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História das Mulheres e das Relações de Gênero: diálogos e desafios contemporâneos / Crítica Histórica / 2019
Local: País das ideias.
Época: 2019.
Personagens: Seis mulheres, de diferentes países / cidades e gerações. Três delas, renomadas historiadoras conversam entre si, enquanto são escutadas (e interpeladas) por três jovens estudantes do curso de história. Um estudante do mesmo curso, escuta com atenção.
MICHELLE PERROT: As mulheres têm uma história?
JOAN SCOTT: Sim! Você foi uma das primeiras a nos ensinar que as mulheres têm uma história, Michelle. Esta historiografia, que se constituiu em um novo domínio de Clio, se expandiu e se diversificou – não sem conflitos e disputas – desde aquele seu curso inaugural, realizado em Paris, em 1973, com Pauline Schmitt e Fabienne Bock.
JOANA MARIA PEDRO: Joan, se Michelle foi importante para questionar a exclusão das mulheres da historiografia, não podemos nos esquecer do seu papel na discussão do gênero como categoria de análise histórica. No Brasil, suas reflexões foram fundamentais para a emergência da pesquisa das Relações de Gênero. Minha amiga Raquel Soihet, que não pôde comparecer ao nosso encontro de hoje, certamente concordaria comigo.
ADRÍCIA BONFIM: Professoras, qual o lugar das experiências das mulheres negras nessa historiografia?
JULLY ANA: E as mulheres lésbicas, também já têm uma história? ELOÍSA COSTA: Bem, a história das mulheres trans ainda está por ser feita. PAÚLO ARAÚJO: [Escuta com atenção].
MICHELLE PERROT: Minhas amigas Joan e Joana, estimadas Adrícia, Jully, Eloísa, Paulo… “A historia das mulheres mudou. Em seus objetos, em seus pontos de vista. Partiu de uma história do corpo e dos papéis desempenhados na vida privada para chegar a uma história das mulheres no espaço público da cidade, do trabalho, da política, da guerra, da criação. Partiu de uma história das mulheres vítimas para chegar a uma história das mulheres ativas, nas múltiplas interações que provocam a mudança. Partiu de uma história das mulheres para tornar-se mais especificamente uma história do gênero, que insiste nas relações entre os sexos e integra a masculinidade. Alargou suas perspectivas espaciais, religiosas e culturais”.1 Contudo, ainda temos muito a fazer.
O diálogo imaginário acima foi inspirado no diálogo, também imaginário, criado por Natalie Zemon Davis no prólogo do livro “Nas margens”.2 Nesta obra, uma história das mulheres à maneira de Davis, a autora analisa a trajetória de três mulheres do século XVII, Glikl bas Judah Leib, uma judia negociante de Hamburgo, Marie de l’Incarnation, mística que se torna ursulina em Tours e Maria Sibylla Merian, pintora e entomologista protestante de Frankfurt que viaja para trabalhar na América do Sul, para problematizar as margens sociais, religiosas e geográficas que marcavam as experiências das mulheres seiscentistas. Nas páginas de Davis estas mulheres se encontram com o que têm de semelhança e de diferença entre si. Se, parafraseamos a inventividade narrativa de Davis, colocando em diálogo contemporâneo, renomadas historiadoras do campo da História das Mulheres e das Relações de Gênero com jovens alunas / o3 do curso de História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), é para revelar que, assim como no livro “Nas margens”, as experiências históricas das mulheres estão no centro da análise historiográfica da tradução, artigos e resenhas reunidos no atual dossiê da “Crítica Histórica”.
Os textos que o / a leitor / a encontrará nas próximas páginas estão atravessados pela tradição e (re) invenção que o encontro entre as historiadoras (mestras e aprendizes) simboliza. A pergunta feita por Michelle Perrot (“As mulheres têm uma história?”), que deu nome ao curso ministrado pela historiadora, em parceria com Pauline Schmitt e Fabienne Bock, no início da década de 1970, continua ecoando hoje e atravessa as páginas dos textos que compõem este dossiê.
Em “A desobediência epistêmica e as mulheres como sujeitos historiográficos”, Stella Ferreira Gontijo problematiza a relação entre desobediência epistêmica e os estudos que consideram o gênero como uma categoria de análise histórica, destacando como a Teoria Descolonial e o Feminismo Latino-Americano têm transformado a História das Mulheres e das Relações de Gênero.
Regina Trindade, por sua vez, em “Gênero, trabalho e raça: um tripé insidioso de uma precarização histórica” discute a presença e a singularidade das mulheres no processo de produção e reprodução do capital, chamando a atenção, a partir de uma abordagem interseccional, para o caráter cíclico, sexista e racista do capitalismo.
No artigo “Emília Soares do Patrocínio e as pretas minas do mercado do Rio de Janeiro, século XIX”, Juliana Barreto Farias toma a trajetória de Emília Soares do Patrocínio, para discutir como africanas / os da Costa da Mina, conhecidos como pretas / os minas, se inseriam e se organizavam no principal centro de abastecimento de gênero alimentícios do Império brasileiro no século XIX.
Caroline Pereira Leal, no texto “O positivismo e as mulheres no carnaval de Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX”, historiciza as transformações no carnaval de Porto Alegre, no início do século XX, a partir da perspectiva de gênero. De acordo com a autora, a participação das mulheres nos festejo mominos está relacionada à influência do positivismo entre a elite da cidade.
O artigo “Prostitutas e Bebuns: o espaço urbano e os modelos de gênero presentes na Folha do Norte do Paraná (1965-1973)”, de Gessica Aline Silva aborda a constituição das feminilidades e masculinidades transgressoras, a partir dos discursos presentes na coluna policial da Folha do Norte do Paraná entre os anos de 1965 a 1973. A historiadora mostra que prostitutas e bebuns, considerados indesejados, foram os principais alvos dos discursos moralizadores e normatizadores da imprensa.
Cecilia M. B. Sardenberg, em “Mulheres em movimentos de bairro, conscientização feminista e feminismo popular em Salvador, Bahia – anos 1980 e 1990” questiona a dupla invisibilidade (ausência das mulheres e da região Nordeste), que caracteriza a historiografia sobre os movimentos sociais, chamando a atenção em seu texto para a atuação das mulheres do Subúrbio de Plataforma nos movimentos de bairro e de mulheres em Salvador nos anos 1980 e 1990.
A seção de artigos do dossiê é encerrada com o texto “‘A aparência que dá o tom’: gênero, corpo e beleza nas cenas dos filmes Shrek”, de Renata Santos Maia. Nele, Renata Maia investiga algumas temáticas presentes nos filmes Shrek, que abordam as polaridades criadas nos roteiros dos contos de fadas, por exemplo, feiura versus beleza, personagens maus em contraposição aos personagens bons, revelando sua associação às concepções normativas sobre o corpo e a beleza.
Além dos artigos e, como veremos a seguir, da tradução do texto “Outras Reflexões sobre Gênero e Política”, de Joan Scott, este dossiê é composto ainda por duas resenhas de obras historiográficas que discutem, a partir de uma perspectiva de gênero, as experiências travestis em Fortaleza (CE) e a participação de freiras na resistência à ditadura civil-militar. Na resenha de “Travestis: carne, tinta e papel”, de Elias Ferreira Veras, Augusta da Silveira de Oliveira aponta como o historiador problematiza as condições de emergência do sujeito travesti na capital do Ceará, como indício e efeito de um processo subjetivo-temporal, denominado pelo autor, de tempo das perucas e tempo dos hormônios-farmacopornográficos. Por sua vez, na resenha do livro “Do hábito à resistência: freiras em tempos de ditadura militar no Brasil”, da historiadora Carolina Jaques Cubas, José Edson da Silva Santos Junior mostra que não foram poucas as ações de resistência das freiras na ditadura: esconder procurados pela polícia, guardar material considerado subversivo, facilitar fugas de perseguidos, transportar bilhetes e cartas de opositores a dar assistência psicanalítica aos militantes, curar feridos de ações revolucionárias foram algumas delas, investigadas por Cubas e lembradas por Santos Júnior.
Esses trabalhos traduzem os debates4 entre a História das Mulheres e das Relações de Gênero, suas aproximações, distanciamentos, solidariedades e conflitos. Como lembra Joan Scott, se a categoria “mulheres” deve ser objeto de investigação, então o gênero, ou seja, os múltiplos e contraditórios significados atribuídos à diferença sexual pode ser um instrumento útil de análise histórica.5 A presença das categorias “gênero” e “mulheres” nos títulos e abordagens dos textos reunidos no presente dossiê revela que, apesar das tensões, a emergência da História das Mulheres no Brasil está intimamente ligada ao estudo das relações de gênero.6
A leitora e o leitor das páginas seguintes, contudo, não encontrarão somente um conjunto de pesquisas historiográficas recentes, que problematizam as experiências de gênero a partir de temas, abordagens, recortes históricos e geográficos plurais, mas, a tradução de um texto de Joan Scott, publicado originalmente em inglês, em 1999, uma década depois da publicação (em inglês) de “Gênero: uma categoria de análise histórica”.7 Em “Outras Reflexões sobre Gênero e Política”, a historiadora faz uma “reavaliação crítica, ou, ao menos uma revisão e reconceitualização, dos termos que têm sido mais utilizados em nossas análises”, questionando a dicotomia sexo-gênero. Agradecemos à autora pela autorização da tradução neste dossiê, assim como também à Paula Granato, pelo trabalho de tradução. Somos grato / a, especialmente, à revisão técnica realizada por Joana Maria Pedro, que ao ter como horizonte a compreensão do pensamento de Scott por alunas / os da graduação, tornou-o mais próximo de todas / os nós.
Como lembra Joana Maria Pedro, no diálogo imaginário que inaugura esta Apresentação, Michele Perrot e Joan Scott foram (e continuam sendo) importantes para que historiadoras / es questionassem / questionem a exclusão das mulheres da escrita da história e incorporassem / incorporem o gênero como categoria de análise.
Ora, ainda que a História das Mulheres tenha mudado, em seus objetos, em seus pontos de vista. Ainda que tenha se tornado mais especificamente uma história do gênero, que insiste nas relações entre os sexos e integra a masculinidade, como lembra Michelle Perrot,8 tal alargamento permanece marcado por limites temáticos. A interpelação das estudantes Adrícia Bonfim, Jully Ana e Eloisa Costa, respectivamente, sobre as experiências das mulheres negras, lésbicas e trans (travestis e transexuais) simboliza, justamente, tal limite, presente, inclusive, no presente dossiê. A atenção e o silêncio de Paulo Araújo, por sua vez, pretendem significar os desafios – ainda não suficientemente explorados pela historiografia brasileira – da escrita de uma história das masculinidades e do novo (?) lugar dos homens, especialmente, dos historiadores diante da interpelação da universalização e do privilégio do masculino pela História das Mulheres e os estudos de gênero.
O dossiê “História das Mulheres e das Relações de Gênero”, portanto, está atravessado por diálogos e desafios contemporâneos sobre a (re) escrita historiográfica, o (re) dimensionamento do entendimento da mulher como sujeito, a (re) conceitualização do gênero como relação de poder que atravessa a política, a economia, a cultura e o lugar da historiografia como instrumento de justiça e emancipação.
Dona Deise Nunes, mulher negra, professora, militante que, gentilmente, cedeu sua imagem9 participando da marcha #elenão, realizada na capital alagoana em 26 de setembro de 2018 para estampar a capa do nosso dossiê, não teria muito a dialogar com as mestras e as aprendizes de Clio? Questionaria sobre a histórica relação entre História das Mulheres e das Relações de Gênero e os feminismos? Perguntaria sobre como essas pesquisas históricas, desenvolvidas no entremuros das universidades, afeta a vida das mulheres “comuns”? Convocarias as historiadoras para marcharem juntas, de modo que o diálogo se daria não em uma possível sala de aula, palestra ou curso, mas na rua?
As historiadoras, as estudantes, Dona Deise Nunes, as autoras dos textos deste dossiê não nos deixam esquecer de que a crítica feminista, cuja emergência dos estudos sobre as mulheres e o gênero é herdeira, além de contribuir para a reescrita da historiografia, também pretende redistribuir os espaços de justiça de gênero no presente, imaginando outros futuros. Tarefa urgente, particularmente no atual contexto brasileiro, marcado pelo avanço do ultraconservadorismo político-religioso, pela ascensão do modelo mulher “mulher bela, recata e do lar” e “princesa” que veste rosa, pelo reforço de discursos e práticas machistas, racistas e LGBTfóbicas, pela demonização da militância (feminista, negra, LGBT) e da Universidade, especialmente dos cursos de ciências humanas, como a História. Tarefa necessária, que esperamos, os encontros promovidos neste dossiê possam, de algum modo inspirar e fortalecer.
Por fim, não podemos deixar de agradecer às professoras Irinéia Franco e Michelle Reis, editoras da “Crítica Histórica”. O trabalho delas possibilitou que você, leitora / leitor tenha em mãos os diálogos e desafios contemporâneos da História das Mulheres e das Relações de Gênero no Brasil.
Boa leitura!
Notas
1. PERROT, Michele. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2019, pp. 13-14.
2. DAVIS, Natalie Zemon. Nas margens: três mulheres do século XVII São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
3. As / o estudantes citadas / o no diálogo integram a graduação dos cursos de História (Licenciatura e Bacharelado) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), fazendo parte também do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Gênero e Sexualidade (GEPHGS), da mesma instituição. Suas pesquisas de conclusão de curso, atualmente em andamento, analisam o movimento feminista, as experiências lésbicas, travestis e transexuais e as relações entre (homo) sexualidade e classe, a partir de uma perspectiva interseccional (gênero, sexualidade, raça e classe).
4. Referência ao artigo: PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, 2005, vol.24, n.1, pp.77-98.
5. Para uma abordagem da História das Mulheres e da categoria gênero como possibilidades de transformação da historiografia, ver da autora: SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.16, n.2, jul / dez., 1990, pp.5-22; SCOTT, Joan. História das mulheres. In: BURKE, Peter. (org.) A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo, Unesp, 1992, pp.64-65.
6. Para uma análise da emergência da pesquisa da História das Mulheres e das Relações de Gênero no Brasil e das apropriações das categorias “mulher”, “mulheres”, “gênero” e “sexo”, conferir: SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana M. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero. In: Revista Brasileira de História, n.54, v. 27. 2007; PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate… Op. Cit.
7. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica… Op. Cit.
8. PERROT, Michele. Minha história das mulheres… Op. Cit., pp. 13-14.
9. Não conseguimos identificar o / a autor / a da foto até a publicação do dossiê. Qualquer informação sobre a mesma, escrever para o e-mail da revista: revista.criticahistorica@gmail.com
Maceió, 04 de agosto de 2019.
Elias Ferreira Veras – Departamento de História – Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Raquel de Fátima Parmegiani – Departamento de História – Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
VERAS, Elias Ferreira; PARMEGIANI, Raquel de Fátima. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 10, n. 19, julho, 2019. Acessar publicação original [DR]
História Medieval / Crítica Histórica / 2013
A abertura que o historiador tem dado, atualmente, às desconstruções das narrativas historiográficas, permitiu uma desterritorialização dos estudos sobre o medievo, abrindo possibilidade para uma história medieval vista a partir de outros continentes e de outros olhares que não o europeu. As perspectivas de estudo sobre este período na América Latina tem mostrado propostas interessantes de (des)construção historiográfica e reflexões que muito tem contribuído para a noção de “história como problema”, tão cara a Marc Bloch.
Os artigos que constituem este dossiê são uma amostra expressiva desta produção e do espaço que a história medieval tem alcançado dentro da historiografia brasileira. Cobrindo o período que vai deste o V século até o XVII, os trabalhos aqui publicados versam sobre problemáticas que atingem o campo da religiosidade, de gênero, da cultura, da política e do pensamento, deixando à mostra os interesses de pesquisa dos vários laboratórios que têm se articulado ao longo dos últimos anos no país e que em muito têm contribuído para essa fase frutífera da historiografia medieval brasileira.
O presente Dossiê de História Medieval, e sétimo número da Revista Crítica Histórica, é organizado por um destes laboratórios, o VIVARIUM – Laboratório de Estudos da Antiguidade e do Medievo – Núcleo Nordeste. Nosso objetivo aqui não é somente possibilitar o debate intelectual proposto pelos artigos, mas fortalecer uma rede de pesquisadores preocupados com a produção historiográfica elaborada no campo da medievalística na região Nordeste do país e da sua articulação às demais regiões.
Dentro desta perspectiva, procuramos dar espaço às pesquisas que estão sendo produzidas a partir das discussões historiográficas que fomentam esses laboratórios de estudos medievais e que num movimento de contínua troca de conhecimento acadêmico, cruzaram as mais diversas regiões do país, chegando até nós por meio dos textos dos autores aqui publicados.
Nosso dossiê inicia-se com um artigo que é exemplo dessa troca de conhecimento apontada acima. Paulo Duarte Silva da UFRJ e Bruno Gonçalves Álvaro UFS, fazem juntos uma interessante discussão acerca da atuação dos representantes das sedes episcopais de Alexandria e Hipona entre os séculos IV e V, a partir dos filmes Agostino d´Ipona (Itália, 1972) e Ágora (Espanha, 2009), que permitem comparar as diferentes formas e características da atuação bispal. Em seguida, Pâmela Torres Michelette busca compreender a elaboração da concepção da Realeza católica na Hispânia Visigoda, a partir da análise das ideias políticas de Isidoro de Sevilha. Partindo da análise da obra Vitas Sanctorum Patrum Emeretensium, hagiografia do período visigodo redigida por um autor anônimo no terceiro decênio do VII século, Germano Miguel Favaro Esteves dedica-se à interessante análise da figura do Diabo e suas representações na obra Incipt vita vel virtutibus sancti Masonae Episcopi (Vida e Virtudes do Santo Bispo Masona). Segue-se o artigo de João Charrone, que propõe uma discussão sobre as hagiografias de Venâncio Fortunato, tratando questões como a autenticidade e o público alvo das obras do autor, além de discutir as funções e o papel do hagiógrafo medieval. Já Munir Lutfe Ayoub realiza uma análise dos salões de culto e banquetes no espaço escandinavo, buscando compreender suas atribuições na formação dos espaços religiosos e políticos na Escandinávia do período viking. Partindo para a Idade Média Central e Baixa Idade Média, o artigo de Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva nos apresenta uma agradável discussão de como a versão narrativa elaborada pelo franciscano Juan Gil de Zamora de um tradicional milagre ganha sentido em um contexto específico, o Reino Castelhano-leonês no século XIII, por meio das representações do Diabo e do Judeu. Ainda tratando do tema das hagiografias, Renata Cristina de Sousa Nascimento busca analisar os elementos presentes na construção discursiva no relato Martyrium et gesta infantis domini Fernandi que justificam ao papado a canonização do primeiro santo dinástico, durante as conquistas em África no século XV. Marcelo Pereira Lima apresenta uma discussão que parte da interseção entre a História Institucional do Direito e os Estudos de Gênero, para pensar as masculinidades clericais representadas nas legislações elaboradas no reino de Castela e Leão, do século XIII. Em seguida, Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior traz uma singular discussão acerca da maneira pela qual Giambattista della Porta lidou com a chamada comunicação secreta dentro das obras De Magiae Naturalis e De furtivis Literarum Notis vulgo De Ziferis – Libri III, mostrando a importância da concepção de universo e das forças esotéricas nos mecanismos pensados por Della Porta na utilização de técnicas de comunicação secreta. Adriana de Souza Zierer apoia-se na análise da novela anônima A demanda de Santo Graal para pensar as principais características dos cavaleiros e seus papéis na sociedade medieval, a partir da análise de vários personagens da narrativa. Em seguida, trazemos o artigo de Anderson D´Arc Ferreira, visando um importante aspecto do pensamento medieval, a filosofia, no qual o autor busca retomar os principais elementos pelos quais o filósofo Tomás de Aquino trata do problema acerca da possibilidade do intelecto humano adquirir conhecimento sobre Deus. Carlos J. Rodríguez Casillas retrata o enfretamento político-religioso entre o Mestre de Alcântara, Yáñez de Barbudo, com o reino de Granada, em 1394, mostrando como tal fato influenciou na desestabilização política entre os reinos castelhano e nazarí. Já Luciano José Vianna realiza uma tentativa de identificar os significados da plenitude do poder para Marsílio de Pádua no capítulo XXIII de sua obra O Defensor da Paz, bem como a sua utilização pelo bispo de Roma, apontando para uma rica discussão sobre a luta entre o poder temporal e espiritual no medievo. Por fim, o artigo de Leandro Duarte Rust fecha o Dossiê de história medieval, trazendo uma intrigante discussão a respeito das implicações intelectuais que o uso da terminologia antipapa carrega na historiografia sobre a Idade Média, principalmente com relação aos conflitos de poder e relações sociais decisivas para a constituição política da Sé Romana e da Cristandade.
Na seção Documentos, trazemos a tradução do excerto “Diatribes 12 e 13 de Musônio Rufo: Sobre coisas relativas a Afrodite e Casamento”, traduzido pelo professor Aldo Dinucci, da Universidade Federal de Sergipe. O documento, escrito por Caio Musônio Rufo – estoico do primeiro século e mestre de Epicteto – trata de questões relativas ao sexo e ao casamento, ambos sob o prisma do estoicismo romano.
Por fim, nosso dossiê encerra-se com duas resenhas: a primeira delas trata do livro de Gary Ferngren, Medicine & Health Care in Early Christianity, que versa sobre a relação entre o cristianismo dos séculos I e IV e a medicina grega, texto feito por Bruno Uchoa Borgongino; a segunda, escrita por Marcos Cruz, nos instiga a ler o livro do historiador Ruy de Oliveira Andrade Filho, Imagem e reflexo. Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (séculos VIVIII), no qual este autor dedica-se a análise das articulações entre religiosidade e a montagem da monarquia católica visigoda, após a conversão de Recaredo.
Esperamos, assim, que o presente número possa contribuir com a produção do conhecimento acerca do medievo no Brasil, ao mesmo tempo em que agradecemos as contribuições dos autores para esta edição, e dentre elas, a gentil colaboração dos participantes da rede Vivarium, região Nordeste, Bruno Álvaro e Marcelo Pereira Lima.
Raquel de Fátima Parmegiani – Professora Doutora.
Roberta Miquelanti – Professora Mestre.
MIQUELANTI, Roberta; PARMEGIANI, Raquel de Fátima. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 4, n. 7, julho, 2013. Acessar publicação original [DR]