Jinga de Angola: a rainha guerreira da África | Linda M. Heywood

Linda M. Heywood Foto Kalman ZabarskyDivulgacao
Linda M. Heywood | Foto: Kalman Zabarsky/Divulgação

É na capacidade de negociação e manipulação combinadas com o conhecimento de práticas culturais locais que se destaca a rainha objeto de estudo do livro da pesquisadora Linda Heywood, na obra Jinga de Angola: A rainha guerreira da África, no qual se centra a escrita desse trabalho. Através da trajetória da rainha Jinga ou Ginga Ambande ou Ambandi (em quimbundo: Nzinga Mbande ou Nzinga Mbandi) (1582-1663), podemos compreender o espaço de influência no contato inicial, marcado por negociações e invasões, entre o povo ambundu2 e os portugueses. A escrita envolvente de Linda Heywood nos leva aos fatos relatados, durante o século XVII, quando o lucrativo comércio de tráfico de escravos do Atlântico sofreu com a oposição dos reis de Ndongo3, inicialmente interessados na exploração da prata, do cobre e do sal, mas com planos de invadir as terras do reino de Monomotapa (atual Zimbábue) para a exploração de suas lendárias minas de ouro4. Não localizando os minérios desejados, o rei Felipe II 5 suspendeu as atividades de extração para se dedicar ao comércio do tráfico de escravos.

A autora Linda Heywood é professora da Universidade de Boston, Massachusetts (EUA), e tem doutorado em História Africana pela Universidade de Columbia. Trabalhou também na Universidade Estadual de Cleveland, entre 1982 e 1984, e na Universidade de Howard, entre 1984 e 2003. É pesquisadora, autora de livros e consultora de exposições na área de História da África. Em 2008, foi a ganhadora do Prémio Herskovits  por seu livro Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the Americas, 1585-1660. No Brasil, o livro ganhou uma tradução pela Editora Contexto, em 2008, com o título Diáspora Negra no Brasil. Seu livro Jinga: a rainha guerreira de Angola foi publicado no Brasil em 17 de janeiro de 2019 pela Editora Todavia. O livro dedicado a Jinga conta com 320 páginas, divididas em sete partes que contam cronologicamente a trajetória de vida da rainha. Conta ainda, em sua versão brasileira, com um posfácio escrito por Luís Felipe de Alencastro6. Leia Mais

Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão | Selma Pantoja

O livro Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão de Selma Pantoja, atualmente professora da Universidade de Brasília, é originário da sua dissertação de mestrado, escrita no período de 1984 a 1987. Enfocando Angola do século XVII, evidencia um pioneirismo, já que é uma das primeiras obras sobre história da África com autoria de uma intelectual brasileira, tornando-se item obrigatório nas estantes dos estudiosos sobre o assunto. Entretanto, a obra também declara o silêncio que envolve, ainda na atualidade, as temáticas sobre africanidades. É bem verdade que nos últimos vinte anos muito se fez no Brasil nesse campo de saber. O fomento aos estudos africanos é recorrente em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. No restante do país, os trabalhos sobre África engatinham, tendo muito ainda por fazer, tanto nos campos relacionados à história da escravidão – que, muitas vezes, enxerga o negro apenas como escravo, esquecendo que existe um universo muito maior –, quanto nos estudos culturais, muito freqüentados pelos historiadores brasileiros, mas que, por vezes, renegam nossas africanidades.

A obra de Pantoja historiciza de forma empolgante e intrigante para o leitor que, a cada capítulo, quer descobrir mais sobre a vida de uma mulher, da rainha Nzinga Mbandi, referida pela historiografia africana, segundo Marina de Mello e Souza, [1] como a primeira angolana que resiste à dominação portuguesa. Nascendo por volta de 1582 no Ndongo Oriental, filha de Jinga Mbandi Ngola Kiluanji, rei do Ndongo, e de uma escrava Imbundo, Guenguela Cacombe, Nzinga foi preparada para liderar por seu pai, recebendo os princípios de uma educação religiosa e práticas que diziam respeito aos Jagas e aos Imbundos, sendo que a parte Imbundo de sua progênie advinha de sua mãe por herança de seu tataravô. Ou seja, Nzinga não possuía matrilinhagem, [2] o que dificultava sua ascensão ao poder. Contudo, se manteve como líder principal dos reinos de Ndongo e Matamba, articulando com diferentes exércitos empreitadas bélicas contra os portugueses e possuindo traquejo diplomático para corroborar seus propósitos por, pelo menos, cinquenta anos. Essas e outras averiguações estão presentes no decorrer dos capítulos da obra. Por ora, seguimos com uma sucinta descrição dos caracteres mais importantes que compõe a obra de Selma Pantoja, para que possamos ter uma visão geral do livro.

No primeiro capítulo intitulado “A historiografia e o Universo Negro-Africano”, Selma Pantoja vai abordar de forma explicativa apontamentos sobre os estudos relacionados à África e a escravidão africana e atlântica, diferenciando-as e trazendo importantes discussões presentes na historiografia inglesa e francesa. O capítulo de número dois, “Os povos e sociedades da região da África Central Ocidental”, enfoca o predomínio dos povos de língua banto, situados ao norte do rio Zambese, na região de interesse da autora, ou na África Central-litorânea, que compreende além de outros territórios, Congo e Angola. Ainda argumenta sobre as importantes atividades na África Central inseridas pelos bantos, como a agricultura e metalurgia, além do esforço em deslindar algo por demais complexo: as linhas de parentesco e competitividade exercidas na África Central. Esse item é basilar, porém de difícil compreensão para quem recém inicia os estudos sobre África devido à abundância de informações, expostas tanto em fontes primárias quanto pelos autores que trabalham com a temática e ainda não possuem um consenso sobre essa informação, que permite compreender uma tradição e um sistema político engendrado em relações familiares, tornando o entendimento das sucessões dos chefes locais possível.

O título “Angola: aspectos do mundo natural” elucida o terceiro capítulo. Com ele conhecemos um pouco dos caminhos fluviais e oceânicos que escoavam o comércio na região de Angola. Enfatizamos que nos reinos de Ndongo e Matamba, liderados pela Nzinga Mbandi que esteve sempre na mira dos canhões portugueses, se localizava regionalmente como fundamental para que os lusos ampliassem seu domínio escravista. Congo e Luanda estavam em poder dos lusos e, sem adentrar ao território liderado por Nzinga Mbandi, o acesso a outros locais da região Central africana era muito dificultoso. Como uma continuação da temática, o capítulo quatro sugere a leitura sobre “Os Mbundo”, revelando a trajetória desse povo como ligada diretamente aos bantos, e como formadores de diversas confederações ou estados, com variadas organizações políticas. Um exemplo dessas formações é o Ndongo, onde nasceu Nzinga. Ainda no capítulo quatro temos uma descrição das diferentes funções e títulos existentes no Ndongo, Matamba e adjacências, como Ngola (rei), Ngolambole (comandante de guerra), Muenequizoile (responsável pela alimentação dos convidados), além da contextualização histórica do período de liderança de Nzinga, fator que vai embasar a leitura dos próximos capítulos.

São reservadas às análises derivadas da parte central do livro – mais precisamente, o capítulo cinco, “Africanos e portugueses no comércio e escravidão” – os primeiros contatos dos Mbundo com os portugueses, em 1540, até as investidas contra o Ndongo, que permitem entender as manobras políticas, a disseminação de um sentimento anti-português na região, além da articulação para a utilização de dupla linhagem, Mbundo e Jaga, para que Nzinga se mantivesse no poder. No capítulo seis – como o título já permite deduzir, “Nzinga Mbandi no poder” –, discute-se sobre o período de liderança dessa rainha, narrando-o com amplo respaldo documental. Pantoja vale-se de fontes documentais oriundas de arquivos portugueses e angolanos, literaturas de cronistas que estiveram na África Central Litorânea no século XVII e documentos avulsos, como cartas, alvarás, bulas papais, entre outros, para construir seus argumentos.

Por fim, o leitor se depara com a derrocada à resistência aos lusos de Ndongo e Matamba e com a morte da rainha africana. Na realidade, o que as fontes e Pantoja permitem crer é que Nzinga, já com idade avançada, estava debilitada e sem meios para resistir ao exército de Portugal. Essa rendição é associada em “A integração de Nzinga ao tráfico atlântico de escravos”, título do sétimo e último capítulo. Assim, com a velhice da rainha os portugueses finalmente conseguem adentrar em Matamba e plenamente no Ndongo. Entretanto, o nome de Nzinga Mbandi não passa despercebido pelas outras gerações que a sucedem. Ao contrário, nunca foi associado à derrota, exceto pelas fontes documentais escritas por portugueses que atrelam significados pejorativos à rainha em virtude de sua resistência às investidas que primavam pela dominação, seja comercial ou de catequização dos africanos.

Nzinga Mbandi é aclamada, ainda hoje, na África Central e está presente em diversos autos folclóricos brasileiros. Como descreve Câmara Cascudo, nas Congadas pelo nordeste do Brasil “aparece seu nome (Nzinga, Jinga ou Ginga) soberano, dispondo vidas, determinando guerras, vencendo sempre. Reaparece lembrando, não as campanhas contra os portugueses, mas as incursões militares aos sobatos vizinhos, régulos do Congo, Cariongo em Ambaca.” Selma Pantoja escreve sobre uma mulher, líder na África Centro Ocidental Litorânea, sobre uma personalidade que foi mitificada, atravessando os séculos e os oceanos, estando presente em diversas culturas.

A importância de buscar subsídios para o entendimento de quem foi essa mulher, essa rainha africana, comporta entender não só a África, mas também o Brasil. Nesse sentido se encontra a magnitude da obra de Pantoja, que persevera em lucidez intelectual escrevendo uma história que passa longe do tradicional, mobilizando fontes adequadas e ousando em analisar um objeto de estudo muito peculiar. Aproveitamos para comentar que o primeiro passo para uma maior produção intelectual no Brasil sobre a África, independente do objeto que se pretenda estudar, talvez seja admitir que os cativos não desembarcaram nas praias brasileiras sem memória. Eles trouxeram consigo um passado que continua nosso ou, como diria Roger Bastide, os “navios negreiros transportavam a bordo não somente homens, mulheres e crianças, mas ainda seus deuses, suas crenças e seu folclore.”[5]

O negro não se reinventa no Brasil, ao contrário, traz consigo elementos que aqui vão ser significados, hibridizados, construindo uma cultura. Também não reproduz no Brasil tudo que deixa nas suas terras de origem, tampouco os portugueses o fazem, mesmo estando em condição de senhores. Cerimônias, costumes e comportamentos foram modificados, re-significados, incorporando elementos dos portugueses e dos africanos que aqui já estavam. Como diria Alberto da Costa e Silva, no Brasil, “África deveria ser sinônimo de mãe-pátria”. [6] Com isso, pode-se evidenciar que o oceano Atlântico, fronteira entre Brasil e África, não é mais que um riacho, que pode ser atravessado com alguns passos.

Notas

1. SOUZA, Marina de Mello e. A Rainha Jinga – África Central, século XVII. Com ciência, 10 abr. 2008.

2. Alguns reinos africanos utilizavam para sucessão do trono quem estivesse apto por descendência, ou seja, por linhagens com uma particularidade, a linha de filiação deveria considerar a descendência pelas mulheres como ancestral comum ou matrilinhagem. Para informações mais completas sugerimos: THORNTON, John. Elite women in the kingdom of kongo: historical perspectives on women’s political power. Journal of African History, 47 (2006), p. 437–60.

4. CASCUDO, Luís da Câmara. Made in África, 5ª ed. São Paulo: Editora Global, 2003, p.39.

5. BASTIDE, Roger. As Américas negras. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1974, p. 26.

6. SILVA, Alberto da Costa e. Prefácio. In: PANTOJA, Selma. Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasília: Thesaurus, 2000, p. 13.

Priscilla Maria Weber – Graduada em História pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). E-mail: priscilamariaweber@yahoo.com.br


PANTOJA, Selma. Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasília: Thesaurus, 2000. Resenha de: WEBER, Priscilla Maria. Nzinga Mbandi representada através da resistência ao domínio português. Cantareira. Niterói, n.15, jul./dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão | Selma Pantoja

Escrito pela historiadora Selma Pantoja, o livro Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão, aborda alguns elementos da história de Angola durante o século XVII. Com o prefácio de Alberto Costa e Silva, a obra mostra o mito da rainha Nzinga que ascendeu ao poder rompendo as normas estabelecidas pelas linhagens tradicionais, que não admitiam uma mulher no poder. Além de também, dentre outras questões, Selma Pantoja traz as especificidades da escravidão dentro do continente africano.

As peculiaridades da história da África Negra trouxeram desafios para a historiografia. Sobre as fontes escritas percebe-se uma visão estereotipada dos africanos e suas sociedades, são relatos feitos por viajantes europeus carregados de superioridade. Com uma população ágrafa temos a tradição dos testemunhos orais que necessitam de uma técnica especial.

A obra traz um extenso relato sobre as características do povo Mbundu, bem como as especificidades da escravidão africana que tanto difere da praticada nas Américas. Deixa claro que ela é muito mais antiga do que se pensa, que era imanente naquele continente, mas de nenhuma forma benévola. E permeando toda a obra está a presença de Nzinha Mbandi que bravamente lutou contra o domínio português no Ndongo.

Sobre a escravidão africana vale ressaltar algumas características relativas à ela como o sistema de parentesco, os direitos pessoais, o escravo como propriedade, e este como sendo um dos tipos de dependência.

A autora também destaca a importância da mulher na sociedade africana, onde ela é o principal trabalhador agrícola e está diretamente ligada a produção e reprodução.

Selma Pantoja diz não ser adequado identificar a escravidão a partir do atributo propriedade, pois justifica que seus direitos são negociáveis, que tanto pessoas livres como escravos poderiam se negociados como propriedade.

Nota-se como característica marcante dos escravos africanos a ausência de parentesco, a não-integração com a linhagem ou etnia local. Para tanto era necessário que este indivíduo fosse retirado de local de origem, enfatizando sua procedência estrangeira. A guerra, o seqüestro, as razias eram as formas mais comuns de escravização e ao contrário que se imagina, aqui, o escravo não trabalhava somente em atividades produtivas, poderia este desempenhar cargos políticos e sociais.

E como o escravo está presente na estrutura econômica de uma sociedade africana? A autora mostra que, quando esta mesma sociedade depende do escravo, temos uma sociedade escravista. Porém a simples presença da escravidão e do escravo não necessariamente a define desta maneira.

Selma Pantoja dedica um capítulo de seu livro mostrando a organização e características da sociedade na África Central Ocidental. Primeiramente os povos de língua bantu onde há apenas uma breve amostra de características dessa sociedade, tais como prática da agricultura e da metalurgia, que possuíam um regime de descendência matrilinear, patrilinear e até de descendência dupla.

Após a autora enfatiza os povos coletores, existentes na África Central Ocidental, chamado de bosquímanos. Estes foram grupos nômades e tiveram sua população absorvida pelos povos de língua bantu, que resultou em um violento impacto no modo de vida dos povos caçadores.

Importante ressaltar que com a relevância da introdução do ferro na agricultura, facilitando na abertura de clareiras, que foi ideal para o cultivo de banana, tão importante na dieta bantu, fez com que o ferreiro tivesse muito prestigio dentro da sociedade, tornando-se o mais importante artesão da aldeia. Uma unidade política organizada em confederação de linhagem é mostrada como exemplo dentro da complexidade do sistema político da região, os Mbundu.

Uma característica marcante desta população eram os laços de parentesco além de muitos dependentes. Como no caso da mulher, que vivendo em uma sociedade polígama, tinha seu trabalho apropriado pelo homem.

A região do litoral da África Central criou estados que se apoiavam na autonomia de linhagem. Eles baseavam-se em uma relação social ou de parentesco consanguíneo, neste ultimo podendo ser matrilinear ou patrilinear. No caso dos Mbundu são predominantemente matrilineares, porém patriarcal, ou seja, segue-se a linhagem materna, mas sempre representado pelo homem.

Há um trecho onde podemos tornar a imagem de Angola mais real, com os aspectos geográficos da região. No que diz respeito às demarcações do domínio dos povos, estas eram feitas pelos rios e mares. O mar litorâneo era de domínio dos reis africanos, já o alto mar pertence aos europeus. O clima angolano é descrito como sendo intertropical, com o índice pluviométrico aumentando quando se afasta do litoral, já ao sul o clima é árido devido ao deserto.

Agora a autora adentra na história do Congo e do estado do Ndongo, onde viviam os Mbundu.

O Congo era divido entre cidades e a população das aldeias, sendo os títulos pertencentes aos habitantes das cidades. Quanto à religião houve um processo de cristianização que se operou somente à elite congolesa.

O governo central era mantido pela cobrança de impostos, estes eram pagos com tecidos, marfim ou cativos.

Uma expedição vinda de Portugal vinda de Portugal, em 1482, estabeleceu contato com o Congo, com interesses comerciais, os lusos introduziram na costa africana o comércio de manufaturas. No início esta relação luso-bakongo era amistosa, até a cristianização ter sido posta de lado pelo interesse no comércio de escravos.

O escravo era utilizado como pagamento no estudo dos africanos em Portugal. Sua venda rendia também impostos para o Manikongo, chefe do Congo. Em 1512 este comércio tornou-se monopólio real.

Durante o século XVII o Congo foi invadido pelo grupo dos yagas, que foi na verdade um golpe para os chefes locais, os Manikongos e comerciantes portugueses, estes guerreiros lutaram ao lado dos Mbundu. Foi então que resultou na hegemonia do Ndongo na região.

Os Mbundu era inicialmente organizado em forma de aldeia constituído por grupos de filiação. Os membros destes grupos tinham o controle das terras para o seu cultivo.

Sobre o soberano, era chamado de Ngola, este passava por um ritual relacionado à posse de objetos considerados sagrados.

Toda a população, aparentemente, estava submetido ao Ngola, mas havia diferença na forma de submissão, dentre as mais comuns formas de dependência estavam os prisioneiros de guerra, escravos por dívidas ou por punição de algum crime, estes não estavam inseridos em nenhum sistema de parentesco. Eram os cativos e as mulheres que se dedicavam à produção agrícola.

E é neste contexto que surge a figura de Nzinga Mbandi, e foi durante seu governo que o Ndongo sofreu sua fase mais tensa, a luta contra os lusos no comércio de escravos e o ataque dos Mbangalas. Nzinga destaca-se por conseguir equilibrar-se neste período de crise no governo.

Nota-se que o mito da rainha Nzinga também serve para autora enfatizar por várias vezes a importância da mulher na sociedade africana, tanto no poder como o principal produtor agrícola.

Voltando ao assunto do contato Portugal-África, foi em 1540 que os lusos tiveram contato com os soberanos Mbundu, e foram estes que buscaram contato com os europeus. O Ngola pediu aos portugueses que enviassem ao Ndongo padres e comerciantes. Mas quando o capitão Novais, enviado pelo reino português, chegou a região e o novo Ngola não quis recebê-lo e após alguns meses de espera o capitão avançou para o interior. O Ngola não apenas se recusou a ser convertido ao cristianismo, como prendeu Novais juntamente com o padre Gouveia.

Para incrementar o comércio de escravos os portugueses combateram contra os Mbundu ao longo do século XVII, e esta tarefa foi difícil pois os portugueses encontraram a resistência de Nzinga Mbandi.

Os portugueses usavam diversos pretextos para iniciar uma campanha militar com intuito de capturar mais escravos. Mas sem o apoio dos africanos os portugueses não poderiam ter acesso às rotas de comércio. A resistência de Nzinga vai dificultar todo comércio de escravos por todo século XVII.

Com a morte de Ngola Mbandi em 1617, houve uma disputa pelo poder entre Kia Mbandi e Nzinga. Ela fugiu para Matamba, onde não poderia mais reivindicar o título, já que para as linhagens tradicionais não aceitavam uma mulher no poder.

Seu irmão teve um governo marcado por inúmeras guerras, devastando o Ndongo. O governador empreendeu uma campanha militar contra o Ndongo e acabou que com sua capital destruída.

Para que a paz fosse restabelecida precisou de alguém com habilidade de negociação, Nzinga, uma mulher com capacidades não só diplomáticas como de guerra como demonstrou dentro de seus quilombos.

O Ngola Mbandi entra em contato com sua irmã Nzinga, que desempenha as negociações entre Ndongo e Portugal na negociação de paz entre os dois estados. Durante a década de 20 os portugueses conseguiram estabelecer aliança no Ndongo. O Ngola Mbandi falece e Nzinga detentora das insígnias reais apodera-se do poder.

Os dois últimos capítulos são onde Nzinga Mbandi está mais presente na obra de Selma Pantoja.

Nzinga adotou os costumes dos Mbangalas, e não aceitou a proposta dos portugueses para que o Ndongo tornassem seus tributários. Ela pediu em carta à Portugal, que enviassem padres ao Ndongo e em troca devolveria os escravos que haviam fugido dos portugueses e refugiaram-se no quilombo.

Porém os portugueses expulsaram Nzinga e colocaram um chefe submisso aos interesses lusos, Aire Kiluanji, que abriu as rotas comerciais do Ndongo. Os chefes Mbundu não reconheciam o Ngola, por ele não pertencer à linhagem. O que permeava esta resistência era o sentimento anti-português da região.

Após um assalto à ilha de Kwanza empreendido pelo governador, Nzinga foge para Matamba e ela passa a adotar os costumes e as formas militares dos Mbangalas.

O confronto militar do Ndongo com os portugueses resultou na demolição das bases do estado, além da propagação da varíola que despovoou aldeias inteiras.

É sempre recorrente falar em escravos que eram acolhidos pela Nzinga e este fato servia de argumentação para justificar a guerra contra a rainha Mbundu. Nzinga era soberana no Matamba, rompeu com as regras estabelecidas, sendo uma mulher no poder usando de força militar para consegui-lo.

Em 1641, Nzinga apóia a ocupação de Luanda pelos holandeses, o qual deseja seu apoio político. Nzinga usou a presença dos holandeses para expulsar de vez os portugueses e reaver o Ndongo. Os portugueses foram reduzidos à posição de intermediários ao comércio de escravos. Em 1648 os holandeses unidos a Nzinga avançaram contra os portugueses.

Os maiores rivais dos portugueses passaram a ser Matamba e o Congo. Foi durante o governo de Vidal de Negreiros que ocorreu o golpe fatal ao Congo deixando-o enfraquecido, mas este continuaria existindo até o século XIX.

Sobre Matamba, foi assinado um acordo de paz com os portugueses, para tal os lusos teriam  que libertar a irmã de Nzinga e ela comprometia-se em entregar alguns escravos. A rainha Nzinga se e converteu ao cristianismo e aceitou a presença dos missionários na região. Neste momento era impossível lutar mais contra os portugueses, pois não havia possibilidade de reorganizar um exercito no Ndongo, já despovoado.

Foi durante o século XIX que a África tornou-se mais vulnerável as invasões européias, pois antes a malária era uma espécie de barreira natural, e neste século foi descoberto o quinino, que ajudou os portugueses a driblar esta barreira.

Nzinga faleceu em 1663, ela foi temida por não só ter sobrevivido a varíola como por ter adotado os ritos Mbangalas.

As conseqüências da disputa pelo comércio de escravos foram grandes, como a redução da população local, o aumento do numero de cativos, a redução da população local e a escravização de pessoas livres.

O Ndongo foi o principal fornecedor de escravos para Luanda, em um momento em que tive uma relação estreita com o comercio atlântica durante o século XVII.

Segundo Cavazzi, na região do Ndongo existiam três tipos de escravos: os quísicos, que eram filhos de outros escravos; os prisioneiros de guerra, que poderiam ser usados em sacrifício; e os escravos de fogo, que viviam em perpetuo serviço até a morte de seu proprietário.

Aos escravos eram negados direitos e privilégios, diferenciados dos demais membros da sociedade devido à ausência de parentesco. Tanto os escravos como as mulheres estavam subordinados aos mais velhos da linhagem.

Foi por meio do apoio destes escravos que Nzinga Mbandi conseguiu subir ao poder no Ndongo e tornar-se um mito não só no continente africano, mas para todos os afrodescendentes.

Nota

Resenha apresentada à Disciplina de História da África, ministrada pela Professora Dra. Fabiane Popinigis na Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC.

Mariana Ouriques – Graduanda do curso de História – UFSC.


PANTOJA, Selma. Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasília: Editora Thesaurus, 2000. Resenha de: OURIQUES, Mariana. O universo negro-africano e suas peculiaridades: a escravidão, o tráfico e o mito da Rainha Nzinga. Cadernos de Clio. Curitiba, v.1, p.116-120, 2010. Acessar publicação original [DR]