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Fascismos e novas direitas | Cantareira | 2020
Observamos, nos últimos anos, vitórias como a de Boris Johnson, no Reino Unido; a ascensão de Jean-Marie Le Pen, como grande figura na França; Viktor Orbán, porta-voz da anti-imigração na Hungria; a reeleição de Sebastián Piñera no Chile; o retorno de partidos neofascistas na Alemanha; Rodrigo Duterte, o fascista das Filipinas; e, entre muitos outros, as expressivas vitórias de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Essa guinada nos alerta para uma tendência na configuração da política mundial.
Em um contexto de crescimento de movimentos de extrema-direita pelo globo, as temáticas dos fascismos e das novas direitas vêm ganhando cada vez mais destaque e relevância nos debates acadêmicos. Seria o fascismo uma atitude desviante? Uma doença? Uma anomalia do sistema? Um retorno nostálgico a um passado “glorioso”? Além disso, seriam todas as direitas mais radicais, fascistas? Esta discussão foi objeto de grandes nomes dentro da historiografia e das ciências humanas e sociais, como Leandro Konder, Daniel Guerin, Ian Kershaw, William Reich, Antônio Gramsci, Umberto Eco, Hannah Arendt, Robert Paxtone e até mesmo, José Carlos Mariátegui. Cada um, a partir de diferentes abordagens –aproximadas ou discordantes –, elaboraram as suas perspectivas muitas vezes ancorados nas questões anteriormente apontadas.
A despeito das diferentes abordagens, bem como das análises de conjunturas, há um ponto em comum entre os autores: essas correntes, em geral, encontram terreno e se ampliam em cenários de crise, momento em que a classe dominada se sente atacada em todas as suas frações. Acreditamos que, diante da falta de horizonte, perda de status e déficit econômico, é comum que ideias salvacionistas sejam tentadoras. A percepção das causas de tantas perdas é deixada de lado em prol de uma luta contra seus efeitos.
Discursos que ressaltam problemas como: as crises econômicas e moral, a perda de status social e incompetência, a traição e fragilidade do governo etc., tornam-se demasiadamente atraentes para setores da sociedade que não se identificam com as transformações recentes. Assim, todos os medos sentidos são estereotipados na figura do “outro”, o qual, por muitas vezes, será compreendido como inimigo a ser combatido.
Ao analisar a ascensão tanto política, quanto eleitoral, de movimentos de extrema-direita, racistas, xenófobas ou, até mesmo, inteiramente fascistas na atualidade, Michael Löwy ressalta que a crescente emergência desses movimentos tem se dado principalmente em países inseridos no processo de internacionalização da economia e da tecnologia. No ápice do neoliberalismo e, portanto, da transnacionalização do grande capital, as tecnologias e os meios de comunicação também se desenvolveram de modo que abarcasse as novas dimensões das demandas impostas pelos interessados nesta transnacionalização e em suas novas dinâmicas funcionais. Antes, se por um lado, os meios de comunicação operavam de maneira verticalizada, partindo de um para muitos, e sendo unidirecional – como os grandes jornais impressos e os canais de radiodifusão. A internet, por outro, se conforma como uma enorme rede digital de troca de informação maciça, sendo menos centralizada, horizontal e multidirecional. É o que Manuel Castells denomina como “Mass Self-Communication”. Devido ao interesse dos movimentos de direita e extrema-direita contemporâneos em trazer a política para o cotidiano, esses grupos aplicam seus investimentos em canais populares de difusão da informação. Assim, expandem sua ação para a mídia digital, por ser moderna, de fácil acesso, de custo relativamente baixo de produção e ilimitada capacidade de difusão.
Ao considerar o papel das historiadoras e dos historiadores na análise destes fenômenos, o objetivo do dossiê é refletir, conceituar e problematizar a questão do fascismo e das novas direitas, reunindo pesquisas que os discutam e identifiquem suas particularidades, rupturas, continuidades etc. Agrupamos, desta maneira, uma coletânea de seis artigos – que perpassam desde as experiências do século XX até o tempo presente, em distintas partes do Globo –, diretamente associados aos temas centrais. Devido a sua pluralidade, estas produções estão ancoradas em distintas visões e tradições teóricas, com vista a ampliar um rico e diverso debate.
Contamos, no primeiro bloco de artigos, com fascículos acerca da experiência alemã, de essencial importância para a temática. Os autores, habilmente, levantaram questões de extrema relevância para qualquer discussão acerca do nazismo alemão e seus estudos, feito de maneira criteriosa. Karina Fonseca em Como a democracia em Weimar morreu: antirrepublicaníssimo e corrosão da democracia na Alemanha e a ascensão do Nazismo, relaciona a derrocada da República de Weimar aos discursos e práticas políticas antirrepublicanas e antidemocráticas que circulavam durante o período. Luiz P. Araújo Magalhães, em Intelectuais de extrema direita e a negação do Holocausto nos EUA dos anos 1960, analisa a formação de uma rede de intelectuais de extrema-direita estadunidense em torno da prática de negação do Holocausto. O texto defende a hipótese de que essa negação incorpora, informa e é informada por valores, visões do passado, esquemas de percepção e hábitos de pensamento desse campo político. Dessa forma, essa falsificação do passado nazista aparece como criadora ou reprodutora de comunidades de sentido e unidades potenciais de ação.
Breno César de Oliveira Góes oferece uma rica aproximação interdisciplinar entre história e a literatura no que concerne à experiência do Salazarismo em Portugal, fortalecendo o tema deste dossiê com o artigo Os fascistas que liam Eça de Queirós: estratégias da propaganda salazarista em torno de uma celebração literária. O texto analisa o plano original das celebrações oficiais do primeiro centenário de Eça de Queirós em 1945 e os motivos que causaram os descontentamentos da base de apoio do regime em relação a esse projeto. Dessa forma, o autor traz à luz o estudo de ditaduras fascistas na Península Ibérica, muitas vezes posposto pelas produções do nazismo alemão e do fascismo italiano de Mussolini.
O segundo e último bloco de texto se articula a partir da temática do avanço conservador e a articulação da direita no Brasil. Com o delicado e necessário debate sobre a educação em tempos de conservadorismo brasileiro, Eduardo Cristiano Hass da Silva e Gabbiana Clamer Fonseca Falavigna dos Reis, analisam em Avanço conservador na educação brasileira: uma proposta de governo pautada em polêmicas (2018) a superficialidade e apresentação polêmica das propostas educativas presentes no plano do atual governo brasileiro e retomam a importância do papel do intelectual no Brasil.
Na esteira das análises sobre a ascensão do conservadorismo brasileiro, os autores Giovane Matheus Camargo, Pedro Rodolfo Bodê de Moraes e Pablo Ornelas Rosa trazem à tona a importância que a Internet e o ciberespaço tomaram no campo político na contemporaneidade. A (des)construção da memória sobre a ditadura pós-1964 pelo governo de Jair Bolsonaro analisa as estratégias no meio digital para a difusão de uma determinada memória, ancorada no revisionismo histórico que as novas direitas brasileiras têm defendido para sustentar seus projetos de sociedade.
Finalmente, apresentamos duas entrevistas de conteúdo mais estritamente teórico. A primeira, apresenta o diálogo entre o entrevistador Sergio Schargel e o pesquisador multidisciplinar neerlandês e filósofo cultural Rob Riemen. As perguntas, levantadas por Schargel, esclarecem a abordagem do diretor do Nexus Institute, que através de uma tradição teórica consistente e calcada no liberalismo, recuperar a importância do conceito de fascismo e sua utilização na atualidade. A segunda, realizada pelas organizadoras do presente dossiê, foi realizada com docentes de países, vivências e perspectivas teóricas diferentes. A professora italiana Fulvia Zega (Università Ca’Foscari Venezia), e a professora brasileira Tatiana Poggi (IH / UFF), relataram suas posições sobre a ascensão conservadora no mundo, as possíveis particularidades no contexto da América Latina, a utilização do conceito fascismo e neofascismo, bem como de outros aprofundamentos.
O dossiê Fascismos e Novas direitas, nesta edição da Revista Cantareira, nasceu em meio à pandemia do coronavírus (COVID-19), uma crise sanitária internacional que, no contexto brasileiro, ganha o reforço de um Estado suicidário, para fazer menção às palavras de Vladimir Safatle. Como em outros governos – que vêm demonstrando uma preocupação desproporcional com a Economia –, o Brasil pretere a vida humana em nome de uma pretensa preocupação com os números. O intuito, portanto, é contribuir com a análise de acontecimentos recentes, discussões teóricas pertinentes e recuperação histórica das ciências humanas em geral, essenciais para a compreensão crítica do mundo em que vivemos. Através das ilações dos nossos autores, percebemos que não somente há um avanço fascista na política mundial, mas um intento de consolidar uma narrativa conservadora sobre a sociedade civil e a política, bem como das organizações alternativas mais conservadoras. Estes aspectos não são uma novidade do século XXI; tampouco, algo exclusivo ao século passado.
Boa Leitura!
Bárbara Aragon – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense.
Milene Moraes de Figueiredo – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
ARAGON, Bárbara; FIGUEIREDO, Milene Moraes de. Apresentação. Revista Cantareira, Niterói- RJ, n.33, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]
Velhas direitas e novas direitas: a atualidade de uma polêmica / Boletim do Tempo Presente / 2013
Em 2001 a equipe de pesquisa do Laboratório de estudos do Tempo Presente, da UFRJ, organizou e publicou a obra coletiva “Dicionário Crítico do Pensamento de Direita” (Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2001). A edição deste vasto volume gerou, na ocasião, um amplo debate sobre a “atualidade”, menos de dez depois do colapso da União Soviética, da díade “Direita-Esquerda” para a compreensão do cenário político mundial e brasileiro. Depois da “Queda” do Muro de Berlin, em 1989, e subsequente colapso soviético com o fim da Guerra fria, não existiria mais nenhum sentido, ou utilidade teórica, na imagem “geográfica” surgida no interior da Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa de 1789.
Contudo, tanto na época, quanto hoje, uma série de fenômenos históricos – desde a emergência do grupo dos chamados “neoconservadores” na esteira da vitória de George W. Bush, em 2001, o papel relevante do chamado “Tea Party”, até a constante reinvenção, ou ressurgimento, dos fascismos (incluindo aí o nazismo) em vários países da Europa (Alemanha, França, Itália, Noruega, Grécia, etc…) e, mesmo em países fora da Europa (como na Turquia, Argentina, Japão, etc…) demonstrariam a constante presença, no espectro político, da definição de um campo “da direita”. Duas advertências, no entanto, devem ser destacadas e analisadas com todo cuidado, evitando análises estereotipas e simples. De um lado, o chamado “campo da direita” é composto por uma gama extremamente variada, ampla, de formas e tendências. Neste sentido, devemos destacar que vários segmentos (auto)assumidos como “de direita”, como o “thatcherismo”, dentro e fora da Inglaterra, caracteriza-se, de forma muito clara, por uma completa adesão ao sistema de valores e às instituições representativas das democracias liberais. Mesmo com forte conteúdo antissocial e regressivo – como o corte de direitos sociais e de conquistas políticas – tais tendências políticas não propuseram a supressão da ordem representativa e, ou mesmo, abandonram o conceito de “liberdade” enquanto um símbolo de sua ação e propaganda política. Mesmo que tal “liberdade” fosse, invariavelmente, voltada para a supressão de direitos e para a melhoria da barganha política e econômica dos grupos dirigentes em fase do conjunto organizado e popular da sociedade (como no caso da tentativa de Margareth Thatcher “desmontar” o sindicalismo britânico e, simultaneamente, impor um sistema de impostas altamente regressivo, como o “poll tax”, nos anos de 1979-1990) ou, hoje, na União Europeia a ação regressiva da chamada “Troika”.
Contudo, reafirmamos, esta direita é parte fundante do espectro político do Estado liberal-representativo e não deve ser confundido e mesclado como formas autoritárias e liberticidas que também compõe o campo da direita, como em vários exemplos apresentados nos artigos que compõe este número da Revista do Tempo Presente. Assim, podemos destacar uma direita “tradicional” – os “Conservadores” britânicos, os Republicanos americanos ou o DEM no Brasil, com grupos – tais como o “Tea Party”, os “Die Republikaner”, na Alemanha, “Os Lobos Cinzentos”, na Turquia ou “A Aurora Dourada”, na Grécia, ou grupos religiosos no Brasil ou EUA, entre outros – que são, resolutamente, anti-institucionais, pretendem um Estado autoritário e liberticida. Estes, para além da “direita tradicional” operam na derivação fascista.
Outro ponto, que devemos destacar, é a inexistência, ao longo da história, de uma essência única no “campo da direita”. Embora alguns temas sejam repetitivos – como a supressão de direitos sociais, a liberdade do uso de armas e a diminuição dos direitos políticos – não podemos criar uma definição única “da direita” atual. Um exemplo clássico é aquele atribuído ao papel do Estado. Em alguns segmentos da direita tradicional ou da direita fundamentalista, como para os Conservadores britânicos ou o “Tea Party” norte-americano, o Estado será sempre um ente “totalitário” e incompetente, perdulário, na gestão da coisa pública – o exato contrário da noção que denominam de “liberdade”. Mas, em outros setores da direita, como nos grupos fascistas e da direita radical, e mesmo algumas ditaduras militares clássicas, o Estado é instrumento fundamental para a prosperidade e a realização dos objetivos “nacionais”, incluindo-se aí o dirigismo econômico. Outros temas, desde a gestão da economia até o grau de intervenção do Estado nos assuntos da vida cotidiana – educação, saúde, uso de armas etc… – há claras divergências. No entanto, temos temáticas que “fecham” uma ampla concordância no campo da direita. Trata-se, neste caso, de uma guinada comportamentalista que viria substituir uma análise essencialista do espectro político.
Assim, o direito das mulheres ao livre dispor do seu corpo e da gestação, a união civil de gays, a educação sexual nas escolas públicas, o sistema de cotas raciais e sociais merecem um ampla, e quase universal, condenação no campo da direita (embora, mesmo aqui, haja divergências, como no caso a união civil de gays que provoca um “racha” nos Conservadores britânicos). Na maioria dos casos, como no Brasil, Estados Unidos e França, a direita assume claramente a luta contra a ampliação dos direitos “sociais” dos novos grupos emergentes na sociedade.
Assim, hoje, a díade “Direita-Esquerda”, envolve um largo espectro de temas que abarcam desde o papel do Estado até temas que se voltam diretamente para o comportamento individual dos cidadãos. Temos aqui, ainda, uma importante novidade política e social: a emergência, como núcleo “duro”, das novas direitas, de grupos e instituições religiosas, que assumem um forte papel na organização de grupos de pressão, partidos ou frações de partidos contrários a ampliação dos direitos políticos, sociais e civis. Assim, na França ou na Espanha, católicos integristas, assumiram posições fortemente conservadores frente a questões como a união civil de pessoas do mesmo sexo e, em grande parte apoiados e estimulados pelo então papa Joseph Ratzinger, uniram-se a grupos igualmente fundamentalistas de adeptos das “novas igrejas televisivas” e, mesmo, de muçulmanos frundamentalistas. Nos Estados Unidos e no Brasil grupos religiosos ( por exemplo, a chamada “bancada dos evangélicos” ) são a ponta mais agressiva da nova direita, como no caso da atual crise da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, da recusa de qualquer forma de controle da venda de armas pelo “Tea Party” e sua ala “radicalizada” do Partido Republicano
No campo da direita, contudo, convive – e muitas vezes “empurram” as organizações e partidos da direita tradicional para posições radicalizadas e intolerantes – uma larga gama de chamados “neo” fascistas, com uma brutal ressurgência do ideário de extrema-direita. Segundo o escritor alemão Richard Herzinger o potencial de violência racista, contido no pensamento e ação da extrema direita, se funda precisamente onde faltam as estruturas da sociedade civil ou onde estas se encontram em ruínas. [3] Herzinger continua argumentando que tanto maior é o pânico, causado por estes grupos, quando o potencial latente de violência perpetrado por eles sai da superfície: um suicídio em massas aqui, um atentado com gás em um metro lotado, um ataque anônimo com bomba de fabricação caseira ali. A grande questão é que esses seguem sendo interpretados, em larga maioria, como casos isolados que não chegaria a representar um cenário mais contundente de ameaça. A ultradireita ressurgente do Nazismo é uma forma de expressão das mais radicais de um submundo que afirma e legitima sua presença na sociedade com o que podemos chamar de ‘ato violento’, seja ele físico ou verbal. Neste sentido, a expressão ressurgente ultrapassa os limites da ideologia e se transforma num comportamento político. O fenômeno da ressurgência dos fascismos está ligado, no tempo presente, a um agir político fascista, voltado para uma questão central que ainda identificamos como sendo a alteridade. Portanto, não é só a violência física que mostra a força destes movimentos, mas também seu poder discursivo de transformação do ethos político negando a possibilidade da diferença e da pluralidade na sociedade. Para nós, este debate caminha para uma reflexão bastante contundente de um paradoxo existente na nossa sociedade: como nos declararmos radicalmente contra os grupos extremistas sem trair o próprio modelo pregado no presente; a ideia de que não há nenhuma diferença na sociedade que não possa ser integrada? Não podemos negar que durante a década de ’90 e na primeira década do século XXI houve uma crescente expansão, sobretudo entre os jovens, do culto a violência, desapego aos valores do Estado de Direito e da democracia e o ódio xenófobo, sempre agravado em períodos de fortes crises econômicas. Há, de fato um fator preponderante no fomento a essas práticas de xenofobia e violência da ressurgência dos fascismos: a falta de reação social e institucional perante os crimes cometidos por tais grupos. Essa percepção de ‘impunidade’ é, deverás inaceitável dentro de sociedades democráticas.
No dia 13 de junho de 2012, o jornalista Maximilian Pop publica no influente jornal alemão Der Spiegel uma matéria intitulada Os Nazistas prosperam livremente em partes da Alemanha Oriental, onde retratava a ação de grupos de ressurgentes atuando em nome da antiga proposta Nacional Socialista. Maio de 2012, Saxônia, cidade de Bautzen. Dois homens agrediram um estudante colombiano com chutes e xingamentos. Em Hoyersweda [4], outro grupo de extrema-direita cercou o escritório de um dos membros do Parlamento alemão, Bundestag, quebrando as janelas e atacando fisicamente um dos funcionários. Em Limbach-Oberfrohna, outro grupo ressurgente atacou um centro de educação alternativa. Em Geithain, um exposivo foi acionado em frente à Pizzaria Bollywood, restaurante que tinha como proprietário um paquistanês.
Uma das entrevistadas pela matéria é Kerstin Krumbholz, de cinquenta anos, que resume os acontecidos em sua cidade com a seguinte expressão: o inferno é assim. Ela conta que tinha escolhido se mudar para a cidade de Geithain, aproximadamente a quarenta quilômetros de Leipzig, há dezenove anos, pois queria que seus filhos crescesse num ambiente mais seguro, longe da criminalidade e dos entorpecentes presentes com mais frequência nas grandes cidades. De qualquer maneira, para a família Krumbholz as ações ressurgentes não passavam de algo que se via e ouvia através dos noticiários, coisas do tipo incêndio nos asilos ou mesmo a entrada do Partido Nacional Democrático (NPD) em alguma câmara legislativa estadual. Essa realidade foi completamente alterada quando seu filho Florian, de quinze anos, foi atacado por um grupo extremista de uma maneira abrupta até entrar em coma e ter que ser submetido a diversos procedimentos cirúrgicos. Florian era membro de uma turma punk e foi atacado pelo grupo ressurgente num posto de gasolina em maio de 2010 e teve seu crânio perfurado por pancadas. Hoje o jovem vive com uma placa de titânio na cabeça e a família Krumbholz não mais reside na cidade de Geithain.
Este é apenas um exemplo dos diversos eventos ocorridos por ações de grupos extremistas no leste da Alemanha no presente. Estes acontecimentos nos questionam quase automaticamente sobre o porquê estudar as ‘direitas’ no século XXI? Qual seu significado? Há uma tipologia dessas direitas? O que a história apresentado como novas e velhas direitas no tempo presente? Um ponto fundamental neste questionamento é entender que não existe nem um só tipo ou um só modelo para categorizar os movimentos de ‘direita’. A ressurgência dos fascismos talvez seja sua expressão mais contundente, mas está longe de ser a única.
Esta edição foi pensada nesta perspectiva: como a história tem lido as novas e as velhas direitas? Porque temas como ódio, negacionismo e integralismo continuam na pauta de discussão sobre esse tema? Este volume esta dividido em quatro partes. A primeira direciona nossa atenção e estudos para a permanência e a reinvenção da direita fascista no tempo presente. O debate realizado pelos textos da professora Clara Góes e, em seguida, do historiador Luis Edmundo Moraes discutem sucessivamente a construção do ódio na história e a negação da política de extermínio nazista. Os pesquisadores Gisele Reiz e Jerônimo Filho se debruçam sobre as propostas e ideários do grupo extremista brasileiro, formado por ex-militares, Guararapes, cujo foco está na crítica a perda da nossa identidade nacional, usando como base o pensamento conservador, nacionalista, autoritário. O professor Jefferson Rodrigues Barbosa da UNESP trouxe a tona uma discussão sobre o que chamou de ‘herdeiros de Plínio Salgado’, uma análise do integralismo no tempo presente. Seu texto reafirma a tese de que o termo ‘neo’ nem sempre é suficientemente elucidativo quando falamos deste grupo extremista. O que teríamos aqui não seria necessariamente um ‘neo’integralismo, mas, uma ressurgência do fenômeno que busca sua base de legitimação no movimento existente nos anos ’30.
Na segunda parte da revista buscamos trazer ao público leitor pesquisas de fôlego sobre as experiências dos fascismos na América do Sul. Primeiro com o texto do professor Pedro Ernesto que se dedicou a uma análise da extrema direita durante a implementação da doutrina se segurança nacional no cone sul. Em seguida o historiador, docente da Universidade Federal do Amapá, Iuri Cavlak retoma a discussão do primeiro governo de Perón relativizando as perspectivas históricas que generalizaram a aproximação de Perón com o Nazismo. Num atual e instigante debate, o historiador sergipano, Dilton Maynard, apresenta um estudo da apropriação do ciberespaço por grupos de extrema direita na argentina no presente, apresentando os mesmos como aglutinadores da extrema direita na América do Sul através do uso das novas tecnologias.
Na terceira parte, as direitas no Brasil, os estudos aqui apresentados estão ligados a uma historicização destas direitas. Filipe Cazetta estuda a Ação Imperial Patrianovista – AIP procurando entender quais características deste grupo foi mantido pela Ação Integralista Brasileira – AIB. Já o historiador Carlos Leonardo Bahiense nos apresenta uma análise do fascismo japonês no Brasil através do caso Shindo Renmei, que o mesmo define como “uma estratégia de resistência face o nacionalismo autoritário estabelecido por Getúlio Vargas a partir da Campanha da Nacionalização.” Natalia dos Reis Cruz retoma a problemática da aproximação entre o governo Vargas e os fascismos. Seu foco está nas políticas de aproximação e de distanciamento em relação aos fascismos utilizando como ponto de referência a questão da identidade nacional. A professora Janaina Cordeiro escreveu sobre a memória militar sobre Emílio Médici e a ideia de que o mesmo era o nome ideal para contornar todos os problemas que o regime vivenciava. O pesquisador Gustavo Alonso se dedicou ao estudo da música popular durante a ditadura militar, em especial a música sertaneja. Seu foco não esta na canção de protesto, mas ao contrário, num tipo de música que em muito serviu ao regime civil-militar brasileiro. O estudo de Alonso está em ampla sintonia com a nova historiografia que estuda o consenso e o consentimento nas ditaduras civis-militares. O historiador Odilon Caldeira apresenta um estudo sobre as apropriações da memória pela direita. O centro de gravidade de seu texto está nas relações conflituosas entre a memória e a história e as diversas estratégias políticas de três tipos específicos de iniciativas de direita: a Ação Integralista Brasileira, a Aliança Renovadora Nacional e o Partido da Reedificação da Ordem Nacional.
Por fim, apresentamos duas resenhas acadêmicas: uma voltada para a análise do filme A Onda, discutindo a adesão aos grupos de extrema direita e a sedução do fascismo e outra, sobre o livro da historiadora Janaina Cordeiro, Direitas em Movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil, que enfoca a reconstrução da memória social da ditadura civil militar brasileira quebrando o mito de uma sociedade resistente ao regime.
Assim, procuramos nesta edição apresentar aos leitores (as) pesquisas de fôlego, de historiadores especialistas em áreas especificas que se unem num debate sobre as ‘velhas’ e as ‘novas’ direitas no Brasil e no mundo.
Notas
3. HERZINGER, Richard. DIE Zeit. 2000.
4. Todas as cidades citadas neste parágrafo estão localizadas na Saxônia no leste da Alemanha.
Francisco Carlos Teixeira Da Silva – Professor Titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ
Karl Schurster – Professor Adjunto de Teoria e Metodologia da História da Universidade de Pernambuco. Doutor em História Comparada pela UFRJ.