Joãosinho da Goméia | Inês Gouveia, Andrea Mendes, Nielson Bezerra e Marlúcia Santos de Souza

Joaosinho da Gomeia Imagem Brasil de Fato 2
Joãosinho da Goméia | Imagem: Brasil de Fato

O livro Joãosinho da Goméia é obra organizada sob o olhar de quatro pesquisadoras/es. Trata-se de uma coletânea voltada à memória, à palavra e à honra de um dos mais importantes nomes do Candomblé brasileiro: Joãosinho da Goméia. Babalorixá baiano do século XX, João Alves Torres Filho (seu nome de batismo) deixou um legado de conhecimentos afrodiaspóricos e lutas em prol do povo negro e para os saberes de uma religião que extrapola os limites impostos pelo pensamento opressor da colonialidade. Os quatro organizadores da obra – Inês Gouveia, Andrea Mendes, Nielson Bezerra e Marlúcia Santos de Souza –, especialistas nas áreas de Museologia, Patrimônio e História, se dedicam aos estudos sobre a África e suas influências no Brasil, observando como as implicações da africanidade são vistas, ressignificadas e vividas por nós brasileiros no cotidiano.

Joaosinho da Gomea LivroO livro é organizado em doze capítulos na forma de artigos escritos por pesquisadoras e pesquisadores que se debruçaram sobre a vida de Joãosinho da Goméia, observando a densa atmosfera cultural e religiosa negra que esta figura impôs à visibilidade do Candomblé no Brasil. Estes capítulos são divididos em duas partes. A primeira, intitulada “Memória e Representatividade”, abarca os seis primeiros capítulos e atrai o leitor para um plano imersivo na vida e na pessoa de Joãosinho da Goméia, evidenciando um homem negro envolvido com a causa cultural de seu povo e de seu tempo, conquistador dos espaços de luta e poder em prol de uma visão positiva de sua crença e suas práticas sociais e religiosas. Autoras e autores evidenciam um sacerdote que atuava nas múltiplas representatividades: homem negro, homoafetivo, artista e Babalorixá. É possível observar que qualquer tentativa de compreender Joãosinho da Goméia sem se atentar a estes marcadores será em vão, pois em todas as suas ações de vida enaltecia os valores e as lutas que a ideologia dominante cristã e heteronormativa ao seu redor repudiava, e por isso se tornara um ícone da luta e resistência subalterna de sua época. Leia Mais

Cementerio General de Concepción. Patrimonio Recobrado | Armando Cartes Montory

El autor del libro que reseñamos con agrado es del investigador y académico Armando Cartes, que se ha destacado por su prolífica cantidad de publicaciones sobre la historia de Concepción y la región del Bío-Bío, y que le ha significado alcanzar la condición de profesor titular en la Universidad de Concepción y Director del Archivo Histórico de Concepción. Leia Mais

El paisaje del barrio histórico universitario. Puebla/ siglos XVI-XXI (vol. I) | Rosalva Loreto López

El paisaje del barrio histórico universitario. Puebla, siglos XVI-XXI, es un título de connotaciones muy amplias, tanto como lo es su contenido para lograr su objetivo general. Este es: promover la conservación de los inmuebles que forman parte del acervo de patrimonio de la Benemérita Universidad Autónoma de Puebla (BUAP), mismos en los que se materializó el devenir de la sociedad poblana, convirtiéndose así en memoria construida, en una herencia colectiva que resguarda múltiples lazos de identidad. Leia Mais

Cultural Diplomacy and the Heritage of Empire: Negotiating PostColonial Returns | C. Scott

Com o final da Segunda Guerra Mundial a Europa estava arrasada. O que antes era considerado o continente mais poderoso do mundo, agora declinava em destruição, mortes e perda em diversos âmbitos, inclusive de status. O mundo pós-Segunda Guerra seria intensamente transformado e revelaria a bipolarização entre o Oriente (liderado pela União Soviética) e o Ocidente (com Estados Unidos e seus aliados), ambos na tentativa de dominar o centro das decisões políticas e econômicas mundial.

Nesse interim, surgiam instituições intergovernamentais importantes como: a Organização das Nações Unidas (ONU) que, desde então, tomou para si a responsabilidade de evitar que outros conflitos como as Grandes Guerras voltassem a ocorrer, trabalhando incansavelmente pela manutenção da paz entre Estados e Nações desde a sua fundação2 ; e, os Tribunais Militares Internacionais (TMI), cortes constituídas por um painel de juízes advindos de cada um dos países Aliados que saíram vitoriosos na guerra. Os Tribunais Militares Internacionais foram criados para julgar crimes de guerra, violações contra a paz, contra a humanidade, e conspirações ligadas a esses tipos de delito, tais como: o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (The International Military Tribunal for the Far East ou IMTFE, em inglês), também conhecido como Julgamento de Tóquio ou Tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio3 , e o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, na Alemanha – este último, inclusive, serviria como base para a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, na Holanda, que julga crimes contra os direitos humanos. Leia Mais

Patrimonio, arte y política. Producción simbólica y prácticas patrimoniales y de representación | Sophia Austral | 2021

Referências deste dossiê

[Patrimonio, arte y política. Producción simbólica y prácticas patrimoniales y de representación].  Sophia Austral. Punta Arenas, v. 27, 2021. Acessar dossiê

Patrimônio e Resiliência: perspectivas frente às mudanças climáticas | PerCursos | 2021

Em 06 de Agosto de 2021, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) finalizou a primeira parte do Sexto Relatório de Avaliação (AR) sobre as Mudanças Climáticas na contemporaneidade e as perspectivas de nosso futuro. Chamado de “A base das ciências Físicas”, o relatório teve baixa visibilidade midiática no Brasil, mas entre alguns setores sociais tem despertado discussões motivadas pelas conclusões e prognósticos aterradores. O relatório aponta que a emergência climática é um “fato”, ou seja, que é um ponto de convergência entre pesquisas e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e vindos de variadas instituições e nacionalidades. Esse “fato” atesta que estamos muito próximos de um ponto sem retorno – tipping points – no que diz respeito aos danos causados pelas mudanças climáticas sobre a vida e os complexos (e delicados) sistemas que a envolvem no planeta Terra. Em outras palavras, não há retorno dos severos e permanentes danos ao clima do planeta com efeitos em todos os aspectos da vida na terra, incluindo os elementos socioculturais.

Diante desse cenário, o Comitê de Mudanças Climáticas e Patrimônio do ICOMOSBR, juntamente com a Revista PerCursos, em seu 22º volume, apresenta o dossiê “Patrimônio e Resiliência: perspectivas frente às mudanças climáticas” como forma de colaborar no debate sobre o estado da arte, os efeitos, as causas, as consequências e as possibilidades da preservação do patrimônio cultural, das diversas categorias, frente às mudanças climáticas. Leia Mais

A vida e o mundo: meio ambiente patrimônio e museus | Paulo H. Martinez

MARTINEZ Paulo Henrique1
 MARTINEZ P A vida e o mundo1Estela Okabayaski Fuzii, Angelita Marques Visalli, Paulo HenriqueMartinez e Chico Guariba | Foto: Agência UEL |

Estabelecer conexões concretas entre as potencialidades de ação educativa dos patrimônios e museus com o meio ambiente foi o desafio do historiador Paulo Henrique Martinez em seu mais recente trabalho A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. Publicado em 2020 pela editora Humanitas, o livro reúne textos de diferentes naturezas escritos pelo autor em sua extensa trajetória de pesquisa e ensino voltada a cooperação técnica, cuja atuação permeou universidades, Câmara dos Deputados, conselhos municipais, organizações não-governamentais, entre muitos outros.

A reunião das produções entre os anos de 2003 e 2017, demonstra a atuação deste historiador diante os acontecimentos que atravessaram as áreas de meio ambiente, patrimônio e museus.

A variedade do material, entre capítulos de livros, artigos de revista científica, resenhas de obras publicadas, artigos em revista universitária e jornais locais, evidencia um trabalho atento às transformações do presente e da vida cotidiana, além da preocupação em ampliar o acesso aos conhecimentos produzidos na universidade e nas instituições culturais ao público geral.

Nesses moldes, a primeira parte do livro denominada Museus e mudança social procura delinear um diagnóstico da situação dos museus no Brasil, no momento da escrita dos textos. Partindo de questões do presente e da esfera local, Martinez articula os acontecimentos com documentos, instituições e agendas nacionais e internacionais tal como a Política Nacional de Museus (2003), o Conselho Internacional de Museus (1946) e a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS, 2005-2014).

A sensível tarefa de repensar o processo de desenvolvimento, sobretudo mediante as significativas transformações no meio ambiente, analisando e promovendo a distribuição de seus benefícios ao conjunto da sociedade global, exige tratar as especificidades culturais, de gênero, classe social e raça. O desenvolvimento sustentável, conceito orientador no século XXI, contempla com atenção este último aspecto do desenvolvimento humano, emergindo as demandas de formação de cidadãos, geração de emprego, combate à pobreza, igualdade de gênero e acesso à educação e saúde de qualidade.

Qual o potencial dos museus na educação para o desenvolvimento sustentável? As diretrizes estabelecidas em documentos internacionais tal como a Agenda 21, elaborada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, documento gerador da já mencionada DEDS e, atualmente, da Agenda 2030 com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015-2030) encontram um fértil terreno nos patrimônios ambiental e cultural presente nos museus.

A cultura, protagonista nas atividades museológicas, é uma das bases do desenvolvimento sustentável pois concentra os mecanismos e finalidades do desenvolvimento.

Vida humana e não humana se encontram em um mundo diversificado, identificado por valores, crenças, saberes, técnicas, instrumentos de produção e consumo que se estabelecem em meio as harmonias e conflitos entre estes dois universos profundamente conectados. A reordenação das atividades humanas e o meio ambiente, o “pensar ecológico” é, para Martinez, parte do trabalho de profissionais das ciências sociais, em geral, e dos historiadores, em particular, que atuam em instituições museológicas.

Atento às transformações do tempo presente, o caráter de experimentação proporcionado pelos museus em exposições e acervos apresentam um novo plano de realidade com o aprimoramento dos usos dos recursos naturais e do capital humano. Parece ser esta a participação institucional de parques e museus no desenvolvimento sustentável, a preservação, valorização, pesquisa e comunicação da cultura material e imaterial e dos patrimônios ambientais. Articulados, garantem a cidadania, inclusão social e vida digna a toda população.

Estas características ganham maior expressão quando vinculados à cultura indígena no Brasil.

A Lei n°11.645 de 2008 institucionaliza a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena nos currículos escolares da educação básica e superior. O patrimônio indígena, fundamental para a constituição e conhecimento da história do Brasil, encontra debates fecundos e atuais na segunda parte do livro Patrimônio indígena no Brasil. A localização dos elementos indígenas na sociedade brasileira constitui um dos primeiros passos para o conhecimento da história nacional.

A rivalidade dos discursos hoje predominantes, como aquele vivido pela Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, nos auspícios da Copa do Mundo, corresponde aos conflitos de narrativas de dominação enraizadas no cotidiano brasileiro. As diferentes simbologias presentes nessa experiência narrada na obra, o futebol, a hostilidade com os indígenas, o desenvolvimento econômico no qual os grupos tradicionais são vistos como obstáculos naturais e o autoritarismo da política nacional, são explicativas para compreensão da realidade O sincretismo no uso da palavra “Maracanã” e a luta pela permanência da aldeia indígena naquela região do Rio de Janeiro complementa aquilo que já havia observado o historiador Caio Prado Jr sobre o passado vivo no cotidiano dos brasileiros. Os aspectos coloniais dessa experiência no Brasil, faz aquele “lugar de memória” converter o passado sua forma de resistência e respeito ao compreender os processos no qual deram origem a esta sociedade tão diversificada.

Em todas as situações discutidas, seja nos museus municipais, exposições itinerantes, centros culturais ou universidades, Martinez conduz a educação como inerente às transformações para o século XXI. Em consonância com documentos legislativos e acordos institucionais como as citadas Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI) e a Convenção sobre Diversidade Biológica, a afirmação e o reconhecimento da cultura e dos direitos dos povos indígenas, a inclusão na vida social, a garantia de participação nos planos de gestão é diretamente dependente de um processo educativo que valoriza a cultura, a natureza, as mulheres, a cooperação e a democracia.

O Parque do Xingu e o Museu do Índio no Rio de Janeiro são alguns exemplos concretos desses anseios que relembram a trajetória violenta da colonização e preservam a cultura e a memória dos grupos indígenas. Para além destas instituições, as universidades também desempenham função importante com o desenvolvimento de disciplinas que abordem os temas, no gerenciamento de museus universitários, na formação de profissionais qualificados e na inserção destes grupos no ambiente universitário.

Apresentando a “Universidade da Selva” como ficou proclamada a Universidade Federal do Mato Grosso através de uma resenha da obra Museu Rondon: Antropologia e indigenismo na Universidade da Selva da antropóloga Maria Fátima Roberto Machado, Martinez testemunha os aspectos institucionais da identificação e preservação da cultura material e imaterial na universidade. Estas instituições acompanham os processos de formação intelectual e produção de conhecimentos em conjunto com os museus, embora os últimos tenham sua data de nascimento anterior às primeiras, no Brasil. Este fato, no entanto, reforça as complementaridades entre ambas e os benefícios do trabalho conjunto, adicionando, ainda, a escola de educação básica.

As perspectivas de trabalho nos museus para a abertura de temas relacionados ao meio ambiente, principalmente para a constituição da história dos municípios, destacam o valor do patrimônio indígena. Os processos de formação nacional em seus aspectos econômicos, sociais e políticos esbarram com a trajetória desses povos cujos reflexos ainda permeiam no século XXI. A PGNATI foi um material analisado para demarcar os complexos desafios de preservação e recuperação dos recursos naturais e o reconhecimento da propriedade intelectual e do patrimônio genético. A educação ambiental e indigenista é definida como a principal estratégia destes objetivos, beneficiando não apenas a população indígena, mas todos os cidadãos.

A partir dos exemplos observados, o volume encerra com um caráter pedagógico de demonstração prática das potencialidades da educação patrimonial e ambiental na formação da cidadania.

Uma organização documental para auxiliar historiadores, em especial aqueles dedicados à História Ambiental, aos profissionais da área de museus e professores de educação básica e superior, que permite visualizar as narrativas presentes nos objetos e paisagens como fontes de observação e pesquisa histórica.

O significado cultural da alta produção de carrancas, marcante na paisagem do São Francisco, os processos de utilização deste rio para transporte e comércio, a formação da cidade e da cultura material, dos valores, saberes e comportamentos da população da região são demonstrativos da promoção do patrimônio na construção do conhecimento histórico. Os objetos cotidianos, como o automóvel e os elementos da cultura afro-brasileira também são destacados como mecanismos para compreender a organização da vida social, os processos de industrialização e seus efeitos, principalmente nos centros urbanos.

A pandemia de COVID-19 colocou em evidência as consequências do modelo industrial globalizado na vida humana e não humana. O surgimento de novas doenças, a perda de ecossistemas e da biodiversidade desloca a atenção para fora das cidades e marca os estreitos vínculos entre seres humanos e natureza. Esta experiência demonstra os sintomas de um planeta cujos padrões da vida atual não consegue sustentar e no qual deve-se estar atento. Como observou Donald Worster, todas as epidemias ao longo da história tiveram origem onde o equilíbrio com a natureza estava abalado.

Em sua argumentação sobre o patrimônio indígena, Martinez reforça o utilitarismo como obstáculo para a proteção desses povos e do meio ambiente. Percebe-se que esta perspectiva atravessa diferentes dimensões da vida humana, atribuindo valores distintos, muitas vezes alimentados pelo objetivo do crescimento econômico. Assim, os recursos naturais são destruídos, os objetos musealizados perdem a importância em sua função prática e se fortalece a narrativa dos museus “viverem do passado”. São para estes critérios que a pandemia exige observação, pois escancarou as desigualdades sociais e a crise ambiental da atualidade.

Ao mesmo tempo o isolamento social, para impedir a propagação da doença, fortaleceu os meios de comunicação e incentivou as instituições culturais a se renovarem para acompanhar as novas demandas. As redes sociais se tornaram ferramentas apropriadas pelos museus. A 14° dos Primavera dos Museus, em 2020, trouxe como tema Mundo Digital: museus em transformação e convidou os profissionais a pensar a inserção destas instituições nos novos mecanismos de comunicação.

Martinez nos mostra que as possibilidades de atuação são muitas e trazem consigo resultados positivos à sociedade.

Ao demonstrar os frutíferos e os frustrantes trabalhos que presenciou ao longo de sua carreira, transmite um apelo para a expansão das instituições que já existem e para a valorização e o investimento daquelas que ainda não tem usufruído de seu potencial. Demonstra com clareza os benefícios da cooperação nas dimensões individuais, institucionais e sociais do trabalho. A leitura da obra é direcionada aos profissionais da educação e museus, em etapas de formação inicial ou continuada, para vislumbrarem os contextos no qual fazem parte, integrar e valorizar os conhecimentos locais e aplicar essas ações em todas as oportunidades que vierem à frente.

Os desafios emergentes já visíveis neste século e aqueles que ainda estão por vir convergem na ação educativa como ferramenta fundamental. O trabalho educativo dos museus na promoção da cidadania e da preservação do patrimônio cultural e ambiental convergem com as diretrizes de ação internacional, fortalecendo, ainda, a cooperação para o desenvolvimento sustentável.

Referências

MARTINEZ, Paulo Henrique. A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. São Paulo: Humanitas, 2020.

NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1984.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1961.

WORSTER, Donald. Otra primavera silenciosa. Historia Ambiental Latioamericana y Caribeña, 10, ed. sup. 1, p. 128-138, 2020. Disponível em: https://www.halacsolcha.org/index.php/halac/ issue/view/40 Acesso em: 26 fev. 2021.

Cíntia Verza Amarante – Mestranda em História pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, câmpus de Assis. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8845494592325213. E-mail: cintia.amarante@unesp.br.


MARTINEZ, Paulo Henrique. A vida e o mundo: meio ambiente, patrimônio e museus. São Paulo: Humanitas, 2020. Resenha de: AMARANTE, Cíntia Verza. Educação Ambiental em Museus. Albuquerque. Campo Grande, v.13, n.25, p.189-193, jan./jun.2021. Acessar publicação original [IF].

Historia, museos y patrimonio. Discursos, representaciones y prácticas de un campo en construcción, Chile 1830-1930 | Luis Alegría, Stefanie Gänger e Sigal Meirovich

El libro que nos presenta Luis Alegría, Historia, museos y patrimonio, se enmarca dentro de la labor constante de este investigador chileno que, desde el año 2004 en adelante, viene desarrollando un trabajo que tiene como objeto el desplegar una reflexión sobre el campo patrimonial y las instituciones expositivas chilenas, dándole un marco a su reflexión en la línea de los parámetros que se manejan sobre el ámbito de los estudios culturales y el patrimonio simbólico. Junto a él, lo acompañan como coautoras las investigadoras Stefanie Gänger, Sigal Meirovich, Gloria Paz Núñez y Gabriela Polanco.

El libro está estructurado en dos grandes partes, en la primera se desarrollan diversos conceptos de carácter teórico que dan cuenta del enfoque y marco conceptual que tiene este trabajo, en la segunda parte se tratan estudios de casos, en los cuales se aplican las ideas y conceptos que se señalan en la primera parte. Los estudios del patrimonio contienen una diversidad de prácticas, lo que hace pertinente que los autores asuman una metodología y enfoque de los estudios culturales. De esta manera, en el libro se dan cita variadas disciplinas como la museología, antropología, historia, sociología, etc. En el desarrollo del libro se busca dar cuenta de la producción, circulación y recepción de los elementos patrimoniales de la sociedad chilena. En este sentido, la serie de problemas relativos al patrimonio y los museos, es abordada por los autores como expresión de la producción cultural en términos transdisciplinarios. Leia Mais

Augmented Reality in Tourism/Museums and Heritage: A New Technology to Inform and Entertain | Vladimir Geroimenko

El uso de la realidad aumentada (RA), ¿realmente fomenta el aprendizaje en entornos patrimoniales? ¿Qué rol deberá desempeñar el docente ante el progresivo avance de estas tecnologías? ¿En qué medida ha determinado la situación sanitaria provocada por la covid-19 su implantación en los museos? A estas y otras preguntas tratan de dar respuesta los cincuenta autores que han participado en la redacción de Augmented Reality in Tourism, Museums and Heritage: A New Technology to Inform and Entertain (“Realidad aumentada en turismo, museos y patrimonio: Una nueva tecnología para informar y entretener”), monográfico de investigación editado por Vladimir Geroimenko y publicado en lengua inglesa. Este texto se presenta así como el sucesor de una serie compuesta por otros cinco volúmenes de la misma editorial, Springer, en la que desde 2014 se ha teorizado sobre las implicaciones del uso de la Realidad aumentada (RA) en los ámbitos del arte (I y II), los juegos (I y II) y la educación. Leia Mais

Patrimônio em transformação. Atualidades e permanências na preservação de bens culturais em Brasília | Sandra Bernardes Ribeiro e Thiago Perpétuo

Efemérides são boas ocasiões para se olhar algo novamente e refletir. É nesse sentido que vem o livro Patrimônio em transformação – atualidades e permanências na preservação de bens culturais em Brasília. Lançado pelo Iphan em 2017, o exemplar aparece em momento de tripla comemoração: sessenta anos do projeto vencedor de Lúcio Costa para a nova capital; trinta anos da inscrição do Plano Piloto de Brasília na lista de patrimônio cultural da humanidade da Unesco; oitenta anos da criação do órgão destinado à proteção patrimonial. Como o nome prenuncia, trata-se de uma obra sobre patrimônio, dedicada a olhar Brasília e a trazer para reflexão discussões sobre a cidade que vem se modificando e consolidando. A publicação mostra-se como boa forma de celebrar, uma vez que se insere de forma atual e propositiva no debate. E, o olhar que se lança sobre a cidade-patrimônio, nesta ótima coletânea de artigos, traz contribuições significativas para pensá-la.

A tônica da obra é dissociar-se da ideia de que o respeito ao patrimônio implica fixidez. Compreende-se a mudança como algo imanente à condição de cidade dinâmica, e a necessidade de revisitar Brasília é lida como um exercício fundamental para sua própria proteção. O assunto da preservação patrimonial de – e em – Brasília não é novo, mas muito do que se aborda, e como, coloca-se como leitura enriquecedora para quem lida com o tema ou se interessa por ele. Encaram-se transformações por que passam a cidade dinâmica, e não mais projeto, trazendo reflexões e deixando claro quais são as questões que estão na ordem do dia para o órgão do patrimônio e que, não por coincidência, guardam relação com as datas que festejam. Leia Mais

Palanque e Patíbulo: o patrimônio cultural na Assembleia Nacional Constituinte (1987- 1988) | Yussef Daibert Salomão de Campos

Os desafios de elaborar resenhas de bons livros são muitos, e por vezes se dão pela complexidade de avaliar densos trabalhos de pesquisa e análise. É nessa perspectiva que a leitura do livro Palanque e Patíbulo: o patrimônio cultural na Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988), de autoria de Yussef D. S. Campos, nos conduz a uma empreitada instigante, tecida a partir de meticulosas articulações entre os campos das Ciências Jurídicas, da História e da Antropologia.

Cabe destacar que o autor vem se projetando como um pesquisador que realiza com maestria uma conversa interdisciplinar, nos proporcionando imersões em diferentes temas relacionados à preservação, tais como a dicotomia política e jurídica entre patrimônio tangível e intangível, a respeito das facetas perversas das dinâmicas jurídico-burocráticas de patrimonialização, sobre os conceitos de lugar e território na composição do patrimônio cultural oficial, e, com delicadeza e sensibilidade, tem abordado o protagonismo indígena na construção dos principais mecanismos jurídicos de preservação atualmente vigentes no Estado brasileiro. Leia Mais

Sentidos da Folia de Reis: um estudo da memória e da identidade da celebração popular em Florínea/SP – GOULART (FH)

GOULART, Rafaela Sales. Sentidos da Folia de Reis: um estudo da memória e da identidade da celebração popular em Florínea/SP. São Paulo: Editora Alameda, 2018. 268p. Resenha de: FABRI, Aline. Folia de Reis em Florínea: manifestação popular, memória e patrimônio. Faces da História, Assis, v.6, n.1, p.483-489, jan./jun., 2019.

A partir da década de 1970, devido à efervescência da Nova História Cultural e da Micro-História, surgiram críticas à história das grandes narrações e do tratamento global à cultura. Os sujeitos presentes em todos os espaços, inclusive os marginalizados, passam a ser investigados e vistos por estas vertentes de pesquisa como contribuintes importantes à compreensão acerca da cultura e de diversos aspectos que estão envoltos a ela.

Dentro deste novo modo operante de se investigar a cultura e a história vem o livro Sentidos da Folia de Reis: um estudo da memória e da identidade da celebração popular em Florínea/SP, de autoria de Rafaela Sales Goulart, historiadora formada pela UENP (Universidade do Norte do Paraná), com especialização em História e Humanidades pela UEM (Universidade Estadual de Maringá), e mestrado em História pela UNESP (Universidade Estadual Paulista) câmpus de Assis.

O livro em questão é resultado da dissertação de mestrado da autora e foi publicado em 2018 pela editora Alameda/São Paulo. Possui 268 páginas, contendo introdução, três capítulos e conclusão. O prefácio foi feito pela orientadora de Goulart, a historiadora Fabiana Lopes da Cunha, que sucintamente escreve sobre o tema.

Sua estrutura está pautada em referencial teórico e historiográfico, com citações de pensadores relacionados ao assunto investigado. Alguns deles serão expostos mais adiante. Também usa fontes orais, colhidas de forma técnica, fotografias, além de trechos de músicas e declamações religiosas. Foram obtidos 21 relatos orais do grupo de foliões e 4 entrevistas com demais membros da cidade, como o pároco, por exemplo. Portanto, os documentos foram diversos: envolveram registros produzidos a partir dos foliões, documentos públicos da prefeitura e outros. Goulart fez uso de ideias de alguns autores que tratam de métodos de pesquisa em relação à história oral e à memória, como, por exemplo: Michael Pollak, Jacques Le Goff, Eduardo Romeiro de Oliveira e Verena Alberti.

No que diz respeito às narrativas orais e sua relação com a memória, Goulart apoiou-se em importantes autores. No entanto, ela poderia ter recorrido às indicações de Portelli (1996) quanto a esses métodos no trato e no cuidado para com os documentos. Isso teria reforçado ainda mais sua desenvoltura frente às fontes analisadas no presente trabalho. O autor nos ajuda a pensar que, ao fazer uso da história oral e das memórias, é preciso saber que elas “não nos oferecem um esquema de experiências comuns, mas sim um campo de possibilidades compartilhadas, reais ou imaginárias” (PORTELLI, 1996, p. 71). O cuidado para com as fontes orais e com as memórias é sempre imprescindível, e o aporte em Portelli (1996) seria uma sugestão para o incremento na construção de pesquisas nesse campo de estudos.

O assunto central da obra gira em torno da Festa de Reis, na cidade de Florínea/SP, que acontece há sessenta anos, e que teve reconfigurações de destaque, em 1993, e nos vinte anos seguintes, até 2013. O recorte temporal citado se destaca pela transferência da festa da zona rural para a área urbana. E, também, pela aquisição, com apoio da prefeitura, de um local fixo para a realização da festa bem como da criação da Associação Folclórica de Reis Flor do Vale de Florínea. Nos capítulos iniciais, a autora deixou o leitor a par, de forma descritiva e por meio de memórias, das principais características que constituem a Folia de Reis na cidade de Florínea. Em seguida, nos capítulos finais, ela trouxe à tona reflexões gerais acerca da consciência social construída sobre a Folia de Reis, da identidade formada pelos membros desse ritual e da Folia de Reis de Florínea vista como patrimônio imaterial.

No Capítulo 1, “A cidade da Folia de Reis: um giro pelas memórias e histórias de Florínea (SP)”, o foco é a história da cidade de Florínea construída por meio de relatos orais de moradores foliões da Companhia de Reis e por documentos da Prefeitura. Nesse processo, tem-se a identificação de proximidade da história de fundação da cidade com a história da constituição das duas Companhias de Reis ali formadas ao longo do tempo. Enquanto no Capítulo 2, A Folia de Reis de Florínea (SP) ritual, símbolos e significados, a autora retrata as a organização e as características específicas do festejo, trazendo detalhes sobre as diferentes funções dos membros das Companhias, explicações sobre os símbolos do festejo, da movimentação das Bandeiras e conteúdo das canções e versos entoados.

Valendo-se dos estudos de Jacques Le Goff e de Verena Alberti no que diz respeito a questões metodológicas, Goulart traz para a análise o papel do historiador frente aos documentos encontrados. Ela expõe, pautada nesses autores, que diante de documentos escritos, fotografias ou relatos orais, é preciso uma conduta de desmonte do que se tem em mãos para se conseguir analisar as suas condições de produção. Com essa postura, Goulart analisou as fontes ao longo de sua pesquisa de forma consciente e crítica, demonstrando sempre a preocupação com o explícito, mas além disso, com o implícito, no que tange à imagem que a comunidade de Florínea e os foliões têm de si mesmos ao longo da trajetória histórica das Companhias de Reis, suas vivências e realizações.

As reflexões sobre o assunto prosseguiram no Capítulo 3, Sentidos da Folia de Reis de Florínea (SP): memória, identidade e patrimônio (1993-2013). Neste capítulo, há uma análise sobre a possível formação de uma consciência social acerca da ideia de patrimônio em torno das mudanças ocorridas na festa. E, ainda, os sentidos dos rituais, aprendizagens sociais e estratégias de sustentação da memória coletiva tomadas pelos sujeitos envolvidos na condução do festejo.

A autora apoia-se nas ideias de Paulo Freire para discorrer uma análise sobre consciência social, crítica e histórica no tocante ao festejo estudado.

Goulart, dando continuidade às suas reflexões, analisa a transferência da festa para o Parque de Tradições, na cidade. Também discute os sentidos da criação da Associação Folclórica de Reis Flor do Vale de Florínea por foliões, em 2013, indicando que se trata de ações da comunidade florinense para com a continuidade da Folia de Reis. A partir destes dois atos, Goulart constrói sua análise acerca da possibilidade de existência de uma consciência coletiva dentre esses sujeitos, pois essas mudanças representam ações que aparentemente parecem ir nessa direção. A autora traz dados acerca dessa possível construção de consciência sobre o papel da Folia dentre os participantes do festejo. Verificamos isso em sua fala, por exemplo, sobre a Associação Folclórica de Reis Flor do Vale de Florínea quando ela afirma que tal entidade “[…] é recente e ainda depende de avanços no processo de consciência social dentro e fora do grupo, o que incide nas limitações das políticas culturais da cidade de Florínea.” (GOULART, 2018, p. 241).

Ao trabalhar com a questão da identidade do grupo pesquisado, Goulart se apoia nos estudos de Eric Hobsbawn e de Joseane P. M. Brandão. Ela discorre sobre a construção da identidade do grupo e usa de ideias desse primeiro autor para se referir à ideia de coesão social. Para isso reflete sobre o exemplo de figuras como o festeiro e o mestre que representam peso histórico de tradição forte: as bandeiras chegam a ser reconhecidas pelo nome de seus festeiros ou de seus mestres, e não pelo nome do fundador. No entanto ainda há uma reafirmação do nome daquele que seria o primeiro festeiro e fundador da festa (Sebastião Alves de Oliveira), o que reforça o peso de tradição da festa. Tais pontos de tradição, segunda ela, podem contribuir para a coesão social do grupo e de sua identidade.

Fazendo uso da citação de Joseane P. M. Brandão Goulart faz mais apontamentos sobre a formação da identidade do grupo: “[…] as identidades são sociais e os indivíduos se projetam nelas, ao mesmo tempo em que internalizam seus significados e valores, contribuindo assim para alinhar sentimentos subjetivos com as posições dos indivíduos na estrutura social” (BRANDÃO apud GOULART, 2018, p. 221). A Folia de Reis seria parte da identidade social de Florínea, tendo em vista que exerce representatividade dos sujeitos da cidade, que se veem como parte constituinte do festejo. Para o grupo, os rituais dessa festa popular possuem símbolos que lhes são significativos e dotados de valor e sentidos.

Quanto à ideia de patrimônio, Goulart a desenvolve tendo em vista sua imbricação com a formação da consciência e da identidade do grupo. Ela afirma que a Folia de Reis de Florínea é entendida como um patrimônio da cidade, porque representa uma identidade coletiva e suscita tentativas de conscientização do grupo sobre a […] a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhe oferece. (FREIRE apud GOULART, 2018, p. 237).

continuidade do festejo. Cita, inclusive, a decretação da lei municipal de 2010 que coloca o dia 6 de janeiro (Dia de Santos Reis) como feriado municipal. O que seria mais uma tentativa de conscientização sobre o caráter de patrimônio da Folia de Reis de Florínea.

A autora discorre também sobre educação patrimonial e aprendizagens sociais. Para isso, recorre as ideias de Carlos R. Brandão e Sônia R. Florêncio. Ela cita a formulação da Coordenação de Educação Patrimonial (CEDUC) sobre o termo “Educação Patrimonial”, fazendo uso das palavras de Sônia R. Florêncio:  […] todos os processos educativos formais e não formais que tem como foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera, ainda, que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural. (FLORÊNCIO; et al, 2014, p. 19 apud GOULART, 2018, p. 237-238).

O ato de ensinar o outro sujeito a fazer declamações, danças ou demais aspectos da Folia de Reis faz parte de um processo de aprendizagem em Florínea, demonstra Goulart. A rigor, ela discorre sobre o assunto pautada em Carlos R. Brandão relatando que as comunidades detentoras dos patrimônios fazem fluir o saber, o ensinar e o aprender. E com o tempo transformam-se em representações sociais.

Conhecer o trabalho de Goulart com as fontes orais nos remete à categoria de “memória coletiva” desenvolvida por Halbwachs (1990). Embora ela não o tenha usado em sua pesquisa, esse sociólogo, que tem raízes no pensamento de Durkheim, nos traz conceitos, procedimentos e entendimento quanto ao trabalho com memórias. Ele nos alerta que o convívio social é determinante sobre a formação da memória. A lembrança de um indivíduo tem relação com lembranças coletivas dos grupos em que ele esteve ou está inserido. As memórias dos sujeitos da Folia de Reis de Florínea, transcritas por Goulart no livro, podem assim ser classificadas como coletivas. Elas têm pontos em comum, se entrecruzam, pertencem a grupos sociais presentes num mesmo espaço, que no caso é a cidade de Florínea e a área rural da região. Entretanto, a memória individual não pode ser ignorada. Ela é uma das lembranças que compõem a memória coletiva. O indivíduo exerce papéis tanto na memória individual, como na memória coletiva.

[…] a memória coletiva tira sua força e sua duração do fato de ter por suporte um conjunto de homens, não obstante eles são indivíduos que se lembram, enquanto membros do grupo. Dessa massa de lembranças comuns, e que se apoiam uma sobre a outra, não são as mesmas que aparecerão com mais intensidade para cada um deles. Diríamos voluntariamente que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que mantenho com outros meios. (HALBWACHS, 1990, p. 51).

Ainda nessa perspectiva de análise sobre o caráter da memória, sua validade e uso, Goulart se baseia nas ideias de Bosi (1994) e afirma que “[…] memória é trabalho (BOSI, 1994) e de que lembranças são constructos sociais” (GOULART, 2018, p. 181). Ela nos leva a perceber que o mundo do trabalho está envolto à memória dos indivíduos e faz parte da construção de lembranças a serem contadas. Podemos recorrer à obra de Bosi (1994) para trazer mais alguns pontos sobre essa reflexão realizada por Goulart.

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, ‘tal como foi’, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. (BOSI, 1994, p. 55).

Dessa forma, o historiador, ao trabalhar com fontes orais e memórias, precisa investigar as condições contextuais do grupo social onde os sujeitos depoentes estão inseridos e conjecturas atuais de interesse sobre o passado. Em Florínea, a maior parte dos depoimentos orais colhidos por Goulart são de indivíduos que hoje vivem no meio urbano. Ao se direcionarem as memórias sobre o passado, as atividades da Bandeira de Reis exercem um certo saudosismo por outra época: a vida no campo. Esse ponto merece ser tratado com cuidado, à luz de reflexões de estudiosos sobre os métodos de estudos sobre a memória.

Em relação aos sentidos da Folia para os envolvidos, Goulart criou reflexões que alcançam a ideia de identidade, consciência social e patrimônio. O grupo se vê nas práticas e símbolos do ritual e sente necessidade de dar continuidade ao festejo, o que contribui para lhe qualificar como patrimônio cultural imaterial.

Na conclusão do livro, a autora delineia um balanço final da pesquisa, com apontamentos voltados para a importância das construções sociais e da formação de consciência sobre um patrimônio cultural que, no caso das Companhias de Reis da cidade de Florínea, estão em formação.

Portanto, nesse estudo sobre a Folia de Reis em Florínea-SP emergem reflexões sobre identidade e memória, além de ser um trabalho que nos aproxima das análises referentes a fontes orais. O livro pode ser recomendado para estudantes que se interessem por assuntos envolvendo a problemática da memória e das identidades, que se inscrevem no campo da cultura popular e que se expressam nos festejos que envolvem religiosidade e fé que podem ser recuperados nos discursos memorialistas e fontes correlatas.

Referências

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

GOULART, Rafaela Sales. Sentidos da Folia de Reis: um estudo da memória e da identidade da celebração popular em Florínea/SP. São Paulo: Alameda, 2018.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Laurent Léon Schaffter. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990.

PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os fatos. Tempo, Rio de Janeiro: Relume-Dumará, vol. l, n. 2, p. 59-72, 1996.

Aline Fabri – Licenciada em História, Unesp – Assis, São Paulo (SP). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da UNESP, Assis, SP. Professora do Ensino Médio – Etec – Centro Paula Souza. E-mail: alinefabri1@yahoo.com.br.

Acessar publicação original

[IF]

Viver o patrimônio  | Memória em Rede | 2019

Ao refletir sobre acrescente difusão e saturação de discursos da memória em nossa contemporaneidade, a historiadora Régine Robin (2016) questionou se haveria, de fato, alguma sociedade que estivesse “em paz” com o seu próprio passado, ou melhor, com os seus múltiplos e conflitantes passados. Para ela, uma dúvida paira no ar: “Onde encontrar uma sociedade que, consciente ou inconscientemente, não manipule, falsifique, reoriente, reconfigure seu passado, não oculte alguns de seus períodos?” (ROBIN, 2016, p. 169). O passado é, afinal, algo que nos toca de algum modo, pois nos comove e nos inspira a agir no presente. É, também, algo que desejamos tocar em seu lado de cá, em nosso presente, ao investir esforços para que os seus significados não se esvaneçam em silêncio ou em esquecimento e para que nunca se dê por encerrado o desafio de interpretá-lo e reinterpretá-lo. Se o passado é irreversível, pois é tempo que flui e nunca retrocede, suas interpretações são infindáveis, permanentemente abertas às possibilidades de um novo devir. O passado, por intermédio de seus vestígios que ainda perduram no seio de uma sociedade, é um recurso disputado em lutas contemporâneas, dentre as quais, lutas por um outro modo de viver o presente e de direcionar caminhos alternativos rumo ao futuro. Para além do fato bruto, lapidações do passado se dão em meio a concorrências memoriais e historiográficas, concorrências entremeadas por reivindicações individuais e coletivas pelos direitos de estabelecer laços de identificação e pertencimento e de exigir reconhecimento público das diferenças. Logo, ainda que se busque apaziguá-lo, o passado que nos toca e que tocamos, passado que se imiscui à vida, é um tempo agonístico. Leia Mais

Menorca entre fenicis i púnics / Menorca entre fenicios y púnicos – PRADOS et al (PR-RDCDH)

PRADOS, F.; JIMÉNEZ, H.; MARTÍNEZ, J. J. (Eds.). Menorca entre fenicis i púnics / Menorca entre fenicios y púnicos. Murcia: Centro de Estudios del Próximo Oriente y la Antigüedad Tardía de la Universidad de Murcia. 2017. 320p. Resenha de: MISSINGHAM, P. Panta Rei. Revista Digital de Ciencia y Didáctica de la Historia, Murcia, 179-182, 2018.

Menorca, as its name implies, is the ‘small’ island of the Balearics, easily overshadowed by Mallorca, and when it comes to Phoenician and Punic affairs, also and especially, by Ibiza. This has resulted in an unfair knowledge ‘vacuum’ surrounding the island of Menorca. In a similar vein, the archaeology of the Talaiotic culture, subject of a submission to UNESCO, has distracted attention away from the other archaeology present on the island. This book seeks to address this issue. A team of archaeologists lead by Fernando Prados, from the University of Alicante, have been at work since 2014 in an effort to elucidate the presence and status of any Phoenicio-Punic archaeology. This book has the feeling of a once-in-a-generation event and sets a high standard for future Menorcan archaeology books to be measured against.

Of the eleven articles published here, seven are in Spanish and four are in Catalan, with possibly a few Menorquí terms for good measure. A few linguistic tips for the foreign reader, the mysterious oval object on page 163 helpfully labelled ‘mac de la mar’ is a beach pebble, and the ‘denes’, subject of the article starting on page 219 are beads. Otherwise, the only terms likely to cause any real difficulty are chronological references based on the local indigenous culture, the Talaiots or Talayots. The introduction conveniently defines ‘postalaiotic’ as circa 550-123 bc, which effectively covers the entire Punic period, with a little overlap, looking at Carthage here, at each end.

Menorca, as Maria i Ballester, the Conseller de Cultura i Educació, tells us in his Presentació, has been chosen to host the XVI International Dry Stone Walling Congress in autumn 2018. This effort reflects the efforts of the Balearic Islands to have dry stone construction seen by UNESCO as an intangible heritage. The timing of the archaeological work undertaken in Menorca coincides with the candidature of the Talaiotic culture to World Heritage status.

González Wagner sets the scene in his Prólogo by reminding us that the archaeology of Menorca has to be seen as a continuous fluctuating cultural interchange between the Talaiotic culture, the Punics (whether from Ibiza or elsewhere), and the other ‘extra-menorcan’ artefacts in which they trade. In their opening passage, Introducción – Del gris al blanco. La isla de Menorca en el mapa fenicio y púnico, Prados, Jiménez & Roca state that while the Phoenicio-Punic archaeology of Ibiza and Mallorca can be shown in its multicoloured glory, that of Menorca, until this monograph anyway, remained a hazy blur being barely covered in any publications. Which means that the heavy burden of introducing this topic properly, with a solid foundation, falls on the current authors. This new knowledge could form part of a heritage management plan, along the lines of The Route of the Phoenicians, or the Path of Hannibal. Many have contributed to this volume, thank you!

The first article proper by Domínguez Monedero, El ejército de Aníbal, una fuerza de mercenarios, follows the mention of the Path of Hannibal in the introduction, to provide an account of the rise of the Carthaginian practice of employing foreign mercenaries, and how this may be reflected in the archaeological record, typically by the deposit of coinage such as the 56 coins found at Castillo de Doña Blanca probably struck in Melilla. Other evidence may include the construction of S’hospitalet Vell on Mallorca, or Son Catlar on Menorca. The third possible thread of evidence is the number of small bronze figurines, Mars Balearicus, which appear to derive from southern Italian influence, and deposited perhaps as ex voto offerings.

Ramon, in the next article, Pecios y ¿colonias? materiales púnicos en las Islas Baleares, examines 8 Balearic shipwreck sites, four each off Mallorca and Menorca, and also a brief mention of one off Corsica, along with two ‘anchorages’ and finds the maritime ceramic assemblages broadly similar to those found at terrestrial sites. The high percentage of Ibizan goods can be read as an indicator of local suzerainty. The enclosure of Na Galera shows Ibizan construction techniques, while also eschewing the use of Talaiotic pottery. Na Guardis may have been permanently occupied by Ibizans but probably from the 6th century onwards was used as a neutral trading place. In both Mallorca and Menorca, there was a low uptake of Punic technologies such as writing, wheel thrown pottery and coinage. Only Na Galera and Na Guardis show clear Punic control. Colonisation models used elsewhere don’t really seem to apply; Ibizan Punic influence seems to result from commercial activity.

Niveau de Villedary provides the next article, Nuevos datos sobre la evolución formal y estilística de los “pebeteros en forma de cabeza femenina”. A propósito del ejemplar de Torralba d’en Salord (Alaior, Menorca). Of all the perfume burners ever found in Menorca, this article examines the best documented, and accessible, example available – the example from Torralba d’en Salort. This burner is compared against other possible parallels across the Punic world, noting stylistic differences and similarities. The goddess depicted may have originated with the Eleusian mysteries, but she is easily and often modified to conform with local religious practice. The earlier burners found in coastal sites, with closer links to Carthage, may reflect Astarte, or later Tanit.

The fourth, and titular paper is by Prados & Jiménez and is entitled Menorca entre fenicios y púnicos: una aproximación arqueológica desde la arquitectura defensiva. The Talaiotic period can be defined as running from circa 850 – 550, although the start of the period is slowly drifting earlier. The arrival of the Phoenicians, can be seen by the Egyptian Imhotep figurine from Torre d’en Galmés, along with the introduction of fish and other marine products to the existing foodways, along with a rise in violence visible in human skeletal remains. There is also a rise in the number of walls built, still in a Talaiotic architectural tradition, although the only concluded example appears to be Son Catlar, along with a corresponding increase in burning and destruction of habitations. Punic architectural influence may have been recently detected underneath Magon. At Trepucó, there exists defensive structures far beyond the needs to defend against the locals; their stature may possibly a result of the Punic wars. These defensive elements, evidently ultimately from Syracuse, can be seen at Son Catlar, with parallels across the Hellenistic world, although the Punic cubit, rather than a Greek measure, was the unit used during construction. The ceramics from Son Catlar are practically the same as those from Cartagena. In contrast, those from Torrellafuda present a mixture of Talaiotic and Punico-Hellenistic styles.

The next article by Anglada, Ferrer, Plantalamor & Ramis is the first in Catalan – Continuïtat cultural en època de canvis: la producció i preparació d’aliments a Cornia Nou (Maó, Menorca) durant els segles IV-III aC. At the site of Cornia Nou are two edifices, dated to 1100/600 and 400/200 respectively. The close proximity of the two settlements allows direct comparison of their foodways. Of the two, the elder has by far the larger bone assemblage. Of interest here is not only the new presence of dog bones (perhaps as a food source), equines, and turtles, but a doubling by proportion of cattle bones, incidentally much smaller cattle than those from contemporary Tharros, Sardinia. Disappointingly, the ceramics from the older edifice are not discussed, but from the newer, two clear preferences can be discerned – a clear preference for Punic vessels for liquids, but with an almost exclusive use of indigenous wares for cooking. Although lithics, particularly quern stones are discussed, the diminutive size of the artefact labels on figure 13 render the discussion difficult to follow. The evidence for the consumption of dogs is discussed briefly in the later Ramis article.

De Nicolás, Gornés & Gual examine cult objects in Indicis d’un santuari púnico-talaiòtic en el poblat de Biniparratx Petit (Sant Lluís, Menorca). Two bronze figurines (perhaps representing Odysseus and Isis) and some terracotta ceramics were found in the late 19th century near Sant Lluis. Unfortunately, there was some confusion of place names making the source of the artefacts subject to doubt even before the damage caused by the construction of the airport. Excavations on the north-west edge found a Naviform settlement datable to 1500 bc, and on the south-east edge a settlement from the 8th century was found. At the later settlement, with two houses, an out-of-context terracotta figurine sherd was found during investigations. The southernmost house, number 1, produced a beach pebble complete with an inscribed Tanit symbol, leading to ideas of the reutilisation of previous funerary spaces for storage. House 2 has two small chambers which could be interpreted as altars, possibly naiskoi. The ceramics inside the house date from the 4th and 2nd centuries, the house itself suffering minor destruction, before continuing through to the 1st century AD. The Roman phase produced some 40,000 sherds, or 1.5 tonnes, comprising a minimum of 665 amphorae. The archaeology, taken as a whole, shows the three crises typical of eastern Menorca – the overwintering of the Carthaginian fleet, the Roman invasion, and the rise of Roman urbanisation. The male bronze figurine has been identified as Odysseus, or perhaps Philoctetes, while the female one is probably that of Isis, possibly modelled on a 2nd century original from the Greek colony of Rhodes in Spain.

The seventh article, a group effort by Jiménez, Prados, De Nicolás, Adroher, Torres, Martínez, García, López, Expósito & Carbonell is titled, Prospección arqueológica en Torrellafuda (Ciutadella, Menorca). Al encuentro de la Menorca púnica. The enclosure of Torrellafuda appears to have been built in two phases, an earlier cyclopean phase followed by a typically Punico-Hellenistic pattern of architecture, smaller than the original construction perhaps reflecting a defensive stance. Place-name analysis may indicate a Berber origin for the site. The enclosed village was heavily modified in the late 19th century, although the walls are largely recognisable. Aerial photos from 1956 show potential features, and future lidar may be interesting, but for now the features have been located and mapped using GPS. The most promising result has been the discovery of a right angled stone structure. In the intramural area, Campanian and Punico-Ibizan ceramics were found dating from the 3rd and 2nd centuries. Surface collection was done on three transects to the south, and another three, shorter, to the north, with all materials once analised returned to their original location. The majority of the fragments, some 57%, date to the 3rd century BC to the 1st century AD representing the likely date of the settlement. The number of republican Italian amphorae almost matches the quantity from Ibiza, but are twice the number from Tarragona. Coupled with the pertaining coarsewares, the presence of the amphorae indicates the presence of wine, and the inclusion of Menorca in the Mediterranean economy.

Back to Catalan for a discussion by Ramis of, Evidències de contactes exteriors al món talaiòtic a partir de l’estudi del registre faunístic. Almost all the animals in the Balearics have been introduced by humans, not all at once, but gradually over centuries, giving rise to new methods of exploitation and incidentally allowing the later evaluation of the exterior influence involved. The time period involved ranges from the end of the 2nd millennium BC to perhaps the 1st century when true Romanisation can be determined, and geographically covers Mallorca and Menorca. The animals considered are the deer, rabbit, equines, chickens, weasels, cats, turtles, and snails. While it is possible to demonstrate an increase in size for sheep, that for goats and cattle is more problematic, although an introduction of cattle from Tharros, Sardinia, would have been desirable. Changes of exploitation can be seen with the introduction of consumption of dogs, and of fishing, fish here including cetaceans.

The last Catalan article, Denes púniques de pasta de vidre a Menorca: el conjunt del cercle 7 de Torre d’en Galmés by Ferrer Rotger & Riudavets González concerns the discovery of glass and faïence beads at Cercle 7. The abrupt abandonment of the site has provided archaeologists with an unusual opportunity to explore an almost intact settlement, leading to the discovery of 42 beads of probable Ibizan origin and some cockle shells. These beads may have been regarded as status objects, as they accompanied their owners after death, frequently being found in necropoli with possible apotropaic function, with until now only small numbers found in domestic settings. At Cercle 7, the clustering of the finds suggests a perishable material was used to link them together, and their location inside the cercle could indicate they were elements in daily life.

Staying with cercles, Torres Gomariz in, Cercles menorquins: aproximación a la influencia de la arquitectura púnica en las viviendas postalayóticas de Menorca, examines the living quarters. From the 6th century, changes can be seen in the Menorcan way of life, in particular in housing, due to the increasing Punic-Ibizan influence. Menorcan cercles have been a subject of intense interest to antiquarians and archaeologists for 200 years, being finally recognised as ‘standardised domestic units’ in the early 1960s. The model for this standardisation can be matched against other Punic examples in Sicily and North Africa, some Menorcan examples even adopting the opus africanum method of wall construction. The layout of the house, with rooms around a central ‘patio’ reflects the newly fragmented social structure. The unequal commercial exchanges with the Phoenicians may have been the catalyst behind the formation of an hierarchical society.

The last article of this book by Torres, Obrador & De Nicolás called Ba’al-Hammon, Caelestis y el dios del plenilunio en el santuario con taula de Son Catlar (Ciutadella) demonstrates the continuing polyglot nature of life in Menorca. Two stones bearing inscriptions in the Latin script were found in the 1920s at Son Catlar. A further stone with Latin script, but Punic content, and a fourth stone with a 2nd century Punic inscription have since been found. Tanit, renamed as Caelaes(tis), through a last minute correction has been dated to the 2nd century AD. The first two inscriptions mentioned reading LACESE and LACESEN respectively could be interpreted as being addressed, in Punic with Latin letters, to the moon god. Besides these four inscriptions on stone, is another written in the Punic script on an ostracon, and in the Greek alphabet dedicated to Diodorus, perhaps to be interpreted as ‘Gift from Baal’. Examples of the name, Caelaestis, in mainland Spain, appear in fully Romanised urban settings. Associated with the sanctuary at Son Catlar is a cistern perhaps for ritual use. Secondary symbols of the gods, bulls for Baal and perfume burners for Tanit, appear in numerous other places in Menorca, showing the importance of Punic religion there.

Pete Missingham – University of Bristol.

Acessar publicação original

[IF]

Conmemoraciones, patrimonio y usos del pasado – PAGANO; RODRÍGUEZ / Episodios de la Cultura Histórica Argentina – EUJANIAN et. al (HU)

PAGANO, N.; RODRÍGUEZ, M. (comp.). Conmemoraciones, patrimonio y usos del pasado. La elaboración social de la experiencia histórica. Buenos Aires: Miño y Dávila Editores, 2014. 192 p. EUJANIAN, A.; PASOLINI, R.; SPINELLI, M.E. (coord.). Episodios de la Cultura Histórica Argentina. Celebraciones, imágenes y representaciones del pasado. Siglos XIX y XX. Buenos Aires: Biblos, 2015. 209 p. Resenha de: ZAPATA, Miguel Hernán. Historia, memoria, patrimonio y celebraciones: nuevos problemas y tendencias en los estudios de historiografía argentina. História Unisinos 21(3):461-466, Setembro/Dezembro 2017.

Desde los inicios del complejo proceso de institucionalización de la historia como disciplina científica en Argentina, el área denominada comúnmente “Historia de la Historiografía” constituyó –siguiendo a las tradiciones intelectuales europeas del siglo XIX– una suerte de materia obligada en la formación general de los futuros historiadores dedicada, en su sentido tradicional de “historia de la historia”, a reflexionar sobre los textos históricos y sus autores. En las últimas décadas, diferentes tendencias, como la espectacular irrupción en la esfera pública de temáticas surgidas desde la “historia del presente” y, de manera más general, la aparición sistemática de las discusiones sobre el pasado en los debates políticos y los medios de comunicación, no solamente hicieron que el interés por la historia de la historiografía haya experimentado un crecimiento notable. Además, el propio campo de temáticas que comúnmente definían el objeto de estudio de la historiografía atravesó un intenso y complejo proceso de reflexión epistemológica, haciendo que este tipo de investigaciones rebosaran sus propios límites como disciplina “espejo”, es decir, como una actividad consagrada únicamente a desentrañar los caminos recorridos por la disciplina histórica hasta su definición y consolidación institucional en el ámbito local. Fue así que los historiadores argentinos especializados en esta área comenzaron a transitar otras posibles vías de indagación historiográfica y, en consecuencia, exploraron distintos procesos sociales e institucionales de activación de memorias y resignificación del pasado.

Ciertamente el campo delineado a partir de esta significativa renovación es demasiado vasto para ser sintetizado, pero es innegable que dos grandes líneas de investigación, que se suelen combinar y entrelazar en muchos casos, recortan los principales y actuales territorios de la historia de la historiografía en Argentina: una primera perspectiva de análisis historiográfica centrada en el desenvolvimiento de la historia como disciplina científica que sirviera de orientación para la investigación y la enseñanza del pasado, más familiar aunque de un modo menos heroico y dogmático, atendiendo a los procesos de profesionalización y combates por legitimar su situación disciplinar en el mundo intelectual y afirmar la concepción del conocimiento histórico como una investigación profesional y científica (metódica, racional y universal) frente a otras producciones sobre el pasado que circulan sobre el curso de las transformaciones políticas y culturales. Y una segunda perspectiva de la especialidad historiográfica, más amplia y heterodoxa, que concibe a la historiografía como un espacio propicio para la reflexión sobre los múltiples y contradictorios modos en que los grupos de una sociedad construyen relaciones con el pasado con miras a la intervención sobre el presente y que conllevan una cierta proyección hacia el futuro. En ese gran proceso se ve involucrada una diversidad de agentes, públicos, productos culturales y fenómenos de distinta naturaleza: el Estado que procura controlar y modelar memorias colectivas; los historiadores y los productos que ofrecían; los medios de comunicación que transmiten representaciones del pasado de todo tipo; las imágenes de ese pasado que elabora la literatura o el cine, los partidos políticos; las lecturas que ensayan los distintos destinatarios de esas imágenes y evocaciones.

Desde esta perspectiva, la historia de la historiografía argentina ha transitado un camino significativo y promisorio, pues, en efecto, de ser considerada un recurso puramente auxiliar de la historia (en tanto recopilación bibliográfica o relación de autores agrupados por temas y escuelas), esta subdisciplina se construyó como una auténtica área de especialización, discusión y producción profesional acerca de la influencia profunda que, desde su nacimiento, ejerce la historia en la experiencia social de una comunidad (desde aquella que le atribuía una función pedagógica a otra que reposaba en sus valores cognitivos, de la funcionalidad política a la cultural, desde la integración de ese pasado con el presente a su negación o abolición) y los problemas derivados de la existencia de distintas memorias, mitos históricos y visiones del pasado dictadas por las emociones, las disputas políticas y la construcción de identidades. En la actualidad, el campo académico argentino cuenta con varios equipos de trabajo consolidados en diferentes universidades y centros de investigación nacionales que conforman un punto de referencia de las investigaciones historiográficas sobre las diferentes representaciones y usos del pasado construidos tanto en los círculos académicos como en los espacios extraacadémicos. Como resultado de esta nueva sensibilidad y ejemplo de los territorios por los que avanza la especialidad historiográfica en nuestro país, aparecen en un primer plano los dos libros que son objeto de esta reseña: por un lado, Conmemoraciones, patrimonio y usos del pasado.

La elaboración social de la experiencia histórica (2014), una compilación de Nora Pagano y Martha Rodríguez, y, por otro, Episodios de la Cultura Histórica Argentina. Celebraciones, imágenes y representaciones del pasado, siglos XIX y XX (2015), organizado por Alejandro Eujanian, Ricardo Pasolini y María Estela Spinelli.

Más allá de la diversidad de temas, actores y períodos que cada trabajo analiza, ambos volúmenes parten del mismo presupuesto general, tomando a las conmemoraciones y a las políticas patrimoniales, así como también a los objetos que los emblematizan, como laboratorios privilegiados para percibir, dentro de las múltiples dinámicas sociales que una comunidad exhibe en un contexto temporal específico, las tensiones que emergen entre distintas interpretaciones y funciones del pasado, construidas acorde con las circunstancias del presente y por un conjunto heterogéneo de actores tanto a través de ciertas prácticas como así también de la valorización de espacios y objetos que genéricamente constituyen otros componentes de la cultura histórica. Una segunda línea que recorre ambos volúmenes, conectada y derivada de la anterior, consiste en conceptualizar a las conmemoraciones y al patrimonio histórico como fenómenos a través de los cuales uno o distintos colectivos sociales en pugna trazan un vínculo con su pasado y, por ende, se instituyen en dispositivos productores de imaginarios sociales con importantes secuelas en otros ámbitos de la sociedad. De ese modo, las diferentes contribuciones se detienen en escenarios políticos y culturales en los que es posible identificar las diferentes modulaciones que asume la constante redefinición de las relaciones entre un saber académico y su transmisión a la sociedad por medio de los otros soportes, esto es, las vinculaciones y tensiones entre erudición y divulgación, aspiración “científica” e intervención “pública”, entre historia y memoria, las diversas mediaciones y –fundamentalmente– los mediadores que posibilitaron esas relaciones.

En esta dirección, los dos libros comparten las huellas de una generación de historiadores movilizados por inquirir sobre este conjunto menos convencional y más amplio de estudios y problemas de la historia de la historiografía, aprovechando de modo renovado los conceptos y herramientas teórico-metodológicas de otros campos disciplinares y asentándose sobre el rico cimiento construido por núcleos de estudiosos del ámbito nacional y extranjero. Por tanto, estos nuevos ejemplares se presentan como excelentes ejemplos y puntos de partida de lo que en la actualidad se está constituyendo en una línea avanzada dentro de los programas de estudio e investigación encarados paralelamente en Estados Unidos, Europa y otros países de América Latina. Sin embargo, las respuestas a las preguntas que se plantean los autores que participan de ambas compilaciones no resultan de una transposición acrítica de modelos teóricos gestados en otros contextos y pensados para otros problemas, sino de una sostenida práctica de investigación, donde los debates importados adquieren su propia densidad a la luz de las preguntas que formulan sobre las modalidades locales que asumen los intentos de diferentes actores por gestar nuevas memorias.

En virtud de las claras líneas conectoras entre ambas compilaciones que hemos señalado supra, hemos decidido evitar realizar un recorrido lineal por cada uno de los acápites siguiendo el orden en que están dispuestos en cada libro y proponer, en cambio, una recensión de los mismos a partir de su agrupamiento en función de coincidencias temáticas y cercanías espacio-temporales, haciendo dialogar inclusive ciertos capítulos de un volumen con los trabajos del otro. Un primer núcleo de artículos se ocupa de las conmemoraciones de la Revolución de Mayo, una problemática no casual dentro de las opciones, puesto que si por un lado el dispositivo celebratorio constituye un objeto de interés legítimo para cualquier estudio historiográfico (pues una adaptación del pasado a las necesidades del presente comprende variadas formas de intervención que operan en la creación o remodelación de memorias e identidades colectivas), el contenido a rememorar, por su parte, condensa un importante entrelazamiento de tensiones y conflictos de más largo aliento sobre los sentidos asignados al acontecimiento para la sociedad argentina.

En efecto, desde la consolidación y expansión del Estado central a fines del siglo XIX, tanto el sistema escolar como los actos públicos contribuyeron a afianzar y difundir un relato fundador de la nación argentina en el que la Revolución de Mayo ocupó el lugar de “mito de los orígenes”, una suerte de semillero de la nacionalidad de acuerdo al historiador José Carlos Chiaramonte, en vistas de la necesidad de dar mayor cohesión y homogeneidad a una población sumamente compleja y diversa (integrada por criollos, indígenas e inmigrantes europeos) que habitaba la geografía nacional. En consonancia, mientras Alejandro Eujanian (in Eujanian et al., 2015) traza un cuadro analítico en el que observa los cambios y continuidades de las fiestas mayas en el Estado de Buenos Aires entre 1852 y 1860, Fernando Devoto (in Pagano y Rodríguez, 2014) nos traslada a los diferentes actos organizados por la clase dirigente argentina a principios de 1910 para celebrar los cien años de la Revolución de Mayo como un tipo especial de acontecimiento festivo con un claro perfil poliédrico.

Por su parte, Antonio Bozzo (in Eujanian et al., 2015) examina con minuciosidad la participación de intelectuales y artistas en algunas de las actividades propuestas por la Comisión Nacional de Festejos del Centenario. Por su parte, el siglo XXI continúa mostrando que las celebraciones continúan siendo una tecnología pedagógica capaz de ser empleada por el aparato del Estado para producir cierto tipo de anclajes identitarios, tal como indican Nora Pagano y Martha Rodríguez en sus acápites (Rodríguez in Pagano y Rodríguez, 2014; Pagano y Rodríguez in Eujanian et al., 2015). Mediante un sondeo original de algunas iniciativas culturales (proyectos editoriales, el mural del Bicentenario, una instalación interactiva y otra audiovisual) organizadas tanto por el gobierno nacional como por empresas privadas en el marco de las conmemoraciones del Bicentenario de la Revolución, las autoras concluyen que en cada una de estas instancias erigidas en ocasión del ritual colectivo se evocan la presencia de los diferentes sentidos del pasado puestos en juego, la multiplicidad de actores intervinientes en el proceso y el carácter de las mediaciones materiales y simbólicas.

Un segundo núcleo de trabajos prosigue en el tratamiento de la matriz instrumental de estos dispositivos celebratorios, pero en arenas que van más allá del Estado –y sus diferentes agencias y niveles– y se adentran en las prácticas de otros actores colectivos de la sociedad civil que, al calor de la vorágine de los sucesos políticos, sociales y culturales que signaban la vida del país y del extranjero, pusieron en marcha algunos mecanismos de intervención pública para fundar tradiciones y legitimar posiciones políticas y librar una lucha –a veces estridente, a veces opaca– por dotar de sentido al pasado frente a las versiones de sus muchos contendientes. Así lo exhibe el estudio de Julio Stortini (in Eujanian et al., 2015), dedicado a indagar el proceso de rehabilitación de la controvertida figura de Juan Manuel de Rosas, desde la década de 1930 hasta inclusive la etapa kirchnerista, por el revisionismo histórico (ese movimiento de corte nacionalista y antiliberal integrado por intelectuales pertenecientes a distintas tradiciones políticas que pretendían promover los estudios históricos), prestando atención a las mutaciones discursivas y reacomodamientos ideológicos en los diferentes contextos políticos durante los gobiernos peronistas. Por su parte, Eduardo Hourcade (in Pagano y Rodríguez, 2014) concentra su capítulo en una coyuntura particular de la saga revisionista: los proyectos destinados a repatriar los restos de Rosas, las polémicas que hicieron difícil su concreción –frente a otros anteriores, aparentemente menos polémicos, de personajes del panteón nacional (como Bernardino Rivadavia, José de San Martín, Domingo F.

Sarmiento y Juan Bautista Alberdi)– y su concreción definitiva en 1989, así como las circunstancias y motivos del fracasado intento por montar conmemoraciones asociadas al evento. En un registro similar, dos primeros textos de María Elena García Moral (in Pagano y Rodríguez, 2014) y Sofía Serás (in Pagano y Rodríguez, 2014) presentan puntualizaciones historiográficas sumamente originales sobre la cultura histórica de las izquierdas: mientras la primera decide comparar lo que se recuerda y cómo se recuerda dentro los grupos socialistas y comunistas en Argentina y Uruguay en diferentes contextos conmemorativos del siglo XX, la segunda autora reconoce –a través del periódico partidario El Obrero– la tensión entre elementos internacionalistas y nacionalistas en la creación y recreación de memorias e identidades colectivas a partir de ciertas imágenes del pasado que se promovían durante las celebraciones socialistas.

Los conflictos políticos de la historia reciente argentina también nos proveen otros ejemplos en los que es posible comprobar que no existen vínculos sencillos, evidentes, obligatorios entre las posiciones políticas de coyuntura y las historiográficas. Asumiendo de modo implícito esa suerte de dictum, María Estela Spinelli (in Eujanian et al., 2015) se adentra en la crisis política abierta a partir del golpe militar que derrocó el segundo gobierno de Juan Domingo Perón –ocurrido en septiembre de 1955– y, en consecuencia, el trabajo puede pensarse como un marco para las restantes contribuciones, puesto que su autora sintetiza, con la maestría de quien conoce el tema con solvencia, la serie de transformaciones, conflictos y proyectos políticos en pugna durante la década de 1960 y que rodearon las celebraciones oficiales del sesquicentenario de la Revolución de Mayo y de la declaración de Independencia. Un segundo trabajo de García Moral (in Eujanian et al., 2015) profundiza los usos del pasado en esa coyuntura político-cultural a partir del análisis de la labor editorial y, en particular, de la producción historiográfica realizada por fuera del ámbito académico por historiadores y/o intelectuales del socialismo y comunismo. Continúan por esta misma senda los aportes de Sofía Seras (in Eujanian et al., 2015), Ricardo Pasolini (in Eujanian et al., 2015) y María Julia Blanco (in Eujanian et al., 2015), aunque prefieren por hacerlo desde una aproximación más individual y personal, centrada en los escritos de los propios protagonistas: si Seras se ocupa de la construcción de la identidad del socialismo argentino a partir de los Recuerdos de un militante socialista del médico y político Enrique Dickmann (1874-1955), Pasolini hace lo propio con el comunismo mediante la interpretación, la crítica y la producción historiográfica de Aníbal Ponce (1898-1938). Por su parte, Blanco recupera las interpretaciones del pasado de la izquierda nacional en los ensayos históricos contenidos en algunos de los 35 libros de divulgación política y cultural que integraron la colección La Siringa publicados por el editor chileno Arturo Peña Lillo (1917-2009) en Argentina entre 1959 y 1963. Aunque los tres autores nos retratan un clima político-cultural que rápidamente nos muestra que todas las visiones del mundo incluyen –casi inevitablemente– visiones de su pasado, los recorridos particulares de estos intelectuales de izquierda también permiten detectar unos lazos más flexibles y menos definidos entre ciertos imagos y ciertas perspectivas historiográficas.

Finalmente, un tercer núcleo de artículos aborda la actividad memorativa de la conciencia histórica generada a partir de las nociones de patrimonio que circulan en el ámbito de la cultura, el poder simbólico de ciertas imágenes y lugares en el paisaje social y las políticas de patrimonialización a través de las cuales se asignan significados a ciertos activos materiales y/o inmateriales.

Por segunda vez la perspicaz pluma de Nora Pagano (in Pagano y Rodríguez, 2014) nos adentra en estas problemáticas con un logrado ensayo en el que reflexiona sobre un fenómeno particular de la administración de la memoria social durante el primer peronismo: la existencia de perspectivas y valoraciones contrapuestas de ciertos episodios y procesos del pasado argentino. De acuerdo a la autora, este fenómeno es producto de la línea patrimonial adoptada por el Estado durante esos años, identificable en las declaratorias de la Comisión Nacional de Museos y de Monumentos y Lugares Históricos sobre los Sepulcros Históricos, y, paralelamente, de las actitudes asumidas por parte de la sociedad durante la conmemoración de los distintos centenarios –del escritor Esteban Echeverría y del pronunciamiento de Justo José de Urquiza (ambos en 1951), de la Batalla de Caseros (1952) y del Combate de la Vuelta de Obligado (1953)– que tuvieron lugar por aquel entonces. La preocupación por la perspectiva patrimonial en los debates colectivos sobre el pasado se repite en el capítulo de Gabriela Couselo (in Eujanian et al., 2015), cuyas páginas sistematizan los antecedentes, particularidades y controversias en la erección del monumento a la Bandera Nacional ideado por la escultora argentina Lola Mora (1866-1936) en la ciudad de Rosario, iniciado en el siglo XIX e incorporado recién en la década de 1990 al Pasaje Juramento –segmento del paisaje urbano vinculado a la bandera donde actualmente se encuentran las esculturas del inacabado proyecto.

Tres trabajos de una de las compilaciones merecen un comentario aparte, ya que si bien sus referentes espacio- temporales no coinciden con aquellos de la mayoría de los capítulos, centrados principalmente en distintos momentos y espacios de la cultura histórica argentina, no deja de ser cierto que insertan legítimamente dentro de la gama de preocupaciones que la historiografía ha considerado en los últimos años. Así las cosas, la italiana Sabina Loriga (in Pagano y Rodríguez, 2014) recorre las cuatro hipótesis sobre el origen de los etruscos y concluye que la opción por alguna de ellas supone la activación en el presente de una serie de enfrentamientos entre ciertos actores y proyectos políticos diferentes y a veces opuestos.

Situándose en España, Javier Moreno Luzón (in Pagano y Rodríguez, 2014) transita las conmemoraciones promovidas por el Estado español entre 1898 y 1918 (el primer centenario de la Guerra de Independencia, el tercer centenario de la publicación de la primera parte de Don Quijote de la Mancha y de la muerte de su autor, Miguel de Cervantes, y la oleada hispanoamericanista que tuvo su eje en el centenario de las independencias americanas de 1810-1811) y, en tal sentido, ofrece un interesante material empírico para realizar un contrapunto con el caso argentino y repensar los mecanismos estatales de nacionalización puestos en funcionamiento a ambos lados del Atlántico hacia las décadas finales del siglo XIX y las primeras del XX. Finalmente, Gabriela Siracusano (in Pagano y Rodríguez, 2014) nos transporta nuevamente a América Latina, esta vez al ámbito andino, en el que descubre –a partir de modulaciones interpretativas cercanas a la sociología e historia del arte– los modos en que la iconografía particular procedente de los colores del arco iris se transfiere, apropia y resignifica socialmente en los Andes en tanto signo que aseguraba metonímicamente su presencia en todas las prácticas sociales de cuño religioso y político.

En conclusión, estas dos compilaciones sobre las interpretaciones del pasado en la historia argentina constituyen un novedoso y relevante aporte bibliográfico para enriquecer las discusiones historiográficas tanto a nivel particular como a un nivel más general. Para el caso argentino, las contribuciones reunidas en ambos volúmenes nos devuelven las preguntas y reflexiones de cada autor suscitadas a partir del estudio de ciertos acontecimientos, rituales y emblemas del pasado nacional, así como su plasmación en actos, fiestas, estatuas y monumentos, mostrando que el interrogante acerca de las complejas y cambiantes relaciones entre historia y memoria continuará siendo imprescindible para conocer otra dimensión de los conflictos que atraviesan a una sociedad y que la apertura de la historia de la historiografía a nuevos terrenos define la vía para avanzar en este tipo de conocimiento. Después de todo, no hay que olvidar que cualquier interpretación del pasado –la del Estado, las de los partidos políticos, las de las comunidades étnicas, las difundidas por la literatura, el cine y el periodismo, e incluso la de los propios historiadores– refleja puntos de vista diferentes de acuerdo a concepciones, valores e ideologías, por lo que no es extraño que cualquier definición del pasado histórico nacional mantenga lazos particularmente estrechos con la vida política y cultural de un país.

Y, en términos más amplios, estas recopilaciones –así como otros libros– pueden ser un excelente pretexto para incentivar la reflexión entre los historiadores sobre los usos de la historia, en especial cuando desde instancias públicas y privadas se los interpela a adoptar un posicionamiento epistemológico respecto de los rasgos que caracterizan las decisiones de los pueblos y sus gobiernos por gestionar la memoria histórica y en función de la profundidad e intensidad de los debates políticos e identitarios que se dibujan en cada escenario y a su alrededor. Mucho más cuando, en las últimas décadas, las conmemoraciones y las acciones de patrimonialización están dibujando un escenario sumamente poliédrico y laberíntico para los historiadores, no sólo por la reflexión teórica que despierta la tarea de diferenciar las intencionalidades –unas abiertamente políticas, otras más académicas– que permean los “usos públicos de la historia” visibles en las prácticas que acompañan los actos públicos y privados, sino también porque deberán asumir los múltiples retos que plantea estar ante experiencias sociales que no pueden reducirse a un simple acto de recuerdo y que, inevitablemente, nos traslada al terreno de los sentimientos, de la emotividad y de la identidad.

Resulta obvio que el “delirio conmemorativo” y la “fiebre monumentalista” responden a un movimiento a nivel mundial, pero en el caso concreto de América Latina ambas tendencias obedecen a las diferentes actividades organizadas por los gobiernos a partir de la celebración de los bicentenarios de las independencias iberoamericanas.

No se puede olvidar que desde el año 2008 la mayoría de las repúblicas latinoamericanas han tendido a construir distintos escenarios conmemorativos, con mayor o menor participación popular, centrados en la exaltación de los hechos y de los protagonistas considerados nucleares para el nacimiento de las nuevas naciones. A pesar de que muchos de los “mitos fundacionales” de los Estados nacionales han comenzado a demolerse por los recientes avances historiográficos, es innegable que esas y otras fiestas patrias continúan siendo aquellas atmósferas en las que ciertos sectores de la política y la sociedad encuentran las claves del pasado necesarias para dotar de legitimidad a ciertas políticas e instituciones de los Estados, o bien para definir el “espíritu colectivo” capaz de articular el presente y el futuro de comunidades nacionales hondamente heterogéneas, desiguales, fragmentadas y diversas.

En consecuencia, resulta sintomático que ciertos sectores de la sociedad continúan sosteniendo la posibilidad de encontrar en la historia cierto eje didáctico-moralizante –según el viejo topos ciceroniano magistra vitae– que les permita entrelazar juicio del pasado, instrucción del elemento tenido por esencial para la configuración de un sentido de comunidad.

Debido a esta situación, siempre latente en el seno de toda sociedad, se torna primordial la necesidad de buscar un enfoque que nos ayude a matizar, cuestionar o simplemente reflexionar críticamente sobre las lecturas del pasado. Es allí donde la historia de la historiografía lleva una gran ventaja, al contribuir con una perspectiva más cautelosa, más aguda, más crítica, en fin, de leer e interrogar las prácticas sociales que evocan ciertos discursos del pasado. Y ello, como lo demuestran las compilaciones aquí reseñadas, no parece ser un aporte menor.

Horacio Miguel Hernán Zapata – Universidad Nacional del Nordeste (UNNE). Instituto Superior de Formación Docente “Profesor Agustín Gómez” (ISFDPAG), Argentina. Uruguay 1483, Paso de los Libres, CP 3230, Provincia de Corrientes, Argentina. E-mail: 1 horazapatajotinsky@hotmail.com.

Patrimónios de influência portuguesa: modos de olhar – RIBEIRO (A-EN)

RIBEIRO, Margarida Calafate; ROSSA, Walter (Org). Patrimónios de influência portuguesa: modos de olhar. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra; Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Niteroi: Editora da UFF, 2015. Resenha de: PÉCORA, Alcir. Alea, Rio de Janeiro, v.18 n.3, dez., 2016.

I

Acaba de ser lançado em Portugal e no Brasil, em coedição da Imprensa da Universidade de Coimbra, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Universidade Federal Fluminense, o trabalho mais abrangente já produzido em português sobre a noção de Patrimônio – em suas várias dimensões éticas, estéticas, técnicas, culturais, sociais, históricas, políticas etc. –, no bojo dos estudos e contextos pós-coloniais, que tanto apõem desconfianças e dificuldades, como abrem veredas ainda pouco exploradas e, por vezes, sequer pensadas antes entre nós, digo, os que se podem identificar como sendo de culturas de influência portuguesa.

Pretendo comentar a grandeza desse trabalho, de um lado, fazendo sínteses rápidas, necessariamente esquemáticas (mas espero que não estúpidas), dos vários textos do livro, que cobrem questões muito novas em relação ao Patrimônio português nos vários países e regiões que os partilharam, modificaram, contaminaram etc.; de outro, propondo-lhes questões gerais que pensam o conjunto e apontam desafios a ser considerados na sua continuação.

Há um gesto de coragem no início desse projeto: sem esconder ou amenizar as assimetrias contundentes no âmbito do processo colonial, ele se propõe como gesto concreto de integração do patrimônio das diferentes culturas, países e territórios envolvidos. Como alertam os organizadores, não se trata de gesto de nostalgia romântica, mas de ação intelectual cujo propósito é subsidiar políticas de ação favoráveis à cidadania.

Em particular, o projeto pretende integrar a noção de Patrimônio à ideia de sustentabilidade cultural (não apenas social, econômica e ambiental), o que implica entendê-lo como plataforma para interação de áreas de preservação e de ação político-cultural em favor da construção da paz, da cooperação e do reconhecimento da cultura do outro.

Enquanto trabalho interdisciplinar análogo aos dos critical heritage studies, de inspiração anglo-saxônica, os estudos de Patrimônio aqui levados a cabo têm como pressuposto a crítica do eurocentrismo. Os seus dois desafios básicos são o reconhecimento das alteridades no interior de uma comunidade ampla e diversificada, e a imaginação de caminhos do desenvolvimento sustentável de cada uma delas.

Supor um Patrimônio plural significa admitir uma pluralidade de olhares e contatos, que, muita vez, obriga a questionar a ideia de “influência portuguesa”. Como dizem os organizadores do volume, a noção de influência, aqui, é basicamente entendida como um “operador histórico”, estruturado pela língua e ativado por Portugal, mas dinamizado por outras geografias e tempos diversos. O resultado pretende ser mais uma celebração de diferenças numa rede de territórios que a identificação de uma essência comum.

Também é obrigatório dizer que o livro não é uma coletânea de textos avulsos, mas uma coleção interdisciplinar cuidadosamente organizada, nascida dos debates empreendidos por duas reuniões gerais, em Bolonha e Coimbra. Está composto em duas partes separadas por uma entrevista dos organizadores com o conhecido crítico português Eduardo Lourenço, que já teve várias passagens pelo Brasil, incluindo uma bastante marcante para mim no Instituto de Estudos da Linguagem, da UNICAMP.

A primeira parte discute criticamente os conceitos tradicionalmente afeitos ao patrimônio como memória, herança, identidade, comunidade, colonialismo, origem, influência etc. e a segunda trata das disciplinas envolvidas e dos novos instrumentos de investigação propostos por elas. Passo, pois, a referir muito sinteticamente o escopo de cada um desses textos.

II

A abertura dos estudos coube a Helder Macedo, que discutiu as noções de língua, comunidade e conhecimento para indicar inicialmente que eles não compõem uma sequência lógica. Nem a língua é indispensável para definição de uma comunidade, nem esta precisa significar um conhecimento efetivamente partilhado, uma vez que, mesmo dentro de um país, as populações podem ter um persistente desconhecimento mútuo. No sentido contrário, diz o autor, escritores africanos que escrevem em línguas europeias podem eventualmente ter mais em comum com os pares europeus do que com as comunidades de origem.

O contato com a língua do poder pode efetivamente levar ao desaparecimento de línguas nativas, pois a central tende à manipulação das outras culturas e conhecimentos em favor próprio, reduzindo-as a um lugar periférico –, o que é reforçado pelo que o autor chama de “solipsismo de centro”, isto é, enxergando-se apenas a si próprio, não pensa a língua senão como instrumento de um imperialismo nacional.

Em oposição a essa política de distinção entre centro e periferia, o autor imagina a possibilidade de um centro sem lugar definido, revitalizado por alternativas não centralizadas e pela emergência de novas potências nacionais, antes periféricas, como, por exemplo, Índia, China e Brasil – países nos quais a língua portuguesa teve lugar histórico, conquanto diverso.

Tal redistribuição democrática de lugares não precisaria significar uma ameaça a nenhuma das línguas de origem, pois, para o autor, quanto mais integrada e segura da sua própria cultura, mais uma língua pode contribuir para a sobrevivência de outras, num mundo de diversidades coexistentes – pensamento que me trouxe à lembrança a afirmação pessoana de que quanto mais forte a identidade de um povo, maior a sua capacidade de importar ideias de outros.

A seguir, Renata Araújo, Professora do Departamento de Artes e Humanidades da Universidade do Algarve, discute os conceitos de influência, origem e matriz. Na de influência, enxerga menor peso hierárquico e, portanto, maior possibilidade de incorporar noções de reciprocidade e de postular um futuro para o passado que dê menos margem a mistificações nacionalistas.

A autora também observa que a ideia de Patrimônio refere “o que fica do pai”, vale dizer, guarda certo caráter fúnebre: objetos de rememoração associados a restos mortais. Daí que a necrópole seja o monumento por antonomásia: o que lembra a morte do antepassado e, ao mesmo tempo, assegura a continuidade da comunidade.

Numa perspectiva cosmopolita e contemporânea, outros pontos de vista se abrem para o enfrentamento dos fantasmas do passado: culturas híbridas, traduzidas umas das outras, que produzem polissemia e maior consciência ética das diferenças entre elas. Daí também a ideia da “tradução” como metáfora do Patrimônio, segundo a qual culturas em contato podem se tornar mutuamente Inteligíveis, sem sacrifício da sua diferença.

Uma nova geografia de difusão influente teria de ser mais centrífuga que centrípeta; menos matricial e mais ambígua, cuja vantagem decisiva está em pensar trocas, resistências e hibridações imprevisíveis em contraste com os aspectos mais coercitivos da ideia de matriz. Nesse novo registro, espera-se tanto a superação do mito étnico, como a admissão de processos de contaminação recíprocos, nos quais os mortos de comunidades diversas se enterram como “parentes” e dão margem à partilha das heranças.

Roberto Vecchi, professor de Literatura Portuguesa e Brasileira da Universidade de Bolonha, trata dos conceitos de identidade, herança e pertença. Propõe uma virada na concepção de identidade, entendendo-a na relação com o Outro, de tal modo que, analogamente, o Patrimônio seja pensado não como igual, mas como “em-comum”, o que também implica redefinição da ideia de comunidade. De uma identidade integral usualmente nostálgica passa a referir uma comunidade incompleta, não homogênea, estruturada pela falta: em construção.

Patrimônio, aqui, teria de perder a essência identitária em favor de singularidades que pactuam novas comunidades. O laço da tradição perderia força para um traço transformador, no qual as culturas são entendidas como traduções sempre incompletas e os espaços da língua portuguesa não são homogêneos, nem têm centro, admitindo mesmo a dispersão como um ganho em relação à noção tradicional de lusofonia.

Assim, contra a ideia de um poder soberano, pleno, central, apresenta-se o que o autor chama de “força débil”, assentada em projetos compartilhados sobre bens culturais “em-comum”, que não admitem grandes narrativas, mas obrigam a repensar o campo inteiro do Patrimônio. Este abandonaria os seus aspectos de museificação e monumentalização de restos dos passados, cuja narração atual já não é capaz de obter identificação de nenhuma comunidade, para se reapresentar como Patrimônio de arte residuária, menos deslumbrante e eloquente: arte modesta feita de indícios, que deve repensar a monumentalidade fora da violência e de categorias plenas. Vale dizer, como contramemória: patrimônio do outro.

Antonio Sousa Ribeiro, professor do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, trata da questão da memória, avançando na mesma direção de modos contra-hegemônicos, em que a memória representa tanto uma crítica do presente como uma estratégia de produção do contemporâneo.

Para ele, o campo de estudos da memória abriga uma visão transdisciplinar, favorável à evidência dos seus quadros sociais, não em termos de um sujeito coletivo romântico, mas antes como memória pública capaz de valorizar o reverso das histórias dominantes: um trabalho de memória consciente das histórias catastróficas do século XX. Ganham força aí os estudos da violência, do holocausto e os estudos pós-coloniais, nos quais se é obrigado, muitas vezes, a considerar patrimônios de silêncio, imateriais.

Não se imagina que essa memória seja consensual, mas sim recoberta por tensões e conflitos. Ter-se-ia de pensar numa transnacionalização da memória, o que inclui fenômenos de deslocalização e de lógicas interculturais ambivalentes.

Outro conceito relevante aqui seria o de “pós-memória pública”, que refere a relação da segunda geração de descendentes em relação a essas experiências conflitantes. A ideia a acentuar é a de que a memória tem uma dimensão multidirecional, nas quais as diferenças não se anulam, articulam-se.

Miguel Bandeira Jerónimo, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, trata do colonialismo moderno e sua justificativa usual como “missão civilizadora”, vale dizer, como empresa de “elevação moral dos povos atrasados”. Talvez o mais duro dos textos do livro, mostra como as leis imperiais evidenciavam um “racismo institucionalizado” a operar como legalização do trabalho forçado. A finalidade última delas seria a autoperpetuação, a preservação do Império, ainda que as ideologias imperiais se recobrissem de certa plasticidade que lhe permite, por vezes, tomar a forma de uma ação benevolente, como a supressão da escravatura, do tráfico, e mesmo incorporar motivações religiosas e humanitárias. Tais ideologias também podem tomar a forma de inevitabilidade histórica ou de consequência natural da superioridade europeia ou ocidental, numa variante da seleção natural, e mesmo de uma tutela progressista, que avança até o momento descolonizador.

As múltiplas doutrinas de missão civilizadora promoveram o que autor chama de “racialização” do mundo imperial, com diferentes políticas de enquadramento das populações nativas, e com diferentes lógicas de assimilação seletiva e de discriminação racial.

Outro aspecto examinado é a propaganda da missão portuguesa nos manuais de administração colonial, nos quais a educação, muitas vezes tratada com o apanágio de ciência, constituía-se sempre como educação para o trabalho.

Ou seja, abuso do trabalho nativo, racialização social, política discriminatória, ausência de estruturas educativas, escassez da presença eclesiástica, insuficiência de desenvolvimento econômico são elementos de continuidade histórica do império colonial que obrigam a refletir judiciosamente sobre o que pode receber o estatuto de patrimônio linguístico e cultural numa situação de afirmação da independência e de tratamento igualitário das antigas colônias. Diante desse quadro duro, mas realista, composto pelo autor, o que se pede é um debate sobre Patrimônio que seja, como diz, “menos etéreo”.

Francisco Bethencourt, professor do Departamento de História no King’s College, investiga os sentidos de colonização e pós-colonização, destacando tanto o processo de coisificação do colonizado pelo colonizador, em que cada um deles habita mundos excludentes, como a interiorização da repressão pelo oprimido. Tais fatos acabam relativizados pela crítica pós-moderna que observa interstícios importantes de negociação e de resistência no colonizado, ou seja, formas de sobrevivência cultural e social mesmo em situação repressiva. Seriam trocas desiguais, mas capazes de produzir formas de articulação entre tradições locais e modos de domínio.

Já a crítica pós-colonial, que avança análises de teor marxista em sociedades não europeias, produz novas análises das consequências do domínio colonial, com destaque tanto para a ideias de emancipação dos povos colonizados da mentalidade de oprimido, como para as contradições no cerne das perspectivas anti-colonialistas, como a realidade desigual do exercício do poder nos países independentes, a apropriação do aparelho do estado por pequenos grupos, a irrupção de neopatrimonialismos e clientelismos etc.

Derivam daí questões cruciais para se pensar os patrimônios da presença portuguesa em outros continentes, a começar pelo emprego de uma terminologia geralmente tributária do passado colonial. O termo “influência”, por exemplo, no dicionário Morais, está associado ao sentido de domínio, de uma submissão pessoal a quem tem direito sobre nós – o que parece produzir uma espécie de retorno do recalcado já no título do volume. De fato, não é crível que, no atual estado dos debates, seja possível não incorrer nessas contradições que são exatamente o foco dos trabalhos aqui reunidos.

O autor examina os empregos históricos de termos como colono, colonização, colonialismo, e também anticolonial e anticolonialista; detém-se no sentido de “descolonização”, onde, paradoxalmente, o domínio do território pela potência em expansão ofusca o papel das lutas das populações submetidas. Em especial, a noção de “retirada” aí implícita perpetua uma visão histórica centrada nas potências colonizadoras. Ou seja, os povos coloniais, ainda depois da independência, são “desapossados” de seu orgulho de conquista da autonomia, como se esta existisse, no limite, por capricho do colonizador.

Nessas circunstâncias, mais uma vez, como pensar o patrimônio? Para o autor, qualquer resposta deve entender que, enquanto relativo à memória coletiva, o Patrimônio é resultado de uma luta pela memória no bojo de lutas sociais e de projetos políticos divergentes.

Em sua breve intervenção, Eduardo Lourenço observa que Camões não teria escrito Os Lusíadas que escreveu se não tivesse empreendido a viagem às Índias, e é este o primeiro poema europeu a ver ou interpelar a Europa de fora. E, em outra de suas brilhantes intuições, observa que, no caso do Brasil, o Império só existiu a título póstumo: reivindicado por D. Pedro I, quando da independência. Em termos portugueses, a centralidade imperial estaria na Índia.

Conquanto o empreendimento imperial português seja do Rei, e da Nação, diversamente da Espanha cuja expansão se deu pela iniciativa privada, de comerciantes, para ele, Portugal nunca chegou a ter uma ideologia imperial, mas apenas religiosa. Como missão religiosa justificaram-se as viagens portuguesas e, em particular, como missão jesuítica, que se institui como ordem cosmopolita destinada a salvar almas para Deus.

No caso do Império do XIX, que distingue essencialmente da primeira expansão fundacional, considera que ele se dá num período em que boa parte das nações europeias tornaram-se colonizadoras, sendo que boa parte delas colonizadoras mais eficazes que Portugal.

Ainda, a reflexão sobre as colônias, no conjunto da sua obra, surge como um esforço de imaginar que não está totalmente perdido o que se perdeu. No Brasil, mais facilmente, porque a ausência de insurreição permite uma ideia de continuidade e de passado português que o inclui. Já em relação à África, há uma tragédia, cuja marca inapagável é a promoção do reino pela escravidão dos povos em contato e o fato de que os agentes decisivos dela não têm qualquer cultura humanística ou fascínio estético que permita sublimar a brutalidade da conquista, a superficialidade das trocas, ou sequer reivindicar a grandeza de uma interpelação das próprias contradições imperiais, como é a de Camões.

A segunda parte dos estudos, denominada Discursos e Percursos, começa com o estudo de uma das organizadoras do volume, Margarida Calafate Ribeiro, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Para ela, uma vez que as literaturas de língua portuguesa foram impostas a todo o Império, trata-se de verificar como uma lei do poder colonial admite a inscrição de diferenças ou a sua reversão como instrumento de emancipação – onde o fluxo também dá lugar ao refluxo.

Nas primeiras narrativas do novo mundo, eurocêntricas e religiosamente motivadas, a autora observa que tanto procuram descrever o novo mundo, o que lhes dá a oportunidade de ver a Europa de fora, como o fazem por meio de uma retórica descritiva que tem a marca do olhar europeu, uma visão por analogia ou semelhança, construída pela fabulação. Tais equivalências assimétricas insinuam um confronto do olhar: dúvidas e questionamentos das realizações imperiais. Ou seja, no desejo de poder e expansão também se manifesta um valor dinâmico de descoberta de autoanálise e do Outro, como se dá em Fernão Mendes Pinto.

Para a autora, a condição moderna de Portugal provém justamente dessa condição de mediadora de mundos, num registro planetário, cujo gesto cosmopolita não apenas torna a Europa um agente de transformação, mas um resultado dela, pois o Atlântico sul não se torna apenas passagem, mas lugar de circulação.

Na carta de Caminha, a autora observa não interiorização do Outro, mas espanto e dificuldade diante da diferença: uma hesitação entre a visão idílica e o comprometimento religioso. A despeito de si mesmo, o poder vinculado à língua imperial é também testemunho de um encontro. Portanto, numa perspectiva crítica contemporânea, trata-se, para a autora, de resgatar discursos nas margens do discurso colonial. De gerar o resgate de identidades rasuradas e histórias silenciadas: levantar inscrições de diferenças na língua portuguesa que rompem o risco de uma história única.

Trata-se de tomar a língua como plataforma de uma conversa possível, pois a hegemonia do poder colonial nunca é completa e a língua do colonizador acaba construindo a base da promoção de um diálogo. No caso africano, a subalternização das línguas nacionais pelo português oficial não impede o que a autora chama de “reescrita da libertação”: a assunção da língua escrita que seleciona e rearranja as suas partes de modo a produzir novos olhares discursivos e interdiscursivos.

Em vez de recusar a herança e o patrimônio literário da língua portuguesa, a questão está em habilitar novos herdeiros. Discutir transferências culturais, num trabalho de tradução, isto é, sem rejeição, mas também sem aceitação passiva, pois os novos cânones ainda têm de ser construídos. Em termos portugueses, trata-se de admitir que a história das literaturas das colônias são também parte da história de Portugal, e que as imagens múltiplas de culturas singulares contribuem para um desenvolvimento mais harmônico do conjunto.

Francisco Noa, professor de Literatura Moçambicana na Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, vem a seguir. Tratando das narrativas em língua portuguesa, em particular no âmbito de Moçambique, o autor considera que a literatura colonial oficial tende a produzir igualmente um imaginário colonial, de rebaixamento dos povos dos territórios conquistados. Insurgir-se contra ela significou revelar pluralidades que, como tais, eram ameaças às formas de controle.

Desde o início, os autores africanos sabiam que o poder comunicacional e transformador das narrativas é exercício de gestação de poder, que toma por vezes a forma de denúncia e de confrontação, mas que tem também um projeto fundacional. Assumido pelos escritores, tal projeto estava associado à obrigação de não esquecer e de narrar uma catástrofe coletiva, culminada nas guerras de África.

Aqui, narrar a violência e a morte são aspectos necessariamente implicados na afirmação de um patrimônio moçambicano, que apenas desta forma conquista singularidade, o que implica em apropriações, rejeições, sínteses e, enfim, diálogos entre meios e tempos distintos.

Sílvio Renato Jorge, professor de Letras da UFF, retoma a piada do brasileiro Osvald de Andrade segundo a qual só a Antropofagia nos une, para dizer que da deglutição do estrangeiro depende a constituição do diferente. Retomando os concretistas junto a Derrida, afirma o princípio de tradução e de transcriação entre as culturas, quando traduzir significa reconhecer multiplicidades irredutíveis ou equivalências sem identidade.

Numa cena político-literária de traduções, a violência é inerente: o privilégio de um aspecto implica na redução de outro. O gesto interpretativo observa espaços de negociação e de fricção, entre-lugares nos quais se favorecem processos de cisão e de hibridização que forneceriam a base dos Patrimônios de influência portuguesa, a valorizar ambivalências.

No horizonte de uma poética de descontinuidades, também a citação ocupa lugar destacado, pois no deslocamento de sentido há descontextualização e recontextualização, procedimentos marcados por uma noção de sujeito, o percurso de uma existência, os pontos de passagem numa relação tensa entre passado e presente.

Se o ponto de partida incontornável dessa poética está na língua portuguesa imposta, o ponto de chegada é o resultado de conflitos de econômicos, políticos, culturais que podem ser pensados pela metáfora da antropofagia como estratégia singular de lidar com a cultura do colonizador, de reler tradições diversas e de situar uma dinâmica própria das diferenças.

Graça dos Santos, professora da Universidade Paris Ouest Nanterre, trata dos Patrimônios de emigração, tomando por base a situação dos portugueses que foram para a França nos anos 60 e que passaram a viver um duplo deslocamento: da origem para o novo destino, e também o inverso, isto é, do novo país em relação à identidade de origem.

Como atriz e encenadora bilíngue, a autora considera haver uma imaginação própria das línguas, explorada pelo grupo de teatro Cá e Lá, criado por imigrantes portugueses na França, no âmbito da Marcha pela Igualdade e contra o Racismo de 1985. Os temas da dupla cultura, dupla pertença, de comportamentos defasados face aos de modelo francês constituem o núcleo das representações do grupo, no qual o humor é estratégia para rir de si como para levar a sério a questão de uma “cultura bastarda”.

O propósito a mover o grupo não é o de desenraizar, mas o de conceber a raiz de modo menos sectário e mais inclusivo, o que só julga possível por meio da tomada de consciência de automatismos da cultura e de sua superação.

Maria Fernanda Bicalho, professora de História da UFF, trata de novos recortes do objeto historiográfico a partir das décadas de 80 e 90, sobretudo originados de estudos anglo-americanos que ofereceram novas perspectivas em relação à historiografia anterior cuja base era o Estado-nação. Ganharam relevo tanto a História Atlântica – o complexo banhado pelo Atlântico e seu sistema de trocas econômicas, sociais, culturais etc. –, como a História Global, que estuda relações internacionais e processos que transcendem regiões, Estados e nações.

Nessas obras, estudam-se conexões até então pouco visíveis entre Portugal e os territórios ultramarinos, e isto não apenas em relação aos sistemas econômicos, mas à apropriação de espaços, reorganização de territórios, disseminação de povos, dinâmicas sociais, configurações temporais do império e práticas de identidade. São estudos que demandam novos conceitos, como o de “rede”, isto é, instrumentos de comunicação entre vários espaços, com descontinuidade territorial, pluralismo institucional e jurídico, bem como coexistência de diferentes lógicas políticas.

A consequência desse novo olhar foi, por exemplo, a percepção de que rotas imperiais eram muitas vezes controladas a partir de áreas periféricas. A noção de Império é afetada pela sua vinculação a famílias empresariais até então insuspeitas ou improváveis. Surgem, enfim, novas histórias que rompem o modelo único da transferência da trajetória europeia para as análises de outras realidades. O comércio, por exemplo, passa a admitir uma versão não-unidirecional, no qual o comparatismo eurocêntrico sofre a concorrência de um novo modo de conectar histórias, de estabelecer negociações potenciais e imprevistas de autoridade, que valorizam relações locais e regionais.

Luís Filipe Oliveira, professor do Departamento de Artes e Humanidades da Universidade do Algarve, recapitula a grande mudança sofrida pela Historiografia nos últimos anos decorrente da crítica do valor instrumental atribuído por ela aos documentos e ao monopólio da História como investigação científica do passado. Quando os documentos deixaram de ser vistos como naturais, que falavam por si mesmos, outros agentes interpretativos, até então considerados subalternos, ganharam estatuto investigativo, como a arquivística, a paleografia, a diplomática, a heráldica e a sigilografia.

A própria natureza dos arquivos entrou em causa com o debate em torno dos objetivos políticos de sua constituição, muitas vezes sob encomenda da Coroa. A partir daí, a história da nação passa a exigir a ampliação de sua investigação aos arquivos familiares e pessoais. Valorizaram-se inventários variados, textos literários, narrativas. Torna-se decisiva a questão da seleção e interpretação dos fatos pelo historiador, bem como as questões relativas a culturas, ideologias e mentalidades.

No período pós-moderno generaliza-se a desconfiança em relação aos grandes temas, que se pulverizam e passam a ser substituídos por estudos de caso, que demandam uma pluralidade de pontos de vista. Vem para o primeiro plano a consciência da metaposição do observador como alguém vinculado ao presente e, por isso mesmo, suscetível a teorias e modelos das ciências sociais.

Hoje, o caráter discursivo e construído das representações do passado estão no centro da investigação histórica, de tal modo que o historiador sofre a concorrência de críticos literários, arquivistas, antropólogos, sociólogos, jornalistas etc. As regras do ofício estão na berlinda, e nada diz mais a respeito disso do que a mudança do estatuto dos documentos. Longe de, isoladamente, entregar o mundo para o historiador, dão-lhe termos parciais, suspeitos, que precisam ser dispostos em séries, confrontados com outros indícios, informações, testemunhos, além de gestos, imagens e vestígios arqueológicos.

Há ainda o reconhecimento da dimensão monumental dos documentos, que expressa a determinação de criar leituras específicas do passado, de modo a impô-las aos pósteros. A percepção crítica dos arquivos documentais, que passam a ser entendidos como espaço de poder sobre o passado e a memória, obriga a uma maior atenção do investigador a suportes, escribas, cópias, ou seja, aos documentos percebidos como objetos sociais plenos e não apenas como fontes. O interesse pela materialidade dos documentos é uma evidência do conjunto desse processo crítico.

Se os arquivos são espaços de poder, lugar da construção de um discurso sobre o passado, outras dimensões deles passam a ser estudadas, como sua existência numa pragmática social, suas técnicas nunca neutras de organização, seus rearranjos segundo linhagens específicas. O arquivo já não é um depósito estático e alheio à vida. Revela-se em movimento e articulação permanente com a história, que tanto garante a memória, como se dispõe a ocultá-la, assegurando estatutos e privilégios, já que invariavelmente os territórios pior documentados são sempre os mais distantes dos centros de poder.

Em seguida, Sandra Xavier e Vera Marques Alves, antropólogas e professoras do Departamento de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, observam que, com o pós-modernismo, cresceram as críticas aos trabalhos antropológicos de campo, seja pela falta de polifonia dos dados, seja pelo questionamento de oposições como nativo e não nativo, seja ainda pelas relações de poder pouco discutidas em relação à própria investigação.

Admitindo a crítica, mas acentuando a importância de se manter a fronteira entre crítica textual e relações intersubjetivas em presença, as autoras traçam o surgimento de novas práticas etnográficas, com manutenção das exigências de pesquisa quotidiana, conhecimento informal e de envolvimento com as comunidades estudadas. No âmbito dessa etnografia reformada, entendem que a sua contribuição ao projeto “Patrimônios de Influência portuguesa” dá-se em termos da superação de oposições esquemáticas entre colonizador e colonizado, em favor de um olhar mais sutil para o complexo colonial, fazendo emergir vozes dissonantes, narrativas divergentes, conflitos de interesse, políticas incompletas de modo a entender o encontro colonial como efeito de processos dinâmicos.

Nesse novo ambiente, os estudos pós-coloniais, centrados na crítica textual, e as novas práticas antropológicas, de dimensão intersubjetiva, podem agir de modo articulado, com base numa “viragem material”, isto é, no estudo das formas materiais de diversos mundos sociais, cujos objetos não apenas significam ou simbolizam, mas influenciam o campo de ação social. A fotografia, por exemplo, passa a ser entendida como lugar de interações sociais e não apenas como consumo visual passivo.

Neste ponto, trata-se de descolonizar os patrimônios, antes dados como processos monolíticos ou homogêneos, dentro de uma etnografia descentrada, colaborativa, polifônica.

Mirian Tavares, professora de Cinema na Universidade do Algarve, considera, inicialmente, que os filmes de modelo hollywoodiano são uma representação simulada do real contra a qual se opõe uma cinematografia divergente, pensada tanto como lugar possível de poesia quanto como revelação de uma história periférica, mantida invisível. No entanto, constata que essa produção, no contexto do cinema africano, é usualmente tratada como world cinema, como se fosse etnografia e não propriamente cinematografia.

Mesmo visões simpáticas a ele tendem a reproduzir a visão da África como “paraíso da etnografia”, aprisionada à tradição. Ao fazê-lo, negam-lhe subjetividade real, pois ela se dissolve em traços comunitários a ser preservados como memória à beira da extinção. Ou seja, não veem o cinema ou a filosofia africana como lugar de pensamento de indivíduos independentes, com capacidade de abandonar o lugar de objeto para o de sujeitos íntegros de seu próprio presente. No fundo, trata-se sempre de uma ideia condescendente, que confirma o discurso hegemônico: defender uma cultura que não pode sobreviver sozinha.

Considerando que o cinema moçambicano, numa primeira fase pós-independência, estabeleceu-se como propaganda do novo regime, observa que, posteriormente, deu lugar a uma filmografia variada, com consequente diminuição do apoio estatal. É um cinema de resistência, uma “insanidade”, com desejo de criar alternativas, de apropriar-se da cidade fragmentada como espaço múltiplo. Cinema marginal, disruptivo, que não replica o cânone, que não se resolve na questão da memória, mas produz reflexão sobre o que vê de forma a promover ação transformadora no presente.

Ana Maria Mauad, professora do Departamento de História da UFF, observa que a ideia corrente da fotografia como realista obscurece as mediações e escolhas que se dão no ato fotográfico entre o sujeito que olha e a imagem elaborada. Uma análise fotográfica consequente também deve considerar o valor atribuído pela sociedade à imagem, bem como a grande capacidade que ela tem, como diz a autora, de potencializar a matéria e engendrar narrativas. Ademais, no caso de fotografias públicas, há que se considerar todo o processo de agenciamento, que diz respeito à sua publicação, arquivamento e guarda.

A fotografia pública, definida como registro de situações associadas ao Estado, à memória visual do poder público ou, enfim, à dimensão social dos fatos, interessa à autora como redefinição de formas de acesso aos acontecimentos históricos e de sua inscrição na memória por meio da produção de imagens com ressonância no campo social. Pode-se então falar propriamente de uma prática artística, de expressão autoral do fotógrafo (que não existe apenas como paciente de um registro realista) e também de uma prática documental, na qual se observam as condições de vida de determinados setores sociais. Tal prática, no âmbito do Patrimônio, pode recobrir informes sobre o passado, mas também a sua própria instauração como monumento, enquanto esforço deliberado de construção de símbolos a ser lançados para o futuro.

Ao analisar um álbum de fotografias realizado em 1938, em Luanda, depois publicado pela Agência Geral de Colônias, a autora observa que ele revela dois objetivos em disputa: a inauguração da exposição, que atendia aos interesses da elite local de Angola, e o registro da visita do presidente português, que atendia aos interesses do governo central de demonstrar a sua presença nas colônias. É um exemplo de como uma pluralidade de discursos pode comparecer nessas fotografias públicas, cuja função é a construção imaginária da nação. Como tais, são patrimônios visuais valiosos: não apenas registros factuais, mas lugar de manifestação de políticas de memória pública.

Luísa Trindade, professora de História da Arte na Universidade de Coimbra, trata da imagem desenhada como instrumento das áreas de Patrimônio, no tocante à arquitetura e ao urbanismo. Limitando o seu enfoque aos séculos XV-XVI e aos territórios de ação portuguesa, observa que o desenho era entendido como representação gráfica, geralmente feito na presença do objeto, com propriedade de verossimilhança. No caso das imagens de cidade, pode ser focado na urbs, vale dizer, a materialidade física dela, ou na civitas, sua comunidade humana ou genius loci.

Em qualquer dos casos, o resultado nunca é cópia fiel, mas nem por isso menos verdadeira. Há necessariamente artifício, quando o desenho tem de descrever detalhes e também propor uma inteligibilidade do todo. É sempre retórico, pois atende a uma encomenda e visa a um propósito. Pode ter a função de demonstração para a Corte de certas soluções propostas ou de ilustração de narrativas; pode ser útil na guerra, em suas formas de cartografia de defesa.

Há uma eloquência própria dos mapas, uma linguagem de poder ali articulada. A moldura técnica partilha da moldura político-social. Por exemplo, nota a autora que, no caso de representação da civitas, apenas Lisboa é desenhada, o que obviamente associa a ideia de cidade à de centro de poder.

Tais observações validam a necessidade de tratar o desenho num quadro interpretativo interdisciplinar, em que têm parte a Literatura, a Geografia, a História, a Arquitetura, a História da Arte etc. Ademais, o desenho pode ser tanto entendido como patrimônio em si mesmo, além de meio para outros fins.

José Pessôa, professor de Arquitetura na UFF, observa que é justamente do campo da arquitetura a prerrogativa de ter sido o objeto principal das construções do patrimônio histórico nacional, desde o século XIX – entendendo-se por monumento histórico sobretudo a arquitetura do passado, com suas igrejas, palácios, castelos etc. Em termos gerais, entende-se o monumento arquitetônico como o que fornece identidade às nações e também o que, enquanto documento histórico, é objeto de restauro e de ações de conservação. Nessa perspectiva tradicional, tem mais peso na ideia de patrimônio a qualidade plástica do edifício do que o valor histórico da arquitetura.

Na Carta de Veneza, de 1964, talvez o documento mais importante para o patrimônio arquitetônico, a ideia de monumento histórico é alargada até alcançar, além da arquitetura erudita, também a arquitetura vernacular, relativa a prédios mais modestos, urbanos e rurais.

No tocante à ideia de restauro é importante entender que ela se aproxima da de recriação: uma reinterpretação do passado pela consolidação de determinada imagem arquitetônica privilegiada em determinado momento histórico, segundo determinada concepção de Patrimônio. Como diz o autor, não é possível lembrar sem inventar.

No caso brasileiro, em que são raras as imagens de cidades anteriores ao século XIX, a recuperação da arquitetura colonial muitas vezes opera por meio de uma imagem idealizada que toma por analogia edifícios similares de outras regiões ou lugares. Dá o exemplo da Capela do Padre Faria, em Ouro Preto, refeita não pela descoberta de sua planta original, mas segundo o modelo da capela contemporânea de S. João Batista. Evidentemente, o procedimento é controverso: refaz-se o passado com base numa ideia de linguagem arquitetura comum, que não é rigorosamente demonstrável.

Nesse contexto, como falar de uma Patrimônio arquitetônico comum aos países de língua portuguesa? Para um arquiteto como Lúcio Costa, há uma mistura de influência e de autonomia nos edifícios coloniais de modo que, no final, os modos de ser portugueses ali encontrados, diz ele, “foram sempre brasileiros” – o que naturalmente (digo eu, não o autor) trai um princípio nacionalista bastante duvidoso para ser aplicado ao período colonial.

Ao autor do estudo, entretanto, interessa mais destacar a existência de uma dialética entre influência portuguesa e mútua influência, na qual aos modelos somam-se soluções autônomas (como a casa de taipa de pilão paulista) e adaptações locais de soluções trazidas de Portugal.

Fecha o volume o texto de Walter Rossa, um dos organizadores do volume e professor do Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra. Após considerar que apenas culturas urbanas sobrevivem e que o mundo em 2008, pela primeira vez, tornou-se mais urbano que rural, o grande desafio é produzir uma alteração de paradigma que permita evoluir de um estado cada vez mais comum de aglomeração para uma nova conceptualização de cidade, capaz de a reinventar como ecossistema ideal.

Para isso, julga que será preciso observar a complexidade total do fenômeno da cidade, que hoje vai muito além do antigo limite muralhado ou da ordem disposta a partir do centro. Os processos de urbanização, que têm a ver com a construção física mas também com a vivência das gentes, admitem um estudo em tríade, composta de estrutura (parte mais perene), forma e imagem (a mais volátil), concentrando na primeira as ações mais comuns do Patrimônio.

Após considerar que a Unesco, em 1972, passou a incorporar uma vertente urbana associada à noção de paisagem (tanto natural como cultural), a área ganhou um alento interdisciplinar, consolidado em 1992, com a categoria de “paisagem cultural”, que ultrapassa a noção de centro histórico para representar sítios culturais articulados à vida presente e não apenas à ruína arquitetônica. No entanto, para o autor, os doutrinários da Unesco são apegados a clichês patrimoniais que impedem um salto epistemológico que descolaria a noção de Patrimônio das teorias de conservação e restauro de bens artísticos autônomos, sem nexo com o território e a cidade. O salto, até agora, tem-se dado em torno do conceito de paisagem urbana histórica, ou HUL (Historic Urban Landscape), aprovado apenas como “recomendação”.

Trata-se de uma evolução da ideia de Patrimônio urbanístico, pois possibilita uma abordagem integradora do patrimônio com a cultura e o dia a dia dos cidadãos. Um conceito desse tipo pode também ser aplicado a comunidades distintas, mas com afinidades culturais, como as de influência portuguesa. No entanto, diferentemente de entender essas comunidades como projeção colonial da cultura europeia, o HUL concebe formas de expressão comuns de um conjunto cultural com matizes diversas, valorizando as suas contaminações, e em franca oposição à exclusiva remissão delas às regras de um modelo fundador.

III

Isto dito, e tendo-me já desculpado de antemão pela inépcia de minhas traduções de tantos trabalhos, cuja intensidade não deveria senão aplaudir agradecido e depois calar-me, não me furto, porém, a deixar aqui três questões breves que, ademais, são uma forma de agradecer intelectualmente o grande trabalho testemunhado pelo livro ora lançado.

A questão da teoria

A primeira diz respeito ao fato de que, entendido como está sendo feito aqui, o Patrimônio tende, em certa medida, a desmaterializar-se e, por isso mesmo, passa a exigir uma teoria, ou a depender de uma teoria. Não se trata mais de conservar obras particulares, com qualidade estética ou histórica, mas de formular um campo teórico em que o patrimônio se reinventa, estendendo-se das obras aos conceitos, mais que dos conceitos às obras. Isso é perfeitamente lógico no contexto atual, mas é também ineludivelmente problemático, já que a própria interdisciplinaridade proposta aqui é, antes de mais nada, transferência das disciplinas para um espaço de modelagem teórica, em que a prática delas perde passo para a conceitualização metalinguística e metateórica.

Se essa operação de modelagem é produtiva e pode levar a dissolver vários enganos da política patrimonial do passado, é também um processo de abstratização do patrimônio, que, em determinados momentos, parece depender mais da imaginação do estudioso que da existência histórica das formas e estruturas. E o problema da imaginação do estudioso é que ele imagina por paradigmas redundantes, de tal forma que a teoria é ao mesmo tempo nova e repetida.

Não fiz um levantamento estatístico, mas é evidente que alguns autores comparecem sistematicamente no livro. E um bom autor pode ser bom, claro, mas muitas vezes um mesmo bom autor pode ser redundante ou dar a impressão de que é pouco o que se tem efetivamente à vista ou nas mãos. Acaba dando uma cara comum a uma invenção que, para ser real, precisa ser selvagem, em alguma medida, isto é, enfrentada no corpo a corpo, a cada vez, pelos diferentes pesquisadores, cujas armas interpretativas são mais fortes conforme se ajustam a sua própria experiência e estudo. Uma grande teoria brandida dezenas de vezes pelos pesquisadores mais diversos, em relação a objetos igualmente diversos, dá a impressão menos da força dessa teoria do que do exame exíguo da singularidade da obra.

A questão dos estudos culturais

Além da precedência teórica, os estudos deixam entrever uma perspectiva culturalista, usualmente edificante, isto é, que mostra boa vontade geral diante das relações assimétricas entre os povos recobertos pela ideia de influência portuguesa, e que favorece quase como parti pris as ideias de multiplicidade, pluralidade, diferença etc. Esse é um problema que diria que é inerente aos estudos culturais, e que comprometem as teses pós-colonialistas: nascem de perspectivas que têm um grande sentido de justiça e de ética do tratamento das diferenças e pluralidades das diversas comunidades, mas, no final das contas, além ou aquém dessa boa vontade, estão as obras, as cidades, as culturas, que em geral existem na contradição, na concorrência por vezes insolúvel entre as partes, e, mais ainda, no terreno minado da globalização.

Se é óbvio que todos esses trabalhos não querem bater bumbo para o passado nacionalista, também é importante que não incorram numa espiral de idealismo que se desprenda do solo duro em que todos vivemos e no qual invariavelmente predominam políticas muito parciais, senão muito toscas. Ou seja, se não queremos mais que a questão do Patrimônio seja uma epopeia do colonialismo, temos de estar muito atentos para não fazer dos estudos pós-coloniais uma épica da globalização, como suspeito que usualmente fazem os norte-americanos.

A questão estética

Por fim, um terceiro e talvez o ponto mais importante que deixaria aqui para ser pensado é que é evidente o recuo da estética nessa nova perspectiva integradora do Patrimônio. Se cresce a atenção aos direitos e diferenças, diminui na mesma intensidade a nossa capacidade crítica de avaliação do que se postula como diferente. Pois que categorias seriam adequadas para um juízo estético – e como sequer postular a noção de valor advinda de uma experiência estética — quando o patrimônio se associa sobretudo à criação de comunidades plurais com direito a partilhar um espaço até então ocupado exclusivamente pelas culturas de um centro hegemônico que nunca foi nem um pouco compreensivo?

Desse ponto de vista, fico pensando, incomodado, se o custo das teorias da partilha deve significar necessariamente o sacrifício do estético, do objeto, e, enfim, da forma (pois os conteúdos se dobram mais facilmente ao bom mocismo). Quando a forma – esta, que é o cerne de qualquer questão artística que não se esgote nas conciliações culturais edificantes – deixa de ser decisiva, pode-se ter comunidades de direito, sociedades justas e que convivem bem, mas desgraçadamente já não há Patrimônio artístico.

Nesse caso, para encerrar, gostaria de ecoar aqui a consideração da autora que reivindicou para o cinema moçambicano não uma etnografia, mas uma cinematografia: não a admissão do testemunho de uma memória coletiva em extinção, mas realmente a construção de um cinema contemporâneo, que, por isso mesmo, tenha direito a receber um juízo crítico como qualquer outro cinema. Nesse caso, se o julgarmos digno de ser proclamado mau não será um gesto de reconhecimento maior do que o julgarmos bom por condescendência ou por amor ao folclore?

São questões graves, que formulo não como crítica direta aos ensaios que tentei apresentar aqui, mas como desdobramento do momento tumultuado em que vivemos de que o Patrimônio, prova-o sobejamente o livro, revela justamente seus impasses, contradições e dilemas mais entranhados.

Recebido: 21 de Maio de 2016; Aceito: 14 de Junho de 2016

Alcir Pécora é Professor Titular de Teoria Literária na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1A. Tem Mestrado em Teoria Literária, pela UNICAMP (1980) e Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP (1990). Livre-docente, pela UNICAMP, em 2000. Pós-doutorado no Dipartamento di Studi Romanzi della Università degli Studi di Roma “La Sapienza” (2004-5).

Acessar publicação original

[IF]

 

Patrimônio Histórico-Educativo | RIDPHE | 2015

Patrimonio historico educativo

Ridphe_R, Revista Iberoamericana do Patrimônio Histórico-Educativo (2015-), é uma publicação continua, on-line, da Faculdade de Educação/UNICAMP e organizada no âmbito das temáticas da Rede Iberoamericana para a Investigação e a Difusão do Patrimônio Histórico Educativo – RIDPHE,  com sede na sala do CIVILIS/FE/UNICAMP, ao qual se articula. A Revista publica artigos resultantes de pesquisa ou de reflexão acadêmica, estudos analíticos, resenhas, entrevistas, encaminhados por pesquisadores que tratam da temática do Patrimônio Histórico-Educativo e Cultural.

A revista, como veículo de registro e divulgação científica, tem como objetivos aprofundar a discussão sobre os aspectos metodológicos para o estudo da documentação de acervos históricos educativos/culturais e debater os desafios da preservação deste patrimônio histórico-educativo e cultural, propiciando o intercâmbio de informações entre pesquisadores de diferentes nacionalidades que estudam a escola e instituições culturais afins, a partir de sua cultura e materialidade, buscando apreendê-la historicamente. Visa ainda contribuir para a elaboração de propostas de preservação e difusão de acervos que possam subsidiar políticas públicas de preservação das fontes.

Acesso livre

Periodicidade anual (publicação contínua)

ISSN 2447-746X (Online)

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

 

O patrimônio em questão: antologia para um combate – CHOAY (Topoi)

CHOAY, Françoise. O patrimônio em questão: antologia para um combate. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011. Resenha de: LANARI, Raul Amaro de Oliveira. Um combate em dois fronts. Topoi v.15 n.28 Rio de Janeiro Jan./June 2014.

Lançado no Brasil no ano de 2011, o livro O patrimônio em questão: antologia para um combate, da pesquisadora francesa Françoise Choay, integra um campo de investigação já consolidado nas áreas da história, antropologia e arquitetura/urbanismo: o patrimônio cultural. Autora de A alegoria do patrimônio (1992), Choay possui uma visão crítica do processo de expansão da “cultura do patrimônio” nos tempos da cultura de massas, o que pode ser percebido pelo título de seu novo livro. Seu combate pode ser resumido como a luta contra o esvaziamento da função memorial dos monumentos no contexto urbano e, assim, trata-se de uma discussão que interessa aos estudiosos da história das cidades, bem como da história das políticas públicas na área da cultura.

Choay não se encontra sozinha neste combate. A “questão urbana” é objeto de estudo de uma série de estudiosos franceses, desde Henri Lefebvre (1920-1991), autor de O direito à cidade (1968), até Henri- Pierre Jeudy, autor de Espelho das cidades (2005). Da publicação do célebre livro de Choay em 1992 aos dias atuais observaram-se diversos esforços para o aprofundamento das temáticas abordadas pela autora. No caso brasileiro, é necessário citar os estudos de José Reginaldo Santos Gonçalves, Antônio Gilberto Ramos Nogueira, Ulpiano Bezerra Toledo de Meneses, Márcia Regina Chuva, Silvana Rubino, Maria Cecília Londres Fonseca, Rogério Proença Leite e Myriam Sepúlveda dos Santos. Percebe-se, portanto, que a contribuição atual de Choay encontra ampla receptividade na comunidade acadêmica brasileira e mundial.

Seria de se esperar, dada a importância da autora no debate sobre o patrimônio e as cidades, que seu novo livro trouxesse novidades analíticas, pontos de aprofundamento de suas hipóteses. Não é isso o que se percebe após a leitura do mesmo. O patrimônio em questão: antologia para um combate sintetiza ideias já consagradas, possui generalizações, por vezes apresenta uma visão esquemática do processo histórico que procura identificar. O livro é dividido em três partes: um Prefácio, uma Introdução e uma Antologia de Textos. Dedicaremos as próximas páginas à análise dessas seções.

A autora inicia a obra com um pequeno prefácio, no qual explica as condições de sua elaboração – disciplinas ministradas na universidade para futuros arquitetos e urbanistas e cursos destinados a profissionais interessados pela história ou gestão do patrimônio. Apresenta seu combate contra as confusões terminológicas que apagaram a profundidade da preservação do patrimônio, retirando dele a função de evocar a memória viva, e propõe uma tomada de consciência. Trata-se de um livro destinado a um público duplo, formado por acadêmicos e pesquisadores, mas também pelo “público não especializado e não informado dos cidadãos” (p. 10). Para atingir seu fim, Choay admite que realizou algumas generalizações para condensar conteúdos já explorados em A alegoria do patrimônio. Percebe-se então que o caráter generalizante e por vezes pouco denso da exposição decorre de uma escolha de Choay, que sinaliza uma tentativa de alargamento do debate público sobre o patrimônio e as cidades. Talvez a inovação maior da obra, portanto, seja seu caráter de um “combate bifronte” e não o aprofundamento da reflexão teórica.

A introdução do livro parte da análise genealógica do conceito de patrimônio. Choay recupera inicialmente a distinção entre monumentos e monumentos históricos, raízes lexicais do conceito difundido mundialmente nos dias atuais. Os primeiros são construídos com clara intenção de evocar a lembrança e ligam-se à memória viva. Já os segundos são elaborações de determinado saber sobre a realidade, escolhas efetuadas entre um vasto conjunto de monumentos de acordo com os valores históricos, artísticos, políticos, dentre outros. Para Choay, os monumentos têm longa existência, com presença marcante nas sociedades humanas desde tempos muito remotos, enquanto os monumentos históricos são característicos da sociedade europeia pelo menos desde a Alta Idade Média. A despeito da importância dada a ambos, a autora ressalta que a ação destruidora esteve presente e foi até predominante na maioria dos períodos históricos, principalmente no continente europeu. Sacudida por revoluções culturais, a Europa gestou o culto moderno dos monumentos, a partir da Renascença e da Revolução Industrial, em diferentes graus de amplitude, de acordo com as regiões.

A autora argumenta que a evolução do monumento ao monumento histórico ocorreu de forma lenta entre os séculos XV e XIX e mais rapidamente na virada do século XIX para o XX, com consequências importantes. Três revoluções culturais europeias teriam impulsionado estas mudanças. A primeira, na Renascença, caracterizou-se pelo afrouxamento do teocentrismo medieval. O ser humano deixou de ser considerado mera criatura e a ele passou a ser atribuída uma capacidade criadora, o que levou ao interesse nas manifestações da atividade humana em diferentes épocas. Novos tipos profissionais urbanos como o arquiteto e o artista plástico se destacaram por desempenharem atividades relacionadas ao apuro técnico, ao deleite estético e à história dos homens. Arte e técnica andavam juntas e garantiam a legitimidade de um novo saber, histórico. As obras da Antiguidade, em muitos casos utilizadas como fontes para a confirmação ou negação dos textos antigos, foram as primeiras a receber a atenção desses novos homens de artes e saberes – os eruditos antiquários. As cidades italianas foram precursoras dessa primeira revolução cultural no século XV, que se estendeu aos reinos vizinhos a partir do século seguinte. Segundo a autora, “os antiquários e suas Antiguidades” caracterizaram uma nova forma de se relacionar com o passado humano por intermédio do ambiente construído (p. 16-17).

O desenvolvimento desse culto às Antiguidades pela ação dos antiquários seguiu uma linha evolutiva irregular até o começo do século XIX. Porém, o saber erudito desses novos homens de letras foi responsável por uma “tomada de consciência da unidade europeia” (p. 18). Três teriam sido os momentos dessa evolução. Até o século XVII predominou a ação dos antiquários na catalogação dos monumentos e na defesa de métodos para sua reconstrução e inserção nas cidades antigas. No século XVIII os estudos passaram a apresentar vasta documentação iconográfica. Entretanto, esse saber mais livresco, calcado na leitura dos textos clássicos e que já se fazia presente no período anterior, não logrou preservar as Antiguidades. No final do século XVIII e no início do XIX, as mutações nos saberes existentes, com a ascensão das ciências naturais, as obras dos antiquários, historiadores da arte ou antropólogos se tornaram mais pretensamente científicas, o que influenciou a valorização da relação entre texto e imagem.

Entre fins do século XIX e início do XX, a segunda revolução cultural europeia, a Revolução Industrial, introduziu o maquinismo na cultura ocidental, com o paulatino predomínio da técnica e da ciência. Foi essa a época do surgimento dos monumentos históricos, amparado por políticas oficiais de proteção que desenvolveram procedimentos diversos de conservação e restauro. Como no Renascimento, essa segunda revolução teve grandes impactos nas relações sociais, divididos, pela autora, em quatro grupos: 1. os campos do saber, com a ascensão da história e sua unificação em torno de diversas subdisciplinas; 2. a sensibilidade estética, com o romantismo e atribuição de uma importância praticamente transcendente, religiosa à obra de arte; 3. a revolução das técnicas, com a fotografia, a imprensa e os estudos físico-químicos; 4. o êxodo rural, a desordem dos modos de vida tradicionais e, principalmente, a inauguração de uma nova relação com o tempo. A velocidade da sociedade da máquina levou a mudanças bruscas nas cidades, o que deu margem a uma nova nostalgia característica do século XIX, o século da história. Essa nostalgia arrebatou as elites nacionais mais abastadas (p. 21-22).

O desenvolvimento desse sentimento nostálgico também teve forte impulso dos nacionalismos que vicejaram na Europa no último quartel do século XIX até pelo menos o final da Segunda Guerra Mundial. O leque espacial e temporal dos monumentos – agora históricos e nacionais – foi ampliado e ultrapassou as construções da Antiguidade e do Medievo para adentrar no ambiente construído pré-industrial. A prática preservacionista chegou a alguns países da Ásia e das Américas, como o Brasil, onde as primeiras políticas de preservação do patrimônio foram implementadas na década de 1930. Foram elaborados complexos aparatos teóricos e jurídicos para a proteção dos monumentos e a aferição de seus valores. Algumas diferenças eram marcantes e caracterizaram escolas de pensamento que influenciam até hoje os pontos de vista nacionais sobre as políticas de preservação. Enquanto na França houve ênfase maior na construção de categorias jurídicas por parte do Estado, dentre as quais a do “tombamento” foi a mais importante, nos países de língua inglesa a preservação ficou a cargo de associações particulares de estudiosos e colecionadores. O modelo francês previa uma reconstituição dos edifícios significativos e isolados em um estado de completude ideal. O modelo inglês afastava-se dessas proposições, valorizando a ruína e conferindo a ela um caráter quase sagrado. A escola italiana, por sua vez, pensou as técnicas de restauro e ensaiou uma proposta de reutilização dos edifícios antigos. A tradição alemã, da qual fez parte Alöis Riegl, foi a primeira responsável por uma análise fundada nos valores contraditórios dos quais todo monumento é portador (p. 22-26).

O último ciclo de mudanças que teria contribuído para a atual valoração do patrimônio é situado após a Segunda Guerra Mundial, no contexto de internacionalização da cultura ocidental e da organização dos organismos multilaterais, como a ONU, a Unesco, a OMC e outros. Introduziu também as inovações tecnológicas da computação e dos ambientes virtuais, das próteses urbanas enxertadas a partir de concepções de cultura globalizantes. Essa terceira revolução cultural não foi apenas europeia, se caracterizou por seu aspecto mundial. Foi o período no qual surgiu a noção de “Patrimônio Cultural da Humanidade”, responsável por uma profunda modificação na relação da sociedade com seus monumentos, históricos ou não. A existência de uma suposta cultura mundial, apoiada pelos grandes grupos de comunicações e pelas estratégias de marketing cultural, trouxe em seu bojo a planificação dessa mesma cultura, a perda de suas especificidades e dos valores que definiram a existência dos monumentos e monumentos históricos em sua evolução no tempo. A autora constata que as diferenças entre estes dois últimos são cada vez mais apagadas por essa nova concepção globalizante de cultura, e que ambos se mostram cada vez mais esvaziados de valor simbólico e participantes de ações de estilização urbana. Os edifícios e os processos de restauro, por sua vez, são cada vez mais frutos dos softwares, e o arquiteto limitou sua atividade à boa operação desses programas.

A autora não ignora a mercantilização desse patrimônio, que serve bem a estratégias políticas e empresariais de “responsabilidade social”. Tratado como um produto cultural, o patrimônio passa a ser um pastiche, ou uma casca sem conteúdo (p. 34-38). O esvaziamento simbólico do patrimônio foi acompanhado por um boom de consumo dos bens culturais. Cultura passou a ser sinônimo de entretenimento, e as políticas de preservação se aproximaram das de turismo, muitas vezes confundidas com elas. Assistiu-se a um processo de reconstrução de monumentos com a retirada das populações originais e a adequação a padrões cada vez mais homogêneos de visitação por pessoas de alto poder aquisitivo. Choay termina sua Introdução com duras críticas ao panorama descrito, e conclama não somente os estudiosos, mas sobretudo os cidadãos, à tomada de consciência do apagamento daquilo que caracteriza a vida humana no espaço, a diferença e a ação do próprio homem. Ela refuta as soluções padronizadas em assuntos de preservação do patrimônio edificado e recupera exemplos franceses, italianos e colombianos para mostrar que ainda é possível revitalizar sítios ouvindo a comunidade e pensando estratégias inusitadas para vencer o formalismo reinante na prática patrimonial. Ao mesmo tempo, exalta o Homo sapiens sapiens em detrimento do Homo protheticus, artificial, mecanizado e estanque.

A segunda parte do livro é constituída por 21 seleções de textos significativos para ilustrar a evolução apresentada pela autora em sua introdução. Os textos são precedidos de comentários explicativos, nos quais a obra do autor é contextualizada no tempo e no espaço em que foi produzida. Os autores selecionados são: Abade Suger, Poggio Bracciolini, Pio II Piccolomini, Baldassare Castiglione, Raffaello Sanzio, Leão X, Jacob Spon, Bernard de Montfaucon, Aubin-Louis Millin, Félix de Vicq D’azyr, Quatremère de Quincy, Victor Hugo, John Ruskin, ­Eugène Violet-Le-Duc, Karl Marx, Alöis Riegl, Gustavo Giovanoni, André Malraux, além de excertos da Carta de Atenas (1931), da Carta de Veneza (1964) e do documento resultante da Convenção pela Proteção do Patrimônio Mundial, organizada pela Unesco em 1975. Os textos são provenientes, em sua totalidade, da Europa, e a autora justifica a escolha pelo fato de se tratar de uma obra nascida dentro das salas de aula europeias, por mais que a problemática seja mundial. Na maioria dos textos as seleções privilegiam pontos considerados positivos. Os comentários críticos da autora se aprofundam na medida em que os textos vão se tornando contemporâneos. Dentre todos, os mais incisivos são os destinados às proposições de André Malraux, primeiro-ministro da Cultura francês e principal defensor da noção de “patrimônio cultural”, e às propostas da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, de 1975.

Choay explica que prefere combater por algo a combater contra algo. Seu combate é pela capacidade criadora, pela defesa da humanidade fundada na diferença, pela desmercantilização do patrimônio e a reapropriação dos bens imóveis legados pelo passado a partir de usos contemporâneos. Ela advoga a participação das comunidades locais, associações civis de moradores, em substituição ao modelo estatista de preservação dos monumentos, argumentando que somente os primeiros podem buscar soluções não artificiais, enraizadas espacial e temporalmente.

O historiador dedicado a trabalhos técnicos ou acadêmicos na área do patrimônio pode terminar o livro se perguntando sobre a ausência do patrimônio imaterial nas análises de Françoise Choay, o que não seria desmedido. Pelo menos desde o início do século XXI, uma noção mais antropológica passou a ser considerada, ainda que sua aplicabilidade seja restrita em diversos países, sendo o Brasil um desses exemplos. Porém, como já frisado no início do texto, as diferenças entre os olhares de historiadores e arquitetos são partes constitutivas do campo de pesquisa e trabalho aqui abordado. As provocações aguerridas de Françoise Choay em O patrimônio em questão: antologia para um combate fornecem armas poderosas a uma crítica consistente do processo de intervenção arbitrária ocorrido nas grandes cidades, inclusive as brasileiras, supostas “revitalizações” de espaços que na verdade não passam de uma mercantilização do patrimônio, uma estilização cultural urbana com a finalidade de entreter. Isso não seria aplicável também à proteção do patrimônio imaterial? Não padecemos hoje de um fascínio pelo retro, pelo vintage esvaziado de valor memorial e cheio de valor de troca? A cultura não vem sendo constantemente tratada por governos como mera organização de eventos? Nesse sentido, o livro de Françoise Choay é muito enriquecedor e pertinente. Ele cumpre com o propósito de atender a dois públicos distintos, de especialistas e leigos, incentivando ambos a pensar além da obra.

Agradecimentos

Esta resenha foi produzida como atividade da disciplina “Produção e circulação do conhecimento histórico nos periódicos científicos”, ministrada pela professora Regina Horta Duarte no Programa de Pós-Graduação em História da UFMG durante o primeiro semestre de 2013. Agradeço à professora e aos colegas pelas discussões que deram origem ao texto final.

Raul Amaro de Oliveira Lanari – Doutorando em história pela Universidade Federal de Minas Gerais, professor de história do Centro Universitário de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: ralanari@gmail.com.

Rapa Nui y la Compañía Explotadora 1895-1953 – FUENTES (RCA)

FUENTES, Miguel. Rapa Nui y la Compañía Explotadora 1895-1953. Santiago: Rapanui Press, 2013. 408p. Resenha de: GONZÁLEZ, Paola. Revista Chilena de Antropología, n. 28, p.105-106, jul./dic.. 2013.

Este libro es resultado del proyecto de investigación “El Fundo Vaitea. Patrimonio y Memoria en Rapa Nui durante el período de la Compañía Explotadora” y constituye un homenaje al próximo cumplimiento de los 100 años de la rebelión dirigida por María Angata y Daniel Teave en 1914. El volumen se divide en seis secciones que poseen diversos artículos temáticos elaborados por distintos investigadores y académicos de diverso origen (chileno, rapanui, extranjero) que tratan, desde diversos enfoques provenientes de la Arqueología, Historia, Antropología y los Estudios Patrimoniales, el periodo de desarrollo de la llamada “Compañía Explotadora”, una empresa ganadera que se instaló en Rapa Nui entre fines del siglo XIX y mediados del siglo pasado. Estas secciones se articulan al modo de una reflexión amplia que gira alrededor de tres ejes: producción académica, reflexión patrimonial y discusión política, abarcándose desde aquí a un público diverso que incluye tanto a académicos (arqueólogos, historiadores, antropólogos, etc.) así como a las propias organizaciones sociales rapanui y la comunidad rapanui y chilena.

En cuanto al primero de los ejes de esta publicación: discusión académica (Secciones I, II y III), se desarrolla al comienzo del libro una contextualización histórica del llamado “ciclo ganadero” en Isla de Pascua, abordándose luego una serie de temáticas procedentes de la Arquitectura, Arqueología, Antropología e Historia. En esta línea se encuentran los trabajos de Rolf Foerster, Flora Vilches, Francisco Rivera, María Francisca Ramírez y Valentina Fajreldin, girando estos últimos alrededor de las siguientes problemáticas: la evolución de la economía interna de la Compañía y su relación con el Estado chileno y la comunidad isleña; el desarrollo de nuevos patrones alimentarios en Rapa Nui durante el periodo de la CEDIP y su impacto sobre el marco social y cultural de la isla; la relación existente entre los restos materiales de la Compañía y los sucesivos contextos coloniales y neocoloniales establecidos en Pascua a partir de esos años; las características y dilemas del posible proceso de “patrimonialización” y puesta en valor de sitios históricos en Rapa Nui (por ejemplo en el caso del complejo industrial de Vaitea), etc.

Surge en este punto la interesante problemática de definir lo patrimonial en el caso del pasado reciente isleño, tema sensible al momento de la definición de esferas de protección del patrimonio histórico en la isla. En el caso del artículo de 106 Miguel Fuentes Flora Vilches, esta arqueóloga aborda el estudio de las “pircas” (o muros de piedra) alrededor de la isla como una vía para entenderlas como evidencias materiales del colonialismo y subordinación a que se vio sometida la comunidad rapanui frente a la actividad industrial (con la anuencia del Estado chileno). Estos trabajos se complementan además con un importante registro arquitectónico y espacial del complejo industrial Vaitea y de las pircas de la “Compañía Explotadora de Isla de Pascua”, las cuales ocasionaron una profunda alteración espacial de la isla durante el período de operación de la CEDIP, aquello con graves efectos para la cultura rapanui.

Posteriormente, este volumen se centra en la discusión del concepto de “patrimonio histórico” (Sección IV), considerándose aquí los distintos “intereses patrimoniales” involucrados desde un punto de vista social y legal. Se abordan en esta sección los conflictos de interés relativos a la administración del patrimonio histórico de la isla, resultando evidente la existencia de una importante tensión entre el Estado chileno y la comunidad rapanui. Un ejemplo de estas reflexiones lo encontramos, por ejemplo, en el artículo de la antropóloga Riet Delsing, quien hace hincapié en el desconocimiento que ha hecho el Estado chileno de la propiedad ancestral de los rapanui sobre las tierras de la isla y de sus derechos como pueblo indígena, existiendo además una disociación entre el pasado lejano de la cultura rapanui y las evidencias históricas (traduciéndose esto en una escasa protección de los propios vestigios históricos rapanui). En la misma línea se encuentran los trabajos de Cristián Moreno Pakarati (historiador rapanui), Georgianna Pineda (conservadora-restauradora) y Francisco Torres (arqueólogo y director del Museo Antropológico P. Sebastián Englert).

Finalmente se recogen los planteamientos de distintos académicos y actores sociales y políticos de la comunidad rapanui, llevándose a cabo un giro en la reflexión de índole más propiamente política. Se discuten en esta sección algunas de las principales problemáticas del actual conflicto étnico rapanui, reflexionando además en algunas soluciones para la misma. Esta sección es coherente, de esta manera, con el hilo conductor de este libro: lograr una vinculación entre la academia, los proyectos de investigación y los procesos sociales, reemplazando así el quehacer “aséptico” de la investigación científica por un quehacer científico comprometido con las luchas sociales.

Paola González – Arqueóloga, Sociedad Chilena de Arqueología. E-mail: paoglez@gmail.com.

Acessar publicação original

[IF]

Neocolonial, Modernismo e Preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil – PINHEIRO (CTP)

PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Neocolonial, Modernismo e Preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: FAPESP, 2011. Resenha de: MELO, Sabrina Fernandes. Nexos entre o modernismo e o neocolonial nas primeiras manifestações preservacionistas da década de 1920. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 12 – 10 de junho de 2013.

Em seu mais recente trabalho Maria Lúcia Bressan Pinheiro – professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de temas relacionados às cidades, à arquitetura e ao patrimônio cultural – aborda questões pouco discutidas ou até mesmo negligenciadas no campo da arquitetura e da história.

O livro Neocolonial, Modernismo e Preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil, publicado pela editora da USP em 2011, é fruto de indagações antigas da pesquisadora. Tais questionamentos se direcionavam para o neocolonial e suas particularidades como estilo arquitetônico e como movimento cultural, promotor de desdobramentos importantes para lançar bases e promover debates sobre a questão patrimonial brasileira.

A obra de Maria Lucia Bressan tem como objetivo central promover uma ligação entre o modernismo brasileiro, os debates sobre o patrimônio cultural e o neocolonial, onde o denominador comum destas três categorias seria a década de 1920.

Um dos grandes problemas encontrados na historiografia e nas pesquisas sobre esses três temas é a separação e o tratamento individualizado direcionado a cada um deles. A autora defende que eles deveriam ser entendidos em conjunto, por estarem intrinsecamente relacionados.

Todo o livro é direcionado na tentativa de estabelecer um diálogo entre as três categorias que dão título à obra. Nesta perspectiva, o neocolonialismo é visto como a primeira iniciativa, em arquitetura, de valorização das raízes brasileiras e de busca de uma identidade nacional. Maria Lucia Bressan vai à contramão dos paradigmas colocados acerca da arquitetura neocolonial ao apontar novos caminhos conceituais e metodológicos para o entendimento deste estilo arquitetônico no contexto sociocultural dos anos vinte.

Uma das dificuldades enfrentadas pela autora, durante a pesquisa, foi a coleta de bibliografia sobre o tema abordado. Tal constatação foi verificada antes mesmo da escrita do livro, durante seu cotidiano em sala de aula, e, na busca por referências a serem utilizadas nas disciplinas ministradas por ela. Buscando preencher lacunas deixadas pela historiografia, foram utilizadas inúmeras fontes. Estas transitam entre conferências, palestras, cartas, esboços arquitetônicos, imagens, jornais, revistas, plantas de construções etc. fontes mais citadas são as conferências proferidas pelo arquiteto português Ricardo Severo em 1914 na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo e em 1917 no Grêmio da Escola Politécnica de São Paulo, a Revista de Architetura no Brasil (1921- 1926) e a Revista Ilustração Brasileira, uma das primeiras revista ilustradas do país.

Maria Lucia recorre às fontes por meio de citações e transcrições de parte destes documentos. Tal metodologia promove uma aproximação do leitor com a fonte e por outro lado, compromete a fluidez do texto, aspecto ressaltado pela própria autora no decorrer da introdução de sua obra.

Estruturado em sete capítulos, que não seguem uma ordem cronológica, mas transitam entre as três frentes de pesquisa propostas, a obra consegue estabelecer uma comunicação teórica, metodológica e contextual entre neocolonial, modernismo e patrimônio. A comunicação entre os capítulos é feita pela retomada de discussões associadas às fontes já trabalhadas.

No primeiro capítulo, O Pequeno Passado Colonial, a autora articulou as ideias do arquiteto Ricardo Severo ao pensamento de John Ruskin, uma das mais importantes figuras do panorama cultural oitocentista inglês, além de ser considerado como um dos precursores da noção de preservação do patrimônio cultural na Inglaterra.

Através das palestras proferidas por Ricardo Severo – marco inaugural do Movimento Neocolonial no Brasil – a autora traça um detalhado percurso intelectual de Severo e Mario de Andrade ambos afinados com as propostas de cunho patrimonial defendidas pelo inglês Ruskin e inclinados a estabelecer parâmetros próprios para a formação de uma identidade arquitetônica nacional.

As aproximações e afinidades entre arquitetos e intelectuais brasileiros e estrangeiros continuam no decorrer do segundo capítulo, nomeado Severo, Mário e a Emergência de São Paulo no Cenário Nacional. No entanto, como pano de fundo para o aprofundamento desta discussão, Bressan Pinheiro utiliza o contexto da emergência de São Paulo no cenário nacional.

Durante as primeiras décadas do século XX, São Paulo passava por uma fase de efervescência urbana, iniciada pela produção do café e fomentada pelo crescimento da industrialização advindo da Segunda Guerra Mundial. Neste sentido, intelectuais como Mario de Andrade, Angyone Costa, Plínio Cavalcanti, dentre outros, encontraram um contexto propício para a publicação de manifestos, textos e artigos em diferentes periódicos relacionados à arquitetura da cidade de São Paulo e de outras regiões do país.

Em O Neocolonial e a Exposição de 1922, a autora nos traz uma discussão sobre a influência da comemoração do centenário da Independência em 1922, ocorrida no Rio de Janeiro para a divulgação e para discussão do estilo neocolonial. Apesar da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, ter contado com um espaço para mostra arquitetônica, foi na Exposição do Centenário que o neocolonial ganhou um lugar de destaque.

T0a1l 3ê nfase ocorreu pela construção de pavilhões em estilo neocolonial e pela defesa de sua utilização para formação de uma identidade arquitetônica brasileira, calcada na arquitetura portuguesa. Entretanto, instaurava-se aí um paradoxo. No momento da Exposição de 1922 e do debate direcionado a preservação das edificações de origem portuguesa – consideradas como base para o desenvolvimento da arquitetura nacional – ocorria a demolição da região do Morro do Castelo, região considerada como espaço fundador da cidade do Rio de Janeiro, além de abrigar inúmeras edificações erguidas no período colonial.

Em O Neocolonial e o Ensino de Arquitetura, são traçadas aproximações e diferenças entre a arquitetura neocolonial praticada no Rio de Janeiro, daquela utilizada em São Paulo. Partindo destes apontamentos a autora analisa a inserção dessa nova tendência arquitetônica na Escola Politécnica de São Paulo com o curso de engenheiro arquiteto e no curso de arquitetura da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro.

O quinto e sexto capítulos denominados, respectivamente, Lucio Costa e o Neocolonial e Mario de Andrade: Entre o Modernismo e Tradição, dedicaram-se a problematizar as ligações entre o neocolonial e o modernismo através dos nomes que compõem os títulos dos capítulos: Lucio Costa e Mario de Andrade. Neste momento, a autora reafirma sua proposta inicial, a de estabelecer um diálogo entre o modernismo, o neocolonial e o patrimônio. Parte da trajetória intelectual destes dois personagens é usada para compor o cenário em que figurou o diálogo entre essas três frentes de análise.

No último capítulo, intitulado O pensamento preservacionista no Brasil na Década de 1920, a figura de Mario de Andrade foi associada às ideias de preservação do patrimônio nacional. Tais ideias se associavam tanto ao processo de evasão das obras de arte e o papel da Igreja nesta evasão, quanto às iniciativas direcionadas a valorização da arquitetura brasileira por meio da criação de museus nacionais, da elaboração de inventários de arquitetura colonial e das inspetorias estaduais de monumentos nacionais, sendo a primeira delas criada na Bahia em 1927.

O que se apresenta em Neocolonial, Modernismo e Preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil é um intenso trabalho de pesquisa e uma profícua contribuição para as discussões sobre o patrimônio edificado. Destarte, a contribuição dessa obra se encontra na abordagem inovadora, onde os nexos entre modernismo e Neocolonial culminaram nas primeiras manifestações preservacionistas da década de 1920.

As múltiplas e contraditórias abordagens acerca das ações preservacionistas no contexto da década de 1920, associadas à questão da identidade nacional, revelaram-se como um conhecimento indispensável para o entendimento do patrimônio edificado e das políticas públicas de patrimônio e bens culturais no viés contemporâneo.

Referências

PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Neocolonial, Modernismo e Preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: FAPESP, 2011.

Sabrina Fernandes Melo – Mestranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGH – UFSC), integrante da linha de pesquisa Arte, Memória e Patrimônio e bolsista CAPES. E-mail: sabrina.fmelo@gmail.com.

Acesso à publicação original

Deixe estar: patrimônio, arqueologia e licenciamentos ambientais – MONTICELLI (CL)

MONTICELLI, Gislene. Deixe estar: patrimônio, arqueologia e licenciamentos ambientais. [Sdt.].   Resenha de: MACIEL, Letícia Nörnberg. Cadernos do LEPAARQ – Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, Pelotas, v. 10, n.19, 2013.

Deixe estar: Patrimônio, Arqueologia e Licenciamentos Ambientais procura trazer à tona a discussão que há anos ocorre dentro da arqueologia brasileira sobre a chamada, dentre outros nomes, Arqueologia por Contrato. Monticelli faz inicialmente uma macroanálise do contexto histórico, político e econômico da implementação de grandes obras no Brasil, valendo-se também de exemplos internacionais.

No primeiro capítulo, chamado “Os contextos e a Crítica”, a autora procura justificar a pesquisa em cima da Arqueologia de contrato a partir da Escola de Frankfurt, berço da Teoria Crítica.

Teoria essa que defende uma releitura das disciplinas feita pelos próprios pesquisadores, visando a refletir sobre o que vem sendo feito e no que as pesquisas vêm sendo usadas, principalmente, as suas consequências para a sociedade. Outro ponto importante levantado é que os pesquisadores assumam seus posicionamentos, valores e influências políticas, partindo do pressuposto de que a ciência não é neutra. Torna-se necessária então a análise dos contextos em que se encontram os arqueólogos. Ou seja, chegou o momento em que a Arqueologia deve refletir sobre si mesma e sobre o que o conhecimento gerado tem sido utilizado: “A Arqueologia e seu pensamento também se desenvolvem de acordo com o contexto histórico que é encontrado (e construído) pelos pesquisadores no exercício da profissão, que, por sua vez, é condicionada pelas leis do mercado e assim por diante” (Monticelli, 2010, p. 36).

A seguir, no segundo capítulo, chamado “Uma crítica aos contextos”, a autora trata do contexto econômico e político em que se deu o surgimento das grandes obras – como usinas, hidrelétricas, rodovias, entre outros – no Brasil e no mundo. Foram criados ciclos viciosos, onde a Arqueologia entrou com os licenciamentos e trabalhos de resgate. Na medida em que aumentava a capacidade industrial de países do hemisfério norte, mais especificamente, Europa e Estados Unidos, bem como a matéria-prima tornava-se escassa, aumentava a necessidade de encontrar mercados de escoamento para estes produtos, bem como encontrar mais fontes desta matéria-prima.

“O comércio cresceu na medida em que aumentaram os mercados consumidores, internos e externos (considerem-se aqui as invasões, os ‘descobrimentos’, a criação de colônias). A metalurgia auxiliou na mecanização das lavouras. Assim aumentaramse a produção e a produtividade” (Monticelli, 2010, p. 46).

Além de encontrar mercado consumidor fora do seu país, foi indispensável a criação de padrões de consumo, assemelhando a capacidade de adquirir com o status social, implicando assim em um prestígio ao modelo capitalista.

Trata-se a seguir sobre como ocorreu a implantação das grandes obras no Brasil, focando-se no exemplo da exploração de gás com a criação de gasodutos e na exploração da Amazônia. A autora finaliza o capítulo com o caso do Estado do Rio Grande do Sul, onde, na segunda metade do século XX, houve uma grande movimentação para a construção de rodovias – contudo, apenas em 1999, salienta Monticelli, a pesquisa arqueológica apareceu no Estado como uma condicionante para a implantação ou não de uma obra.

O capítulo terceiro trata das legislações ambientais no Brasil e em países como Venezuela, Portugal, Uruguai, Estados Unidos e Inglaterra, bem como a apresentação das legislações de Arqueologia em áreas impactadas por obras. Delimitam-se também, em alguns países europeus, convenções sobre o trabalho de contrato do arqueólogo, com artigos como “só exercerão sua atividade em assuntos de seu conhecimento e competência” ou “evitarão conflitos de interesse entre a prática das funções administrativas do trabalho arqueológico e a assunção (ou oferta) de compromissos comerciais”. A autora entende então que muitos dos parâmetros em vigor em outros países podem ser utilizados para análise do caso brasileiro, seja para auxílio da solução da problemática ou com a forma em que as legislações são adotadas.

Quanto à legislação brasileira, o grande motivador para a sua criação é justamente o boom das obras públicas e privadas, visto que essas incentivaram de certa forma a criação de legislações ambientais – e destas que derivam as legislações arqueológicas.

Conforme a autora: “(…) a influência do Estado na elaboração das leis e na relação estabelecida com o patrimônio arqueológico em diferentes momentos político-sociais, distinguindo três momentos: os anos de 1937, 1961 e 1979” (Monticelli, 2010, p. 100).

Esses três momentos citados são, respectivamente, a criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) juntamente com a assinatura do Decreto-Lei nº 25, resultantes de uma política nacionalista e conservadora da Era Vargas; promulgação da Lei nº 3924 por Jânio Quadros sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos, os quais seriam então considerados bens patrimoniais da União; e a Lei nº 6766 sobre o parcelamento de solo urbano, determinando que loteamentos localizados em área de interesse especial e aquelas com patrimônio arqueológico deverão ser examinados e ter anuência prévia do Estado antes da aprovação da obra.

A seguir, cita-se o que são impactos ambientais e trabalhos que tratem da legislação ambiental. Por fim, a autora cita e comenta portarias do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e documentos emitidos pelo governo quanto à defesa do patrimônio cultural.

No quarto capítulo, chamado “Tão igual, tão diferente”, há a caracterização da atuação da Arqueologia em obras de engenharia.

Inicialmente há uma exaustiva discussão das nomenclaturas que permeiam a Arqueologia de Contrato. Contudo, mais importante do que despender tempo dialogando sobre com qual nome a arqueologia que não é resultante de pesquisas da academia será batizada, é a discussão sobre o que, de fato, ela deve ou não fazer, tal como a autora argumenta: “A terminologia é importante porque pode ser esclarecedora das intenções ou características, mas a prioridade ainda é: o que temos feito com ela, quais seus objetivos ou pretensões, que resultados estão sendo alcançados?” (Monticelli, 2010, p. 128).

A despeito da terminologia, a autora traça uma projeção de relação entre a arqueologia de contrato e a acadêmica, criando a seguir um quadro dos anos 2000 da situação brasileira neste aspecto – o qual, aparentemente, não mudou muito nos últimos anos quanto às críticas que os trabalhos de contrato sofrem. De qualquer forma, uma arqueologia não está desassociada da outra.

“Schmitz (2001, p. 58-59), ao criticar o que tem sido feito, afirma que esses trabalhos não trazem contribuição científica imediata direta, mas os dados produzidos podem dar origens a teses, dissertações ou comunicações, mais do que apenas a um relatório, geralmente muito volumoso e ricamente ilustrado, que atende apenas às exigências legais” (Monticelli, 2010, p. 139).

Por fim, no penúltimo capítulo, intitulado, “Quem vai defender o patrimônio?”, a autora trata finalmente do engajamento político dos arqueólogos a partir dos impactos ambientais causados pelas grandes obras.

Quando há obras que despendem de grandes orçamentos e que gerarão um retorno tecnológico de grande impacto na população, ou mesmo em uma parcela dela, geralmente o âmbito arqueológico passa a ser ignorado. Por outro lado, obras pequenas também ignoram sítios arqueológicos, uma vez que se entende que essas não demandam de licenciamento. Comumente, altera-se um grande projeto visando o número de pessoas que serão afetadas – buscando sempre ser o menor possível -, mas o mesmo não ocorre por motivos arqueológicos ou ambientais. Assim, Monticelli cita diversos exemplos onde o interesse econômico é colocado acima dos interesses patrimoniais. Porém, por pressão de movimentos ambientalistas internacionais, aos poucos foram sendo incorporadas legislações pró-meio ambiente, e, dessa forma, o patrimônio arqueológico ganhou força.

Gostaria de concluir com uma citação das considerações finais da própria obra, que exprimem muito claramente o posicionamento de Monticelli quanto a Arqueologia de Contrato: “O patrimônio precisa ser preservado dos impactos. E alguém precisa estar disposto a realizar essa tarefa. Os arqueólogos prestadores de serviço, oriundos todos da academia, a ela ainda vinculados ou não, exercendo a profissão de forma liberal ou autônoma, estão condicionados, como todos os demais profissionais, às leis de um mercado capitalista, no qual as noções de progresso e desenvolvimento soam mais alto e as políticas e atuações preservacionistas são consideradas entraves ou obstáculos ao futuro” (Monticelli, 2010, p. 208 – grifo meu).

Letícia Nörnberg Maciel – Acadêmica do curso de Bacharelado em Antropologia com ênfase em Arqueologia pela Universidade Federal de Pelotas, (UFPel), Brasil.

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

D. Dinis (Atas dos Encontros sobre D. Dinis em Odivelas) – FERNANDES et al (LH)

FERNANDES, Carla Varela; DIAS, Isabel Barros; FRESCO João; JÚDICE Nuno; BARBOSA, Pedro Gomes; MATOS, Sofia Correia de; PALMA Victor; D. Dinis (Atas dos Encontros sobre D. Dinis em Odivelas). Lisboa: Edições Colibri – Câmara Municipal de Odivelas, 2011. Resenha de: GOUVEIA, Mário de. Ler História, n.64, p.215-217, 2013.

1 A obra que agora se apresenta, intitulada D. Dinis, corresponde às Atas dos Encontros sobre D. Dinis em Odivelas, publicadas sob coordenação geral de Corália Rodrigues, Ana Santos Silva, Estela Pontes Correia e Rui Boaventura, da Divisão de Cultura, Turismo e Património Cultural da Câmara Municipal de Odivelas, em Lisboa, com a chancela das Edições Colibri e da Câmara Municipal de Odivelas, em 2011. Trata-se do sexto volume da coleção «Patrimónios», inteiramente dedicada a temáticas relacionadas com o património material e imaterial concelhio.

2 O volume é formado por um total de cento e vinte e uma páginas, com reproduções fotográficas a preto e branco. Inicia-se com uma nota de abertura, da autoria de Susana Amador, Presidente da Câmara Municipal de Odivelas, em que se chama a atenção do leitor para a necessidade de se proteger e valorizar o património concelhio, como fator estruturante da identidade coletiva, muito particularmente no tocante ao legado deixado pelo rei Dinis na localidade, materializado quer no Convento de S. Dinis, hoje classificado como Monumento Nacional, quer no Memorial, interpretado como padrão de couto que demarcaria os limites territoriais da área de jurisdição do Convento. Segue-se-lhe uma nota de agradecimento, subscrita por Mário Máximo, Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Odivelas, em que não só se sublinha o empenho da equipa técnica do Setor do Património Cultural na realização dos Encontros, como também se agradece a todos quantos, entre Docentes, Investigadores e Patrocinadores, tornaram possível a sua concretização.

3 O programa dos Encontros publicado nas páginas iniciais do volume, decorridos a 2 de abril, 7 de maio e 4 de junho de 2009, estruturou-se à volta de três painéis temáticos, desenvolvidos após uma sessão de abertura acompanhada por uma comunicação proferida pela Dr.ª Susana Amador. O primeiro, intitulado «D. Dinis na consolidação do reino de Portugal», tendo como comunicantes os Professores Doutor Bernardo Sá Nogueira (FL-UL/Centro de História), cuja comunicação versou o tema «D. Dinis e a construção do Estado»; o Doutor Hermenegildo Fernandes (FL-UL/Centro de História), sobre «D. Dinis e a definição das fronteiras do reino»; e o Doutor Pedro Gomes Barbosa (FL-UL/Centro de História), sobre «Grupos marginais no período dionisíaco. Mouros, Judeus e outros». O segundo, por sua vez, intitulado «D. Dinis, poeta e músico», moderado pelo
Dr. Miguel de Sousa Ferreira, tendo como comunicantes os Professores Doutor Nuno Júdice (FCSH-UNL), cuja comunicação abordou o tema «A mestria do poema e a poética dionisiana»; a Doutora Isabel Barros Dias (UAb), sobre «D. Dinis e a poesia. Cortes cultas e prática poética (o tema do olhar)»; e o
Dr. Victor Palma (Museu da Música), sobre «Instrumentos musicais do tempo de D. Dinis». O terceiro, por fim, intitulado «D. Dinis, Odivelas e a Ordem de Cister», moderado pelo Dr. Edgar Luís Simões Valles, tendo como comunicantes a Professora Doutora Teresa Alves (FL-UL/Centro de Estudos Geográficos), que não pôde comparecer à sessão, segundo consta do programa publicado no volume; a Dr.ª Carla Varela Fernandes (CMC/Divisão de Museus), sobre «O bom rei sabe bem morrer. Reflexões sobre o túmulo de D. Dinis»; e o Dr. João Fresco e a Dr.ª Sofia Correia de Matos (CMO/Divisão de Cultura, Juventude e Turismo), sobre «D. Dinis e Odivelas». Seguiu-se a cada sessão um período de debate. A cerimónia de encerramento dos Encontros foi presidida pela Dr.ª Fernanda Franchi, Vereadora do Pelouro da Cultura da CMO.

4 Embora estando programadas nove comunicações, o volume agora publicado apenas reúne textos correspondentes a seis, dado que as comunicações proferidas pelos Professores Doutor Bernardo Sá Nogueira e Doutor Hermenegildo Fernandes, bem como a inicialmente prevista pela Doutora Teresa Alves, não foram dadas à estampa. Ficamos, portanto, com a impressão de que o volume, embora reunindo textos interessantes para a compreensão do reinado de Dinis – uma conjuntura de centralização e afirmação do poder e autoridade régios, numa altura em que Portugal havia terminado o processo de «Reconquista» dos territórios controlados pelo Islão, com a tomada de Faro, em 1249, e as suas fronteiras se encontravam definidas na sequência da celebração do Tratado de Alcañices, em 1279 –, pouco ou nada acrescenta ao que se ficou a saber desde que, há poucos anos, José Augusto de Sotto Mayor Pizarro (FL-UP) publicou uma biografia de referência sobre Dinis (s.l., Círculo de Leitores, 2005). Embora alguns textos se mostrem mais interessantes do que outros, por o respetivo objeto de estudo não ter sido tratado de forma aprofundada por este Docente e Investigador, a impressão com que se fica, uma vez percorrido o volume, é que este não chega a constituir sequer um estado da questão sobre as investigações em torno deste reinado, por aí se compilarem textos que aparentam não ter qualquer relação entre si – apesar de integrados em três painéis temáticos – e que, a bem dizer, apenas reproduzem aquilo que de há muito se sabe sobre o rei, o mecenas, o trovador, o músico.

4 Concluímos, pois, esta breve recensão crítica com uma sugestão que talvez pudesse ser ponderada num futuro próximo pela Divisão de Cultura, Turismo e Património Cultural da Câmara Municipal de Odivelas, a entidade promotora destes Encontros: a realização de um encontro científico que tivesse como ponto de partida não as várias facetas de Dinis, mas sim o património histórico legado por este rei ao atual concelho, muito especialmente o Convento de S. Dinis, Monumento Nacional que ainda aguarda um estudo consentâneo com a sua efetiva importância, no quadro das escassas realizações artísticas de estilo gótico subsistentes nesta zona do País, e que, como é de conhecimento geral, constitui o ex libris da cidade de Odivelas.

Mário de Gouveia – Instituto História Medieval – FCSH-UNL. Doutorando em História Medieval e investigador do Instituto de Estudos Medievais FCSHUNL. E-mail: mario_de_gouveia@yahoo.com.

Consultar publicação original

Sul do Sul: memória, patrimônio e identidade | Carmem Schiavon, Adriana K. Senna e Rita de Cássia P. Silva

A população do arquipélago formado por nove ilhas e várias ilhotas de origem vulcânica foi batizada “açoriana” em reverência às aves da espécie falconídea (“açor”) que povoavam o lugar. Parte desses ilhéus que lá vivia imigrou para o extremo Sul do Brasil em meados do século XVIII, na esperança de conseguir melhores condições de vida e de alcançar um futuro próspero. O deslocamento para o Rio Grande de São Pedro configurou, desde o início, um grande desafio para aqueles que enfrentavam o percurso marítimo que os levaria às terras brasileiras. Ao longo das viagens, a carência de alimentos e a precariedade das condições de higiene fatalmente ocasionavam a emergência de enfermidades e mortes. O contingente que conseguiu sobreviver aos infortúnios da travessia teve um papel essencial na colonização e no desenvolvimento da região após 1752.

A partir desse enfoque, cada um dos autores do livro “Sul do Sul: memória, patrimônio e identidade” investiga a historiografia rio-grandense e luso-açoriana, observando-as criticamente. Organizada por Carmem Schiavon, Adriana Senna e Rita de Cássia Portela, a obra apresenta os resultados de pesquisas sobre os aspectos da história e da cultura do Rio Grande 1, privilegiando as tradições açorianas que se enraizaram entre a população residente naquele lugarejo. Leia Mais

Memória em Rede | UFPEL | 2009

Memoria em Rede 1

A revista Memória em Rede  (Pelotas, 2009-) é um periódico eletrônico [do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas] que publica trabalhos inéditos, versando sobre os temas processos de patrimonialização, políticas públicas para o patrimônio, patrimônio material e imaterial, estudos em memória social, estudos sobre memória e identidade ou ainda tratem da organização de acervos, sua conservação e restauro, recuperação e acessibilidade para pesquisa e outros temas relacionados.

Acesso livre

Periodicidade semestral

ISSN: 2177 4120

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Pour une anthropologie de l’espace | Françoise Choay

Françoise Choay é bem conhecida do público brasileiro, por vários de seus livros e artigos já traduzidos para o português, como A regra e o modelo, ou a Alegoria do Patrimônio. Este livro, recém-publicado na França, não é exatamente uma obra nova, mas a coletânea de trabalhos esparsos e de difícil acesso, coligidos para a coleção La Couleur des Idées, da editora Seuil. Embora escritos ou publicados entre 1985 e 2005, seus textos apresentam uma incômoda atualidade.

A própria autora, em seu prefácio, chama a atenção para a heterogeneidade dos temas tratados, mas adverte, o que a leitura confirma, que seus textos possuem uma “dupla unidade de objeto e de tempo” (p. 7). Uma unidade de temas, pois para ela edifícios singulares e arquitetura, cidades e urbanismo, monumentos e conservação patrimonial, projetos icônicos e projeto político, são formas e práticas múltiplas de uma mesma e única atividade, “cujo desdobramento no espaço natural permite às sociedades humanas edificar o seu meio próprio” (pp. 7-8). E uma unidade temporal, não necessariamente de suas balizas cronológicas, que vão do século XV de Alberti ao século XXI do patrimônio mundial, mas do período no qual estão inseridos os textos escolhidos, que a autora afirma estar marcado por uma revolução eletro-telemática, ou informacional, de enorme impacto sobre a cidade, o urbanismo e o patrimônio.

O livro está dividido em quatro partes: História e Crítica, O Urbano, Patrimônio e Antropologia; ainda que sejamos advertidos que esta classificação é em parte arbitrária, e estes temas se entrecruzem constantemente. Justamente a antropologia, que dá título ao volume, dá uma unidade conceitual a estes textos aparentemente heterogêneos. A autora insiste nesta “função antropo-genética da espacialização” que, segundo ela, está totalmente ausente do debate sobre a arquitetura e o urbanismo, mesmo nos órgãos de administração ou na “praça pública”, unânimes em “celebrar o caráter lúdico e mediático de todas as ‘artes do espaço’, devotados “ao deus da moda e das finanças” (p. 10). Ou seja, Choay procura destacar o caráter não-natural da arquitetura e da produção de cidades, nos quais a política e a ação do homem são constitutivas, muito mais do que uma técnica pretensamente científica e neutra.

Sua primeira crítica é endereçada, então, a Le Corbusier, num texto que o coloca em perspectiva. Seu interesse não é tanto a obra de Le Corbusier, como um determinado aporte moderno sobre a arquitetura e a cidade, representada pelo arquiteto suíço. Tampouco são as carências técnicas de suas obras construídas, embora não deixe de apontá-las; mas demonstrar o que denomina “a dimensão retórica do funcionalismo corbusiano” (p. 16). Justamente porque esta dimensão retórica é o aspecto mais importante da obra do arquiteto, responsável pelo que Choay considera a sua incompreensão da condição antropológica da urbanização; ou mais claramente, a ausência de uma dimensão verdadeiramente urbana de seus projetos de metrópoles (p. 21). A dimensão polemista de seus textos, mais abundantes que sua obra construída, e sua recepção altamente midiática, seriam responsáveis pelo alcance de seu trabalho no pensamento urbanístico, a despeito de sua incompreensão da real dimensão da técnica na cidade, ao contrário dos esquecidos Ildefonso Cerdà, que Choay não se cansa de recuperar, e Gustavo Giovannoni, ou de Camillo Sitte, acusado pelo mesmo Jeanneret de passadista.

Apoiado numa ideologia progressista, Le Corbusier presume, assim, a universalidade das necessidades do homem, por isso a possibilidade de se construir as suas famosas “máquinas de morar” e “máquinas de habitar”; mais do que isso, “trata-se de conceber, para o homem universal, protótipos reprodutíveis de cidades e não mais apenas edifícios isolados” (p. 25). Trata-se de uma modernidade universalizante e “desumana”, destinada a um “homem teórico”, portanto inexistente (p. 36). Mas o arquiteto suíço não é o único representante desta ideologia progressista, composta de “imperativos categóricos, de paralogismos, de amálgamas terminológicos, de referências a saberes não dominados, de metáforas falaciosas”, cujos autores se instauram como “detentores e enunciadores da verdade arquitetônica e urbanística”; dos quais o mais talentoso, e midiático, é hoje Rem Koolhas (p. 115).

Falta-nos, para Choay, um discurso crítico e autocrítico, ou um “discurso epistemológico” sobre a cidade e a arquitetura, que ela encontra, por exemplo, em Alberti, daí a unidade de objeto de seu texto apesar da enorme distância temporal. Por isso a sua insistência no caráter não prescritivo do De Re Aedificatoria, cuja finalidade não é descrever os meios que permitam “realizar uma série de projetos concretos, nem de propor uma coleção de edifícios ideal-típicos, mas de fazer compreender a significação do ato construtivo” (p. 379). Tanto em Le Corbusier como em Alberti, a autora insiste em seu caráter retórico, que não significa obviamente apenas “discurso”, numa acepção de senso comum, mas de uma preceptiva do ato de construir, uma teoria da arquitetura e do urbanismo (p. 379). A diferença é que Alberti reconhece a dimensão antropológica da construção de cidades e da vida urbana.

Apesar de acusada, como Sitte e Giovannonni, de passadista, por sua defesa da cidade já construída e do patrimônio arquitetônico, que ela toma o cuidado de distinguir do patrimônio histórico, mais ligado aos “abusos de uma indústria mundializada e mundializante do patrimônio” (p. 319), e que não tem, necessariamente, um “estatuto antropológico” (p. 266), Choay chama a atenção para o que considera um grande anacronismo atual: denominar os espaços urbanos nos quais habitamos hoje pelo conceito arcaico de “cidade” (“Ville”: un archaïsme lexical, pp. 148-153). Deveríamos, assim, admitir o desaparecimento da cidade tradicional e interrogar-nos sobre “a natureza da urbanização e sobre a não-cidade que parece ter se tornado o destino das sociedades ocidentais avançadas” (p. 167); o que denomina, baseada em Melvin Webber, de era pós-urbana, título de um dos artigos citados deste autor (p. 200).

Para não deixar dúvidas quanto ao caráter não-passadista de sua obra, chega a sugerir até mesmo algumas demolições vistas como necessárias: da Biblioteca Nacional (ou ironicamente a Très Grand Bibliothèque), por seu “programa anacrônico, concepção anti-funcional, implantação absurda, e custo de funcionamento insano”, a Ópera da Bastilha e o Ministério das Finanças, por sua “desestruturação sem apelo do tecido circundante” e inutilidade (p. 304). Claro que, assim como Alberti, seu texto não é prescritivo, nem um manual de construção de cidades. Suas sugestões polêmicas e impossíveis, nestes casos citados, são muito mais um destaque sobre a forma como determinadas intervenções urbanas não levam em conta um conhecimento antropológico da cidade e do patrimônio e uma profunda incompreensão da significação do ato construtivo, que ela identifica na obra de Alberti. Um debate premente para o qual, infelizmente, possui poucos interlocutores.

Amilcar Torrão Filho – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


CHOAY, Françoise. Pour une anthropologie de l’espace. Paris: Seuil, 2006. Resenha de: TORRÃO FILHO, Amilcar. Uma antropologia do espaço. Urbana. Campinas, v.2, n.1, 2007. Acessar publicação original [DR]

 

The Lowell Experiment: Public History in a Postindustrial City – STANTON (PHR)

STANTON, Cathy. The Lowell Experiment: Public History in a Postindustrial City. Amherst and Boston: University of Massachusetts Press, 2006. 304p. Resenha de: ASHTON, Paul. Public History Review, v.14, 2007.

Lowell National Historical Park was established in Massachusetts in the United States in 1979. It was part of an experiment which drew on a new economic industry – cultural tourism – to rehabilitate a former textile city, once held up as an exemplar of capitalist industrialisation, that had been devastated by late twentieth-century deindustrialisation.

In her highly readable and original book, The Lowell Experiment, Cathy Stanton explores the politics of public history on a number of levels using this National Historical Park (NHP) as a rich case study. Public history’s role in facilitating change, rather than simply recording or reflecting it (pxiii), is treated as are divisions within the public history movement in the USA and the contested nature of the term ‘public history’. Leia Mais

From Stonehenge to las Vegas; Archaeolog y as Popular Culture – HOLTORF (RHAA)

HOLTORF, Cornelius. From Stonehenge to las Vegas; Archaeolog y as Popular Culture. Oxford: Altamira Press, 2005. 185p. Resenha de: ZARANKIN, Andrés. Revista de História da Arte e Arqueologia, Campinas, n.6, p.176-177, dez., 2006.

Por que la popularidad y la atracción que la arqueología ejerce en nuestra sociedad? Esa es una de las preguntas de partida del libro compuesto por un Prologo y 9 capítulos, que le permiten a Holtorf un recorrido por algunas cuestiones centrales de la practica arqueológica, y los estudios que tienen eje en el pasado y sus vestigios. Sus propuestas resultan polémicas, pero al mismo tiempo permiten al lector reflexionar de una manera diferente sobre el tema. Por este motivo este trabajo resulta de interés especial para estudiantes y profesores en arqueología o antropología así como a profesionales que trabajan con patrimonio.

Holtorf, ya en el prologo nos muestra que estamos ante un libro diferente, que se opone a los convencionalismos a los que estamos acostumbrados en cualquier trabajo académico. En la misma el autor efectúa una auto-presentación que permitirá, según él, entender quién es, y por lo tanto la naturaleza de su trabajo.

Dónde nació, sus estudios, sus profesores, así como algunos aspectos de su vida sentimental, dan a la obra un toque informal y diferente. Al mismo tiempo Holtorf elige escribir su trabajo en primera persona del singular.

De esta manera queda claro que no intenta ofrecer una visión escencialista y verdadera del problema tratado, sino por el contrario, su enfoque particular.

Precisamente la estética y la organización del libro también son novedosas. Además de fotos de obras de arte, de sus vacaciones, de casinos en las vegas o dibujos hechos por él, utiliza continuamente para reforzar sus argumentos comparaciones y ejemplos que a simple vista poco tienen que ver con la arqueología (Zoológicos, parques de diversiones, casinos, biología, cine, TV entre otros). También cada capitulo posee una o más ideas centrales (o tesis) que Holtorf destaca, incluso colocándolas en apartados.

A lo largo de los primeros 7 capítulos – (1) Archaeology as popular culture, (2) Below the surface, (3) The archaeologist in the field, (4) Interpreting traces, (5) Past meanings, (6) Contemporaneous Meanings, (7) Authenticy –, Holtorf desarrolla una discusión general sobre algunos conceptos centrales de la arqueología y su practica. A través de la misma cuestiona algunos de los principios sagrados de la disciplina, tales como que es le pasado, como es construido y por tanto como estudiarlo, cuales son sus significados, a que llamamos autentico, el rol del arqueólogo entre otros puntos.

En estos capítulos Holtorf’s, siguiendo algunos de los planteos de su maestro Michael Shanks y de la arqueología radical, asume y explicita cuestiones como por ejemplo, que el pasado es construido en cada presente y por lo tanto es relativo. También que las personas participan activamente en la construcción de sentidos y significados asociados a la cultura material – y por lo tanto estos significados también son relativos.

Para justificar estas ideas utiliza casos de todo el mundo, aunque especialmente de la prehistoria europea y de sus própios trabajos de campo en Alemania.

Dentro de estas discusiones destaco 3 cuestiones:

A) Su análisis sobre la “biografía de los objetos y los sitios arqueológicos” y como su sentido y significado se transforma a través del tiempo (utiliza como ejemplos el caso de las hachas de piedra, y los monumentos megalíticos – capítulo 5).

B) Su propuesta sobre los significados actuales que los sitios arqueológicos tienen para el publico (diferencia 14, entre ellos recuerdos (rembrance), identidad (identity), reflexiones (reflections), aventuras (adventures), lugares mágicos (magical Places), entre otros – Capítulo 6.

C) La discusión del concepto de “autenticidad” (Aura de W. Bejamin) y como en realidad tiene una base subjetiva que lo transforma en algo dinámico y cambiante a través del tiempo – Capítulo 7.

Los últimos 2 capítulos resultan los más provocativos y originales. Sus propuestas permiten una reflexión profunda sobre las propias bases de la arqueología y la naturaleza del pasado en nuestra sociedad.

Básicamente para Holtorf la popularidad de la arqueología tiene que ver con que posee todos los elementos tradicionales, para despertar el interés de las personas comunes (misterio, exotismo, tesoros, peligro, entre otros). Esto le otorga a la disciplina una “Archeoappeal” y la transforma en “cultura popular”. Lo que importa es el significado del pasado en el presente y la manera en que la gente le da un sentido particular, no necesariamente coincidente con el de los arqueólogos.

De esta manera si el pasado, y sus vestigios “auténticos”, son construidos por las personas en cada presente, entonces éste se transforma en un “recurso renovable”, lo que le permite a Holtorf afirmar: “A certain amount of destruction of archaeological resources is not only unavoidable but can indeed be desirable in order to accommodate fairly as many genuine claims to ancient sites and objects as possible” (p. 148)… “If archaeology is popular culture, then we are all archaeologists” (p. 160).

Salvando las diferencias, este libro tiene mucho en común con “Reconstructing Archaeology” de Shanks y Tilley (1987), sus propuestas radicales invitan a la reflexión. Al cuestionar muchos de los supuestos de la practica arqueológica la primera reacción del lector es sentirse incomodo. Pero es precisamente esta insatisfacción con lo evidente que permite a la arqueología seguir avanzando en un camino sin final.

“Experiencing archaeological practice and imagining the past constitute the magic of archaeology” (p. 155).

Andrés Zarankin – Docente no Depto de Sociologia e Antropologia/ FAFICH-UFMG Doutor em História pelo IFCH-UNICAMP.

Acesso somente pelo link original

[IF]