Posts com a Tag ‘Outrora (Ot)’
Mulheres e Poder: um manifesto | Mary Beard
É notório que durante muito tempo de nossa história as mulheres não possuíram uma voz pública. Mantidas no âmbito doméstico, privado, em silêncio, por muito tempo nos indagamos se teriam mesmo as mulheres uma história. No entanto, a ampliação do campo da História das Mulheres nos faz constatar que elas sempre estiveram presentes na História: basta olhar com cuidado para as entrelinhas. Surgindo na década de 1960 e ganhando notoriedade ao longo dos trinta anos seguintes, compreendemos a História das Mulheres como um campo de estudo atualmente consolidado.
Já inserida no atual contexto de consolidação e discussões historiográficas, filosóficas e também presente no âmbito das ciências sociais, Mary Beard publica, em 2018, o livro “Mulheres e Poder: um manifesto”, uma adaptação de duas palestras ministradas por ela nos anos de 2014 e 2017. Beard é uma autora inglesa com formação em artes e filosofia voltada para o período clássico. Sob essa ótica, utilizando dos exemplos das Antiguidades grega e romana, a autora tem por principal objetivo demonstrar em que medida os mecanismos de silenciamento e cerceamento feminino permanecem incorporados na sociedade ocidental dos dias atuais. Leia Mais
O mundo se despedaça | Chinua Achebe
Esta resenha tem como objetivo analisar o impacto do colonialismo a partir da obra ficcional O mundo se despedaça (1958), do escritor nigeriano Chinua Achebe, entendendo a importância do culto à ancestralidade para o povo ibo, por meio da análise dos personagens principais da obra: Okonkwo, Nwoye e Ezeudu. Num instigante romance nigeriano, escrito dois anos antes da independência do país de origem do autor, Achebe não só constrói uma história para os atores em questão, como utiliza-os para fazer-nos entender sobre o período de colonização do continente africano. Desse modo, torna-se possível analisar questões coloniais e pós-coloniais a partir da identidade em torno desse povo e os impactos do colonialismo.
É valido esclarecer, entretanto, que tal escolha – tema e obra – não se pauta numa arbitrariedade, e sim num constante incômodo suscitado pela leitura do texto, acentuado pela relevância de uma temática tão cara para a modernidade: a de entender o(s) impacto(s) da colonização nas mais diversas regiões e o quanto as tradições religiosas dos colonizados foram atingidas pela violência colonial. Leia Mais
The Plantation Machine: Atlantic Capitalism in French Saint-Domingue and British Jamaica | Trevor Burnard e John Garrigus
The Plantation Machine: Atlantic Capitalism in French Saint-Domingue and British Jamaica expõe, por meio de uma história comparada, as similaridades entre São Domingos e Jamaica. A obra, escrita por Trevor Burnard e John Garrigus, – ambos especialistas em Jamaica e São Domingos, respectivamente – mostra como as possessões caribenhas se assemelhavam em sua configuração social e econômica, mesmo que administradas por uma França absolutista e por uma Inglaterra parlamentarista. Escrita a quatro mãos, o livro é o que se tem de mais atual na bibliografia recente sobre as histórias dessas duas colônias e tem aquele ar clássico de uma produção acadêmica que marcará época na bibliografia atual e futura sobre o sistema mercantilista atlântico.
O recorte cronológico escolhido pelos autores cobre o período de 1740 a 1788, momento de acelerado crescimento da produção açucareira nessas duas colônias. Os autores também identificam Jamaica e São Domingos como integrantes de suma importância para suas metrópoles na integração econômica global e sua inserção no funcionamento do Capitalismo Atlântico do século XVIII. Leia Mais
Reversed Gaze: An African Ethnography of American Anthropology | Mwenda Ntarangwi
Quão diferente é a vida do antropólogo “em casa”, se comparada à compartilhada por ele nas etnografias e memórias de campo? Como estudantes de antropologia navegam pelos desafios da etnografia durante o treinamento que precede a ida ao campo? Como os antropólogos interagem nas reuniões anuais de trabalho? Seriam eles tão alienados e hostis com relação às suas culturas ocidentais que compensam pela idealização de outras culturas? Essas são algumas das questões que animam o queniano Mwenda Ntarangwi – Professor Associado de Antropologia na Calvin College, EUA – em sua jornada ao “coração da antropologia”.
Em Reversed Gaze: an African Ethnography of American Anthropology o enfoque é dirigido às subjetividades de antropólogas e antropólogos, bem como suas práticas nos departamentos de antropologia, encontros profissionais, salas de aula e na escrita etnográfica, em uma tentativa de etnografar a prática antropológica “em casa”. Essa abordagem é justificada como forma de revelar o “outro lado” da antropologia, usualmente invisível nos artigos científicos, etnografias e memórias de campo. É nesse sentido que Ntarangwi propõe uma “reversão do olhar”, utilizando as ferramentas da antropologia para, do ponto de vista de um africano treinado nos EUA, realizar uma análise da antropologia e da cultura ocidental. Leia Mais
Santos Fortes: Raízes do Sagrado no Brasil | Leandro Karnal e Luiz Estevam de O. Fernandes
A proposta do livro é oferecer ao leitor características pertinentes de alguns santos canonizados institucionalmente e outros que fazem parte de uma devoção, apesar da não canonicidade institucional, apresentados em: São Jorge; São Sebastião; São Judas Tadeu; São Longuinho e Santo Expedito; Maria, Marias; São Francisco de Assis; São João, Santo Antônio; Santa Bárbara e Santos fora do altar. Estes são alguns, dentro de milhares do panteão católico, que influenciaram profundamente a nacionalidade brasileira, sejam em localidades específicas ou de um impacto majoritário na memória e vida cotidiana das pessoas devotas. Deste modo, os historiadores Leandro Karnal e Luiz Estevam destacam, fazendo um trabalho de buscar nas origens históricas da vida destes santos, o poder da entrega no simbólico e material que há nas relações religiosas do povo brasileiro com os santos católicos.
No primeiro capítulo São Jorge: salve, santo guerreiro!, é apresentado um panorama histórico da vida do santo, nascido na Capadócia, região da atual Turquia, e sido criado na região de Lida, hoje Estado de Israel. Durante a profunda perseguição do imperador Diocleciano, a última que o cristianismo sofreria, Jorge foi martirizado. No entanto, sua imagem fica atrelada a uma narrativa imaginativa, pois convencionou definir o santo como aquele que enfrentou um dragão com seu cavalo branco. Historicamente, de acordo com um dicionário da santidade realizado por especialistas em santos, é narrado que numa cidade ao norte da África havia um dragão que atacava a todos, e, por fim, restava a filha do rei para ser devorada. Sendo assim, é narrado o episódio: Leia Mais
Direita e Esquerda: Razões e significados de uma distinção política | Norberto Bobbio
Não se passou muito tempo desde quando podíamos ouvir a pergunta: “Mas ainda existe a direita?”. Após a queda dos regimes comunistas, ouve-se aflorar com a mesma malícia a pergunta inversa: “Mas ainda existe a esquerda?” (p.63)
A discussão sobre o significado de direita e esquerda é algo muito presente em nossa contemporaneidade, sobretudo para brasileiros que vivem um momento de polarização política. Contudo, esta temática pode ser observada em tempos precedentes, a fim de identificar um alinhamento político e identificar os sujeitos com uns ou outros princípios. A epígrafe, a qual abre este trabalho expressa uma dúvida quanto a continuidade da existência da direita e da esquerda em diferentes períodos históricos, além de colocar a díade direita-esquerda sobre o escrutínio que visa identificar se os dois opostos realmente “não tem mais nenhuma razão para ser utilizada”2. É diante deste quadro que a obra de Norberto Bobbio se inscreve, ratificando o compromisso com a tentativa de estabelecer uma diferenciação entre direita e esquerda. Leia Mais
O Negro no Livro Paradidático | Fernando Santos de Jesus
Antes da aplicação e sistematização da Lei 10.639/03 – a qual visa instituir a obrigatoriedade dos conteúdos de História e Culturas Afro-Brasileira e Africana nos currículos de todos os níveis de ensino do país – ainda no século XX, muitos intelectuais negros já questionavam as maneiras pelas quais a população negra era representada na literatura, nas artes e sobretudo, midiaticamente. Levava-se em consideração o histórico recente das teorias racialistas que perpassaram desde o fim da abolição, os debates políticos e intelectuais que, de modo direto, subalternizaram e desumanizaram os africanos e seus descendentes no país.
Tais pressupostos científicos foram elaborados a partir de instituições e políticos renomados que tinham ligações diretas com a aplicação de políticas públicas, tendo como uma das principais consequências a consolidação de estereótipos sobre os negros. Tal como, nas escolas de medicina do Rio de Janeiro, os estudiosos concentravam-se em temas como degenerescência e doenças tropicais associados às pessoas negras (SCHWARCZ, 1993). Leia Mais
Mulheres/ Violência e Justiça no século XIX | Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues
Mulheres, Violência e Justiça no século XIX (2016) tem como objetivo introduzir os leitores a uma temática histórica inovadora e complexa. Resultado da tese de doutorado da historiadora Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues, o livro trabalha com questões de violências e justiça no cotidiano imperial, numa província pouco explorada pela economia na época e também pela historiografia, o Mato Grosso (1830-1889). A historiadora aborda em sua tese as convivências sociais e os múltiplos fatores que levavam essas violências (físicas e simbólicas) aos gêneros femininos e masculinos na região do sul do Mato Grosso durante o segundo período imperial. Para isso, Rodrigues utilizou de fontes diversas, incluindo inventários, documentos jurídicos e de viajantes para tentar compreender a complexidade cultural e social que a região possuía na época.
Como metodologia de análise histórica, a historiadora recorre à interdisciplinaridade acerca do conhecimento empírico e noções teórico/metodológicas de outras ciências (medicina legal, legislação) para compreensão, por exemplo, de violências sexuais. Ademais, enfatiza as relações de gêneros enquanto relações de poder exercidas pelas dominações masculinas, resistências e das próprias instituições legais como produtoras de formas específicas de poder (2016, p. 26). Leia Mais
História da fala pública: uma arqueologia dos poderes do discurso | Jean-Jacques Courtine e CArlos Piovezani
A fala pública foi, no decorrer da história, um lugar privilegiado do exercício da autoridade e influência sobre as mais diversas sociedades. Seguindo a premissa proposta por Michel Foucault – de que o discurso não é tão somente o veículo, mas sim o objeto do desejo, aquilo pelo que se luta2 – os autores Carlos Piovezani, da Universidade Federal de São Carlos, e JeanJacques Courtine, das Universidades de Auckland, da Califórnia e da Sorbonne Nouvelle, organizaram o livro “História da fala pública: uma arqueologia dos poderes do discurso.”
Trata-se de uma obra coletiva com uma proposta ambiciosa que, como indicamos nas páginas abaixo, esbarra em limitações práticas. O livro é dividido em onze capítulos (contando-se a introdução escrita pelos dois organizadores) e três partes que definem os recortes temporais trabalhados. A obra reúne textos de dez autores, sendo três deles professores de universidades brasileiras e os demais atuantes no exterior. O livro opta por uma abordagem interdisciplinar, pelo aporte dos estudos históricos, linguísticos e literários. Leia Mais
Malcolm X – Uma vida de reinvenções | Manning Marable
Malcolm X – Uma vida de reinvenções, do historiador William Manning Marable, é uma biografia decisiva – embora não definitiva – para quem deseja entender a trajetória de um dos maiores líderes políticos negros dos EUA: um afro-americano muçulmano com passagem pelo crime, que dedicou sua vida a expor e combater o racismo presente em todas as camadas da sociedade norte-americana.
Com exceção da Autobiografia de Malcolm X, lançada pela editora Record em 1992, Malcolm X – Uma vida de reinvenções foi a primeira biografia a ser trazida para o Brasil, tendo sido traduzida pelo jornalista Berilo Vargas e publicada pela Companhia das Letras em 2013. Existem várias outras biografias, como The Death and Life of Malcolm X, de Peter Goldman, On the Side of My People: A Religious Life of Malcolm X, de Louis A. DeCaro Jr., ou Malcom X: In Our Own Image, de Joe Wood. Leia Mais
Noturno do Chile | Roberto Bolaño
O aclamado Roberto Bolaño, na época com 47 anos, lança em 2000 o livro Noturno do Chile. Bolaño, nascido em 1953, em Santiago do Chile2, tem 12 obras traduzidas para o português3 e mais de 20 obras em sua língua de origem4, distribuída por todo o mundo. Em 1968, foi com a família para o México. Com ideias revolucionárias, retorna ao Chile em 1973 e é preso após o golpe de mesmo ano. Seguiu para o exílio em El Salvador, voltou ao México e finalmente assentou-se na Espanha em 19775 até sua morte em 2003.
A obra Noturno do Chile é contada em apenas dois parágrafos, sob a narrativa de 1ª pessoa, a vida do religioso, soberbo e como Bolaño dita: lamentável6, padre Sebastián Urrutia Lacroix, um crítico literário, escritor e padre, que delirante em seu leito de morte confronta-se consigo mesmo os erros e acertos do passado, que revela em uma fomentada e quase polêmica voz a sua conduta, que pouco condiz com sua batina, ou sua carapuça, como o próprio diz. Isso pode ser visto quando o personagem repudia camponeses por sua feiura e até a velhice de seu amigo, que o induziu ao mundo intelectual, o crítico literário e amigo pessoal de Pablo Neruda, Farewell. Há também uma culpa impregnada na narrativa, que nos é permitida sentir pela figura do jovem envelhecido, que provoca e aborrece o doente padre: é o próprio, debochando de seu estado atual. Leia Mais