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O polímata: uma história cultural – De Leonardo da Vinci a Susan Sontag | Peter Burke
O polímata: uma história cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag foi publicado, simultaneamente, no ano de 2020, em língua inglesa pela Yale University Press e em língua portuguesa pela Editora Unesp. Mais recente livro do historiador inglês Peter Burke – professor da Universidade de Cambridge e considerado um dos intelectuais mais conceituados a respeito da Idade Moderna europeia e da história cultural –, traz uma narrativa cativante que se destaca pela “erudição e clareza”, como descreveu o jornalista João Pombo Barile (2021), e por “seu caráter pedagógico”, como sugeriu a professora e escritora Carlota Boto (2021).
O livro trata da história cultural de pensadores/as que influenciaram, sobremaneira, seus períodos históricos e os subsequentes, por meio de saberes vastos e de uma prolífica atuação no trabalho da produção do conhecimento, a exemplo de Hipátia de Alexandria, Cristina de Pisano, Alberto, o Grande, Leonardo da Vinci, Francis Bacon, Blaise Pascal, Comenius, Marie de Gournay, Sóror Juana Inés de la Cruz, Gottfried Wilhelm Leibniz, Giambattista Vico, os irmãos Wilhelm e Alexander von Humboldt, Charles Darwin e, entre alguns mais recentes, Norbert Elias, Umberto Eco, Susan Sontag e Michel de Certeau. Burke traz relevo “sobre indivíduos e pequenos grupos interessados no quadro geral nos detalhes, muitas vezes dedicados à transferência ou ‘tradução’ de ideias e práticas de uma disciplina para outra” (p. 16). Em outras palavras, indivíduos e grupos que se empenharam em aprofundar seu olhar sobre assuntos mais específicos como a ampliar seu campo de visão por meio das relações e associações promovidas com outras disciplinas, matérias e intelectuais. Leia Mais
Key Thinkers of the Radical Right | Mark Sedgwick
SEDWICK Mark. Foto: Rascunho.com /
Quando pensamos em uma direita radical, podemos imaginar skinheads e neonazistas usando suásticas. Existem, porém, intelectuais da direita radical que ocupam um espaço cada vez mais relevante e, embora alguns tenham explicitamente apoiado nazistas e fascistas, outros, de fato ou retoricamente, se afastam dos estereótipos mencionados. O livro organizado por Mark Sedgwick, historiador especializado no estudo do tradicionalismo, islamismo, misticismo sufi e terrorismo, busca expor, de forma sintética, os pontos centrais do pensamento de 16 intelectuais ligados à direita radical.
Cada capítulo é escrito por um autor diferente e dedicado a um dos intelectuais, passando por autores clássicos, da chamada Nouvelle Droite, identitários, libertarianos (ou libertários), neoconservadores, paleoconservadores, contrajihadistas, neorreacionários e a denominada alt right.
É importante ressaltar que a obra não é uma apologia dos pensamentos desses formadores de opinião da direita radical, mas uma relevante ferramenta para compreender os argumentos, posicionamentos e táticas desse campo ideológico bastante plural, uma vez que é possível verificar no decorrer do livro uma variação muito grande de pensamento e uma forte discordância entre os autores, o que serve para demonstrar as nuances existentes dentro da direita radical, a qual poderia ser considerada, erroneamente, como monolítica.
O livro é dividido em três partes: Classic Thinkers, Modern Thinkers e Emergent Thinkers. O primeiro capítulo aborda quatro pensadores clássicos: Oswald Spengler, Ernst Jünger, Carl Schmitt e Julius Evola. Todos, exceto Spengler, produziram durante o período em que o nazismo alemão e o fascismo italiano estavam no poder, mas apenas Schmitt foi um membro ativo do partido nazista, enquanto Evola teve aproximações com nazistas e fascistas.
A obra mais conhecida de Spengler [2] é “O declínio do Ocidente” cujo primeiro volume foi publicado logo após o final da Primeira Guerra Mundial. A filosofia histórica de Spengler era baseada em dois pontos: a existência de entidades sociais chamadas de “culturas” como os maiores atores da história, sendo que esta não possuiria objetivo ou sentido metafísico. O segundo ponto é que a evolução dessas culturas corresponderia aos estágios de um ser vivo, tendo uma infância, juventude, idade viril e velhice. A cultura ocidental teria adentrado seu último estágio com a ascensão de Napoleão e as ideias calcadas na tecnologia, expansão, imperialismo e sociedade de massas. Seu declínio se daria a partir do ano 2000. Esse pensamento é responsável por duas ideias importantes da direita radical: a visão apocalíptica de um declínio e o foco em culturas e civilizações em detrimento de nações ou Estados.
Jünger [3], por sua vez, possui como obra de destaque In Stahlgewittern (Tempestades de aço), uma memória de sua participação na Primeira Guerra Mundial e que apresentava um olhar sobre sua atuação na guerra, apresentada como heroica e masculina. Na sua visão, a guerra trazia os homens de volta a um estado natural, revelando os ritmos primordiais violentos da vida que ficavam abaixo do verniz da civilização. As suas ideias de virilidade e luta, bem como uma construção posterior de que a única forma de se proteger de demagogos e tiranos que manipulavam a tecnologia para atingir as massas seria se afastar para um “eu autônomo”, ou, como Jünger coloca, um Anarco, repercutem até hoje nos meios da direita radical.
O jurista alemão Carl Schmitt [4] talvez seja o mais conhecido fora dos círculos de direita, uma vez que foi considerado o jurista principal do nacional-socialismo. Sua maior contribuição para a direita radical é sua distinção entre amigo e inimigo, nós e eles, um pensamento binário ainda facilmente encontrado na retórica extremista. Schmitt também opôs dois conceitos, o “Estado de Normalidade” e o “Estado de Exceção” para argumentar que, em certos casos, seria necessário um governo ditatorial para representar uma comunidade política através de decretos, não da lei, como forma de estabilizar as relações legais. Obviamente esses argumentos possuíam um potencial antidemocrático e foram utilizados pelos nazistas.
O italiano Julius Evola [5] tem forte ligação com o tradicionalismo no sentido dado pelo francês René Guénon [6], apesar de possuírem pontos de discordância. Seu estudo do tradicionalismo é mais bem refletido em sua obra “Revolta contra o mundo moderno”. A tradição integral derivaria de um perenialismo no qual todas as visões metafísicas de mundo e as mais importantes religiões seriam teriam uma origem divina, imutável e inquestionável. O mundo moderno, caracterizado pela civilização ocidental, tecnologia e baseado no materialis materialismo, seria “vindo de baixo”, o exato contrário da tradição. O tradicionalismo poderia ser visto em suas últimas luzes no catolicismo medieval, entrando em declínio durante a Renascença e, especialmente, após a Revolução Francesa. O mundo estaria, portanto, em declínio, e uma recuperação só seria possível após o colapso do mundo moderno, ou seja, seria necessário “cavalgar o tigre” (Cavalcare la tigre, título de sua obra pós-guerra) até que ele desabe.
A segunda parte do livro, destinada aos pensadores modernos, inicia com dois autores franceses ligados à Nova Direita (Nouvelle Droite), Alain de Benoist e Guillaume Faye. De Benoist [7], autodeclarado pagão, assim como Evola, publicou 106 livros e mais de 2 mil artigos. Após a independência da Argélia, de Benoist decidiu deixar de lado o ativismo nas ruas, visto como inútil, e focar na metapolítica, retirando do comunista Antonio Gramsci a ideia de que a hegemonia ideológica é a condição da vitória política. Assim, se alguém quer que suas ideias modelem a sociedade, é necessário trabalhar no plano das ideias antes.
As bases principais nas obras escritas por de Benoist podem ser sumarizadas em três pontos: primeiramente, a crítica à primazia dos direitos individuais, que seriam uma consequência do humanismo do século XVIII e resumidos nas Revoluções Americana e Francesa. A segundo base é que o perigo central que o mundo estaria enfrentando poderia ser visto na hegemonia do capital e na busca de interesses próprios. Sua crítica ao capital não deve ser tomada em um sentido marxista, mas dentro da tradição anticapitalista nacionalista, uma vez que o risco do consumismo e do livre mercado seria o apagamento das identidades dos povos. Por fim, o terceiro ponto é sua oposição ao Estado-nação, favorecendo a ideia de uma Europa federalizada com o reconhecimento de comunidades baseadas na etnia, linguagem, religião ou gênero.
Faye [8], por sua vez, contribuiu para a direita radical com o que chamou de “arqueofuturismo”, a aceitação dos avanços científicos e tecnológicos combinada com uma sociedade que permaneceria tradicional. Após considerar os regimes árabes como aliados naturais da França e criticar o papel dos EUA, Faye se transformou em um defensor do nativismo, discursando contra a imigração e os muçulmanos e em defesa dos interesses étnicos europeus. Os imigrantes estariam colonizando a Europa através de altos índices de natalidade, impondo uma substituição étnica. Seguindo uma ideia pseudodarwinista, a luta pela sobrevivência se daria no plano das civilizações.
Os três autores seguintes explorados no livro são norte-americanos: Gottfried, Buchanan e Taylor. Os dois primeiros são conhecidos paleoconservadores, sendo que Gottfried [9] se destaca pela sua desconfiança em relação às elites globais que, segundo ele, suportariam um “Estado gerencial” contrário às bases tradicionais da sociedade, aproximando-se, portanto, do tradicionalismo.
Buchanan [10] assemelha-se a Gottfried na visão de que a sociedade norte-americana é baseada na sua história e na herança europeia branca, não em princípios universais abstratos. É possível verificar uma visão apocalíptica em seu pensamento, especialmente em sua obra principal, The Death of the West, segundo a qual os EUA e os países europeus estariam na linha de frente de um ataque. Os europeus (brancos) estariam enfrentando uma ameaça comparável à peste negra, uma vez que as taxas de natalidade teriam caído drasticamente. Um dos culpados por essa decadência seria o feminismo, que, somado a outras formas de ataques culturais à tradição ocidental, poderia ser ligado a pessoas com objetivos marxistas ou à Escola de Frankfurt, a qual Buchanan considera um suspeito principal. Sua combinação de um comunitarismo europeu branco, hostilidade às elites globais que não dariam importância às raízes locais e preocupação com a imigração mexicana nos EUA teve impacto nas eleições norte-americanas de 2016.
Jared Taylor [11], de seu lado, possui um foco quase exclusivo na questão racial. Apesar de acreditar em fatores culturais e históricos, Taylor enfatiza o papel da genética e das raças nos tipos de sociedades existentes. Uma das intenções de Taylor é fazer com que as pessoas brancas possam se expressar em relação a si mesmas e à questão racial sem ser demonizadas em relação a isso. Vendo como imprescindível para a nação uma homogeneidade cultural, racial e linguística, argumenta que a maior preocupação nos EUA deveria ser a limitação ou impedimento da imigração de não brancos.
O autor abordado na sequência é Alexander Duguin [12], conhecido ideólogo russo que mistura doutrinas diversas, passando pelo tradicionalismo, a nova direita francesa e o eurasianismo, pregando uma renovação do nacionalismo russo por meio das tradições europeias. Para isso, seu pensamento se apoia em dois conceitos-chave: a questão da Eurásia, através da qual Duguin acredita no papel central da Rússia como Estado e da Eurásia como civilização capaz de regenerar a nação russa. Em segundo lugar, o conceito de uma revolução conservadora. Ao contrário de prezar mudanças graduais, Duguin acredita em uma revolução conservadora para se opor ao liberalismo e avançar as pautas conservadoras. No seu livro The Fourth Political Theory, ele renuncia ao que chama de segunda e terceira teorias políticas (comunismo e nacionalismo/ fascismo) e considera o liberalismo uma ideologia totalitária em virtude de seu caráter normativo. A quarta teoria política viria para negar a modernidade como um todo. Duguin talvez tenha mais impacto fora da Rússia do que dentro, tendo inclusive participado de um debate online com Olavo de Carvalho em 2011.
A última autora abordada é Bat Ye’or [13], proeminente contrajihadista que descreve a existência de uma conspiração envolvendo a União Europeia e países de maioria muçulmana do norte da África e Oriente Médio que buscariam estabelecer o controle muçulmano da Europa, ou “Eurábia”. Seu trabalho inspirou o terrorista de extrema-direita Anders Breivik na Noruega e continua a ser debatido no campo da direita radical em relação a uma “islamização” da Europa.
A terceira e última parte do livro diz respeito aos pensadores emergentes, mais jovens que os tratados anteriormente e que propagam suas ideias principalmente através da internet. Dos cinco autores tratados, quatro são norte-americanos e um é sueco, o que revela que a direita radical europeia ainda está dominada por pensadores da geração anterior, especialmente ligados à nova direita francesa e Duguin.
Mencius Moldbug [14], apelido de Curtis Yarvin, é um ex-libertariano (ou libertário, como preferem se autodenominar no Brasil) que prega a necessidade de se livrar do “controle de pensamento” feito por uma elite progressista e rejeitar o “vírus” da democracia, fazendo uma fusão entre o libertarianismo radical e o autoritarismo no que denomina “neorreação”. O regresso a uma autoridade e hierarquia contra a democracia e o igualitarismo poderia salvar a sociedade do seu declínio. Sua utopia envolve liberdade máxima, exceto na política. A ordem econômica seria gerida por uma sociedade inteiramente privatizada, enquanto a ordem política teria o modelo de uma corporação, com o Estado privatizado encabeçado por um CEO-monarca eleito por grandes proprietários.
Apesar de suas ideias parecerem esdrúxulas, Moldbug possui contatos com o site Breitbart, Steve Bannon e o bilionário Peter Thiel, além de ter boa inserção nos meios jovens ligados à tecnologia, bem como na alt right.
Greg Johnson [15], por sua vez, também esteve próximo do libertarianismo e é editor-chefe do site Counter–Currents, que se propõe a criticar a liberdade liberal na América do Norte à luz do tradicionalismo e das ideias da nova direita europeia. Johnson é mais um pensador que foca seus esforços na questão da metapolítica, visando criar um movimento cultural e intelectual que seja capaz de promover mudanças políticas reais e, finalmente, o estabelecimento de um etno-Estado branco, uma vez que ele é defensor de uma etnopluralidade, segundo a qual todas as raças e etnias deveriam ter sua própria pátria. Johnson é o único entre os autores modernos e emergentes que expressamente revela simpatia pelo nazismo.
O terceiro pensador emergente tratado é o conhecido Richard Spencer [16], presidente do National Policy Institute, um think tank nacionalista branco fundado pelo multimilionário William Regnery II. Spencer se diz responsável pela criação do termo “alt right”. Tamir Bar-On, autor do capítulo sobre Spencer, sintetiza os contornos do seu pensamento:
Uso da internet como o principal veículo para provocar tanto conservadores quanto liberais com ideias e linguagem politicamente incorretas; rejeição do multiculturalismo liberal; desdém pelo capitalismo, já que ele tem a tendência de homogeneizar diversos povos e culturas; apoio a comunidades políticas unidas a identidades europeias brancas; o desafio a elites “heroicas”, brancas e europeias a criar uma revolução nas mentalidades e valores […] contra o multiculturalismo e a imigração; e o desejo de criar etno-Estados brancos homogêneos (“pátrias”) dos dois lados do Atlântico (2019, p. 225).
Como pode ser visto, a questão racial é central no discurso de Spencer, bem como o chamado à ação para uma direita revolucionária, antiliberal e anticapitalista que tenha como foco a metapolítica e as táticas da nova direita.
O capítulo 15 é dedicado a Jack Donovan e seu tribalismo masculino.[17] Donovan acredita que a igualdade é uma farsa, a violência é necessária e que a questão principal não é a raça, mas sim o gênero. Não somente homens brancos, mas todos os homens devem ser livres e fortes. Donovan é abertamente homossexual e prega o tribalismo masculino, uma ideologia de supremacia masculina formada ao redor da ligação entre guerreiros através de rituais de união. Na sua visão, a masculinidade é atacada atualmente por feministas, burocratas e homens ricos que buscam a passividade dos homens. Em 2013, Donovan passou a defender o que denominou de “anarcofascismo”, em que tribos de homens se unem em oposição à ordem institucional feminista, corrupta e antitribal. Donovan possui influência na chamada manosphere, uma subcultura da internet que acredita que as mulheres possuem poder em demasia, e na alt right, que adota sua posição misógina.
O último autor abordado é Daniel Friberg [18], sueco, para quem o método é mais importante do que a própria questão ideológica. Assim como outros autores citados, Friberg acredita que a mudança política só pode ser obtida através da educação, mídia e expressão criativa, ou seja, na metapolítica. Em virtude disso, Friberg tomou diversas inciativas para popularizar obras tradicionalistas, como a Arktos, maior editora de obras da direita radical e tradicionalistas, e o site Metapedia, uma alternativa à Wikipedia. Em 2015, publicou o livro The Real Right Returns, um manual de estratégias para ativistas da direita radical de como se conduzir politicamente e atacar o establishment liberal.
A obra editada por Sedgwick é de extrema importância na atualidade, permitindo compreender a pluralidade de pensamentos existentes dentro de uma direita radical que se torna cada vez mais proeminente em vários países do mundo, especialmente na América Latina, Estados Unidos e Europa.
Assim, o livro se mostra como uma importante ferramenta para todos os que buscam entender as linhas de pensamento da direita radical desde seus primórdios até a atualidade, sem, claro, esgotar todos os autores que impactam nesse meio. René Guénon e Frithjof Schuon, por exemplo, são escritores interessantes para o estudo da ala da direita brasileira encabeçada por Olavo de Carvalho, enquanto David Duke poderia ainda ser visto como uma influência para os supremacistas brancos norte-americanos.
A leitura de Key Thinkers of the Radical Right é bastante agradável; todos os capítulos contam com extensas referências e deixam em aberto um caminho para quem pretende se aprofundar em algum dos pensadores abordados. Certamente historiadores que pesquisam movimentos ligados à extrema radical tirarão bom proveito da obra, uma vez que são raros os livros que tratam de forma séria e criteriosa a respeito do tema.
Notas
3. Capítulo escrito por Elliot Y. Neaman.
4. Capítulo escrito por Reinhard Mehring.
5. Capítulo escrito por H. Thomas Hakl.
6. Os autores tradicionalistas possuem divergências entre si. Para melhor compreensão sugerimos o livro Against the Modern World: Traditionalism and the Secret Intellectual History of the Twentieth Century, também de Mark Sedgwick.
7. Capítulo escrito por Jean-Yves Camus.
8. Capítulo escrito por Stéphane François.
16. Capítulo escrito por Tamir Bar-On.
17. Escrito por Matthew N. Lyons.
18. Capítulo escrito por Benjamin Teitelbaum.
Referências
SEDGWICK, M. (org). 2019. Key Thinkers of the Radical Right: Behind the New Threat to Liberal Democracy. New York, Oxford University Press, 325 p.
SEDGWICK, Mark. 2009. Against the Modern World: Traditionalism and the Secret Intellectual History of the Twentieth Century. New York, Oxford University Press, 2009, 369 p.
Felipe Cittolin Abal – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo. BR 285, Bairro São José. 99052-900 Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: felipe.c.abal@hotmail.com
SEDGWICK, Mark. Key Thinkers of the Radical Right: Behind the New Threat to Liberal Democracy. Resenha de: ABAL, Felipe Cittolin. Os pensadores da direita radical: de Oswald Spengler a Daniel Friberg. História Unisinos, Porto Alegre, v.25, n.1, p.168-171, jan./abr., 2021. Acessar publicação original
Os pensadores do Espírito Santo: de Anchieta a José Marcelino Pereira de Vasconcellos | Bruno César Nascimento e Ueber José de Oliveira
A coletânea Os pensadores do Espírito Santo é fruto do trabalho dos historiadores Bruno César Nascimento e Uéber José de Oliveira, sendo constituída em três volumes. Os artigos compilados ilustram o pensamento político de personalidades que influenciaram os caminhos do Espírito Santo. Nota-se uma problematização acerca da trajetória de indivíduos que projetaram e empenharam-se em compreender a dinâmica capixaba.
Neste sentido, a obra evidencia a profusão de trabalhos relativos à História do Espírito Santo e constitui-se como importante ferramenta para aqueles que pretendem explorar a historiografia capixaba. A contribuição dos autores também reside em trazer luz à realidade regional, contrapondo uma direção comumente assumida pela historiografia nacional, a de enfocar narrativa geral do Brasil, com epicentro no Rio de Janeiro. Leia Mais
Early Greek Philosophy – LAKS; MOST (RA)
LAKS, A.; MOST, G. Early Greek Philosophy (9 vols.). Cambridge MA, Loeb Classical Library. Les débuts de la Philosophie, des premiers penseurs grecs à Socrate. Paris: Fayard, 2016. Resenha de: ROSSETTI, Livio. Revista Archai, Brasília, n.21, p. 341-350, set., 2017.
A ampla coleção de textos e informações sobre os ‘filósofos’ pré-socráticos conhecida pelo nome Diels-Kranz foi publicada em 1903 e atualizada até 1952. Alcançou sucesso imediato e teve o raro privilégio de sobreviver sem dificuldades às muitas tentativas de atualizações selecionadas publicadas até recentemente (as mais recentes: D.W. Graham, The Texts of Early Greek Philosophy, Cambridge, 2010; J. Pórtulas-S. Grau, Saviesa grega arcaica, Barcelona, 2011; J. Mansfeld-O. Primavesi, Die Vorsokratiker, Griechisch-Deutsch, Stuttgart, 2012). De fato, mesmo apresentando inconvenientes inevitáveis (passaram-se mais de cento e dez anos, com grande quantidade de publicações e um número considerável de fatos novos que ocorreram durante este período), aquela obra foi reconhecida por unanimidade como exemplar pelo cuidado e credibilidade ‘nos limites do humano’.
Entretanto, em 2016, a situação mudou com a saída dos nove volumes de formato pequeno do Early Greek Philosophy (fazem parte da Loeb Classical Library, a celebrada coleção de textos gregos e latinos traduzidos e anotados publicados em Harvard) e, paralelamente, do Les débuts de la philosophie em volume único, publicado em Paris pela Arthème Fayard. Nos dois casos, os responsáveis pela seleção e organização das informações disponíveis foram André Laks que foi professor da Sorbonne (atualmente professor na Universidad Panamericana de Ciudad de México), e Glenn W. Most, professor na Normale de Pisa e na Universidade de Chicago, com a colaboração de Gérard Journée, Leopoldo Iribarren, David Levystone e outros. A edição inglesa em língua se estende por 4200 páginas, aquela em língua francesa por pouco mais de 1650 páginas, embora em um formato bem maior. Com esta obra, a situação mudou porque agora existem as condições para citar LM ao invés de DK, contudo que por esta razão é inevitável que, durante alguns anos, continuamos a usar tanto a numeração DK quanto a LM.
É verdade que, na ‘Advertência’, Laks e Most começam por assegurar que “A presente coleção, embora procurando ser útil aos especialistas, tem o propósito de apresentar a um público amplo as informações disponíveis a respeito dos inícios da filosofia grega”, mas isto são apenas respeito e modéstia em face da imponência do antecedente constituído pelo DK. Na opinião de quem escreve, uma tal declaração não poderia enganar ninguém!
A obra nos apresenta, se contei bem, algo como 3.600 unidades textuais, cada qual proposta em sua língua original (oferecendo, quando necessário, também os textos em latim, hebraico, siríaco armênio ou árabe), com anotações bem selecionadas sobre as dúvidas da constituição do texto, e acompanhada de tradução que, seguindo um uso atualmente já bem estabelecido, não se limita apenas aos fragmentos. São unidades textuais sobre Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Pitágoras e os Pitagóricos, Heráclito, Parmênides, Zenão, Empédocles, Demócrito, Protágoras, Górgias etc. Os noventa capítulos da coleção Diels-Kranz aqui se tornaram 43 (30 sem contar os sofistas), enquanto Graham selecionou apenas 20, Pórtulas e Grau 26 (mas somente para o período que vai até Parmênides), Mansfeld e Primavesi 12 (contagem esquemática que aqui talvez seja permitido não ‘aprimorar’). Há portanto muitos autores considerados menores (Petrônio, Ico, Menestor, Cleidemo, Ideo, etc.) que não são reportados na coleção LM, e se trata de uma escolha sensata. Em compensação, a série inicia com uma ampla seleção de textos de Homero e Hesíodo, Teógnides, Píndaro e outros poetas da idade arcaica e se conclui com um panorama análogo de textos trágicos e cômicos: duas novidades importantes em relação a DK, e também em relação à maioria das coleções comparáveis. Depois da seleção dedicada à poesia arcaica, seguem os ‘costumeiros’ Tales, Anaximandro etc., enquanto que depois de Heráclito é a vez de uma seção ampla e articulada sobre Pitágoras e os Pitagóricos que, com suas 190 páginas da edição francesa, é a seção mais ampla da inteira obra (a segunda é a de Empédocles, com 160 páginas). Entre as new entries se encontram também uma seção muito útil sobre doxógrafos e ‘sucessões’ (um grande trabalho historiográfico realizado em época helenística e que sobreviveu em condições muito precárias), uma generosa seleção de textos médicos e sobretudo o Papiro de Derveni (este último com um substancioso aporte da italiana Valeria Piano): todas opções mais do que acertadas.
Para apresentar-nos os pré-socráticos, o Laks-Most parte de Diels-Kranz (nem era pensável agir de forma diferente), mas fá-lo repensando a matéria por inteiro e com grande liberdade intelectual. Quando possível, as fontes são dispostas, para cada autor, em volta de três seções: P sobre a personagem e os fatos biográficos, D sobre os ensinamentos, R sobre as repercussões e discussões sucessivas. As seções reservadas a Heráclito, Empédocles e Demócrito têm notável amplidão, todavia surpreende também a amplidão do capítulo dedicado a Melisso. Uma qualidade vistosa, e que todos apreciarão, é também a decisão de organizar o todo tendo como base uma bem estruturada série de subtítulos que constituem também o plano e a posição de cada capítulo, permitindo a configuração de numerosos grupos homogêneos de informações e – o que mais importa – facilitando de muito a tarefa de quem vai buscar algo específico, mesmo porque cada capítulo se abre com o prospecto dos pequenos títulos utilizados para caracterizar cada um dos grupos ou os subgrupos de documentos. A fórmula funciona bem e tem a qualidade considerável de colocar um pouco de ordem entre as informações, portanto, não só de facilitar a primeira fase de orientação, mas especialmente de oferecer uma visibilidade inédita à componente enciclopédica da obra de muitos entre os pré-socráticos (por exemplo, Parmênides).
A escolha de privilegiar as informações produz também efeitos colaterais: antes de tudo, justifica a apresentação dos fragmentos e testemunhos com base no argumento tratado, não sem ter o cuidado de imprimir os fragmentos em negrito; mas serve também para deixar cair muitos textos que podem ser considerados acessórios como, por exemplo, aqueles que engastam um fragmento (eventualmente reapresentando-os, se valer a pena, na seção R). Esta escolha é exatamente uma escolha, a expressão de um critério e não é isenta de contrapartidas. Por exemplo, teria sido desejável uma oferta mais generosa (na seção R) dos contextos que LM omitem quando se trata de apresentar um fragmento.
Outra inovação relevante é de natureza inteiramente diferente e se refere à presença de uma seção sobre Sócrates. Há mais de um século todos nós aprendemos a falar dos filósofos pré-socráticos e, com isto, a separar Sócrates de todos eles, mesmo sabendo que ele foi ativo quando o foram as personagens normalmente etiquetadas como sofistas, não depois. Bem, Laks e Most ousaram fazer aquilo que, se eu não estiver errado, ninguém fizera antes: inserir nesta coleção também um capítulo dedicado a Sócrates. A escolha tem algo de curioso, porque torna Sócrates um… pré-socrático (na realidade um pré-platônico como, de fato, ele foi) mas de certa forma, uma escolha explosiva, porque induz a uma representação de Sócrates com as categorias do século V, como é justo que seja, e não com as categorias de Platão e de outros seus contemporâneos. É como se fôssemos libertados da obrigação de aceitar como bom aquele Sócrates do qual lemos em muitas centenas de páginas escritas à distância de algumas décadas de sua morte. É minha ideia que nesse caminho Laks e Most tenham percorrido somente uma parte da estrada, a primeira parte. Com efeito, a seleção das fontes retoma até demais dos textos platônicos enquanto silencia inteiramente as evidências relativas a Polícrates o acusador, não valoriza o testemunho de Ésquines de Esfeto e Fédon e usa mais do que com parcimônia os textos de Xenofonte.
Todavia, como é sabido, começar é a parte mais difícil e, feito o primeiro passo, outros certamente virão mais facilmente. Acredito, enfim, que esta inovação em particular esteja apta a produzir efeitos de importância especial não por causa daquilo que Laks-Most selecionaram ou deixaram de lado, mas pela nitidez que sua escolha garante à exigência de enquadrar Sócrates entre os não-filósofos do V século e, por conseguinte, de notar antes de tudo o quão representativo de outra época (aquela de seus autores) seja o conjunto dos diálogos socráticos.
Por fim, assinalo a presença de dois apêndices, um dedicado a informar a respeito dos mais de duzentas personagens que entram em cena como autores (a partir dos quais se cita) ou como personagens (dos quais se escreveu). Pena que a escolha das personagens sobre as quais se informa seja seletiva demais e as páginas nas quais eles estão presentes não sejam indicadas. O outro é um bom glossário, sempre útil, ao lado de outros apêndices.
Em todo caso, o resultado de momento maior não é nenhum daqueles listados até agora: é ter alcançado uma meta tão ambiciosa, e ter conseguido manter sob controle uma massa tão imponente de documentos.
Defeitos? Sou tentado a dizer que, se os há, estão bem escondidos e que será preciso muito para encontrá-los. É claro que há defeitos, é simplesmente humano que os haja, e isto depende principalmente da impossibilidade de satisfazer os desejos dos mais diferentes leitores. A falta mais grave concerne, sem dúvida, o índice das fontes, mas é lógico esperar que se remediará por ocasião de uma segunda edição. De fato, quando se procura estabelecer se uma certa unidade textual foi inserida ou omitida, a tarefa se torna necessariamente difícil, embora se possa ainda recorrer ao prospecto das concordâncias entre DK e LM que é realmente bem feito.
Ainda em referência a omissões (pois nada direi a respeito de escolhas na constituição dos textos e na tradução), seria possível alcançar uma lista de tamanho considerável, dada a propensão dos editores de conter os capítulos. A seguir dou alguns exemplos mais familiares ao autor desta resenha.
No caso do capítulo 5 sobre Tales, se omite a sua menção por parte do poeta de Lesbos, Alceu, apesar de que DK nos dê esta informação em 11A11a; igualmente se omite a respeito do título de sophos com o qual a cidade de Atenas teria honrado Tales ‘antes’ de formar o colégio dos sete sábios. Note-se que se trata de detalhes que falam da celebridade da personagem alcançada em vida e, em relação a Atenas, de sua política cultural por volta do ano 580 a.C. Por sua vez, o âmbito das ‘descobertas astronômicas’ é detalhado no que diz respeito às medidas espaciais mas nos dá apenas uma informação a respeito das partes do ano (5R25), enquanto um detalhe não menos importante sobre o intervalo entre o equinócio de outono e o poente das Plêiades se encontra e 5R21, portanto, um pouco fora de lugar. Teria sido possível (e desejável) destacar a notícia referente ao comprimento desigual dos intervalos (entre solstícios e equinócios, que implica ter aprendido a estabelecer com exatidão a data de ambos) que se encontra dispersa em 5R16, unidade textual caracterizada como notícia que concerne o sol. Ainda, pelo que diz respeito à sua “atitude diante da vida”(um dos subtítulos que se encontra na pag. 40 da edição francesa), deveria ter se informado da opinião de Tales sobre inumação, notícia preservada em 11A13 DK (=Th 318 Wöhrle).
No capítulo 19 sobre Parmênides se destaca o silêncio sobre o fr. 20 Cerri do próprio Parmênides (a louvação de Amínia, da qual fala Boécio), embora não seja raro que um autor do período assim chamado arcaico resolva honrar alguém (es. Pausânia mencionado por Empédocles). Que depois se passe o mesmo, entre outros, com a coleção de Graham, de Pórtulas-Grau e de Mansfeld-Primavesi não é um bom motivo para ignorar a notícia. Ademais, tendo se estabelecido o uso de anotar os neologismos isolados, ao menos as palavras alogon, pseudophanēs e hudatorizon gostaríamos de tê-las encontradas impressas em negrito, independentemente do parecer dos editores sobre a paternidade efetiva deste ou daquele neologismo.
O capítulo sobre Zenão parece até mesmo curto demais quando comparado com a coleção publicada por H.P.D. Lee em 1936 (in Zeno of Elea, p. 12-63), ainda mais porque o próprio Lee fora até seletivo demais, tanto que se procurariam inutilmente, por exemplo, as passagens relevantes (que não são nem genéricas e nem pleonásticas) do De lineis insecabilibus pseudo-aristotélico, passagens que são omitidas também por LM. Uma outra omissão se refere à página, notadamente assinalada por John Dillon em 1974, na qual Proclo reporta inequivocamente que Zenão teria falado dos antípodas, atestando portanto que o próprio Zenão pôde mencionar o termo e tratá-lo como uma noção já estabelecida e portanto ‘disponível’.
No capítulo 31 sobre Protágoras (e, igualmente, no capítulo correspondente da coleção Graham e no DK) gostaríamos de ter encontrado passagens sobre a dikē huper misthou, vale dizer, a disputa entre Protágoras e Evatlo, que é decididamente paradigmática como exemplo de antilogia perfeitamente equilibrada e de uma situação de todo indecidível, e surpreende que tenha sido eliminada até mesmo a breve síntese que se encontra em Diógenes Laércio.
Pergunto-me também por que os dois decidiram falar de “sistemas filosóficos sucessivos”em referência aos ‘pluralistas’, a Arquelao, a Diógenes de Apolônia, aos textos médicos e ao Papiro de Derveni, já que não se trata de sistemas e nem de textos inequivocamente filosóficos, enquanto que sucessivos ao século V a.C. são somente alguns textos médicos (não todos) e o papiro.
É evidente que estas indicações não podem de forma alguma ofuscar os méritos de uma obra que não pode não marcar presença, tornando-se imediatamente indispensável para todos aqueles que se confrontam com os pré-socráticos (ou melhor, com os pré-platônicos, Sócrates incluso). Se acrescentarmos as 1.060 páginas muito bem informadas do Die Philosophie der Antike, I, Frühgriechische Philosophie, obra dirigida por Flashar, Bremer e Rechenauer (Basel, 2013), podemos bem dizer que o estudo dos pré-socráticos está partindo novamente sobre novas bases e com instrumentos de trabalho muito sólidos, e quem se ocupa disso dispõe de recursos atualizados e muito, muito profissionais.
Nota
1 O autor gostaria de agradecer ao Doutor Nicola Galgano (USP) pela tradução da resenha que agora se publica.
Livio Rossetti1 – Universidade de Perugia (Itália). E-mail: livio.rossetti@gmail.com