Ética, direito e política: a paz em Hobbes, Locke, Rousseau e Kant – NODARI (C)

NODARI, Paulo César. Ética, direito e política: a paz em Hobbes, Locke, Rousseau e Kant. Paulus, 2014. Resenha de: RECH, Moisés João. Conjectura, Caxias do Sul, v. 22, n. 2, p. 401-407, maio/ago, 2017.

A tarefa que Paulo César Nodari se coloca é, em grande medida, ambiciosa, para dizer o mínimo. Sua pesquisa de tese de Pósdoutoramento que se constituiu na presente obra, tem como mote o “projeto filosófico da paz no contratualismo moderno” (2014, p. 298), na qual Nodari empreende profundos estudos acerca de autores clássicos do pensamento político-moral da modernidade: Hobbes, Locke, Rousseau e Kant – com notória ênfase no pensador de Königsberg. O inovador enfoque elaborado em Ética, direito e política… é justamente olhar sob um novo prisma os autores destacados, qual seja, o prisma da paz. Desse modo, Nodari desembaraçar-se da carga pessimista que os autores contratualistas carregam consigo, no que diz respeito à propensão da natureza humana à guerra.

Para tanto, o texto se desenvolve a partir de duas partes, que se dividem em seis capítulos. A Primeira Parte, intitulada: “O contratualismo moderno e o projeto filosófico da paz: Hobbes, Locke e Rousseau” é subdividido em três capítulos, que, igualmente, são divididos em partes de contextualização e de inovação. Leia Mais

Sobre ética: Aristóteles, Kant e Levinas – NODARI (C)

NODARI, Paulo César. Sobre ética: Aristóteles, Kant e Levinas. Caxias do Sul: Educs, 2010. Resenha de: CROCOLI, Daniel José. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 1, Jan/Abr, 2011.

A obra Sobre ética apresenta as diferentes formas de se pensar a dimensão ética, fazendo referência ao olhar teleológico, ao deontológico e ao da alteridade. A primeira parte do texto, organizada no primeiro capítulo, descreve, a partir de Aristóteles, o entendimento teleológico da ética. A segunda parte, constituída de três capítulos, coloca a visão deontológica de Kant. O quinto capítulo se configura a partir dos estudos de Levinas e a alteridade como pano de fundo para se pensar a problematização das questões éticas. O texto é uma leitura acessível do ponto de vista argumentativo, passando pelos principais conceitos referentes ao entendimento ético dos autores em discussão. A riqueza do texto também se confirma pela vasta bibliografia consultada pelo autor ao escrever essa obra. Nas notas de rodapé, o autor nos possibilita um contato direto com os originais referidos no texto, abrindo um importante espaço para esclarecimento de conceitos.

Na abordagem aristotélica, o autor retoma a pergunta de Aristóteles: “Qual o bem supremo do homem e o fim a que tendem todas as coisas?” (p. 9) e retoma o conceito de felicidade como sendo o bem supremo a que se dirige o ser humano pela atividade racional que esteja de acordo com a virtude. O autor destaca que “Aristóteles interpreta a ação humana segundo a categoria de meio e fim”. (p. 16). E, nessa relação, há a necessidade de se pensar um limite para essa sequência. Se todas as coisas tendem a um fim, a um bem, esse bem não é unívoco, pois há uma multiplicidade de fins a que cada ser se dirige. Essa multiplicidade de bens, ou de fins, é organizada em categorias o que faz pensar em um bem supremo. “Aristóteles acredita que a felicidade é este bem soberano, porque é algo final e autossuficiente.” (p. 18). Mas como entender a felicidade no sentido universal sem cair na concepção subjetiva de que cada um possui um conceito próprio de felicidade e, ao mesmo tempo, se distanciar de Platão e manter o caráter imanente do bem soberano? A resposta surge com a ideia de natureza racional do homem, ou seja, “se nós somos seres racionais, por nossa forma natural, então, fica claro que o fim natural será agir segundo a razão”. (p. 20). A felicidade só é alcançada na medida em que o homem se orienta pela razão: “Portanto, para ser feliz, o homem deve viver pela inteligência e segundo a inteligência.” (p. 21). O homem chega à felicidade somente pelo uso da razão em conformidade com a virtude. Essa proximidade entre razão e virtude permite afirmar que o homem feliz é aquele que pensa e age a partir da virtude, e a sabedoria é virtude por excelência.

A virtude está associada à atividade da alma, própria do homem, que se divide em três partes: duas irracionais, presentes em todos os seres vivos, e uma racional, própria do homem. “Então, a parte da alma especificamente humana, que consiste em dominar as tendências e os impulsos, que são por si desmedidos, Aristóteles chama virtude ética.” (p. 25). As virtudes éticas não estão dadas por natureza, mas se desenvolvem com a prática, pelo hábito. É somente realizando ações justas que o homem se torna justo. O autor reforça que, para Aristóteles, o hábito, a ação virtuosa, é que consolida a verdadeira virtude, pois nenhum homem se torna virtuoso da noite para o dia, mas pelo conjunto de suas ações. A virtude se caracteriza não pela falta, nem pelo excesso, mas pela equidade, pelo equilíbrio.

O texto apresenta a divisão feita por Aristóteles entre as virtudes éticas e dianoéticas, ou seja, enquanto as virtudes éticas estão ligadas ao hábito, à ação, as dianoéticas estão ligadas à parte mais elevada da alma e se relacionam com a phronesis [prudência] e com a sabedoria. A phrónesi: “consiste em saber dirigir corretamente a vida do homem”. (p. 29).

Nessa primeira parte do texto, fica claro o entendimento global da abordagem aristotélica sobre a ética, de aproximar a razão, o conhecimento e a prática. A felicidade somente é alcançada a partir de uma vida virtuosa, orientada pela razão. A ética e a política estão próximas em Aristóteles, de forma que as ações concretas, realizadas de acordo com a sabedoria prática, possibilitam que o homem chegue à sua finalidade, ao seu bem, que se identifica com a felicidade e com a visão teleológica da ética.

O capítulo segundo dá início à segunda parte do texto, que se prolonga juntamente com os capítulos terceiro e quarto e faz referência à filosofia de Kant voltada ao estudo da ética. A proposta dessa parte é pensar a chamada revolução copernicana levanta para o entendimento da ética kantiana. Assim como a revolução copernicana traz a possibilidade de pensar que o conhecimento não se regula a partir do objeto, mas do sujeito que conhece, “a intuição dos objetos não deve se regular pela natureza dos objetos, mas, antes, pela natureza da nossa faculdade de intuição”. (p. 54). Assim também o fundamento da ética deve ser buscado na própria razão. A ética nos sentidos universal e racional não pode depender de fundamentos externos (como é o caso de uma fundamentação metafísica), ou pela tradição. Nesse caso, a razão deve ser entendida como autônoma e capaz de dar-se a si mesma uma vontade e uma vontade boa em si mesma. “Kant revoluciona a ética com a ideia da autonomia moral da razão, capaz de determinar a ação.” (p. 61). A autonomia nada mais é do que a possibilidade de pensar o homem com a capacidade de dar-se a própria lei no sentido universal. “O bem não deve mais ser pressuposto ou se constituir em fundamento da lei moral, mas deve, antes, ser deduzido dela.” (p. 62). Para Kant, acentua o autor, a lei moral leva à constituição do bem, ao passo que na metafísica a ideia de bem-trazida pela tradição – determina a lei moral. A parte final desse segundo capítulo reforça a ideia de que a virtude é a capacidade do homem de guiar-se pela razão, é uma conquista de si próprio como ser moral.

O capítulo terceiro apresenta o texto da Fundamentação da metafísica dos costumes para mostrar que os conceitos de lei moral e liberdade não tornam contraditória a argumentação sobre a autonomia e de que a razão se impõe uma lei justamente para se distanciar das determinações da natureza sensível. O imperativo categórico representa um acréscimo ao sujeito na medida em que esse não é somente razão, mas influenciado pelos sentidos. O caráter imperativo do “dever ser” dá condições à vontade de se manter guiada por proposições sintéticas a priori, de caráter universal e que superam as inclinações sensíveis, “de modo que aquilo para o qual as inclinações e os apetites o estimulam em nada pode lesar as leis de seu querer como inteligência”. (p. 97). Dessa forma, o imperativo categórico é uma determinação da vontade que tem como pressuposto a liberdade. É justamente por ser a vontade livre, que essa se lhe apresenta o dever-ser, fortalecendo a ideia de autonomia e de não determinação externa a si mesma. O entendimento de que é a razão, que determina os objetos no campo da ciência pelas condições de possibilidade de todo o conhecimento é a mesma razão, que no campo da ética, torna-se o fundamento de toda lei moral. Assim, se abre a noção de revolução copernicana para o entendimento da ética kantiana tendo a razão no seu aspecto normativo como fundamento da ética.

No capítulo quarto, o autor apresenta o conceito de “sumo bem”, de Kant, argumentando que a moralidade e a felicidade são os dois elementos que o compõem. Acrescenta que a felicidade e a moralidade não podem ser os princípios da vontade, pois essa deve ter seu fundamento em princípios formais o que reforça a necessidade de que a vontade tenha em si a causa de suas ações. (p. 117). Desse modo, a felicidade e a virtude se tornam consequência da lei moral e não o contrário. “O conceito de sumo bem é usado, portanto, para ligar especialmente natureza e liberdade, felicidade e moralidade”. (p. 125-126). O texto faz distinção entre saber e acreditar, mostrando a não contradição entre esses dois termos na medida em que o primeiro se refere ao mundo fenomênico, e o segundo aos elementos que estão além da experiência como é o caso dos postulados da razão (Deus, imortalidade e liberdade).

Para esse estudioso, a existência de Deus é necessária na argumentação kantiana, pois a razão coloca Deus como condição de se pensar a natureza como causada, e a felicidade como elemento subordinado à moralidade.

O sumo bem representa a totalidade dos fins morais, e essa ordenação racional exige um fim do qual decorre toda derivação, por isso a exigência de admitir a existência de Deus. A felicidade torna-se um conceito racional que indica a capacidade de autodeterminação da vontade, sendo o segundo elemento do sumo bem. A capacidade da razão de dar-se a própria lei pela determinação da vontade caracteriza a visão deontológica da ética.

A terceira parte da obra se concentra no quinto capítulo e aborda a visão de Levinas sobre a ética. Destaca o autor, já no título do capítulo, a importância do conceito de rosto como apelo à responsabilidade e à justiça. “O rosto do outro ser humano é a sua forma de apresentar-se, não de ser representado, diante do eu que o olha e o toca, mas sem objetivá-lo.” (p. 175). Pelo rosto, do encontro face a face, Levinas entende que ocorre a superação da visão ontológica do ser, pois essa aprisiona e neutraliza o outro na medida em que o reconhece a partir do eu. A descoberta do outro é a descoberta do totalmente outro, ou seja, que não se opõe ao eu, mas se apresenta como diferente. “O outro não é o que eu sou. Não é um alter ego, mas um alter do ego.” (p. 174). Significa dizer que o outro faz uma exigência ao eu, de ser reconhecido como diferente, que não se aprisiona. Na relação face a face, o outro é o fundamento da ética. “O rosto do outro é um mandamento, […] exige justiça.” (p. 177).

O eu perde seu lugar, torna-se vulnerável e é exigido a ele ser responsável e justo. Para o autor, Levinas, ao se distanciar da ontologia, permite que se pense a dimensão ética como um movimento que é anterior à própria consciência, referindo-se ao conceito de proximidade. “Bem antes da consciência da escolha, o homem aproxima-se do homem. É tecido de responsabilidade.” (p. 183). O outro, que está próximo, possibilita a criação de sentido para a subjetividade e, dessa forma, o eu se torna responsável originariamente pelo outro. A alteridade é a “relação sem relação”, originária da responsabilidade e da justiça.

Daniel José Crocoli – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: djcroco@hotmail.com

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