Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen | Elodie Trojanowski

O livro “A nova Frente Nacional: Estudo da nova linha do partido através dos discursos de Marine Le Pen”, da autora francesa Elodie Trojanowski, nos oferece uma análise sobre as mudanças dos discursos do partido de direita radical francês Frente Nacional, após a sucessão da presidência do partido por Marine Le Pen. Para tanto a autora também analisa a mudança da linha política desenvolvida por Marine Le Pen. A obra é fruto da sua dissertação de mestrado em jornalismo, porém sua pesquisa se enquadra dentro do âmbito das ciências políticas. Seu mestrado foi desenvolvido na Universidade Católica da Lovaina2, localizada no interior da Bélgica. Seu livro, composto de 118 páginas, foi publicado pela Editora Universitária Europeia3 em abril de 2014.

Para tanto, a autora estabeleceu um método rigoroso de estudo quando escreveu sua obra, a partir da crítica aos discursos oficiais do partido, como também a seleção de diversas entrevistas concedidas por Marine Le Pen, de vídeos postados no site da Frente Nacional e discursos de Marine Le Pen durante a as eleições presidenciais francesas em 2012. Elodie Trojanowski buscou em sua pesquisa analisar individualmente cada um dos discursos proferidos por Marine Le Pen e separa-los pelas novas temáticas escolhidas pela líder da FN, procurando traçar um paralelo com a antiga linha discursiva do partido, liderado por seu pai Jean-Marie Le Pen.

Tal investigação mostra-se relevante e pertinente para os estudiosos das ciências políticas, como também de extrema importância para os historiadores especializados na direita radical europeia, uma vez que, como a própria autora salienta na Introdução da obra, por se tratar de um fenômeno recente, em pleno acontecimento – enquadrado por nós historiadores como pertencente a história do tempo presente – ainda há poucos estudos que procuram investigar a mudança ideológica e discursiva da atual direita radical no século XXI.

O recorte de pesquisa escolhido pela autora, se enquadra no período em que a presidente do FN, Marine Le Pen ascendeu a presidência do partido em 2011, quando venceu seu adversário Bruno Gollnisch no Congresso Nacional do partido. Após vencer as eleições Marine Le Pen colocou em prática um projeto de desdiabolização da FN. Esse método consiste em um processo de transformação da imagem do partido, que outrora – durante quatro décadas da existência da agremiação política – esteve intrinsicamente ligado às práticas xenófobas, racistas e antissemitas. Nesse sentido Elodie Trojanowski trabalha para analisar se esse âmbito de mudanças da FN na figura de Marine Le Pen, acontece apenas no nível discursivo, se ele é inventado para definir uma nova identidade ou se existe uma ruptura real com as antigas concepções radicais, se elas são concretas.

A obra nesse percurso de investigação se coloca na posição de estudar comparativamente a ideologia desenvolvida pelo FN. Através de uma análise de discursos políticos da Presidente da Frente Nacional, o estudo é feito de forma detalhada, buscando nos discursos as palavras de ordem, como elas são colocadas, como as novas temáticas adotadas pelo partido são apresentadas e manipuladas para terem efeito positivo e atraírem votos para a FN. E como a partir dessa nova leitura da conjuntura e a nova linha discursiva da Frente Nacional se destaca o abandono de determinados temas e sua substituição por novos bodes expiatórios, como a União Europeia e a imigração muçulmana, por exemplo. A autora relativiza como a Marine Le Pen utiliza o contexto de crise econômica, social e política da França, para aumentar sua base eleitoral e como o partido tem diminuído seu tom agressivo e extremista, se diluindo em uma posição próxima a direita nacionalista. Desta forma a autora se dedica a fazer um levantamento do novo vocabulário desenvolvido por Marine Le Pen e cria um banco de dados contabilizando o uso dessas palavras e o quanto elas aparecem e permeiam grande parte dos seus discursos.

A criação do partido Frente Nacional foi inspirada no sucesso eleitoral do partido neofascista italiano Movimento Sociale Italiano (MSI). O início do partido começou com grupos distintos, incluindo membros do governo de Vichy, opositores do general de Gaulle, membros do movimento Poujadista, neofascistas, militantes da Federação dos Estudantes Nacionalistas, militantes do Jovem Nação e ativistas que não possuíam vinculo partidário mas simpatizavam com a ideia de organizar um partido de extrema direita. O início da FN começou sob liderança de Jean-Marie Le Pen e François Duprat.

No processo de construção do projeto político do FN, podemos perceber também que além da questão militar para reforçar o nacionalismo, o partido procurou construir outros símbolos, principalmente buscar heróis na história da França, personalidades históricas que pudessem reforçar, simbolizar o novo nacionalismo desenvolvido pelo FN. Nesse processo de busca para encontrar heróis, vemos o fortalecimento do catolicismo dentro do partido. Para representar o FN, foi escolhida a figura de Joana D’arc, como símbolo que representasse o nacionalismo do FN, uma heroína francesa, nacionalista, católica, devota à nação, que sacrificou sua vida em prol da liberdade do país, sem ter qualquer ação individualista, a nação acima de qualquer desejo individual. A escolha de Joana D’arc também passa pela questão da busca pela tradição histórica do país, demonstração de orgulho com o passado histórico. A escolha do símbolo do partido é também uma forma de procurar unir todas as células dentro do partido, colocando um novo foco a ser seguido, supondo que essa nova escolha conseguisse superar antigas figuras como Napoleão Bonaparte, Marechal Pétain, General Boulanger, Charles Maurras e Pierre Laval.

No sentido do nacionalismo do FN, o partido procurou se posicionar em defesa dos cidadãos naturais franceses. Podemos aqui pontuar que tal sujeito defendido pelo FN seria: o cidadão francês que provenha de uma longa geração de franceses (podemos indicar aqui que isso seria o francês branco caucasiano), católico, nacionalista, identificado com sua terra, um cidadão orgulhoso de suas raízes e identificado com a História da França, valoriza o desenvolvimento da nação acima da vontade individual4.

Para Jean-Yves Camus a questão da nação é algo central no FN, o nacionalismo para a FN é o principal ponto de referência ideológico, podemos afirmar que a ideia da nação é o ponto vital, é a fonte principal de luta e é fundamental para o discurso do partido5. Dar ênfase à nação é a questão chave para ocupar os espaços deixados pelos outros partidos. A defesa da nação como pauta da agenda política do FN tem dois objetivos: o primeiro é para legitimar a ideia do nacionalismo pertencer à FN, e quando outro partido utiliza dessa tática o FN sai em defesa da sua ideia acusando a oposição de apropriação política. O segundo objetivo é obrigar outros partidos a também fazerem um discurso que saia em defesa da soberania nacional6.

A FN tem como principal ideológica, a defesa da identidade nacional, no qual segundo ela estaria ameaçada pela imigração, internacionalização do comércio, a globalização, enesse sentido defende o retorno do “glorioso” nacionalismo francês. Em seu alegado plano de defender a França, lançavam-se contra seus inimigos internos (anteriormente judeus, maçons e protestantes, agora imigrantes, principalmente árabes e muçulmanos) e os inimigos externos (expeculação internacional e as forças das multinacionais e do corporativismo). A FN defende valores tradicionais e instituições as quais, segundo ela, devem se basear a identidade francesa nos principios de família exército, autoridade e catolicismo.7

O livro de Elodie Trojanowski é dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo a autora faz uma sistematização da história da Frente Nacional, citando os principais sujeitos que constituiu o partido durante sua criação na década de 1970. Talvez uma abordagem com maior capricho no que diz respeito aos mais de 40 anos da história da Frente Nacional pela autora seria necessária, para que o leitor que desconhece a história da Frente Nacional conseguisse visualizar de forma mais abrangente a história institucional do partido. Mesmo o primeiro capítulo necessitando de maior atenção, a autora utiliza a bibliografia correta e obrigatória para qualquer pesquisador que pretende estudar a Frente Nacional, utilizando autores como Nonna Mayer, Pascal Perrineau, Michel Winock e Pierre Taguieff para apresentar as principais características da direita radical francesa e suas raízes históricas.

Ainda no primeiro capítulo Elodie Trojanowski procura apresentar o debate sobre a direita radical na França, abordando as diferentes formas como ela se apresentou no país. Ela aponta os diferentes grupos que existiram, como o movimento monarquista Ação Francesa e também faz menções a Revolução Nacional, durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial. Ela também procura descrever o conceito de populismo que é utilizado na Europa para caracterizar alguns partidos de direita radical. E para finalizar ela discute as características de Jean-Marie Le Pen.

No segundo capítulo a autora francesa demonstra seu método de análise dos discursos da Marine Le Pen. A metodologia escolhida pela autora para a análise discursiva da presidente da Frente Nacional se divide em várias etapas. Elodie Trojanowski separa os discursos em duas categorias, os discursos para a mídia e que foram divulgados pela internet, que ao todo são os 12 maiores discursos de Marine Le Pen e o segundo grupo são 4 discursos feitos por Marine Le Pen aos militantes do partido.

A autora trabalhou comparando os discursos e elencou as principais temáticas que aparecem na fala da líder da Frente Nacional e que são amplamente exploradas durante a a campanha presidencial. Os principais temas apresentados pela autora são; Violência Social, Globalização, Economia, Justiça, Nação, Vida em Sociedade, Imigração, Família, Liberdade, História da França, Cultura, Valores, Hierarquia e Democracia. Com essa definição e recorte do que investigar a autora do livro monta uma tabela onde enumera a quantidade de vezes em que cada temática aparece na fala de Marine Le Pen e também avalia a forma como ele é apresentado, se aparece de forma positiva ou se o tom do discurso é negativo, buscando induzir os eleitores a acreditar em suas alegações.

Nesse formato de investigação a autora contribui para os pesquisadores pois apresenta como algumas temáticas são manipuladas de acordo com o público presente, ou seja, de acordo com o setor político ou social em que se encontra o público da Frente Nacional, o discurso de Marine Le Pen pode ser mais apelativo para o lado sentimental ou pode reforçar a temática para reforçar a posição assumida por um setor. Um exemplo dessa distorção do discurso pode ser evidenciado nos discursos da Frente Nacional aos trabalhadores, quando Marine Le Pen defende a ampliação dos direitos trabalhistas e da garantia dos investimentos do Estado em políticas públicas. E quando a presidente da Frente Nacional fala para os empresários e comerciantes ela defende a redução dos tributos e a proteção do Estado para o crescimento da economia.

No terceiro capítulo a autora apresenta individualmente os resultados das análises quantitativas das temáticas recortadas por ela, demonstrando estatisticamente de que forma cada temática aparece, quantas vezes ela foi utilizada ou apareceu com maior ou menor incidência nos discursos políticos de Marine Le Pen. Além disso ao apresentar as temáticas, a autora também demonstra uma interpretação da conjuntura política e coloca como são construídos os discursos e as formas como eles se desenvolvem na medida que Marine Le Pen acerta a forma de abordagem e como ela modifica a estratégia quando não alcança os resultados esperados.

Notas

1 Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, na linha de pesquisa Sociedade, Urbanização e Imigração, orientado por Leandro Pereira Gonçalves. Bolsista CNPq. E-mail guilherme_andrade@hotmail.com

2 Université Catholique de Louvain.

3 EUE- Édition Universitaire Européenes.

4 FRONT NATIONAL, Défendre les Français, C’est le programme du Front National. Front National, no. 3, 1973.

5 CAMUS, Jean-Yves. Origine et formation du Front National…op.cit. pg.17

6 Idem, pg.18.

7 HAINSWORTH, Paul. The extreme right in France: The rise and rise of Jean-Marie Le Pen’s Front National. Representation, 40. 2004, p.44.

Referências

BIRENBAUM, Guy. Le Front National em Politique. Paris, Balland, 1992.

BOURSEILLER, Christophe. Extrême Droite: l’enquête. Paris, Editions François Bourin, 1991.

CAMUS, Jean-Yves. Origine et formation du Front National (1972 – 1981) in MAYER, N;

PERRINEAU, P. Le Front National à découvert. Paris, Presses de la FNSP, 1989.

FRONT NATIONAL, Défendre les Français, C’est le programme du Front National. Front National, no. 3, 1973.

HAINSWORTH, Paul. The extreme right in France: The rise and rise of Jean-Marie Le Pen’s Front National. Representation, 40. 2004.

TROJANOWSKI, Elodie. Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen. Saarbrucken, Editions Universitaires Européennes, 2014.

Guilherme Ignácio Franco de Andrade – Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, na linha de pesquisa Sociedade, Urbanização e Imigração, orientado por Leandro Pereira Gonçalves. Bolsista CNPq. E-mail guilherme_andrade@hotmail.com


TROJANOWSKI, Elodie. Le “nouveau” Front National: Etude de la nouvelle ligne du parti à travers le discours de Marine Le Pen. Saarbrucken: Editions Universitaires Européennes, 2014. Resenha de: ANDRADE, Guilherme Ignácio Franco de. Vozes, Pretérito & Devir. Piauí, v.4, n.1, p. 158- 163, 2015. Acessar publicação original [DR]

 

Partido político ou bode expiatório. Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) / Lúcia Gringberg

O estudo de Lúcia Grinberg sobre a ARENA tem o mérito de valorizar duas funções essenciais da pesquisa histórica. Seu livro, primeiro, é uma história que estuda criticamente o passado, que vai às fontes, que, com seus métodos e descobertas, questiona a rigidez e a solidez de memórias sociais específicas. Segundo, toma a memória social como objeto de investigação. Quem as reproduz, as difunde, muitas vezes não possui consciência do processo pelo qual tal construção memorialística passou até chegar a sua forma final. A memória também é histórica. Ela também foi construída ao longo do tempo para legitimar práticas e propostas.

Afinal, pergunta-se Lúcia, qual ARENA ela encontrou ao iniciar suas pesquisas? O primeiro indício é a reação de seus colegas de pós-graduação. Riram. Perguntaram se ela não teria se enganado, se não pretendia pesquisar o Teatro de Arena. Além do seu círculo social, a autora identificou uma memória claramente estabelecida sobre o partido na década de 1990. Entre vários exemplos, cita o caso de membros do PFL que, em 1995, esforçavam-se para desvincular a imagem do partido criado em 1985 com a memória negativa sobre a ARENA. Em resumo, a ARENA seria o partido do adesismo irrestrito aos mandos militares e, também, um partido artificial, sem representatividade alguma, simples instrumento utilizado pelos militares para dar ares de legitimidade aos seus governos. O que Lúcia quer entender é: serão verdades todas as generalizações que atualmente se fazem sobre a ARENA? Como tais generalizações se construíram? A quais propósitos serviram? E qual a importância de criticá-las para uma nova visão sobre o período da ditadura militar?

É a partir do início da ARENA que podemos ver os primeiros problemas. Não foi formada apenas por antigos udenistas que apoiaram o movimento de 64. A diferença entre o número de parlamentares udenistas que foram para a ARENA e ex-membros do PSD é de apenas 08 membros. Ex-udenistas contribuíram com 86 parlamentares e ex-membros do PSD com 78. Estava certo o jornalista Villas-Boas-Corrêa ao brincar que a ARENA seria a filha da UDN que caiu na zona? Ou o partido foi inicialmente formado por setores políticos conservadores que não estavam apenas na UDN? Aliás, por políticos com grande experiência eleitoral, com nomes conhecidos pelos eleitores. A autora traz uma lista com o nome de todos os primeiros membros do diretório nacional da ARENA, sua filiação partidária antiga e os cargos públicos que tinham ocupado. Nenhum deles surgiu do nada. Lideranças nacionais como Benedito Valadares, Milton Campos, Gustavo Capanema e Magalhães Pinto tornaram-se arenistas. O que indica, para a autora, certo consenso entre as elites conservadoras brasileiras e, principalmente, que a ARENA tinha uma representação social historicamente associada aos nomes que congregou, representação esta que não pode ser negada. Cairia mais um mito: o da ARENA como um partido biônico, sem valor social, sem representação.

Afinal, Lúcia quer ver a ARENA não apenas como uma criação institucional artificial, mas como um sintoma de algo mais amplo, de características conservadoras da sociedade brasileira. Para reforçar seu argumento, traz cartas enviadas para o Diretório Nacional do partido de cidadãos comuns, não ligados diretamente à política. Cartas de apoio ao partido. De defesa dos abstratos princípios da Revolução de 64, contra o comunismo, contra os baderneiros, contra a anarquia que teria se instalado antes da retirada de Goulart do Poder.

Outro mito que Lúcia derruba é a da relação eternamente dócil entre ARENA e governos militares. Sua análise mais forte é sobre o chamado caso “Márcio Moreira Alves”. Por críticas feitas à invasão da Universidade de Brasília pelos militares, Márcio Moreira Alves tornou-se alvo de ódio por parte dos setores mais radicais das Forças Armadas. A pressão foi tão grande que o Executivo pediu licença ao Congresso para cassar o mandato do Deputado. Chega ao plenário o pedido e, ao contrário do que insinuaria a idéia do “sim, senhor”, da subserviência irrestrita, do total de 216 deputados que rejeitaram o pedido, 95 eram da ARENA.

Um dia depois, Costa e Silva baixa o AI-5. E o governo passa a tratar o “seu” partido de forma diferente. Lideranças “liberais” da ARENA se afastaram de posições de comando, como Daniel Krieger, Milton Campos e Carvalho Pinto. Mas Lúcia salienta a obscuridade do período imediatamente após o AI-5. Os arquivos da ARENA pouco dizem. O que lhe restou, diz, foi procurar na imprensa declarações de arenistas. Uma delas é exemplar de como o caso Márcio Moreira Alves é um marco para a história da relação entre ARENA e os militares. Geraldo Freire, líder da ARENA na Câmara dos Deputados, teria declarado a jornalistas que seria necessário a criação de um novo partido. A ARENA teria falhado. Era rebelde. O que o regime precisava era efetivamente de um partido do “sim, senhor”, da rendição incondicional aos mandos dos militares.

Outra solução seria a manutenção da ARENA, precedida por uma limpeza ideológica. Os elementos possivelmente rebeldes deveriam ser retirados do partido. E foi o que o governo fez. 27 parlamentares efetivos da ARENA foram cassados. Contando os 06 suplentes cassados, o total é de 31. Politicamente, a principal arma utilizada contra a ARENA foi a aprovação da Emenda Constitucional número 1. Ela previa a perda do mandato do parlamentar que por votos ou atitudes contrariasse as diretrizes estabelecidas pelas lideranças partidárias. Seria uma forma de controlar os arenistas sem recorrer a expedientes como o fechamento do Congresso. Como as lideranças eram escolhidas pelos governos militares, tornou-se realmente mais tranqüilo para o Executivo comandar o seu partido de sustentação. Percebe-se, portanto, como a história da relação entre ARENA e governo não foi estática. Teve seu dinamismo.

A autora traz outros episódios evidentemente menores que marcaram certas distâncias entre a ARENA e o governo até o período que considera o de liberalização do regime, 1974-1979. Nele, inicia-se a construção de um dos clichês solidificados na memória social atual sobre a ARENA: o partido do “sim, senhor”. Segundo a autora, com a maior liberalização do regime a partir de 1974, e com as vitórias eleitorais do MDB, os embates parlamentares tornaram-se mais ácidos, mais competitivos. E uma das formas dos parlamentares do MDB de ridicularizar a ARENA era acentuar sua subserviência. Ao estudar documentos internos do partido, Lúcia salienta como o “sim, senhor” incomodou os arenistas. Não eram discursos feitos para o público, para serem divulgados, eram discussões privadas que mostravam o grande incômodo que os parlamentares sentiam com as provocações do MDB.

Para continuar a historicização da memória solidificada atualmente sobre a ARENA, Lúcia sai do parlamento e vai para a imprensa. Analisa principalmente charges publicadas em jornais de grande circulação, como o Estado de São Paulo e o Correio da Manhã. A explicação para o estudo e análise das charges é simples: em momentos autoritários, a imprensa é obrigada a recorrer a estratégias alternativas para abrir o mínimo de espaço que seja para a crítica, e o humor é uma das principais.

A autora analisa diversas charges que repetem temas como a indecisão da ARENA, sua falta de identidade, mas as partes mais interessantes são sobre as charges que falam sobre a relação da ARENA com o governo. Nelas, a ARENA é quase sempre representada como uma mulher. Sempre em posição de subordinação, cozinhando para o marido “governo”, ou se pintando e arrumando para o amante “governo”. Charges mais críticas representavam a ARENA como uma prostituta ou uma boneca inflável, dois objetos de desejo que se venderiam fácil para os militares. Uma das charges, por exemplo, mostra uma mulher toda pintada e arrumada, usando uma saia com ARENA escrito e, suspirando, diz: “ele sorriu pra mim…ele sorriu pra mim…” E, ao longe, vemos as costas de um militar. Em outra charge, de Hilde Weber, publicada no ESP em 7/2/1969, a ARENA é representada como uma mulher pobre, usando roupas sujas e esburacadas, com lágrimas nos olhos ao ver que as portas de uma casa estão sendo abertas a ela. O nome da casa: governo. O título da charge: volta ao lar. Há, no entanto, uma importante ressalva feita pela autora: as charges feitas no período militar sobre a ARENA não seriam tão virulentas e ridicularizadoras como as feitas na década de 1990. Isso indicaria uma mudança ainda maior de atitude da sociedade brasileira da década de 1990 sobre o período militar, devedora, diz, do processo de redemocratização iniciado na década de 1980 que, para se legitimar, ridicularizou e repudiou fortemente os militares e a ditadura em geral.

Eis que Lúcia conclui, a partir de seu estudo: a ARENA atuou muitas vezes como partido político realmente, tendo representação social digna de ser considerada como parte importante da cultura política de determinados setores da sociedade brasileira, mas a ARENA também foi um bode expiatório. A partir da transição democrática, a ARENA e os militares foram inteiramente responsabilizados pelos tempos ditatoriais. Os militares seriam os gorilas, a força bruta, ignorante. E a ARENA, a parte fraca, covarde, que não só não resistiu como apoiou a ditadura e todos os seus feitos.

E aí está o maior mérito da pesquisa feita por Lúcia Grinberg. Ridicularizar a ARENA e os militares, diz, é ignorar que setores importantes e representativos da sociedade brasileira também apoiaram o regime militar. Lúcia se recusa a pensar a ARENA como uma entidade vazia. Não, suas atitudes, sua construção, os votos que recebeu mesmo quando havia a possibilidade do MDB, apesar de todas as restrições eleitorais, indicam, sim, representatividade. Indicam, sim, que a ditadura militar brasileira não se sustentou por tanto tempo apenas pela habilidade dos militares e dos políticos que teriam apoiado o regime. Indicam, finalmente, que é importante tirar a ditadura militar e a ARENA do campo da memória para melhor entendermos o período de 64-79. É a graça das piadas sobre a ARENA que nos impede de olhar além, criticamente. É verdade, por fim, que a autora desconstrói piadas e nos tira algumas boas risadas, mas nos propõe algo valioso em troca: um olhar crítico que traga de volta como objeto de pesquisa o grande elemento silencioso do período militar, a sociedade civil.

João Leonel da Rosa Pantoja – Mestrando em História Social pela Universidade de Brasília. Contato: jotaleonel@gmail.com.


GRINBERG, Lúcia. Partido político ou bode expiatório. Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, 301p. Resenha de: PANTOJA, João Leonel da Rosa. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.17, p.112-116, ago./dez., 2010. Acessar publicação original. [IF].

artido político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (1965-1979) – GRINBERG (EH)

GRINBERG, Lucia. Partido político ou bode expiatório:
um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (1965-1979). Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. Resenha de: NEGRO, Antonio L. A Arena não é a filha da UDN que caiu na zona. Estudos Históricos, v.23 n.46 Rio de Janeiro July/Dec. 2010.

Um partido político que, de fato, se tornou um bode expiatório. Esta assertiva mal resume o excelente livro de Lucia Grinberg. Longe dos embates políticos e da memória construída nos anos 1980, é dada ao leitor uma visão detalhada e mais complexa sobre a formação e funcionamento da Arena, bem como do sistema partidário brasileiro, tanto o do pré-64 quanto o do pós-64 (até 1979). Grinberg ressalva que ridicularizar a Arena silencia um aspecto acentuado da História da sociedade brasileira após o golpe de 64: o envolvimento dos civis no apoio à ditadura e mesmo na sua gestão. Com seus milhares de eleitores, adeptos, cabos eleitorais, chefes locais e lideranças, a Arena foi um partido inicialmente integrado por uma tarimbada geração de políticos que se encarregou, inclusive, de formar novos dirigentes. Esses quadros não só atuaram nos anos 1970, como também marcaram presença no Brasil democrático da Constituição de 1988.

Ao contornar um quadro historiográfico quase saturado de pesquisas sobre a esquerda, a autora empreendeu uma investigação compreensiva, sensível e com bom humor, abordando tema grave e trombudo: um partido de direita, esteio de um regime ditatorial e sanguinário (mas que não dispensou, totalmente, a existência de eleições, partidos – situação e oposição – e, por conseguinte, do Poder Legislativo). Logo, o que Lucia Grinberg dá ao leitor é um livro que alia pesquisa rigorosa a uma observação que percebe a incerteza, a diversidade, o jogo de forças, e a heterogeneidade do processo histórico.

Elegendo para epígrafe do capítulo 1 “a Arena é a filha da udn que caiu na zona”, a autora foi feliz em indicar que seu livro incide sobre um período estendido entre o pré-64 – note-se a menção à União Democrática Nacional – e os anos 1980, quando a Arena é elaborada, na memória e nas páginas do humor político, como uma mulher maldita, alvo de apedrejamentos, motivados, em sua maior parte, é lógico, pela raiva contra a ditadura. Como Grinberg argumenta que, “enquanto os militares e o governo não podiam ser atacados de frente, a Arena podia” (p. 284), cabe, assim, seguir sua percepção: de um lado, uma mulher ridicularizada (a própria Arena); de outro, gorilas viris e brutamontes (os militares).

Entre os seus mais interessantes resultados, o livro mostra a importância do Partido Social Democrático (psd) no funcionamento da Arena e de como esse partido getulista era visto pelos arenistas como “o modelo por excelência de partido governista e majoritário”, cuja sigla caberia à Arena recuperar em caso de eventual dissolução. Em 1979, isso era, com certeza, uma “alternativa inesperada”, em particular quando “contrastada com a memória construída sobre a Arena como a grande herdeira da udn” (p. 221). Se a associação entre Arena e psd foi mais recorrente do que o esperado, isso corrobora que o trabalhismo foi a parte mais indigesta da controversa herança de Vargas. No final, valeu foi o realismo, pois reeditar a sigla do psd poderia ofender convicções udenistas – antigetulistas – sobreviventes na Arena. Nota a autora que a sigla PDS, de Partido Democrático Social, escolhida para suceder a Arena, era parecida com a do psd. Um trecho da autobiografia Memórias de um stalinista, de Hércules Correa, parece combinar com isso: “Meu jovem”, disse-lhe o senador Amaral Peixoto, do psd, “as boas idéias o PCB formula, o PTB agita e o psd realiza”. Em alguma medida, em plena Arena, isso talvez tenha valido para suas alas radicais, as concentrações udenistas e o realismo pessedista.

Afora o fantasma da turbulência social e do facciosismo extremado, o temor ao retorno das siglas do sistema partidário do pré-64, proscrito no ai-2 de 1965, é usado pela autora para remeter ao peso do mulitpartidarismo dos anos 1945-1964, que permaneceu como “referência identitária durante o bipartidarismo”, frisando “a importância da sigla, do vocabulário, enfim, da história de um partido” (p. 223, 222). É também quando dialoga com as teses da artificialidade da Arena – que a censuram “pelo que ela não é, não tem, não faz” (p. 31) – que Grinberg afirma que a Arena era uma novidade em posse de lideranças experimentadas. Embora inventada pelo novo regime, seus aderentes possuíam “longa prática na política partidária”. Muitos haviam exercido “mandatos sucessivos para diversos cargos eletivos, razão pela qual não se pode deixar de reconhecer sua visibilidade e representatividade junto à população” (p. 32).

Essa é, a propósito, uma proveitosa consideração para a Bahia, que pode ter ficado de fora da conspiração, conforme se presume, mas que certamente sustentou com base social o golpe que derrubou Jango. Antes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que aconteceu depois da queda do presidente, a Bahia era um estado que, por décadas a fio, políticos udenistas (Juracy Magalhães), mas também pessedistas (Pedro Calmon), afirmavam ser um lugar avesso a conflitos de classe, ao mesmo tempo em que rezavam um catolicismo conservador e assumiam posições anticomunistas. Tudo isso sem negar seus princípios liberais. Como alerta Grinberg, é preciso notar homens como Luiz Viana Filho (udn) e Antônio Carlos Magalhães (psd) foram eleitos e reeleitos antes do golpe e, depois do golpe, foram feitos governadores, convertendo-se em lideranças nacionais.

Nesta, como em outras passagens de seu livro, a autora é certeira em sua original análise. No lugar de responsabilizarmos apenas os militares pelo autoritarismo, é preciso enxergar a proeminência social desses civis que receberam a Arena das mãos do novo regime. Um detalhe positivo de Grinberg, a propósito, é ter documentado o apoio do ex-deputado federal da udn Gilberto Freyre à ditadura. Considerando a democracia um estrangeirismo nas terras do Brasil (p. 169), desqualifica também o liberalismo. Nisso, Freyre ladeia o ex-integralista Miguel Reale, afora outros reacionários.

A presença dos estados é outro ponto alto do livro, pois as origens diversas dos arenistas são relevantes para o enfrentamento do “tempo de crise” (1964-1975), quando tiveram de ceder espaço à “atuação ostensiva do militares” (p. 46). É a partir daí que Grinberg evidencia, sistematiza e analisa a heterogeneidade vigente na Arena, na sua relação com o Executivo, nos debates sobre sua identidade, suas alas e chefes em disputa, seus dilemas e impasses. Resumidamente, ela explica: “nem todos os militares e políticos que apoiaram o movimento de 1964 desejavam o mesmo modelo de partido. Em segundo lugar, nem todos os governos militares procuraram fortalecer o seu partido” (p. 42).

Esse tempo de crise foi, também para a Arena, uma experiência difícil e angustiante, dividida em quatro fases: 1964-1966 (conspiração e dúvidas), 1966-1968 (incerteza e cisões), 1969-1973 (silêncio e reorganização) e 1974-1979 (abertura política). Como ocorre de suceder nas revoluções, enquanto uns queriam fazer tabula rasa do passado, outros faziam a defesa, às vezes migalhas, dos variados interesses da representação política parlamentar do pré-64, o que indica que Arena e governo “não formavam um bloco monolítico” (p. 48). Em acréscimo ao ai-5 e a episódios de absoluto controle do poder (cassações, nomeações, os recessos do Congresso em 1966, 1968 e 1977), o impedimento da posse do vice-presidente do marechal Costa e Silva Pedro Aleixo na presidência do país, em 1969, marcou o auge do conflito entre governistas, cindidos entre militares e arenistas. Fica assim patente que os militares não eram patriotas idealistas, ludibriados por raposas civis. As decisões centrais do regime, apesar da participação dos civis, foi, muitas vezes, exclusividade dos militares, em particular no que toca à questão institucional, independentemente das disputas internas na Arena, que sempre existiram.

Cumpre-me tecer paralelo entre a agonia da Arena com outras dilacerações. Foi a defesa da autenticidade da representação parlamentar perante o trabalhismo e o comunismo que levou o Congresso a abjurar princípios democráticos em favor do poder militar. Sistemas de inspiração diversa (o Parlamento liberal e o sindicalismo corporativista) passaram por experiências similares. Em nome de sua autenticidade, forças direitistas do pré-64 ganharam dos militares cenários varridos de seus rivais, mas foram depois encurraladas por esses mesmos militares, sendo marginalizadas e fragilizadas, demonstrando pouca competitividade perante seus adversários, quando estes conseguiam se reorganizar. Contudo, de 1978 em diante, se o sindicalismo pró-ditadura saiu abatido, a disputa no sistema partidário teve outro resultado. Não só uma série de casuísmos protegia e promovia a Arena, como também os arenistas lograram acordar de sua depressão, exibindo consigo aquela costumeira astúcia de quem tem prática, recursos e influência.

Partido Político ou Bode Expiatório, de Lucia Grinberg, é um livro poderoso. Encontra seu posto na História do Brasil, além de mudar, qualitativamente, nosso entendimento sobre seu objeto. Dada sua análise habilidosa, abre pontes para sabermos mais da Anistia, dos novos do pós-79, das Diretas Já, e da política no Brasil, tanto ontem como hoje.

Antonio L. Negro – Professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil (negro@ufba.br).

MAPU o la seducción del poder y la juventud. Los años fundacionales del partido-mito de nuestra transición (1969-1973) | Cristina Moyano Barahona

El libro que reseñamos pone en la palestra la política encarnada en las vivencias y configuraciones simbólicas y discursivas de un grupo de sujetos, en uno de los períodos más álgidos de la historia chilena, en el cual se daba “una poco común confluencia de factores de larga y corta duración” (Grez). Es allí que emergió con fuerza juvenil el Movimiento de Acción Popular Unitaria, MAPU. Cristina Moyano, como esboza el título del libro, presenta una investigación en torno a este partido en su período fundacional, dando cuenta de un cúmulo de problemáticas, en las que destacan, la tensión reforma/revolución al interior de las izquierdas, la convergencia cristianismo-marxismo y, a la que la autora da mayor énfasis, la conformación de una cultura política que se mantiene latente en la memoria colectiva, a varios años de la desaparición estructural de este referente. De allí la discusión que hace a Jocelyn-Holt resucitar al MAPU, situándole en posiciones hegemónicas en la administración de Frei Ruiz-Tagle, y encarnando en ellos el paradigma de la renovación (“del avanzar sin transar al transar sin parar”) y el sociólogo Eugenio Tironi que ha oficiado en sus escritos el responso de esta organización (véase como ejemplo el prólogo del libro). Leia Mais