontamentos para o trabalho com documentos de política educacional” é o artigo de Olinda Evangelista e propõe elementos teórico-metodológicos para o estudo de fontes educacionais específicas: os documentos da política educacional, desde leis a documentos oficiosos, relatórios escolares, dados estatísticos, regulamentos, para dar alguns exemplos. A autora compõe suas considerações em três frentes: a posição do pesquisador em que aborda o sujeito pesquisador como produtor de conhecimento, a posição dos documentos que invariavelmente expressam determinações históricas a serem apreendidas pelo pesquisador e a posição da teoria que possibilita a mediação entre sujeito e realidade em estudo. O referido texto, por sua didática e clareza, contribui com jovens pesquisadores, pesquisadores em formação e mesmo pesquisadores experientes podem usufruir dos destaques apresentados pela autora em cada um das nuances presentes no exercício da pesquisa.

O quinto artigo “Trabalho e formação – crônica de uma relação política e epistemológica ambígua”, de José Alberto Correia, enfoca as relações entre experiência e formação com o objetivo de contribuir com a compreensão do trabalho de formação. Para isso, o autor discute a produção histórica de mudanças nas definições das relações entre experiência e formação, em seguida toma experiências de formação inovadoras para reequacionar as relações entre trabalho e formação e, finalmente, encerra o texto de forma não conclusiva, refletindo epistemologicamente sobre os processos de produção de saberes e possíveis alternativas.

“Ações em rede na educação, contribuições dos estudos do trabalho para análise de redes sociais” é o texto de Eneida Oto Shiroma. Apresenta resultados preliminares da pesquisa que estava desenvolvendo cujo objetivo era compreender os mecanismos pelos quais proposições internacionais são assimiladas e traduzidas no interior da escola e que evidenciou uma metodologia que possibilita visualizar articulações e relações entre global e local que muito significam para o estudo das mediações nas redes educacionais, pois são capazes de modificar e influenciar práticas, relações pessoais e gestão do trabalho docente no interior da escola.

O sétimo artigo “A pesquisa histórica em trabalho e educação”, de Maria Ciavatta, também trata resultados iniciais de uma pesquisa em andamento referente ao ‘pensar historicamente’, tratando questões referentes a como se elabora, no âmbito da pesquisa, a história da relação nominal entre Trabalho e Educação. Nesse sentido, a autora refuta as posições positivistas, a-históricas, generalistas e pós-modernas para reconstruir o real da relação entre trabalho e educação calcada nas referências marxianas para análise da realidade.

O texto seguinte “As pesquisas sobre instituições escolares: o método dialético marxista de investigação”, de autoria de Paolo Nosella e Ester Buffa, apresenta uma importante contribuição no tocante a referencial teórico e metodológico ao campo da historiografia de instituições escolares, ao apontarem que o estudo da totalidade histórica requer o uso do método dialético, pois ele permite aproximação do singular. Apresentam um balanço crítico dos estudos realizados desde 1950 até os dias atuais, as contribuições e características do método dialético e concluem reafirmando a defesa no investimento em estudos de instituições escolares conquanto apresentem percalços e possíveis perigos de desvios metodológicos, pois que esses estudos costumam mobilizar paixões que podem acender motivações para envolvimento em projetos de mudança social e elevação do nível de responsabilidade dos educadores por seus atos e gosto pelo estudo de história local e nacional.

O penúltimo texto do livro, “Trabalho e educação – o desafio para se construir uma política em rede para formação dos trabalhadores”, é de autoria de Gilmar Pereira da Silva. Levanta pontos relevantes a um trabalho de pesquisa em rede e os desafios que os pesquisadores terão que enfrentar. O autor descreve as bases em que os estudos estão acontecendo no âmbito do Projeto Laborar, que envolve a UFPE, A UFMG e UFPA, bem como as ênfases referentes ao estudo da educação de trabalhadores executado em cada uma dessas unidades e a diversidade metodológica necessária à execução do mesmo.

“O marxismo e a pesquisa qualitativa como referências para investigação sobre educação profissional” é o último texto do livro, de autoria de Ronaldo Marcos de Lima Araujo, que discute e combate uma ideia recorrente nos espaços acadêmicos da incompatibilidade entre pesquisa qualitativa e referencial marxista.

O livro representa, pois, uma importante obra no campo da metodologia de pesquisas sobre políticas de formação de trabalhadores sendo de interessante e proveitosa leitura porque trata as questões metodológicas por dentro dos relatos de estudos e experiências de pesquisadores distintos da área de Trabalho e Educação.

Elinilze Guedes Teodoro – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará, IFPA, Belém, Pará, Brasil. E-mail: elinilze.teodoro@ifpa.edu.br

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Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da academia | Russell Jacoby

Em meio à última greve nas Instituições Federais de ensino, a leitura de Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da Academia, levanta um debate franco sobre o papel das universidades brasileiras, de seus professores e de sua bandeira: ensino, pesquisa, extensão. Esgotado no Brasil e pouco conhecido, o livro de Russel Jacoby, um professor exmilitante de esquerda apresenta uma crítica sobre o papel do intelectual frente aos problemas do seu tempo. Foca-se na área das ciências humanas e da literatura estendendo-se um pouco ao jornalismo e aos contextos do antes e do pós-guerra nos Estados Unidos, momento da expansão dos campi por todo o país. O autor defende a tese de que naquele país o intelectual público desapareceu completamente, não deixando ninguém no seu lugar, exceto um punhado de professores universitários tímidos, dominados por um jargão peculiar nos quais ninguém na sociedade prestava muita atenção, independentemente, se conservadores ou esquerdistas. Além desse trabalho, o único prublicado no Brasil, Jacoby é autor de Social Amnesia (1975), The dialetc of Defeat (1981) e The Repression of Psychoanalysis (1983). Leia Mais

Past Bodies. Body-Centered Research in Archaeology – BORIC; ROBB (DP)

BORIC, Dusan; ROBB, John (Eds). Past Bodies. Body-Centered Research in Archaeology. Oxford: Oxbow Books; The Cromwell Press, 2008. Resenha de: BUDJA, Mihael; PETRU, Simona. Documenta Praehistorica, v.37, 2010.

The body in archaeology is both omnipresent and invisible.” (Bori! and Robb, p.1) The book is a collection of essays resulting from two symposia, ‘Past Bodies’ in Cambridge in 2006, and ‘Acting and Believing: An Archaeology of Bodily Practices’, held at the Society for American Archaeology meetings at San Juan, Puerto Rico in 2006. The book is in four sections, with papers grouped by general theme or approach in order to draw attention to cross-disciplinary linkages. The first section presents a general introduction to social theories of the body and an overview of relevant archaeological methodologies.

The second presents studies of the represented body, and the third, studies of the body in death. The fourth section contains studies which cut across traditional domains of study such as representation and burial, and focus upon the socially contextualised body at particular historical moments.

The articles range from the hunter-gatherers of the Upper Palaeolithic through modern British populations. The majority refers to the European sequence, but there are discussions of Near Eastern, North American and Mesoamerican cases. The book offers three theoretical implications: (i) it underscores the productive richness of the concept of the body in archaeology; (ii) it shows that the archaeology of the body is not the monopoly of a single province of archaeology, particularly data-rich regions; (iii) it goes beyond such stereotypes and prejudices as ‘symbols, gender, agency, social relations and ritual experience, etc., are all very well, but you can only do them where you have texts’.

The book’s most significant contribution is its evidence and argumentation highlighting the partiality of the, traditionally Western, homo clasus conception of the embodied being. It accomplishes this through various demonstrations of the ‘relationality of embodied subjects’ and ‘fractal thinking’. It also addresses issues relating to questions of epistemology (knowledge and representation of the body), phenomenology (lived representations of the body), and ontology (the material bodily properties and capacities of our antecedents). The case studies provide explorations of corporeal knowing, sensing and being, and archaeology’s concern with the ‘open’ and varied relationships that exist between embodied subjects and the social bodies of tribe and society.

Mihael Budja and Simona Petru

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O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus de ciências naturais no século XIX – LOPES (VH)

LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus de ciências naturais no século XIX. São Paulo, Hucitec, 1997. Resenha de: FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Os Museus e a pesquisa.  Varia História, Belo Horizonte, v.18, n.27, p. 161-162, jul., 2002.

Os museus têm despertado interesse crescente enquanto objeto de pesquisa e intervenção de vários campos profissionais. Afinal, hoje, reconhece-se que estes espaços podem movimentar alguns milhões de dólares. Mas independente do fator econômico, os museus estão se tornando importantes enquanto objeto de pesquisa, mais especificamente os museus de ciência, criados no Brasil no século XIX, podem ser compreendidos como espaços privilegiados para analisar aspectos dos primórdios do desenvolvimento da pesquisa científica no País.

Podemos citar dois títulos que contemplam este objeto de estudo, respeitando as especificidades dos recortes temáticos e teóricos de cada um. São eles “O espetáculo das raças” de Lilia M. Schwarcz e “O Brasil descobre a pesquisa científica” de Maria Margaret Lopes, respectivamente publicados em 1993 e 1997. O primeiro recebeu ampla divulgação, mas o objetivo maior do texto não estava centrado nos museus e sim nas instituições e na questão racial no Brasil no século XIX. Mesmo assim, entre as instituições estudadas, os museus são contemplados. Ambas autoras escolheram como tema de análise para o entendimento do século XIX uma passagem pelo mundo dos museus brasileiros, especialmente os chamados museus de ciência.

De modo mais direto, este é o objeto de pesquisa de Maria Margaret Lopes em “O Brasil descobre a pesquisa científica”. A grande novidade do texto é a mescla entre a pesquisa histórica propriamente dita, especificamente no campo da história da ciência, com a literatura especializada em museologia. Mesmo tendo formação básica em geologia, a autora, ao desenvolver pesquisa histórica para fins do seu doutoramento, incorporou, não apenas o método histórico, ou parafraseando E. P. Thompson a “lógica da história”, como também dominou com destreza os meandros da discussão sobre museus nos tempos atuais. Desta forma foi possível realizar uma análise histórica, tendo como parâmetro um entendimento de museu extremamente contemporâneo. O pressuposto básico deste entendimento moderno de museus pressupõe que os objetos (exemplares da fauna, da flora, artefatos etc), ao serem recolhidos (retirados do contexto original) para tornarem-se objetos pertencentes ao acervo do museu, perdem seu valor primeiro, transformam o valor original, agregam novos valores. Esta metamorfose sofrida pelos objetos agregados aos acervos museológicos trata-se da formação/criação de novos semióforos, de acordo com Pomian1.

Outro ponto alto do texto em questão é ter privilegiado uma abordagem de história da ciência para se investigar as origens dos museus de ciência no Brasil. Se por um lado é possível identificar bons trabalhos de pesquisa sobre os primórdios da ciência no Brasil, por outro lado não havia uma preocupação em compreender os museus de ciência como espaços privilegiados de se produzir ciência. O texto em questão, O Brasil descobre a pesquisa científica, vem romper esta barreira e tabu, elegendo como tema central os próprios museus de história natural.

Os museus são espaços propícios às intervenções e análises interdisciplinares. Podem ser abordados do ponto de vista da comunicação com o público, da organização do acervo, da estrutura das exposições, das políticas de comunicação e intercâmbios com instituições afins para citarmos alguns exemplos. Mas os museus também podem ser estudados e analisados a partir da sua origem e das relações estabelecidas para viabilizar sua existência. Dentro deste ponto de vista o estudo dos museus insere-se no espaço da história da ciência.

No final do livro encontram-se algumas ilustrações que sem dúvida ganhariam se estivessem apresentadas ao longo do texto.

Nota

1 pomian, k. coleção. enciclopédia einaudi, 1. memória – história. porto: imprensa nacional/casa da moeda, 1984.

Betânia Gonçalves Figueiredo – Professora do Departamento de História – UFMG – Grupo Scientia & Technica.

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La Investigación Didáctica de las Ciencias Sociales. Perspectivas y aportaciones desde la Enseñanza y el aprendizaje de las nociones económicas – TRAVÉ GONZÁLEZ (RTDCS)

TRAVÉ GONZÁLEZ, Gabriel. La Investigación Didáctica de las Ciencias Sociales. Perspectivas y aportaciones desde la Enseñanza y el aprendizaje de las nociones económicas. 1988. Huelva: Universidad de Huelva-Servicio de Publicaciones, 1988. Resenha de: ARRIAGA, Rebeca Pérez. Revista de Teoría y Didáctica de las Ciencias Sociales, Mérida, n.7, p.280-287, ene./dic., 2002.

La obra La Investigación Didáctica de las Ciencias Sociales.Perspectivas y aportaciones desde la Enseñanza y el aprendizaje de las nociones económicas de Gabriel Travé, se circunscribe dentro de la discusión de la dicotomía entre la teoria y la práctica, la investigación didáctica y la realidad escolar. Dentro de este contexto el autor plantea la necesidad de generar una investigación en torno a la práctica y aplicación de la teoría. En ella se expone la falta de una visión holística de la realidad, producto de la visión de una educación estática y conservadora ligada a los esquemas de la práctica individual y exploratoria.

Aspectos estos reflejados en los problemas que se abordan en el estudio de la Didáctica, así como la selección de los temas de estudio y la escasez de recursos humanos y económicos.

Travé Gonzalez nos plantea como objeto fundamental de su trabajo, el análisis y reflexión sobre el problema de la práctica educativa basado en estudios publicados, a fin de plantear nuevas investigaciones que conlleven a una propuesta alternativa. Cabe destacar que este trabajo se ubica dentro del contexto más amplio en el cual el autor planteó su tesis doctoral, el programa IRES (Proyecto de Investigación y Reforma Escolar).

La obra de Travé se estructura en seis capítulos referidos a las siguientes temáticas : La investigación didáctica; la investigación sobre el aprendizaje de la economía en la educación obligatoria; las concepciones económicas de los alumnos; investigación sobre la enseñanza de la noción de economía; el curriculum en la práctica y análisis de casos y, finalmente, cómo mejorar los procesos de enseñanza y aprendizaje de la economía.

En el capítulo I, Investigación didáctica, se realiza una descripción general de la investigación didáctica actual, fundamentalmente en el ámbito de las ciencias sociales y, de los modelos y métodos empleados para tal efecto. Este capítulo cubre varios aspectos como:

a) Estado de la investigación didáctica. Se plantean las variaciones del concepto de didáctica a través del tiempo, desde el enfoque de la didáctica como “arte de enseñar,” usado en la antigüedad, pasando por la década de los setenta del siglo pasado cuando se vislumbran dos enfoques divergentes: la corriente metodológica, fundamentada en el positivismo y concepciones conductistas del aprendizaje y, la corriente alternativa en la cual se concibe el objetivo de la didáctica como la formación del profesorado con el fin de intervenir en los procesos de enseñanzaaprendizaje mediante una preparación adecuada. Así mismo, hace un recorrido sobre el estado de la educación en Europa, Iberoamérica y Estados Unidos; destacando que entre los principales temas están el estudio de las diferentes facetas asignadas al profesor, dificultad del aprendizaje de los alumnos, el estudio del curriculum como medio para impartir la enseñanza y, cómo actuar y mejorar la selección, secuencia y organización del conocimiento escolar. Se menciona que en el campo de la metodología de la investigación, el paradigma positivista pierde terreno frente a las corrientes interpretativas y críticas.

b) En el aspecto referido a los modelos de investigación didáctica, plantea la relevancia de delimitar el modelo de investigación educativo, aunque indica que no todos los enfoques de investigación didáctica poseen el mismo marco de referencia.

c) En cuanto a la metodología e instrumentos de investigación se menciona, dentro del contexto de la integración de métodos cuantitativos y cualitativos, que es el propio investigador el principal instrumento de la investigación. Se indica el acuerdo general en la necesidad de unificar los procedimientos cualitativos con los cuantitativos en los procesos de experimentación y evaluación educativos.

d) Otro aspecto que se toca en este primer capítulo son las perspectivas de la investigación en didáctica de las ciencias sociales. Aquí analiza las características de la investigación educativa actual. Así mismo, desde la prospectiva didáctica, se proponen cinco campos de estudio para las futuras investigaciones en la didáctica de las ciencias sociales. Para Travé González, los tipos de estudio en la didáctica de las ciencias sociales se circunscriben a la investigación centrada en el profesor, la investigación basada en el curriculum, la investigación referida al alumno y, la investigación ecológica.

e) Un último aspecto se refiere a la investigación de la didáctica y los modelos de formación del profesorado, en el cual se plantean los estudios realizados sobre la profesión docente desde la óptica de diferentes autores.

El capítulo II, La investigación sobre el aprendizaje de la Economía en la educación obligatoria, versa sobre la descripción realizada por distintos investigadores acerca de las dificultades y problemas del educando para la construcción del conocimiento social y económico y su explicación coherente. Este capítulo contiene aspectos referidos a los siguientes aspectos:

a) el análisis de los estudios realizados sobre las concepciones económicas de los alumnos, siendo la producción en esta línea escasa. Para ello se utilizó como técnica el uso de pruebas y entrevistas y, como método de análisis las pruebas paramétricas y no paramétricas así como la elaboración de niveles o etapas en la construcción del pensamiento económico de los niños, según los estadios establecidos por Piaget a nivel general.

b) la investigación sobre la construcción de las relaciones de intercambio, específicamente referido a la compra-venta, las ganancias o beneficios, el dinero: su origen y función, la riqueza y sus causas, los bancos, el ahorro y los beneficios. Aquí se analizan algunos trabajos sobre las dificultades en la construcción del conocimiento de las relaciones de intercambio. c) Estudios sobre las relaciones de producción y los problemas medioambientales.

Plantea Travé, la escasez de investigaciones en las cuales se analizen los aspectos colaterales de los procesos de intercambio. d) Por último, se introduce el autor en la explicación de las dificultades del aprendizaje sobre el sistema económico. El autor recoge de los trabajos antes descritos las propuestas para mejorar el aprendizaje escolar.

En el capítulo III, Concepciones económicas de los alumnos, se aborda en la educación obligatoria y en el Magisterio.

En este capítulo, el autor, de forma aplicada analiza los problemas del aprendizaje expuestos en el capítulo II para contrastar las problemáticas de otros entornos y autores, con el ambito en el cual se ubica Gabriel Travé. La finalidad ultima es plantear hipótesis de progresión del conocimiento económico que sirvan de asidero para la actuación docente. Se estructura este capítulo en: una exposición del problema y objeto de la investigación, en este caso la evolución de las concepciones económicas del alumnado para detectar las dificultades del aprendizaje en diversos procesos. Luego, pasa a definir los instrumentos y fases de la investigación, en los cuales se selecciona la entrevista estandarizada no secuenciada como método de exploración de la concepción del educando. Se exponen cuatro fases: diseño de la entrevista; reformulación del cuestionario base y, la construcción de instrumentos definitivos a implementar en una muestra seleccionada, refrida a: procesos de venta, distribución, producción y extracción de productos y, el impacto ambiental que provoca al medio. Se plantea el análisis de datos para, finalmente, exponer una serie de conclusiones referidas a dos aspectos concretos: 1) la comparación con investigaciones comentadas en el capítulo II y, 2) aspectos que guien el planteamiento de otros estudios empíricos ya realizados.

En el capítulo IV, Investigación sobre enseñanza de las nociones económicas, se plantean aspectos como: el análisis de las diversas investigaciones cuyo objeto gira alrededor de la enseñanza económica así como las propuestas curriculares que contemplan: contenido, recursos, revisión de distintas investigaciones sobre la concepción económica del profesorado.

Por otra parte, se alude a la marginación del curriculum básico y de investigación de la didáctica de las ciencias sociales. También expone Travé González, el aspecto concerniente a la heterogeneidad en el desarrollo de la enseñanza económica reflejada en los distintos programas, diseños curriculares y materiales didácticos; no sin dejar a un lado los puntos de convergencia como: las tendencias ideológicas, estatus que ejerce el curriculum, los recursos y materiales usados, el qué y cuándo enseñar, la formación inicial y permanente del profesional.

Este capítulo contiene los aspectos siguientes:

a) El análisis de la investigación centrada en la enseñanza de las nociones económicas, la cual data de los años 60, siglo XX, en los países desarrollados.

b) La investigación sobre los contenidos económicos, en el cual se discuten: 1º) El contexto de los conocimientos económicos como elemento básico para la formación integral del ciudadano. 2º) El hecho que los contenidos de los planes de estudio estén impregnados de los intereses, demandas y principios ideológicos, manifestados en la tendencia económica emergente de cada sociedad. 3º) La enseñanza a partir del análisis de los hechos económicos, en la cual Travé plantea algunas ideas clave propuestas por varios autores para la enseñanza de las nociones económicas, caracterizadas fundamentalmente por la tendencia neoliberal. 4º) La reformulación del curriculum obligatorio en la enseñanza económica de EEUU por la National Commission on Sotial Studies en the Scholl en 1989. Se señala el intento de relacionar conceptos económicos estudiados en la escuela con la forma de introducirlos en propuestas hechas por varios autores, 5º) En investigaciones sobre recursos y materiales expone la clasificación de este elemento curricular, según la actividad desarrollada propuesta en el estudio norteamericano de Kourilsky. Igualmente, muestra los principales conceptos económicos propuestos por distintos autores y algunos estudios realizados sobre recursos y materiales en la enseñanza económica y formación de profesores. 6º) Finalmente, se tratan las investigaciones acerca del pensamiento económico del profesorado y la formación inicial y permanente. Se plantea en este punto que el valor e importancia asignados a la materia curricular y el conocimiento profesional que tengan los educadores determina, en mayor o menor grado, la calidad de la docencia.

Partiendo de allí, el autor analiza las diferentes investigaciones sobre el papel que juegan los profesores en el desarrollo del tema económico.

El capítulo V, El curriculum en la práctica. Análisis de caso, el autor trata la importancia de la planificación, experimentación y evaluación de los diseños curriculares como un requisito metodológico en cualquier propuesta didáctica.

En este libro, La Investigación Didáctica de las Ciencias Sociales, el autor parte de la fundamentación teórica y los resultados de los estudios analizados en los capítulos anteriores, para abordar la contrastación empírica mediante el proceso de experimentación curricular de una unidad didáctica: ¿de qué manera vivimos?: las actividades económicas. Esta unidad didáctica fue publicada en la Consejería de Educación de la Junta de Andalucía y ejecutada por Estepa, Travé y Wanbi en 1995.

En este capítulo, el proceso de investigación en la experimentación de la unidad didáctica, que se explica a detalle, se estructura en : Análisis del contexto escolar, Planificación del proyecto, Negociación, Exploración del desarrollo de la unidad, Análisis de resultados, Información y, Propuestas de mejoras.

Finalmente en el capítulo VI, Cómo mejorar los procesos de enseñanza y aprendizaje de la Economía, Travé plasma las conclusiones más relevantes, a su juicio, en el recorrido por su obra, partiendo de uno de los grandes objetivos de su libro: obtener una perspectiva sincrética y somera de la investigación en el campo de la didáctica de las ciencias sociales, centrado en la enseñanza/ aprendizaje de la economía en la educación obligatoria. Las conclusiones que expone, se sistematizan sobre la base del problema y objetivo de la investigación propuesta: primero, sintetizar la evolución de las concepciones económicas de los alumnos según la edad y nivel instruccional para detectar dificultades de aprendizaje; segundo, deficiencias presentes en la enseñanza de la economía en la etapa de la educación obligatoria.

De allí se desprenden sus conclusiones en relación a: a. Conclusiones y dificultades detectadas en la construcción del conocimiento económico, que incluye: conclusiones y deficiencias detectadas en la enseñanza; descripción y valoración de los resultados obtenidos en la enseñanza/aprendizaje de la unidad didáctica experimental sobre la noción económica.

  1. Propuestas didácticas para mejorar la enseñanza económica.
  2. Perspectiva en la línea de investigación del trabajo de Travé, enmarcado en el Proyecto de Investigación y Reforma Escolar (IRES).

Así pues, La Investigación Didáctica de las Ciencias Sociales.Perspectivas y aportaciones desde la Enseñanza y el aprendizaje de las nociones económicas de Gabriel Travé González resulta un llamado interesante a reflexionar sobre la base de la investigación-acción, a juicio de esta autora, sobre la problemática de la didáctica de la enseñanza de la economía.

Desde el espectro más amplio de las Ciencias Sociales, nos permite a los distintos profesionales que deambulamos por los diversos campos que componen este ambito del conocimiento, plantearnos análisis de este tipo con miras a contribuir a mejorar la calidad de la enseñanza en la educación básica y media venezolana, tan alejada de la mira de los investigadores que laboran en las áreas sistemáticas aplicadas de los recintos universitarios.

Rebeca Pérez Arriaga – Escuela de Geografía. Universidad de Los Andes. Mérida-Venezuela.

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História e prática: a pesquisa em sala de aula / André Joanilho

A Proposta Curricular para o Ensino de História, lançada sob responsabilidade da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, em 1992, tem gerado inúmeras controvérsias, desde o seu surgimento até sua aplicação -ou não -nas escolas públicas paulistas. É no contexto de sedimentação desses debates que surge o livro de André Luiz Joanilho (Mercado de Letras, 1996), que propõe a realização de uma a análise crítica da “Proposta” (como ficou conhecida entre os professores). Para tanto, circunda esta análise com uma reflexão sobre os mecanismos de funcionamento da instituição escolar, a política educacional do governo paulista e uma proposta de metodologia para viabilização da Proposta através do trabalho com projeto de pesquisa em sala de aula. É preciso lembrar que este novo currículo surge no contexto em que o govemo peemedebista estava implantando o projeto “Escola-Padrão”, derivando disto, muitas vezes, uma interpenetração das críticas tecidas sobre os dois assuntos.

O núcleo da obra, portanto, é a crítica da Proposta Curricular, no que o autor segue o comentário geral entre os profissionais aos quais pediu-se a sua implantação: a proposta é teoricamente boa, bem elaborada, mas na prática é de difícil -senão impossível aplicação. Para reforçar esta tese, Joanilho elenca o comodismo sistemático dos corpos docente e discente, viciados nas metodologias tradicionais e no livro didático, a estrutura da escola em si, os graves problemas de formação da maioria dos professores de história, a descontinuidade e má qualidade dos cursos de aperfeiçoamento e materiais de complementação pedagógica lançados pela Secretaria da Educação.

A questão central é o jogo entre o ideal e o real, e as conseqüências da aplicação de um bom princípio teórico Joanilho afirma que sua crítica é externa, e não interna numa realidade educacional que muito deixa a desejar. Invertendo a ordem dessa problemática, poderíamos perguntar se faz sentido lançar propostas que não ultrapassem a situação dada, sejam plenamente factíveis e, conseqüentemente, não introduzam mudanças.

Para Joanilho, a flexibilidade da Proposta traz duas ordens de problemas. Em primeiro lugar, o professor, fragilizado em sua formação e em suas condições de trabalho, sente-se perdido e inseguro perante a responsabilidade de criar os próprios materiais e conduzir a ordem dos conteúdos. Por outro lado, essa flexibilidade (que o autor chama de lacunas) , perante a situação discutida acima, traz o risco de que a aplicação do novo currículo não altere nada ou pior, que crie incoerências e que caia no senso comum, prestando um desserviço à causa do aperfeiçoamento e adequação do ensino de história às novas vertentes teóricas e metodológicas. A isso, seria preferível a coerência dos currículos tradicionais.

A ingenuidade da Proposta estaria em crer que a organização em torno de temas, em substituição à linearidade dos conteúdos, seria capaz de induzir o profissional a uma nova abordagem prática em sala. Faltaria, então, um recheio de orientações, critérios, dicas, material, enfim, uma normatização. Todavia, uma concepção de proposta inovadora que preferisse cercar todas as possibilidades e fornecer todo o material a ser trabalhado acabaria por passar longe das pretensões de construção crítica do conhecimento, de abertura à pluralidade de visões, de valorização do professor enquanto profissonal competente. Não seria “Proposta”, mas a imposição que acabou ocorrendo pelo seu mal uso nos corredores da burocracia, fazendo com que a inovação pendesse, nas escolas, como ameaça sobre a cabeça dos menos avisados.

Joanilho acaba cobrando da Proposta responsabilidades que não cabem a ela: seu papel, antes de mais nada, é sugerir, colocar ideais e questionamentos, introduzir uma crise de crescimento no seio do professorado, deixando evidentes as deficiências para que

o corpo docente sinta a necessidade de aperfeiçoamento e cobre isso dos órgãos competentes. Faltam critérios, claras orientações metodológicas, e até mesmo material para ser utilizado, afirma; não há, apesar da competência e boa vontade de seus elaboradores, verdadeira intenção de que os objetivos sejam atingidos (protegida pela falsificação do marketing, a política educacional sabotaria a si mesma).

Ao analisar os mecanismos de funcionamento da escola, Joanilho explica, pelos mesmos, as “deficiências” da Proposta: o objetivo das reformas introduzidas pela escola padrão não é criar o aluno crítico e com formação humanística, mas sim produzir trabalhadores semiqualificados que preencham imediatamente o mercado de trabalho ou que ingressem nas universidades pagas, de qualidade duvidosa. Daí aparecer como extremamente oportuna a defasagem não resolvida entre a teoria da proposta e a prática manca das salas de aula. As incompetências do professor são deliberadas -premeditadamente, ao que parece e mantidas de forma a garantir que a proposta não funcione. Esta visão pessimista da instituição escolar não leva em conta sua heterogeneidade nem a presença marcante das subjetividades no processo, ou o dado de que aproximadamente 40% dos alunos da Unicamp, por exemplo, são egressos da escola pública (Jornal da Unicamp, jul./96, p. 2). A abordagem da escola como fábrica de um tipo especial de mais-valia, comprova esta perspectiva da qual o autor lança mão para sua crítica.

Para Joanilho, a “aplicação da Proposta pura e simples” resulta em aberração, em um ensino incoerente e improdutivo. Mas a Proposta não está de todo perdida. Guardadas as advertências, bem como as suas sugestões metodológicas apresentadas (projeto de pesquisa em sala de aula), que visam atender à lacuna que foi deixada, é possível quebrar a ordem estabelecida pela política educacional paulista e fazer o oposto do que era esperado: fazer com que a Proposta funcione ( !). Não é mais do que desejamos todos nós, comprometidos com o processo de aperfeiçoamento do ensino de história. E as contribuições são sempre bem vindas: a Proposta é estruturalmente aberta a elas.

Luis Fernando Cerri – Professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino Universidade Est. de Ponta Grossa-PR.


JOANILHO, André L. História e prática: a pesquisa em sala de aula. São Paulo: Mercado de Letras, 1996. Resenha de: CERRI, Luis Fernando. História & Ensino, Londrina, v.3, p.123-125, abr. 1997. Acessar publicação original .[IF]