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Os estudos de Ásia e do Oriente no Brasil: objetos, problemáticas e desafios / Faces da História / 2019
A proposta desse dossiê partiu de um desafio e da busca de respostas a uma pergunta complexa: existem estudos de História da Ásia e do Oriente no Brasil? Se a resposta a essa pergunta fosse positiva, outras perguntas desafiadoras surgiriam: quais seriam os objetos, problemáticas e desafios enfrentados pelos pesquisadores de nossas universidades que se aventuram em um campo de estudos que, à primeira vista, carece de interlocutores, acesso às fontes, definição de temas e metodologias adequadas? Quais seriam as concepções de Ásia e de Oriente dos possíveis pesquisadores dessas temáticas? Em quais períodos essas pesquisas estariam centradas?
A repercussão positiva dessas perguntas desafiadoras veio com o grande número de propostas para a composição desse dossiê, bem como a diversidade temática, espacial e temporal das pesquisas realizadas por jovens pesquisadores de diferentes instituições brasileiras. Ao mesmo tempo, outro desafio seria compreender como temas tão diferentes dialogariam nesse dossiê, pois não poderiam ser agrupadas simplesmente pelo componente geográfico (as subdivisões asiáticas) ou pelo componente cultural (o Oriente e o orientalismo), nem simplesmente pelo recorte temporal (dos séculos XVI aos temas contemporâneos).
Levando essas questões em consideração, os artigos foram agrupados em blocos temáticos. O primeiro deles compreende quatro artigos referentes à Índia (Goa), ao Ceilão e ao Japão a partir da presença das missões religiosas entre os séculos XV e XVI como forma de reafirmação da presença portuguesa no Oriente, as reações contrárias e as hibridizações possíveis.
No artigo “Para favorecer a cristandade: as iniciativas de coerção à conversão dos órfãos em Goa (1540-1606)”, com autoria de Camila Domingos Anjos, foi analisada uma coletânea de cartas e alvarás de reis de Portugal e de vice-reis do Estado da Índia, reunidas e organizadas no Arquivo Português Oriental, referentes às legislações e às estratégias dos agentes coloniais portugueses na catequização de jovens menores de 14 anos de idade, considerados passíveis de serem moldados, educados, disciplinados e aperfeiçoados na fé católica.
Já em “Um catolicismo possível: a Congregação do Oratório de Goa e sua inserção no Ceilão holandês”, Ana Paula Sena Gomide acessou a documentação dessa instituição religiosa para analisar a importância da ação dos oratorianos, formados por um clero mestiço, na manutenção, revitalização e sobrevivência do catolicismo no Ceilão, que passou do domínio português para o domínio holandês, calvinista e anticatólico.
Em outra vertente, Renata Cabral Bernabé, no artigo intitulado “A formulação do discurso anticristão no Japão dos séculos XVI-XVII”, analisou a promulgação de éditos anticristãos emitidos pelo governo japonês que tratavam da expulsão dos missionários e da proibição da prática religiosa cristã no território. Ainda que o cristianismo não tenha desaparecido do Japão, tal legislação foi responsável pelo fim da atividade missionária europeia assim como contribuiu para dificultar o intercâmbio com países ocidentais católicos, numa clara relação com a centralização política do Japão iniciada em meados do século XVI e consolidada no século XVII.
Finalizando esse bloco, o artigo de Laís Viena de Souza, “Os panditos e os jesuítas. Indícios da medicina ayuvérdica nos colégios da Companhia de Jesus no Estado da Índia (séculos XVI-XVIII)”, utiliza a documentação inaciana para discutir a presença na ordem religiosa de médicos indianos vaidyas, chamados de panditos pelos jesuítas, bem como tratar dos embates, das assimilações, da apropriação, e da hibridização da medicina ayurvérdica com os preceitos hipocráticos-galênicos que circulou pelo Império Português na era moderna.
O segundo bloco temático reúne mais quatro artigos cujo ponto em comum é a abordagem da temática acerca do Oriente Médio, Norte da África e o Islamismo no Brasil a partir de fontes documentais brasileiras. Frederico Antônio Ferreira em “Relações entre o Brasil e o norte da África no século XIX: migração e comércio” acessou os documentos da chancelaria brasileira custodiados pelo Arquivo Histórico do Itamaraty no Rio de Janeiro, referentes às relações externas do então Império Brasileiro com países do norte da África no contexto da proibição do tráfico de escravos, do incentivo à imigração e do crescimento da economia cafeeira.
“Conexões Rio de Janeiro-Cairo: possibilidades analíticas acerca das relações Brasil-Egito a partir da imprensa escrita (1950-1954)” de Mateus José da Silva Santos mantém o olhar sob as relações diplomáticas entre o Brasil e o Egito no início dos anos 1950, analisando um conjunto de textos publicados no periódico baiano A Tarde para tratar tanto do protagonismo dos dois países em seus respectivos continentes como para compreender a intersecção de seus interesses na ordem econômica e política mundial fora do eixo Europa, Estados Unidos e América Latina.
Já Felipe Yera Barchi em seu artigo “Referências Bibliográficas sobre o Islã no Brasil: um estudo de caso dos livros didáticos de Gilberto Cotrim e Cláudio Vicentino” centra-se na análise da forma como o Islã, e temas relacionados ao país, são abordados nos livros didáticos de História em nosso país e, entre suas conclusões, verifica-se uma cristalização da história do Islã nos títulos didáticos analisados pelo autor, a despeito das revisões feitas nas obras.
Por sua vez, Bruno Bartolo do Carmo, em “Memórias do Café Árabe: costumes, ritos e modos de preparo em narrativas de sírios e libaneses em São Paulo (1970-2019)”, oferece-nos as tradições e os rituais do preparo do café árabe pelas narrativas de imigrantes e refugiados de origem árabe radicados no Brasil, como uma forma de contribuir aos estudos sobre a imigração e sobre a própria história da bebida declarada como patrimônio pela UNESCO.
A partir de temas ligados à memória, ao testemunho, identidade, resistência e narrativas virtuais, o terceiro bloco agrega a Coreia do Sul, a Palestina e o Estado Islâmico. Camila Regina Oliveira no artigo “Museu, memória, testemunho e a construção do fato: um estudo do caso Seodaemun Prision History Hall, Seul-Coreia do Sul” toma como objeto de análise a exposição permanente desse Museu para tratar das narrativas, memórias e testemunhos sobre a colonização japonesa no país e, sobretudo, para problematizar a questão da construção da identidade cultural sul-coreana, bem como a concepção de uma consciência nacional.
É na perspectiva do debate sobre projeto nacional, identidade, resistência que Carolina Ferreira de Figueiredo desenvolve seu texto “O local e o global em charges: expressões de um artista palestino em Haifa nas décadas de 1970 e 1980”, analisando a obra de Abed Abdi, publicada no periódico comunista Al-Ittihad, baseado na cidade de Haifa. Usando a arte como expressão de um ativismo político, as charges abordam temas relacionados ao imperialismo, colonialismo, intervencionismo e invasões que ainda permanecem em terras palestinas, sem perder de vista as questões locais (o conflito) e as globais (a “grande” política).
De outra perspectiva, Gilvan Figueiredo Gomes em “Califado Virtual: a Hisbah como ferramenta de construção de um Estado Islâmico em Dabiq (2014-2016)” utiliza como fonte de pesquisa as narrativas veiculadas pela revista do grupo jihadista para analisar a ação midiática, os ambientes digitais e as redes sociais como meio de expressão de organizações políticas dessa natureza. Além disso, o autor problematiza os conceitos de Califado tanto do ponto de vista da disputa e da legitimidade do poder, como do ponto de vista Virtual não apenas vinculado ao digital, mas também na eminência do vir a ser, da possibilidade que se concretiza como fato.
Finalmente, o quarto bloco concentra os textos que partem das questões acerca do Orientalismo, tendo como referencial teórico a obra homônima de Edward Said. Paula Carolina de Andrade Carvalho, em seu artigo “Orientalizar-se: as representações dos ‘orientais’ em Personal Narrative of a Pilgrimage to Al-Madinah & Meccah, de Richard Francis Burton (1855-56)”, faz uma análise sobre as generalizações dos “orientais” feitas pelo explorador britânico, que criou o disfarce de Shaykh Abdullah para realizar o ritual sagrado do hajj permitido apenas aos muçulmanos. Ainda que Burton nunca tenha deixado de seguir a cartilha do discurso do orientalismo, a autora aponta que as representações dos “orientais” do autor estão pautadas muito mais pelas ambiguidades e pelos paradoxos.
No artigo “O Orientalismo como prática discursiva hegemônica no auge da expansão europeia”, Lucas Pereira Arruda realiza uma revisão bibliográfica de obras inglesas de diferentes naturezas para compreender como os agentes coloniais tratavam os povos nativos das colônias inglesas no final do século XIX, centrando sua análise em Joseph Conrad e Rudyard Kipling para falar do papel do romance na construção discursiva do outro. J
á em “Discursos Orientalistas sobre a dança: o caso de Almée, na egyptian dancer, de Gunnar Berndtson” de Nina Ingrid Paschoal, uma fonte pictórica é analisada para problematizar a pintura dita orientalista e seu papel na popularização da dança de mulheres orientais eternizada no Ocidente como “dança do ventre”. Entre fantasia e realidade, tais imagens contribuíram para uma construção sobre o Oriente atrelada aos movimentos de colonização, ainda repercutindo na forma de representação dessas mulheres. Por fim, Rafael dos Santos Pires, em seu artigo “O mito do Egito Eterno: desenvolvimento acadêmico, impactos políticos”, parte da associação entre orientalismo, mitos e elementos discursivos para compreender os impactos dos usos do passado no mundo contemporâneo do Egito, na constituição do próprio Estado egípcio e na forma de imaginar e escrever esse passado.
A escolha desses textos para encerrar o dossiê não foi fortuita. A proposta desse dossiê foi elaborada considerando alguns marcos fundamentais do debate que ora se discute: os 40 anos da primeira edição de Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, os 30 anos da primeira edição brasileira e os 15 anos da morte de Edward Said. A obra do escritor de origem palestina tornou-se um marco fundamental nos diversos campos das humanidades, frente aos estudos que levariam o Oriente Médio e, consequentemente, a história da Ásia para um patamar que nas últimas décadas ampliouse em problematizações que inauguraram os estudos pós-coloniais. Outrossim, as inovações e as perspectivas teórico-metodológicas apontaram para revisionismos sobre leituras, interpretações e práticas interdisciplinares referentes ao sujeito histórico “oriental”, ao mundo islâmico, às sociedades do sul e do sudeste asiático, além do chamado “Extremo Oriente”.
Mas afinal, de qual Oriente e de qual Ásia estamos falando? Na perspectiva saidiana, o Oriente foi compreendido no Ocidente como algo imaginário, distante, misterioso e exótico, mas o que essas pesquisas têm demonstrado é a necessidade de compreensão e apreensão da História da Ásia a partir de um ponto de vista que supere as dicotomias oriental-ocidental e que faça prevalecer um olhar conectado entre passado e presente, entre o local e o global, entre o real e o virtual, entre assimilação e resistência. Não uma história do Oriente em oposição a uma história do Ocidente. Não uma História da Ásia em oposição a uma História da Europa. O que se buscou nesse dossiê foi analisar essas Histórias Conectadas, parafraseando Sanjay Subrahmanyam.
Por fim, nas entrevistas das professoras Mônica Muniz de Souza Simas e Marilia Vieira Soares apresentam-se alguns dos resultados e tendências dos estudos orientais e asiáticos no Brasil, no campo da Literatura e das Artes Cênicas, realizados em diferentes laboratórios e instituições, como relevantes contributos em seus diálogos interdisciplinares com a História da Ásia.
Gostaríamos de agradecer aos diversos autores que submeteram seus trabalhos para nossa avaliação, aos pareceristas de diferentes áreas de conhecimento que reforçaram essas conexões, e aos editores da Revista que acolheram essa proposta, bem como tornaram todo esse trabalho possível.
Boa leitura!
Samira Adel Osman – Professora Doutora (UNIFESP)
Jorge Lúzio Matos Silva – Professor Doutor (UNIFESP)
OSMAN, Samira Adel; SILVA, Jorge Lúzio Matos. Apresentação. Faces da História, Assis, v.6, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]
Sobre Coisas e Trajetórias / Revista Mosaico / 2017
O dossiê Sobre Coisas e Trajetórias tem como ambição trazer ao centro da cena aquilo que tomamos como as miudezas de nossa vida: o mundo dos objetos, enquanto constituintes dos tramados do nosso cotidiano e, portanto, assumidos aqui como coisas de importância, mesmo na possível e, a rigor, falsa banalidade de seus usos. Resultado da história humana em suas diferentes ordens de relações, das amigáveis às conflituosas, os objetos são expressivos, mas, para além disso, ao ganharem corpo e comporem o mundo da vida ajudam a acionar sentidos e modos de conduta. Uma dialética se faz operar na relação com essas coisas, enquanto modos de objetivação, pelos agentes que lhe conferem vida e significados cambiáveis. Tais figuras-síntese funcionam como uma espécie de atalho que permite que uma história se presentifique e contribua, como elo de continuidade, a que ela se perpetue. No entanto, seria simplista tomar os objetos enquanto este elemento de memória apenas pelo seu potencial de rastro e arquivo. A partir do manejo das coisas no mundo prático, atualizamos, mudamos, acrescentamos significados aos objetos, fazendo com que seu potencial de síntese se estabeleça não apenas no momento de sua produção (da produção do objeto), mas ao longo da dinâmica de seus usos, a despeito da possível fixidez de sua forma. Assim, à figura, somos obrigados a correlacionar a figuração dos significados dos objetos, enquanto estrutura que remete ao processo incessante de articulação de significados (no plural) que são conformados na prática, isto é, na própria relação com as coisas, não carecendo, portanto, de um momento reflexivo de atribuição de significados a elas. A dialética se dá, portanto, no processo hermenêutico de significação das coisas através e a partir de seu manejo em diferentes contextos, e não apenas quando tomamos as coisas como objeto para racionalizações. É, pois, na produção, no uso e nas trocas que os objetos ganham vida, e isso diz respeito às diferentes épocas e lugares.
A consolidação do capitalismo e sua expansão planetária fez com que os objetos se tornassem alvo de preconceito enquanto coisas “boas para pensar”, sendo relegados quase exclusivamente à condição de mercadorias fetichizadas, produtos sem alma da desalmada produção capitalista e que ainda seriam alçados à condição de gatilhos à alienação. Ora, mesmo tal temática nos evoca a importância de problematizar as coisas, em seu caráter de mercadoria, no lugar que assumem enquanto objeto de desejo, expressão de estilos de vida, depositários da felicidade humana, moeda nas negociações de significados, fetiche. O conjunto de artigos que compõe este dossiê expõem inelutavelmente a centralidade do debate das coisas como mercadorias, mas, ao mesmo tempo, articulam esta dimensão a uma série de outras que remetem aos complexos processos sócio- históricos de atribuição de significados a elas, isto é, às coisas enquanto produtos simbólicos. Ciência, magia / religião, higiene, beleza, modos de comercialização e publicização das coisas, modernização são acionados a fim de evidenciar a importância sócio-histórica das coisas e, para tanto, diferentes objetos são tomados: desde remédio, cerveja, absorvente feminino, roupa (na forma da moda e da indumentária religiosa) ao próprio corpo tornado objeto. O mote por excelência é posto na circulação das coisas e de seus significados, enfim, na trajetória dos objetos em sua articulação com as trajetórias humanas ao longo da história.
O artigo “O que não tem remédio midiatizado está: beleza e poder na publicidade de medicamentos do início do século XX” traz interessante discussão a respeito da publicidade de medicamentos, pensada para além de mera estratégia de divulgação de certa ordem de produtos. O autor, Moacir Carvalho, busca compreender o modo como tais peças publicitárias fazem dialogar o científico e o mágico-religioso no contexto brasileiro de início do XX, na medida em que o profissional médico necessitava angariar espaço ocupado ainda no período pelos diferentes profissionais populares de cura, a exemplo de curandeiros, que detinham o reconhecimento enquanto prática de cura legítima. Assim, ciência e magia se interpenetram, é o argumento do autor, na constituição de um mercado consumidor de medicamentos que teriam caráter quase mágico pelo alívio dos sofrimentos que conseguiam proporcionar. É por esta seara que o autor envereda ao fazer avançar a leitura na percepção de que se trata de um novo modo de vida em construção, ligado ao moderno, ao técnico e ao civilizado, e a que se liga o consumo do produto em questão, cuja função, pois, ultrapassa a possibilidade de cura. Consumir medicamentos em lugar de ervas serviria como indicador de um novo modo de vida, o civilizado, que se deseja construir, como projeto político nacional, em contraposição ao chamado mundo atrasado do campo e das curas rituais. No entanto, ao fazer isso, criam-se, via publicidade, novas ritualizações que fazem do medicamento um elemento simbólico a ser narrativamente articulado nas peças publicitárias através dos textos e das imagens. A base do argumento sustentado pelo autor converge para a polêmica afirmação da agência dos objetos, no caso do medicamento, a um só turno resultado de sínteses complexas e conformador de condutas.
Thiago Rodrigues, no artigo “Identidades Sociais em Dias de Modess”, por sua vez, também busca compreender a relação entre um bem de consumo e modernização do Brasil a partir da análise de material publicitário. Para tanto, toma como ponto de partida o ingresso dos absorventes higiênicos no mercado brasileiro e o desenvolvimento de seu uso a partir das transformações nacionais, na direção de uma desejada modernização, e das mudanças no modo de vida feminino. Assim, articulam-se três planos de interpretação acionados simultaneamente e sintetizados nas mensagens publicitárias de Modess na revista carioca Querida, dirigida ao público feminino de classe média, e tomadas pelo autor como eixo de sua problematização. Assim, à imagem de Modess referem-se a imagem desejada de nação e sua inserção no mercado capitalista das coisas modernas, bem como a autoimagem dessas mulheres, potenciais consumidoras, cujo modo de vida estava se transformando e ganhava expressão em comportamentos, anseios e aparências.
O artigo “Trajetória e sentidos da cerveja: das origens europeias à formação do Brasil moderno” traz à baila a questão de como uma bebida ancorada em forte tradição na Europa se torna símbolo nacional no Brasil. O autor, Matheus Lavinscky, segue o percurso histórico do produto para, a partir de seu processo de comercialização e consumo, compreender o modo de inserção da bebida no Brasil e sua rápida associação a uma concepção de moderno e modernas práticas de lazer vinculadas em especial ao segmento popular. Assim, assume como tese e conclusão que a cerveja não institui novos comportamentos e sim, em termos weberianos, se afina àquilo que são as aberturas do presente, potencializando-as e sendo potencializada por elas, mesmo no modo como o consumo de cerveja sobrepuja a posição da cachaça como referência de gosto, algo compreensível apenas à luz da interpretação das relações estabelecidas entre diferentes povos na concorrência pela conformação de um mercado consumidor de cerveja, por um lado, mas igualmente pelo percurso vivido pelo Brasil neste concerto internacional.
Tomando o contexto de século XIX, “Caminhos do objeto: a afirmação do leilão e os primeiros capítulos de uma história do comércio no Brasil oitocentista” busca problematizar e descrever o desenvolvimento de um dos modos de circulação / comercialização de mercadorias no Brasil do período: o leilão. Não apenas isso, a autora Carolina Fernandes aponta que os leilões se apresentaram como mecanismo recorrente à efetivação da circulação das mercadorias no Brasil, em especial aquelas advindas de importação, o que levou a que determinados modelos de organização e exercício da atividade ganhassem relevo por estas terras. Assim, não havia um único modelo, mas o que imperou no Brasil se apresenta como expressão e consequência das relações especialmente estabelecidas com a Inglaterra no quesito trocas comerciais. E, neste sentido, diferentes objetos eram leiloados, desde utensílios e alimentos até escravos, entendidos como objetos. A disposição das “coisas”, do leiloeiro e dos potenciais compradores foram analisados pela autora a partir de diferentes ordens de gravuras feitas sobre o Brasil e outros países, como Espanha. Assim, Carolina Fernandes apresenta um interessante quadro da atividade de leilões no Brasil oitocentista em seus produtos comercializados, gravuras, anúncios, bem como no modo (predominante inglês) de exercício da atividade.
Por sua vez, ”Beleza Pura: uma abordagem histórica e socioantropológica das representações do corpo e beleza no Brasil” parte da concepção de que o corpo foi tornado objeto e capital no percurso das interações, o que potencializou não apenas o trabalho (controle) sobre o corpo enquanto decorrência do processo civilizador ocidental, como a mercantilização de produtos e serviços ligados a esse controle / trabalho em contexto capitalista. Assim se justificaria a valorização da aparência física como um gosto sócio-historicamente construído, mas naturalizado, a fazer com que esses consumidores entendam tal trabalho como necessidade e prazer. Os autores Silvio Benevides e Vanessa Rodrigues, contudo, enfatizam as dinâmicas de poder envolvidas em tal processo, e não apenas suas variações históricas na definição do belo / feio e do corpo. Isto é feito ao pensar e discutir o corpo negro e a perspectiva decolonial, uma vez que, se retoma processos históricos, o faz à luz da tentativa de responder a uma questão do hoje que envolve jovens de maioria negra.
Já o texto “Vestir-se à Boa Morte: apontamentos sobre o vestuário em irmandades negras religiosas na região recôncava da Bahia” traz aquilo que cobre o corpo como mote de discussão. Trata-se da indumentária religiosa usada pela Irmandade da Boa Morte em Cachoeira e São Gonçalo dos Campos, ambas cidades da Bahia. Wilson Penteado Júnior e Vanhise Ribeiro tomam a indumentária enquanto expressão de significados, no caso sagrados e históricos, associados aos modos de vida de suas usuárias e às próprias transformações no contexto religioso-social. Isto é, apesar de se tratar de indumentária entendida como tradicional, a roupa da irmandade da Boa Morte permanece na medida em atualiza seus significados, quando não seus modos de cuidado, seus apetrechos e mesmo seus usos. O seu forte cariz expressivo ganha plena evidência na assunção de se tratar da roupa de Nossa Senhora, o que de acordo com os autores pode ter sido aspecto acionado apenas recentemente na defesa da indumentária contra ataques externos, bem como em sua relação com as Negras de Partido Alto. Mais do que isso, a dificuldade do cuidado, que poderia ser entendido como momento de sacrifício, em forte associação com o sofrimento de Cristo, de sua mãe Maria e dos negros escravizados trazidos ao Brasil, transmuta-se na emoção da redenção do sofrimento no uso de roupa de pompa em momento solene numa inversão simbólica que faz do escravo senhor. No caso, que faz da escrava uma senhora que bravamente resiste às inúmeras adversidades.
Por fim, em “As mãos que fazem o trançado – identidade e memória na produção de moda em Salvador-BA na virada para os anos 2000” Salete Nery toma não a roupa religiosa, e sim aquelas produções vinculadas à dinâmica capitalista de conformação dos objetos ligados à composição da aparência pessoal: a moda. O objetivo é, na contramão da concepção da singularidade do fazer criativo, buscar compreender como o tema da identidade (baiana) foi se tornando e foi tornado elemento de articulação de diferentes produções de moda na Bahia na passagem para o XXI como resultado da atuação de diversos agentes em contexto que, inclusive internacionalmente, parecia favorável à valorização das expressões locais-tradicionais-afro, mesmo em suas reelaborações contemporâneas na forma de produtos voltados ao mercado.
Assim, os diversos textos que conformam o dossiê apresentam diferentes facetas a partir das quais o mundo das coisas / as coisas no mundo podem ser tomadas como objeto de rica problematização.
Maria Salete Nery – UFRB
Organizadora do dossiê Sobre Coisas e Trajetórias
NERY, Maria Salete. Apresentação. Revista Mosaico. Goiânia, v.10, n.1, jan. / jun., 2017. Acessar publicação original [DR]
Arquivos, objetos e memórias educativas: práticas de inventário e de museologia / Revista Brasileira de História da Educação / 2011
Lugares de memória, espaços de saberes e vestígios da cultura escolar: estratégias propedêuticas em prol da história da educação
No dossiê “Arquivos, Objetos e Memórias Educativas: práticas de inventário e de museologia” pretende-se apresentar projetos desenvolvidos no âmbito da preservação do Patrimônio Histórico Educativo, sobretudo, práticas de salvaguarda e difusão dos acervos, elaboradas no interior desses projetos.
Os autores desta apresentação sentem-se honrados com o convite das organizadoras do dossiê, pela oportunidade, sobretudo, enquanto iniciadores da Rede Iberoamericana para a investigação e a Difusão do Patrimônio Histórico-Educativo (RIDPHE), que hoje se mantém em atividade como lista de discussões, gerenciada pela UNICAMP, com o endereço Ridphe_l@listas.unicamp.br da qual somos moderadores, Vicente Peña Saavedra e Maria Cristina Menezes.
Os textos deste Dossiê, escritos por pesquisadores que participam da Ridphe, trazem a marca das preocupações que, na atualidade, se encontram no bojo daquelas que se colocam na intersecção dos campos da história da educação, arquivologia e museologia. Tal conjugação traz o indicativo da interdisciplinaridade das pesquisas que têm investido no conhecer, identificar e prover, com ações de preservar, acervos históricos indicativos de práticas educacionais de tempos passados, que permitem a nostalgia de um desconhecido por vezes apenas vislumbrado, diante do pouco que se pôde reter.
Essas colocações vêm ao encontro daquelas apresentadas quando do lançamento da Ridphe, no VIII Congresso Ibero-americano de História da Educação (Cihela), em Buenos Aires, durante a exposição do painel “A constituição de lugares de memória para a história da educação: museus, arquivos e bibliotecas na reconstrução histórica das práticas educativas”, coordenado por Rogério Fernandes, de Portugal, e Maria Cristina Menezes, do Brasil. Na ocasião, o professor Vicente Peña Saavedra, da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, fez a proposta de criação de uma Rede Ibero-americana que conclamasse os investigadores voltados para a discussão da recuperação, custódia, estudo, valorização e difusão do patrimônio histórico educativo. Tal proposta teve o apoio efusivo dos participantes e possibilitou que ali se desse o lançamento de mais essa instância de comunicação coletiva. O número de aderentes e o entusiasmo em torno da ideia, que rapidamente se concretizou, possibilitaram que se organizasse no rol de Redes de Discussões da Unicamp, no Brasil, uma lista eletrônica de intercâmbio científico promovida pela Ridphe. A lista conta com a moderação dos seus coordenadores e com a participação de vários pesquisadores latino-americanos, representantes de diversos países, além de colegas de distintas universidades portuguesas e espanholas, que totalizam a esta altura 127 investigadores, especialistas e interessados no tema de muitos variados perfis.
Os textos que compõem este dossiê trazem as preocupações de pesquisadores, em sua maioria, envolvidos com a preservação do patrimônio histórico pedagógico, em escolas, museus escolares, centros de memória, laboratórios científicos de caráter retrospectivo, enfim, com as práticas de manter e inventariar, mas também com a preocupação da difusão dos acervos organizados de forma segura e historicizada.
Portanto, os textos trazem as experiências de seus autores e, conjugadas a elas, as preocupações e angústias que acompanham esse tipo de trabalho, em especial, quanto à garantia de continuidade das propostas e condições para a sua propagação.
Uma suposta interlocução entre os autores nos levaria a examinar preocupações e ideias que se coadunam em prol de objetivos que também se alinham.
Os textos que mobilizam para o inventário de objetos, seja em um museu ou em um centro de memória em construção, como em uma instituição escolar, apresentam-se com a intencionalidade de que a preservação não seja um fim, mas meio de instaurar a comunicação, diante do desafio de se investir na tentativa de transformar a informação científica em conhecimento.
Vera Gaspar e Marília Gabriela Petry trazem o questionamento de como incorporar num registro sistematizado materiais pedagógicos, documentos e registros iconográficos, que carregam os vestígios do ordinário escolar, sem esterilizá-los, ou mesmo transformá-los em objeto qualquer que sofre os efeitos do registro burocrático. As autoras perguntam como fazer esse trabalho sem aprisionar os objetos e perder a riqueza das práticas inscritas em sua materialidade.
Segundo as autoras, essas inquietações articulam-se ao desafio de preservar o objeto e as informações que ele comporta, que o qualificam como documento histórico. Sobretudo, ao compreender-se a preservação como um meio de se instaurar processos de comunicação, e não como uma meta em si.
Também na linha da preservação dos objetos pedagógicos históricos, o texto de Reginaldo Alberto Meloni carrega seus avanços e suas limitações, advindos do trabalho voltado para a preservação dos instrumentos científicos, dos antigos laboratórios, da EE Culto à Ciência, de Campinas / SP, instituição escolar de origem dos objetos escrutados. A sua investigação acaba por tomar outros rumos, o da própria instituição, com o seu precioso acervo documental textual, iconográfico, bibliográfico e arquitetônico, além do material pedagógico e do mobiliário, possibilitando uma pesquisa interna rica em sua localização temporal e espacial. A pesquisa enveredou pela busca de vestígios das práticas pedagógicas que envolviam os usos dos materiais, a partir, sobretudo, das correspondências oficiais da escola, dados obtidos em livros de registro de materiais, com datas e nome de fornecedores, referências dos próprios utensílios, espaço pedagógico dedicado ao seu ensino, programas de ensino, manuais adotados pela escola, avaliações.
O autor investe nas peças enquanto objetos pedagógicos que contribuem para o conhecimento das finalidades das disciplinas de ensino às quais se articulam, especialmente, quanto a conteúdo e método. Ou seja, há uma busca pelas práticas educativas que ocorreram em momentos anteriores na instituição. Os vestígios dessas práticas fazem-se mais presentes neste caso, em que os objetos se encontram na instituição de origem, pelo menos da origem de uso. Mesmo ao se compararem os inventários com os catálogos dos fabricantes, que muitas vezes contêm recomendações de uso, emergem pistas de apropriações realizadas pelos sujeitos escolares.
Ao mesmo tempo, as possibilidades de difusão, com a abertura do acervo ao público, melhor se concretizam no caso do Museu Catarinense. Isso se percebe tanto no aspecto presencial como na constituição do banco de dados, e na construção do site do centro museal, o que não significa a inviabilidade dessas práticas também para o acervo escolar campineiro.
As autoras que tratam do Museu Catarinense expressam também a sintonia do processo de institucionalização do Museu da Escola Catarinense com a política nacional de museus; adotaram-se como base metodológica para elaboração do Banco de Dados as convenções estabelecidas no Caderno de Diretrizes Museológicas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Outrossim, informam que as descobertas mais significativas acerca dos objetos que compõem o acervo estão vinculadas a projetos de pesquisa que buscam perseguir origens e usos dos artefatos escolares, um percurso que se assemelha em múltiplas vertentes ao que já se vem realizando no projeto da Escola de Campinas. Entretanto, em muito se enriqueceria tal projeto, ao dialogar com a experiência dos pesquisadores catarinenses, sobretudo, quanto à difusão da informação como conhecimento.
As autoras trouxeram o fato de a subjetividade fazer-se presente no trabalho de inventariar, no entanto, apostaram na interdisciplinaridade e nas soluções conjuntas, que apontam para o caminho do coletivo, para além dos desejos pessoais.
O quadro exposto revela que os dois percursos se entrecruzam em vários momentos e em seus distanciamentos, se não se complementam, deixam transparecer a fertilidade de uma possível e salutar comunicação entre os projetos. Para além das duas experiências aqui relatadas, e que se encontram em tantos outros e nos mais diversos espaços, ao desafio do trabalho, visando à retenção de perda dos acervos e a preservação da memória escolar, cabe a nossa insistência na necessidade da interlocução.
No texto “Herança educativa e museus”, no qual discorre em primeiro plano sobre os museus pedagógicos e escolares na história da educação, Margarida Louro Felgueiras também chama a atenção para o fato de o inventário, na organização dos arquivos e museus, não se constituir na finalidade da investigação histórica.
Maria Cristina Menezes, por sua vez, considera, em seu texto, que o inventário permite a abertura dos acervos para as pesquisas, visitas, novas elaborações que enunciarão outros saberes, desde que garantidas condições seguras para a consulta aos bens preservados. No entanto, pondera que após dez anos de trabalho na recuperação de acervos, em risco de perda, em porões, sótãos, e outros espaços escolares, percebeu o quanto exige dos pesquisadores o trabalho de inventário. Tal trabalho requer conhecimentos de várias áreas, demanda pesquisa histórica, a leitura nos próprios documentos, portanto, é interdisciplinar e as equipes nem sempre permanecem as mesmas, o que muitas vezes dificulta a continuidade dos estudos, além do agravante da falta de verbas. Justamente pelo desconhecimento das várias frentes abertas nesse tipo de projeto, nem sempre eles são tratados com o devido merecimento por órgãos de fomento e similares.
Menezes cita Saavedra em seu texto, quando este pesquisador assevera que o registro e a sistematização dos acervos informativos, dos quais se vale o investigador para tecer e fundamentar os seus discursos sobre a memória do ocorrido, poucas vezes recebem a ponderação devida, diferente do que ocorre, com maior frequência, com as obras que em tais suportes se sustentam.
O recorrente, segundo a autora, tem sido os investigadores, ao realizar suas pesquisas nas instituições, utilizarem os acervos como fonte, dar a estes uma ordem precária, apenas o suficiente para o desenvolvimento da pesquisa em curso, e os abandonarem após a finalização delas. Essas investidas deliberadas e sem um plano de organização dos acervos não poucas vezes resultam em perdas ou alterações nos suportes por falta de manuseio correto e outros cuidados. Os trabalhos de conservação, descrição, acondicionamento ficam para outros. Essas práticas deixam marcas nos acervos, com lacunas e ordenações precárias, fora da ordem original. São reordenações, com períodos ou temas específicos, em geral sobre os quais se detiveram os pesquisadores em suas investigações.
O texto sob a coordenação de Carmen Sylvia Vidigal Moraes coloca como objetivo apresentar trabalho de pesquisa histórica e arquivística, realizado por um grupo do Centro de Memória de Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (CME / Feusp), o qual consistiu no recolhimento, organização, acondicionamento e referenciação das fontes do legado do educador anarquista João Penteado, composto de documentos produzidos e acumulados por uma das escolas criadas e mantidas por anarquistas no Brasil. Os pesquisadores enfatizam que se trata de pesquisa histórica e arquivística, o que tem caracterizado esse tipo de investigação. Anunciam o teor da equipe, ao afirmarem que o trabalho foi realizado por um grupo de pesquisadores, professores e alunos bolsistas (iniciação científica, mestrado e doutorado) da Feusp, o que vem comprovar a necessidade de braços e pesquisadores em modalidades diferenciadas de formação, além da equipe que comporta o CME / Feusp com arquivistas e historiadores da educação, evidenciando a interdisciplinaridade da proposta.
O acesso à documentação inédita dos arquivos das escolas dirigidas por João Penteado, no largo período de quase cinquenta anos, com certeza permitirá que muitos pesquisadores se beneficiem da recolha e organização desse acervo inédito que contém um número espantoso de itens documentais. Enfim, são experiências distintas que se coadunam, se complementam e se entrelaçam em muitos de seus propósitos.
As pesquisadoras do Museu da Escola Catarinense, com um acervo de objetos de procedências diversas, têm investido em projetos de pesquisa que buscam perseguir origens e usos dos objetos escolares; essas buscas inferem ao retorno às instituições de procedência dos objetos. A pesquisa, ao construir um banco de dados, enxerga-o como ferramenta de consulta ao público, considerando que esse trabalho deverá ser contínuo dentro das atividades do museu, com o surgimento de novos dados a serem registrados. O fundo físico, por sua vez, constitui-se como material de pesquisa.
O acervo de instrumentos científicos do antigo Ginásio de Campinas encontra-se no mesmo espaço que o adquiriu, quando desembarcou de algum navio, vindo da Europa, o mesmo local onde sofreu as apropriações que o conformou aos propósitos dos sujeitos que praticavam a educação naquela instituição de grande importância republicana. Os espaços também enunciam, trazem vestígios das práticas que acolheram.
O grupo do CME da Feusp recebeu um acervo valioso, diretamente dos familiares de João Penteado, o educador anarquista, que era um arquivista por convicção. O acervo foi recebido pelo CME conservado, organizado, referenciado para nele permanecer. Trata-se, no entanto, de um espólio com a mesma origem, do mesmo fundo.
O estudo que resultou na publicação do inventário das fontes documentais do arquivo histórico da Escola Normal de Campinas, apresentado por Menezes, realizou-se no interior da instituição de guarda do arquivo. Os documentos foram produzidos na instituição de depósito, que é também a de origem. A arquitetura monumental da Escola Normal de Campinas revela a austeridade e a importância da instituição e de seus sujeitos para a época. Apesar das condições do acervo, da insalubridade dos espaços de guarda, que, mesmo após limpeza e reforma, mantêm a umidade de outrora, há a força da arquitetura, dos espaços planejados para um tempo e para as práticas escolares de outrora.
Alguns apontamentos já foram enunciados nesta apresentação, mas acreditamos que somente a interlocução com propósito e aprofundamento entre os autores poderá trazer ganhos substanciais e transformar informações em conhecimentos do interesse de todos. O que, de fato, diferencia e aproxima esses trabalhos, quanto às ações que incidirão sobre os itens, quanto aos termos de preservação, organização, descrição e guarda definitiva?
Retornamos ao texto de Felgueiras, para quem foi a premência da recolha e preservação das fontes para a história da educação que, tanto em Portugal quanto no Brasil, levaram ao inventário e registro dos acervos, com a construção de bases de dados. Por conseguinte, a autora pondera, como em plena sociedade do conhecimento e da informação se corre o risco de viver num presente sem memória e sem futuro, ao que intenta pelas condições básicas para a conservação de arquivos “reais”, físicos, e não apenas virtuais.
Tal tema retoma discussão, já iniciada, sobre a necessidade de políticas públicas para essa área específica, o que tem suscitado a preocupação e a busca de alternativas por pesquisadores, quando estas falham ou mesmo não existem, e ainda também naqueles supostos nos quais caminham ao avesso das nossas expectativas. As experiências no desenvolvimento de projetos sobre a preservação dos acervos que conformam a cultura material e imaterial das instituições educativas têm apontado caminhos e mostrado as possibilidades, as dificuldades, os acertos, os erros para encarar o porvir. Daí a importância de investir na interlocução, no conhecimento das várias experiências, percebendo, nessas vias fertilizadoras de participação dos investigadores, critérios de referência para a formulação de políticas que valorizem esses esforços que hoje se realizam em prol da recuperação e preservação dos espaços de memória e história educacional. O que se busca é ainda a garantia de continuidade dessas realizações, a sua visibilidade e difusão, para que esses tantos trabalhos não tenham sido em vão. Nessa linha de ação coloca-se a Ridphe, como espaço para a acolhida e o estímulo da interlocução dos pesquisadores, que persistem e resistem neste trabalho árduo, moroso e de pouca projeção socioinstitucional, em prol da recuperação do patrimônio histórico da nossa educação.
Galícia e Campinas, junho de 2010
Vicente Peña Saavedra
Maria Cristina Menezes
SAAVEDRA, Vicente Peña; MENEZES, Maria Cristina. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v.11, n.1, jan. / abr., 2011. Acessar publicação original [DR]
Objetos e construções simbólicas | Anais do Museu Histórico Nacional | 2005
Organizador
José Neves Bittencourt
Referências desta apresentação
BITTENCOURT, José Neves. Apresentação. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.37, p.154-157, 2005. Acesso apenas no link original [DR]