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A greve de 1917 – Os trabalhadores entram em cena | José Luiz Del Roio
José Del Roio constrói sua narrativa a partir da leitura de historiadores especialistas em História Política, Social e Econômica, ligados ao movimento dos operários no Brasil, como Michael Hall e Suely Robles Reis de Queiroz a militantes intelectuais que viveram no período, como Everardo Dias e Astrojildo Pereira. Além disso, utiliza em seu arcabouço historiadores como Edgar Rodrigues, que se dedicaram aos estudos do anarquismo no Brasil, um campo que ainda carece de estudos e debates, sendo subjugado por uma memória oficial. Neste sentido, Del Roio dará voz a esses sujeitos anarquistas em seu livro “A greve de 1917 – Os trabalhadores entram em cena”, (São Paulo: Alameda, 2017).
Com relação às fontes empregadas pelo escritor, mas antes propriamente de indicá-las, é necessário relatar a relação entre o autor e elas. José Del Roio, radialista, ativista do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na década de 60 e fundador, junto a Carlos Marighella, da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi um dos que possibilitou a preservação do acervo de Astrojildo Pereira, durante o regime de ditadura militar. O acervo contém vários documentos reunidos sobre o “Movimento operário no Brasil”, folhetos, reportagens de jornais da época, canções, convocações e comunicados do Comitê de Defesa Proletária (CDP), que hoje permanecem no Centro de Documentação e Memória (CEDEM), em São Paulo e que foram utilizados como fontes para o livro.
Diante disso, em meio a um cenário brasileiro contemporâneo, marcado por passeatas, greves gerais e paralisações de várias categorias, no qual há luta por mais transparência política e direitos básicos dos trabalhadores, o livro escrito por José Luiz Del Roio cumpre papel relevante na divulgação de um acontecimento. Fenômeno que há cem anos sinalizaria o início das movimentações sindicais e da organização popular em torno de melhorias nas condições de trabalho do operariado paulista. O autor nos leva, através de sua interpretação, à análise e imaginação ao mundo dos trabalhadores nos bairros Brás, Mooca, e outros de São Paulo, que para ele representou a máxima do movimento sindicalista revolucionário, mas também o início de sua decadência.
Em sua obra, dividida em cinco capítulos, que totalizam cerca de 130 páginas, José Luiz Del Roio busca traçar, inicialmente, os elementos históricos que antecedem a eclosão dos protestos, modificações sociais em São Paulo que, desde o final do século XIX, possibilitaram um crescimento demográfico e industrial na cidade. Decorrente dessas transformações há consequências fundamentais ao contexto da greve. A vinda de imigrantes europeus após a abolição da escravatura, que circunscreveu a formação de uma mão-de-obra ainda com resquícios da escravidão e que, portanto, foi submetida muitas vezes ao trabalho compulsório, fator que elevou ainda mais a pauperização das relações de trabalho. Simultâneo a isso, o aumento e mudança de produção para suprir demandas durante a Primeira Guerra Mundial, o crescimento desordenado destas fábricas e das condições precárias impostas aos trabalhadores acabam propiciando o surgimento de movimentos anarquistas e anarcossindicalistas como resistência a este panorama, tornando-se alvo de discussão do autor no capítulo dois. Segundo o autor, o anarcossindicalismo, apresentando-se como uma cisão anarquista dos sindicatos socialistas, obteria uma atuação mais ampla e direta a favor do operariado através de uma luta mais insurrecional.
No capítulo três há uma maior ênfase na descrição pormenorizada destes protestos e de casos e indivíduos específicos que atuam no desenrolar das paralisações. O autor traz luz às dificuldades e toda a repressão que os grevistas passaram por parte do Estado. Também ganha destaque do escritor a contribuição dos jornalistas à greve, inclusive nas intermediações das negociações, uma vez que a maioria dos diretores do Comitê de Defesa Proletária eram vinculados a estes meios, a exemplo de Edgard Leuenroth, condutor de um meio de comunicação anarquista, a Plebe.
Por fim, nas últimas duas divisões do livro há elaboração de um balanço do movimento, entretanto, se por um lado são destacados os ganhos que o operariado adquiriu e a repercussão que a greve teve em outras regiões do país, por outro são elencadas as sucessivas ações repressivas que sofreram os líderes grevistas após julho de 1917, a estruturação de um sindicalismo moderno advindo da cisão do movimento anarquista no Brasil, além do montante de mortos e desaparecidos nos conflitos, dados que só podem ser discutidos pelo escritor por meio de fontes extraoficiais, visto que os anúncios e denúncias de desaparecidos geralmente eram publicados somente nos jornais anarquistas.
A resistência contra o Estado e a oficialidade dos fatos é algo marcante que permeia toda a obra de José Del Roio. Ele coloca os trabalhadores de 1917 como sujeitos ativos na luta pelos seus direitos e que resistem às forças em contraposição ao seu movimento. O autor faz parte dessa resistência que ainda permanece, também pela escolha de uma documentação não oficial. Apesar de não haver muito sobre as personagens femininas que participaram da greve – o que o autor reconhece e justifica devido à falta de uma documentação – elas são mencionadas como significantes, e as fotografias trazidas ao final do livro as mostram atuantes nas manifestações. Ele não as esquece, assim como também os anarquistas ou os mortos em confronto com a polícia. Logo, a história a contrapelo torna-se aqui presente.
Por fim, torna-se relevante neste trabalho de Del Roio o resgate da greve de 1917 a partir da demonstração das relações deste fenômeno histórico com o movimento anarquista. Evidenciar a relevância desta influência, que adveio da Europa, principalmente através dos imigrantes italianos, ressalta as relações culturais e sociais entre estes e o operariado brasileiro, corroborando o ecletismo dos trabalhadores paulistas no início do século XX. Atitude metodológica que apresenta esses sujeitos históricos de forma complexificada, demonstrando como compreendiam e sintetizavam os ideais anarquistas, aplicando-os em suas visões de mundo e no cotidiano em prol da luta social.
Deste modo, a obra atende bem ao seu propósito, pois a condensação das ideias em um livro menor e a utilização de uma linguagem acessível acabam permitindo uma exposição da greve de 1917 para além do âmbito acadêmico, atingindo um público mais amplo. Da mesma forma, o anexo de fontes ao final do livro, que contém de imagens à recortes de jornais anarquistas, também agrega para um maior envolvimento da obra com um público mais leigo, que talvez não fosse ter acesso a tal documentação por outros meios. Portanto, mesmo o autor não sendo historiador, sua experiência de vida, aliada à apresentação recorrente das fontes pelas quais Del Roio não se abstém, enriquece seu trabalho como pesquisa.
Kauana Silva de Rezende – Estudante do 7º período do curso de História (Licenciatura e Bacharelado) na Universidade Federal do Paraná
Pâmela de Souza Oliveira – Graduada em História (Memória e Imagem) pela Universidade Federal do Paraná.
DEL ROIO, José Luiz. A greve de 1917 – Os trabalhadores entram em cena. São Paulo: Alameda, 2017. Resenha de: REZENDE, Kauana Silva de; OLIVEIRA, Pâmela de Souza. Cadernos de Clio. Curitiba, v.8, n.2, p.135-139, 2017. Acessar publicação original [DR]