El Negocio del Terrorismo de Estado: los cómplices económicos de la dictadura uruguay | Juan Pablo Bohoslavsky

A temática da atuação dos empresários nas ditaduras latino-americanas tem avançado na historiografia nos últimos anos e consta em ações judiciais que tramitam em diferentes países do continente. A obra “El negocio del terrorismo de Estado: los cómplices económicos de la dictadura”, organizada por Juan Pablo Bohoslavsky, se soma a estudos publicados recentemente e que avançam no conhecimento sobre a questão, dando subsídios para processos de reparação. Bohoslavsky é autor de vasta obra acerca da cumplicidade empresarial nas ditaduras do Cone Sul e o livro faz parte de um esforço internacional com sucessivas publicações de corte nacional. O trabalho primordial foi sobre a Argentina (2013), onde a questão parece mais avançada, tanto em termos de pesquisa como nos tribunais. Foi lançado no ano seguinte um dossiê na revista de Anistia, no Brasil, tratando da questão neste país (Bohoslavsky; Torelly, 2014) e, depois do livro sobre o Uruguai, foi publicada em 2019 uma obra congênere sobre esse processo no Chile (SMART; BOHOSLAVSKY; FERNÁNDEZ, 2019).

No Brasil a temática já foi trabalhada por diversos autores. Além do estudo pioneiro de Dreifuss (1981), há significativa produção acadêmica dedicada ao tema. Em 2020 foi lançada coletânea reunindo vários estudos recentes sobre a atuação do empresariado na ditadura brasileira. Essa obra traz uma perspectiva distinta de Bohoslavsky, não tratando a questão na forma de uma cumplicidade, o que sugere uma relação de exterioridade na relação entre empresários e regime ditatorial. Os autores assumem uma orientação que aponta para uma inserção e participação direta dos empresários no pacto político durante o regime de exceção, a partir de uma concepção gramsciana do Estado (CAMPOS; BRANDÃO; LEMOS, 2020). Leia Mais

Amores e arte de amar – OVÍDIO (RA)

OVÍDIO. Amores e arte de amar. Tradução de Carlos Ascendo André. Prefácio e apêndice de Peter Green. São Paulo: Penguin/Companhia das Letras. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Revista Archai, Brasília, n.11, p.159-160, jul., 2013.

A  editora Companhia das Letras lançou  uma série de livros, associada à Penguin, voltada  para a divulgação, em formato de bolso, de obras clássicas. Essas edições contam com traduções dos originais em latim ou grego por estudiosos lusófonos e com a versão para o nosso idioma de prefácio,  apêndices e notas dos estudiosos anglófonos da  versão inglesa de origem. Essa iniciativa deve ser saudada, pois contribui para a maior divulgação dos autores antigos, algo já em curso em iniciativas de diversas outras casas editoriais que têm publicado, nas últimas décadas, um número crescente de obras. Isto demonstra a popularidade cada vez mais sentida da Antiguidade clássica e o interesse sempre em  aumento pelos antigos.

Os Amores e Arte de Amar  de Ovídio foram  traduzidos pelo classicista coimbrão Carlos Ascenso André, com adaptação para o português brasileiro a cargo de Carlos Minchillo e com a grafia adotada no Brasil em 2009. O estudioso luso também escreveu introduções a ambas as obras, de forma a  complementar o prefácio britânico original. Esta  apresenta ao leitor a vida e a obra de Ovídio e o faz com posições fortes sobre os principais temas relativos ao personagem e obra. Distancia-se da  interpretação difundida de um Ovídio, como outros poetas antigos, farsista literário e reforça, ao contrário, a importância das experiências amorosas pessoais para a sua produção poética. Em seguida, reforça a interpretação política do autor, perseguido também por sua produção considerada subversiva  por Augusto e seus amigos. Faltou uma revisão mais acurada da obra, na medida em que passaram lapsos (como “o relegatio”, quando a palavra é feminina, p. 36, ou domnatio, por damnatio, p. 423, “período helenista”, por “período helenístico”, p. 443, Varro por Varrão, p. 506). Também nas notas traduzidas do inglês há escorregões, como referir-se, à época romana, à Alemanha! O erro advém de traduzir Germany pelo país atual, quando o correto seria a antiga Germânia (p. 421). O leitor comum ficará perdido e uma revisão resolveria tais aporias.

Tais equívocos não aparecem no texto do  classicista lusitano, claro. Ademais, as notas britânicas são longas e muito esclarecedoras (p. 395- 559), enquanto as portuguesas são breves e mais circunscritas a esclarecimentos ao leitor comum.  Green está preocupado em comentar e interpretar cada obra, assim como seus trechos e trocadilhos intraduzíveis, o que muito beneficia o leitor. Assim, a concisão do original latino não se consegue manter no vernáculo, ainda mais numa versão em poesia, mas Green procura, aqui e ali, mostrar como essa riqueza do latim é, ainda, recheada de sentidos que se perdem. Um exemplo bastará.

Arte de Amar, 398: fructus abest, facies cum bona teste caret. Traduzido por André por: Nenhum fruto se colhe quando a beleza de um rosto não tem testemunhas. Mas, lembra Green, há duas traduções possíveis, no duplo sentido do original: “Um rosto  bonito, sem testemunhas, não obtém resultados”e “uma mulher bonita, se nunca faz sexo, não ficará grávida”!

Neste caso, são os sentidos das palavras  fructus (fruto, resultado) e  testis (testemunha e  testículo), assim como do verbo  abest (está presente, existe), que conformam um jogo de palavras intraduzível. Graças às notas de Green, contudo,  diversos passos deste tipo são elucidados e tornam as duas mais fieis ao original.

Apesar da adaptação brasileira, a tradução  mantém todo o sabor original lusitano e castiço,  algo conveniente, ademais, por ser a tradução em versos. Abundam (termo recorrente na tradução)  termos como “madraça”, “Canícula”, expressões no infinitivo (“a falar”), assim como o uso da segunda pessoa (“se rir, ri-te”) e das ênclises (“tornar-se-á mansa”, p. 318). Isso nos leva à questão da unidade do idioma português, pois apenas o leitor culto poderá haurir (outro termo erudito!) de forma plena o conteúdo vertido pelo coimbrão. Parece-me, contudo, que a despeito disso, traduções lusas como esta possam ser muito úteis e mesmo necessárias, até  como uma contrapartida às escolhas correntes nas versões brasileiras. Estas, tampouco abandonam,  muitas vezes, a linguagem erudita e mesmo cheia de neologismos etimológicos, como o faz a vertente ligada à transcriação de Haroldo de Campos. Por  outro lado, pululam versões pedestres que servem a outros propósitos, não menos necessários ou  válidos. Pode concluir-se, portanto, que esta nova série de clássicos deve ser muito bem recebida e  que a edição de Ovídio contribui para incrementar, ainda mais, o interesse no grande poeta latino.

Pedro Paulo A. Funari – Professor titular do Departamento de História e Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp

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Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World | Liaquat Ahamed

Durante a crise asiática, Liaquat Ahamed olhou com apreensão uma capa da revista Time com fotografias de autoridades econômicas com o título “o comitê para salvar o mundo”. Economista formado em Harvard e Cambridge, com longa carreira como banqueiro de investimentos, Ahamed pensou no fracasso dos titulares dos bancos centrais dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha em enfrentar a Grande Depressão da década de 1930. Do desconforto nasceu o excelente livro “Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World”.

As biografias dos quatro protagonistas se entrelaçam com os dilemas de seus países. Montagu Norman, da Grã-Bretanha, era um aristocrata herói da guerra dos bôeres. Émile Moreau, da França, tecnocrata da prestigiosa Inspetoria de Finanças. Benjamin Strong, dos Estados Unidos, executivo de Wall Street que participara da organização tardia do Fed, após a sucessão de crises que afligiu “o primitivo, fragmentado e instável sistema bancário” (p.52) do país. O personagem mais interessante é Hjalmar Schacht, raro exemplo de self-made man da Alemanha imperial. Brilhante, mas de ambição desmedida, que o levou à aliança com os nazistas. O economista John Maynard Keynes foi o contraponto ao quarteto, na qualidade de intelectual em ascensão cujas opiniões críticas desafiavam a ortodoxia com a qual os banqueiros tentaram lidar com a Grande Depressão. Leia Mais

Rome and Jerusalem: The Clash of ancient civilizations | Martin Goodman

GOODMAN, Martin. Rome and Jerusalem: The Clash of ancient civilizations. Londres: Penguin, 2008. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Dimensões. Vitória, n.23, p.233-235, 2009. Acesso apenas pelo link original [DR]

Human natures — genes, cultures and the human prospect | Paul Ehrlich

Se você é um cientista social que não admite que as palavras ‘evolução’ e ‘cultura’ habitem a mesma frase — como fiz de propósito no título acima —, então não leia este provocativo livro de Paul Ehrlich. Mas se você é um cientista natural que acha que a genética explica sem maiores dificuldades todos os aspectos do comportamento humano, o conselho é o mesmo: não leia este livro. Ambos os tipos de leitores ficarão desconcertados e correrão o sério perigo de mudarem suas opiniões.

Paul Ehrlich tem autoridade para escrever um texto como esse, capaz de abalar as convicções dos dois lados da polêmica questão das relações entre a evolução biológica e a cultura humana. Biólogo, professor de estudos populacionais e de ciências biológicas da Universidade de Stanford California (EUA), ele é nada menos que um dos inventores da questão ambiental contemporânea. Escritor prolífico, é autor e co-autor de dezenas de artigos e livros, entre os quais figuram pelo menos dois clássicos da moderna literatura socioambiental das décadas de 1960 e 1970 — The population bomb e extinction: the causes and consequences of the disappearance of species —, que colocaram os temas da superpopulação e da extinção de espécies na pauta ambiental planetária. Ehrlich resumiu boa parte de suas próprias pesquisas biológicas e ambientais, em combinação com uma excelente exposição sobre os fundamentos da ecologia, num belo livro de divulgação científica traduzido para o português (O mecanismo da natureza, Campus). Foi também um dos primeiros cientistas a se empenhar publicamente na proteção da biodiversidade e na promoção do princípio de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Leia Mais