Pesos and Politics. Business/Elites/Foreigners/ and Government in Mexico/1854-1940 | Mark Wasserman

Cuando nos proponemos analizar las dinámicas económicas que predominaron en la etapa denominada por la historiografía como porfiriato y sus etapas consecutivas, la revolución y la postrevolución, varias concepciones se nos anteponen y nos impiden preguntarnos hasta qué punto dichas interpretaciones reproducen una visión sesgada de lo que fue la dinámica económica y de poder en esos tiempos. El libro de Mark Wasserman lo que busca es, mediante un análisis de las relaciones personales de ciertos sujetos empresariales importantes de la época, dar una interpretación alternativa que se contraponga a la concepción de que la dinámica de correlación de fuerzas que se instauró en el periodo de gobierno de Porfirio Díaz se rompió con el proceso revolucionario de 1910. Por esto, busca sostener que la dinámica de relaciones de poder se mantuvo a lo largo de la época del conflicto armado y más allá, a los tiempos de los gobiernos de Álvaro Obregón y Plutarco Elías Calles. Leia Mais

Portugueses no Rio de Janeiro: negócios, trajetórias e cenografias urbanas (séc. XIX-XXI) | Lená Menezes de Medeiros

Lena Menezes de Medeiros Imagem
Lená Menezes de Medeiros | Imagem: Extra

Portugueses no Rio de Janeiro. Negócios, trajetórias e cenografias urbanas, livro de autoria da historiadora Lená Medeiros de Menezes, publicado pela editora Ayran no segundo semestre de 2021, constitui, a um só tempo, um trabalho afetivo e acadêmico. Talvez isso desperte a curiosidade do leitor em geral, talvez, ainda, suscite a desconfiança do acadêmico, uma vez que afetividade e a abordagem objetiva próprias do ofício do historiador não costumam a se entrelaçar. Não costumam, mas podem sim conviver sem nenhum prejuízo à qualidade da obra. E é isso o que vemos aqui nesse livro, e sem nenhum desdoiro nem a sua dimensão acadêmica, nem à expressão dos seus afetos.

É bem verdade que a equação que une a cientificidade e a afeição manifesta para com o objeto de análise não é algo fácil de ser alcançado, podendo facilmente resvalar em incoerências, mascaramentos, excessos, ou mesmo em imprecisões. Mas aviso desde já aos leitores que nada disso se verifica nessa obra. E isso não se dá sem motivo. A razão principal para essa harmoniosa conjugação de fatores que tradicionalmente são tão distintos e excludentes é a maturidade da autora do livro. Lená Menezes é uma historiadora talhada pelo cinzel de uma longa caminhada acadêmica. É professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro desde o final da década de 60, passando por vários cargos e funções nessa instituição, entre eles a Pró-reitoria de graduação, além de ter fundado um dos mais importantes laboratórios de pesquisa sobre a imigração do Brasil, o LABIMI, que se destaca pela sua internacionalização, justamente, com o meio acadêmico português. É exatamente essa maturidade como pesquisadora que sustenta a delicada equação que aludimos e, mais ainda, a nosso ver, a torna fator de engrandecimento do livro. Tanto os leitores médios afeitos às coisas de Portugal podem lê-lo sem o temor da maçada que uma obra acadêmica pode inspirar, como aqueles que se debruçam academicamente no tema da imigração portuguesa podem o fazer sem o temor de qualquer desalinho com os bons padrões da pesquisa universitária. Leia Mais

Poder y negocios en la Córdoba Borbónica. La expulsión de los jesuitas en 1767 y lo ocurrido después… | Ana Inés Punta

Ana Inés Punta presenta un estudio exhaustivo de los procesos de liquidación de bienes de la Compañía de Jesús, en la jurisdicción de Córdoba del Tucumán (1767-1797). La expulsión de 1767 dio lugar a fenómenos locales que afectaron la vida cotidiana de la población y el funcionamiento de las instituciones, además de inducir cambios en la propiedad y uso tanto de la tierra productiva como de la población esclava puesta a la venta. Este libro se suma a otros, suyos también, sobre la segunda mitad del siglo XVIII en la jurisdicción de Córdoba del Tucumán, que totalizan un gran aporte a la historiografía. (Punta, A.I., Córdoba borbónica. Persistencias coloniales en tiempo de reformas (1750-1800), U.N.C, Córdoba, 1997, 336 págs; Punta, A.I y Rustán, M.E., -comps.Córdoba borbónica a través de sus documentos, Ferreyra Editor, Córdoba, 2014, 226 págs; y varios artículos en revistas especializadas). Leia Mais

Portugueses no Rio de Janeiro: negócios/trajetórias e cenografias urbanas | Lená Medeiros de Menezes

É certo que a história da imigração no Brasil passa pelo porto do Rio de Janeiro. Tanto na época da Grande Imigração quanto do Pós-Segunda Guerra Mundial. Assim, o Rio de Janeiro foi o palco da chegada de milhares de imigrantes de várias partes do mundo a partir da segunda metade do século XIX e ao longo do século XX. Esse processo mudou o cotidiano carioca e definiu uma época da cidade, em que o Rio de Janeiro se caracterizou como território de convivência de múltiplas identidades nacionais e étnicas. Em grande medida, pode-se dizer, que essa presença dos imigrantes reforçou a vocação cosmopolita da cidade. Para os habitantes mais velhos do Rio de Janeiro, certamente, a lembrança a presença dos imigrantes na vida urbana deve ser bem viva.

A história do Rio de Janeiro dos imigrantes encontrou agora uma obra de referência obrigatória no livro Portugueses no Rio de Janeiro: negócios, trajetórias e cenografias urbanas, de Lená Medeiros de Menezes. Professora emérita da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e atual presidente do Instituto Histórico do Rio de Janeiro (IHGRJ), a autora é conhecida especialista no campo da história da imigração e dos imigrantes no Brasil com vários trabalhos publicados. Seu livro Os indesejáveis: desclassificados da modernidade há muito marca os estudos da história da imigração no Brasil, contornando de modo original e provocativo o mito de que a sociedade brasileira foi sempre receptiva aos estrangeiros. O novo livro oferece um panorama abrangente da presença da comunidade de origem portuguesa na cidade do Rio de Janeiro. A relevância da pesquisa empreendida reside no fato de abordar a mais importante das comunidades de imigrantes do Rio de Janeiro e com influência decisiva na história da cidade. A pesquisa tem como marca a dedicação à pesquisa documental para valorizar a descrição de trajetórias de indivíduos, explorando vivências pessoais. Ao acompanhar os itinerários de vida de vários imigrantes, que passam a ser tratados pelo nome, o argumento geral aproxima muito de perto o conhecimento do processo social da experiência histórica, oferecendo ao leitor um quadro vivo e sensível da história. Leia Mais

Negócios internos: economia e sociedade escravista no Brasil do oitocentos (Freguesia de Itajubá – Minas Gerais século XIX) | Juliano Custódio Sobrinho

Localizada no sul da Mantiqueira, no sul da Capitania de Minas G, no sul da Capitania de Minas Gerais e próxima ao nordeste da Capitania de São Paulo, a Freguesia de Itajubá se configura como uma região fronteiriça, local de passagem e de rotas comerciais, mas também de habitação e permanência. Seu povoamento data do início do século XVIII, decorrente dos fluxos migratórios ocasionados pela busca por ouro na região que, aparentemente, não prosperaram. Seu núcleo populacional se deslocou no início do século XIX, precisamente em 1819 e, em 1862, foi elevada à categoria de cidade, consolidando-se onde se localiza atualmente. Em Negócios internos: economia e sociedade escravista no Brasil do oitocentos (Freguesia de Itajubá, Minas Gerais, século XIX)Juliano Custódio Sobrinho aborda a dinâmica interna da Freguesia de Itajubá, suas estruturas produtivas, bem como sua inserção no circuito mercantil do sudeste brasileiro, especialmente na primeira metade do século XIX.

Com base no levantamento, identificação e caracterização do perfil socioeconômico da freguesia, o autor revela uma dinâmica rede de abastecimento interno, impulsionada sobretudo pela agropecuária voltada ao mercado local e regional, bem como ao consumo das unidades produtivas internas. Mercadorias como gado bovino, gado suíno e seus produtos derivados associavam-se a uma crescente produção de bens de raiz e investimentos em escravaria. Valendo-se do método analítico da história serial e da perspectiva da História Social, o autor, podemos dizer, contribui para o crescente campo da “História Social da escravidão”.

Dentre as fontes consultadas, privilegia a investigação de inventários post mortem pertencentes ao Fórum Wenceslau Braz (Itajubá, MG). Menciona também o uso de Listas Nominativas e Mapas de População, para os anos compreendidos entre 1831 e 1835, disponíveis no banco de dados do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR/UFMG), além de visitar outros acervos paulistanos e mineiros, como o Arquivo Público do Estado de São Paulo, a Cúria Metropolitana de São Paulo, o Centro de Estudos Campanhense Monsenhor Lefort, e o Banco de Dados do Arquivo Histórico Ultramarino. O estudo das fontes se volta não só para uma abordagem quantitativa, senão também qualitativa dos dados, buscando compreendê-los em conjunto.

Segundo Custódio Sobrinho, até a década de 1970 a historiografia pouco se debruçou sobre a dinâmica interna das sociedades coloniais, secundarizando as especificidades regionais e o funcionamento do mercado interno. Trata-se de uma perspectiva historiográfica que não está superada e segue ancorada em um modelo explicativo que compreende as sociedades coloniais a partir das relações externas, invisibilizando suas próprias dinâmicas e especificidades. Não obstante, muitos são os estudos que protagonizam a economia mineira e a vertente historiográfica que privilegia os estudos regionais tem se ampliado, especialmente a partir da década de 1970, quando houve uma inflexão historiográfica no viés interpretativo, protagonizando novos agentes e abarcando novas fontes.

O autor é Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente é professor da Universidade Nove de Julho (Uninove). O livro é resultante de sua dissertação de mestrado, apresentada em 2009 à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) sob orientação da Profa. Dra. Carla M. Carvalho de Almeida, que assina o generoso prefácio. Com 193 páginas, o livro divide-se em quatro capítulos: I – Povoamento e riqueza na capitania do ouro, II – Poder e privilégios entre os “melhores da terra”, III – Escravizados nas páginas dos inventários e IV – Produção agropecuária e perspectivas de mercado.

O primeiro capítulo, “Povoamento e riqueza na capitania do ouro” é subdivido em três tópicos: “A economia colonial nas Minas”, “Mercado interno e a historiografia revisitada” e “A freguesia de Itajubá”. Nele, o autor descreve a formação da freguesia de Itajubá dentro de um panorama mais amplo e discute como o seu desenvolvimento é abordado nos debates sobre a economia colonial mineira. Grosso modo, pode-se dizer que a produção historiográfica define a extração aurífera como determinante da economia mineira e descreve um cenário, a partir do declínio da mineração, em que a extrema estagnação econômica invisibilizou todo um circuito mercantil dedicado à produção interna, em especial a agropecuária.

É inegável que a história de Minas Gerais está intimamente ligada às atividades de mineração, no entanto seu declínio não deve ser compreendido como estagnação econômica, como se houvesse simplesmente engessado dali por diante. Trata-se de um processo importante cujo decaimento resultou em uma dinamização da economia voltada ao mercado interno, inclusive decorrente da necessidade de rearticulação dessa mesma economia diante das transformações do contexto. Para o caso de Itajubá esses rearranjos são verificáveis, por exemplo, na produção agropecuária, e o autor demonstrou que o fortalecimento do mercado interno estava plenamente em consonância com a lógica escravista da sociedade em que se circunscrevia. Nesse sentido, os estudos regionais ampliam o debate no sentido de evidenciar as especificidades locais, demonstrando uma complexidade socioeconômica muito maior inerente às suas próprias lógicas de organização. É a partir desse método interpretativo que Custódio Sobrinho se debruça, como que por uma lupa, fugindo a homogeinizações e generalizações que desapercebem toda uma rede de relações que se articulava internamente.

O segundo capítulo, intitulado “Poder e privilégios entre os ‘melhores da terra’”, também se organiza em três subtítulos: “Percepções demográficas”, “Indivíduos e relações sociais” e “Vida material e hierarquia na freguesia”. Aqui, podemos conferir uma melhor explanação e cotejamento de informações acerca da demografia e do perfil socioeconômico da região em estudo, compreendendo as hierarquias, distribuição de riquezas e vida material por meio da análise em conjunto dos inventários post mortem com os dados levantados por meio do Banco de Dados Populacional do CEDEPLAR-UFMG. A partir de 125 inventários, Listas Nominativas e Mapas de População, o autor evidencia uma sociedade extremamente estratificada, cujos privilégios se expressam, por exemplo, nos bens de herança. Mais que um levantamento quantitativo, Custódio Sobrinho qualifica esses dados, revelando questões sociais em dimensões mais amplas.

O terceiro capítulo, “Escravizados nas páginas dos inventários”, versa sobre a participação dos negros escravizados nas atividades produtivas de Itajubá (suas partes são “Posse de cativos na freguesia”, “A participação escrava” e “Sujeitos, ações e identidades”). O autor procurou traçar o perfil destes sujeitos e compreendê-los enquanto agentes, buscando lançar luzes em suas formas de agir, reagir e resistir. Compreendidos enquanto posse, o levantamento de escravos foi feito também a partir dos inventários post mortem. Nesse caso, as limitações inerentes a esse tipo documental deixam dúvidas acerca de sua suficiência para compreendermos efetivamente a participação dos negros nas unidades produtivas e na própria consolidação da Freguesia de Itajubá. Um arrolamento maior de outras espécies documentais contribuiria melhor para o propósito. De todo modo, Custódio Sobrinho deixa claro não se tratar do objetivo central da pesquisa e sua contribuição se verifica ao demonstrar o quão expressiva foi a participação de pessoas escravizadas nas atividades voltadas ao abastecimento interno em uma freguesia da província que, segundo o autor, deteve o maior contingente de escravos do Império em sua estrutura produtiva.

Pode-se inferir, ainda, que a expressiva importação de cativos para a região deve-se, fundamentalmente, à expansão e diversificação socioeconômica, especialmente a partir do declínio da mineração que impôs a rearticulação da economia. O autor menciona que a província de Minas Gerais se tornou a maior detentora de escravos e assim permaneceu até a abolição da escravidão, em 1888. A produção de alimentos na região também atende à manutenção dos afluxos na importação de escravos durante todo o século XIX e se intensifica com a chegada da Corte ao Rio de Janeiro. Para além disso, constata em Itajubá uma situação não rara no Brasil oitocentista, mas ainda pouco tratada pela historiografia, em que a mão de obra escrava trabalhava lado a lado com a mão de obra familiar, no caso das pequenas propriedades. De forma mais ampla, Custódio Sobrinho se vale do mapeamento da posse de cativos como indicativo para melhor compreender a estratificação social e a hierarquização das unidades produtivas.

Por fim, o quarto e último capítulo, “Produção agropecuária e perspectivas de mercado”, é também o mais extenso. Dividido em quatro partes (“Produção mercantil”, “Composição dos bens nos inventários”, “Padrões de riqueza e utilização da terra” e “Terras de cultivo, campos de criar: a agropecuária na freguesia”), esse é o capítulo que, talvez, melhor situe o autor dentro de sua própria obra. São oito tópicos que se preocupam em discutir a participação de Itajubá no contexto regional, isto é, sua inserção na produção mercantil sul mineira e sua relação com o Rio de Janeiro. Aqui, o autor se volta a uma caracterização das unidades produtivas, rurais e urbanas, a fim de evidenciar a diversidade econômica da região. Reafirma, ainda, o expressivo envolvimento dessas unidades com o abastecimento interno e a massiva participação das pessoas escravizadas, composta sobretudo por cativos nascidos na região (crioulos).

A partir de um estudo de caso, Juliano Custódio Sobrinho nos apresenta um trabalho pertinente e pormenorizado acerca das estruturas econômicas na Freguesia de Itajubá no Brasil oitocentista. Voltada fundamentalmente ao mercado interno, a pesquisa é provocativa na medida em que demonstra uma complexa rede de relações econômicas e sociais, mais ampla e diversa que a imagem estanque que se pressupunha pela historiografia até a década de 1970. Uma narrativa que se consagrou entre os historiadores que centravam o argumento da dependência econômica externa enquanto modelo explicativo para as colônias e sob um viés que se sedimentava no pressuposto de um capitalismo comercial. Neste sentido, ao passo em que se privilegiava territórios voltados à macroeconomia escravista e de exportação, invisibilizou-se todo um mercado interno do sudeste brasileiro, seus agentes e suas dinâmicas próprias de organização.

Para além dos interessados no caso específico de Itajubá, o livro é indicado àqueles que almejam compreender melhor como se engendram as relações econômicas e sociais que envolvem o sudeste brasileiro no século XIX, bem como os distintos grupos que aí se verificam e se conformam. Por meio da Demografia Histórica enquanto método analítico, o autor buscou caracterizar e compreender as estruturas daquela sociedade, as práticas que a orientam e os agentes que a organizam, para além da dicotomia senhor-escravo. Nesse sentido, nos informa sobre uma sociedade altamente estratificada e hierarquizada, envolvida em uma dinâmica rede de abastecimento interno e que se fundamentava sobretudo na diversidade agropecuária. Ao longo de seu livro, o autor nos revela o entrecruzamento de histórias de uma elite local, emaranhada por relações de parentesco, conflitos por heranças e articulações pela manutenção do patrimônio, junto às diversas formas de cotidiano e resistência dos sujeitos subalternos, sobretudo a população negra escravizada. A obra confere um espectro mais plural para a compreensão de economia e sociedade do centro-sul do Brasil.

Referência

CUSTÓDIO SOBRINHO, Juliano. Negócios internos: economia e sociedade escravista no Brasil do oitocentos (Freguesia de Itajubá, Minas Gerais, século XIX). São Paulo: Universidade Nove de Julho – UNINOVE, 2017.

Karina Oliveira Morais dos Santos – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Graduada em História pela Universidade Federal de São Paulo; Mestranda em História Social pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH-UNIFESP) e bolsista FAPESP. Atualmente em mobilidade internacional enquanto aluna visitante na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). E-mail: karinaolimorais@gmail.com


CUSTÓDIO SOBRINHO, Juliano. Negócios internos: economia e sociedade escravista no Brasil do oitocentos (Freguesia de Itajubá, Minas Gerais, século XIX). São Paulo: Universidade Nove de Julho – UNINOVE, 2017. Resenha de: SANTOS, Karina Oliveira Morais dos. História serial e economia de abastecimento no Sul de Minas. Almanack, Guarulhos, n.22, p. 627-633, maio/ago., 2019. Acessar publicação original [DR]

Moçambique, o Brasil é aqui: uma investigação sobre os negócios brasileiros na África | Amanda Rossi

Dividido em 21 sessões e um apêndice de peso, com entrevistas do escritor moçambicano Mia Couto e do ex-presidente brasileiro Lula, o livro Moçambique, o Brasil é aqui: Uma investigação sobre os negócios brasileiros na África extrapola a ideia de reportagem e propõe um deslocamento histórico e espacial pelo território moçambicano no qual, Amanda Rossi, a julgar por seus agradecimentos, parece ter construído visíveis laços de afeto.

Instigada pela presença cultural, religiosa e pelo crescente interesse econômico do Brasil em Moçambique, a obra contextualiza as relações históricas entre os dois países até chegar ao tempo presente. Para tanto, a jovem jornalista percorreu de trem, machimbombo, chapa e tchopela grande parte do território moçambicano onde o Brasil, de alguma forma, se faz presente nos chamados projetos de cooperação (Fiocruz, Embrapa, SENAI, Caixa Econômica e Ministérios da Educação, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, Esporte) ou fazendo negócio: Vale, OAS, Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Embraer, Rede Record, Petrobrás, Eletrobrás, Grupo Pinesso ( produção de soja) e BRF ( venda de frango congelado). Leia Mais

Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860 | Izabel Andrade Marson e Cecília Helena de Salles Oliveira

Durante longo tempo, os estudos de história política, social e econômica do Brasil Imperial foram tomados de forma bastante estanque, como se não houvesse uma continuidade entre o Primeiro Reinado, a Regência e o Segundo Reinado. De certa maneira, era lugar comum tratar as diferentes fases do processo que levou à formação do Estado Imperial apenas como rupturas. Desconsiderava-se a interdependência de temas como cidadania, comércio, escravidão, justiça e política externa, e não havia a preocupação em compor análises que indicassem as contradições do período. Dito de outro modo, não se tomava a formação do Estado Imperial a partir da ideia de processo.

Contudo, nos últimos anos esta visão tem sido alterada pelos inúmeros esforços de historiadores de diversas partes do país, o que pode ser demonstrado pela constituição de grandes projetos coletivos, de associações dedicadas ao estudo daquele período, materializados pela criação de novos laboratórios, grupos de estudo e linhas de pesquisas em importantes programas de pós-graduação brasileiros. Tais esforços ajudaram a romper o isolamento das pesquisas, permitindo que novos enfoques e novas abordagens fomentassem o diálogo entre diferentes autores, sendo possível estabelecer contatos até mesmo com pesquisadores que atuam em instituições internacionais, para pensar o Império do Brasil de forma que articule, equilibradamente, aspectos sociais, econômicos e políticos.

Novos trabalhos cheios de fôlego para romper com antigos paradigmas e propor questionamentos instigantes aos temas correlatos à formação e à consolidação do único Império no Hemisfério Sul estão reunidos em importante coletânea organizada por Izabel Marson e por Cecília Oliveira. Os artigos em foco percorrem temas como escravidão, liberalismo, redes de interesse mercantis, conflitos e competições na cena pública, bem como a opção pela monarquia constitucional representativa. O livro, como um todo, abrange desde a crise do Antigo Regime ao Segundo Reinado, explicitando que o Império do Brasil somente pode estruturar-se como tal porque contou com o suporte, sobretudo financeiro, garantido pelos negociantes de grosso trato, sempre interessados em obter vantagens econômicas e políticas, em momento em que, sob os matizes das práticas liberais, as coisas da vida pública e da vida privada coexistiam sem se confundir.

A coletânea em tela está dividida em duas partes: (Re)configuração de pactos e negociações na (re)fundação do Império e Revoluções e Conciliação: Fluidez do Jogo Político, dos Partidos e dos Empreendimentos. Ao todo, os nove artigos escritos por mestres e doutores demonstram como as redes de favorecimento impulsionaram o enraizamento do Estado português na América, bem como garantiram a consolidação do Estado Imperial do Brasil.

O primeiro momento é inaugurado por Ana Paula Medicci, autora de As arrematações das rendas reais na São Paulo setecentista: contratos e mercês. O estudo abrange o período de 1765, ano em que a capitania tornou- se autônoma ao Rio de Janeiro, a 1808, data da chegada da Corte, quando novos arranjos políticos alterariam o novo centro administrativo e a sua relação com outras localidades da Colônia. Ao discordar da perspectiva de que a capitania atravessava grave crise econômica quando se reorganizava administrativamente, a autora demonstra que a capitania de São Paulo favoreceu o enraizamento de negociantes que participavam da administração pública arrematando impostos, financiando empreendimentos estatais e comandando tropas de segunda linha. Comprova a existência de uma rede de compadrio que permitiu que, mesmo antes do século XIX, São Paulo fulgurasse como uma das mais expressivas províncias do Brasil, dispondo de homens ricos e influentes que, ao mesmo tempo em que intencionavam consolidar seus objetivos particulares de manutenção no poder, também fortaleciam as instituições representativas tão necessárias à unidade imperial.

O político e o econômico também aparecem como faces da mesma moeda no artigo Imbricações entre política e negócios: os conflitos na Praça do Comércio no Rio de Janeiro, 1821, de Cecília Helena de Salles Oliveira. As análises do tumulto, ocorrido durante assembleia de eleitores que indicaria os representantes do Rio de Janeiro em Lisboa, extrapolam as explicações simplistas de que foram apenas manifestações antilusitanas antecedentes à Independência. Possibilitam compreender as vinculações entre a política e o mercado a partir de um reordenamento de hierarquias, privilégios e monopólios disputados por diferentes agentes sociais. São resultados das contradições e dos múltiplos projetos em disputa, em um momento em que muito ainda estava para ser definido.

A fim de compreendê-los, Cecília Oliveira parte da análise de três importantes fontes históricas, escritas por contemporâneos que atribuíram interpretações variadas para os atos na “Bolsa”: a edição de 25 de abril de 1821 do jornal Gazeta do Rio de Janeiro; as impressões de Silvestre Pinheiro Ferreira, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra; e os relatos anônimos publicados um mês após os eventos na Praça do Comércio, sob o título de Memórias. As três visões sobre o mesmo fato levaram-na a pensar sobre os projetos conflitantes, bem como a compreender as articulações em torno da figura de D. Pedro I: alternativa viável aos interesses mercantis de determinado grupo que ambicionava participar da redação de um texto constitucional que limitasse os poderes do governo e ainda garantir a preponderância do Rio de Janeiro como centro articulador da política e das negociações mercantis.

O terceiro artigo da coletânea também demonstra como os negociantes se valiam da aproximação com a política para obter vantagens para si. Festejos públicos, política e comércio: a aclamação de D. João VI, foi escrito por Emílio Carlos Rodriguez Lopez, e investiga a montagem e o financiamento das celebrações da monarquia, voltando-se especialmente para o evento de fevereiro de 1818. Revela como as mesmas famílias que estavam por trás do comércio de abastecimento da cidade eram também as principais financiadoras das festas públicas – o que as distinguia socialmente e reforçava ainda mais os laços com o soberano, que as recompensava com honrarias e outras mercês. Além disso, as festas difundiam a ideia de que a civilidade havia chegado aos trópicos. Reproduções do arco do triunfo, do templo grego e do obelisco egípcio eram exibidas próximas ao local da aclamação e ao centro do poder, simbolizando que novos padrões culturais estavam em voga no Brasil desde a vinda da Corte.

Avançando no tempo, Vera Lúcia Nagib Bittencourt escreveu Bases territoriais e ganhos compartilhados: articulações políticas e projeto monárquico-constitucional para entender o apoio a essa forma de governo no período posterior à Independência. Para ela, a emancipação política do Brasil e a adesão à figura de D. Pedro devem ser entendidas como resultantes de um árduo processo de negociações envolvendo interesses multifacetados, num momento em que as interações entre o Rio de Janeiro e as demais províncias se diversificavam frente à redistribuição de poderes. A autora propõe que as relações entre São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro sejam pensadas para além de suas dimensões territoriais, mas sim pelas dimensões políticas e econômicas estreitadas pelas práticas comerciais, pela expansão da agricultura e principalmente por uma extensa rede familiar de negócios que atuava na área. Podem ser pensados como “espaço com identidade econômica e social, em busca de poder e representação” (p. 156).

Encerrando a primeira parte da coletânea, João Eduardo Finardi Álvares Scanavini apresenta Embates e embustes: a teia do tráfico na Câmara do Império (1826-1827). O autor analisa a repercussão do tratado anglo-brasileiro de 23 de novembro de 1826, que visava pôr fim ao tráfico de escravos em um prazo de três anos, na Câmara dos Deputados. A partir dos debates travados naquela Casa do Legislativo, o autor mapeou o posicionamento dos grupos sobre o tema, procurando aprofundar a ligação entre esses homens e distintos interesses mercantis no Rio de Janeiro. Afirma que os deputados expressaram condutas ambíguas sobre a extinção do comércio de almas no país, defendendo a conservação da ordem escravocrata, a partir de um debate que se centrou, na maioria das vezes, em condutas anglóbofas ou anglófilas visando desqualificar o tratado de 1826.

A segunda parte do livro dedica-se a momento posterior à renúncia de Pedro I em nome do filho. É inaugurada por artigo de Erik Hörner, intitulado Partir, fazer e seguir: apontamentos sobre a formação dos partidos e a participação política no Brasil da primeira metade do século XIX. Valendo-se das concepções teóricas do cientista político Giovanni Sartori, Hörner afirma que ater-se às designações “liberais” e “conservadores” nos anos finais da Regência e no Segundo Reinado pode ser considerado um anacronismo por levar em consideração o bipartidarismo defendido por autores de época, como Justiniano José da Rocha, Theophilo Ottoni, Américo Brasiliense e Joaquim Nabuco. O esquematismo dos autores de época não se aplica às experiências das assembleias e dos governos do Brasil Imperial, sendo preciso levar em consideração as particularidades locais em relação às diversas esferas de poder em altercação.

Em Monarquia, empreendimentos e revolução: entre o laissez-faire e a proteção à “indústria nacional” – origens da Revolução Praieira (1842- 1848), Izabel de Andrade Marson analisa o jogo político partidário em face na Província de Pernambuco. “Guabirus” e “praieiros”, defensores, respectivamente, do “livre-cambismo” e da “indústria nacional”, opunham-se na cena pública, competindo por cargos de poder e por maior inserção nos negócios. Tal concorrência, somada à hostilidade entre conservadores e liberais, foi munição necessária à explosão dos conflitos de 1848. A vitória dos conservadores levou ao enfraquecimento do Partido Nacional de Pernambuco – PNP, afastando, por conseguinte, os liberais do poder por cerca de quinze anos. Tal hegemonia garantiu, segundo Marson, que práticas livre-cambistas encontrassem condições propícias para prosperar, ainda que achassem resistência entre os proprietários menos abastados.

Embora o PNP estivesse desarticulado após a Revolução Praieira, os ideais propalados pelo grupo seriam reavivados por volta de 1870, quando Henrique Augusto de Milet, no Jornal de Recife, buscava compreender as causas da crise das lavouras vividas pelas províncias do norte. Culpava os dirigentes do Império por terem buscado soluções estrangeiras (laissezfaire, alta do câmbio, juros elevados, etc.) para um problema nacional que tinha origem nas disputas sangrentas ocorridas em Pernambuco. A crise nas lavouras propiciou a revolta do “Quebra-Quilos”, expressão do descontentamento de vários setores sociais que, gradativamente, viam os sustentáculos do regime monárquico ruir.

Em Autobiografia, “conciliação” e concessões: a Campanha do Mucuri e o projeto de colonização de Theophilo Ottoni, Maria Cristina Nunes Ferreira Neto analisa as explicações sucintas do tarimbado político em documento dirigido aos eleitores da Província de Minas Gerais. Investiga as lacunas deixadas pelo signatário da Circular, escrita no calor da hora em meio à falência do projeto de colonização dessa rica região do nordeste mineiro, quando Ottoni desejava isentar-se das críticas de oportunismo e incompetência administrativa. Evidencia as relações entre o Estado e a iniciativa privada, demonstrando como Ottoni, inspirado pelos princípios liberais e contando com o auxílio do governo, usufruiu de concessões, privilégios e terras para levar adiante um empreendimento de grande porte. O projeto colonizador do Mucuri foi bem sucedido até 1858, quando Ottoni valeu-se das benesses concedidas pelo “Ministério da Conciliação” para obter empréstimos, garantir a compra de mais terras e a vinda de mais imigrantes para o trabalho braçal. Entretanto, após seus aliados políticos terem sido afastados do poder, a Companhia de Navegação e Comércio do Mucury enfrentou entraves financeiros e políticos. Um deles foi o veto concedido pelo então Ministro da Fazenda, Ângelo Muniz Ferraz, adversário de Ottoni, ao empréstimo que seria concedido pela Inglaterra para quitação de dívidas e de multas, bem como pagamento dos salários dos imigrantes.

Seguindo a mesma linha de argumentação para esmiuçar as relações entre interesses pessoais e as políticas de governo, Eide Sandra Azevêdo Abrêu encerra a coletânea, apresentando o artigo “Um pensar a vapor”: Tavares Bastos, divergências na Liga Progressista e negócios ianques. Mais uma vez o experiente Theophilo Ottoni aparece como um dos articuladores do grupo de políticos, que reunia representantes do partido conservador e do partido liberal, para fazer frente à lei de 22 de agosto de 1860, que criava empecilhos às liberdades de associação e de crédito. Zacarias de Góis e Vasconcelos, Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda), José Thomaz Nabuco de Araújo, Francisco Otaviano de Almeida Rosa, Martinho Alvares da Silva Campos, Aureliano Cândido Tavares Bastos foram alguns dos representantes que, ao lado de Ottoni, constituíram a Liga. Novamente, evidenciam-se as dissenções entre os membros dos diferentes partidos políticos, rompendo-se com a ideia de homogeneidade no seio das agremiações. A própria Liga Progressista era rica em contradições, como demonstram os diferentes interesses que vieram à tona em face das argumentações pela subvenção à navegação entre o Brasil e os Estados Unidos.

Tavares Bastos, por exemplo, foi um dos defensores da proposta que favoreceria negociantes norte-americanos e brasileiros ligados à navegação, porque ele mesmo era um dos interessados em lograr vantagens junto ao Estado Imperial para tocar seus projetos econômicos ligados aos investidores estrangeiros. O autor reforça uma máxima que percorre todos os trabalhos do livro – indispensável para todos os interessados em entender a complexidade do Brasil Império: a indissociabilidade entre política e negócios, que devem ser tomadas como dimensões interdependentes, complementares, num momento em que homens alçados aos mais altos postos de governo integravam redes mercantis e estreitavam seus vínculos por meio de estratégias que visavam o fortalecimento dos seus interesses privados.

O livro em tela reforça a necessidade de que os novos estudos dediquem-se à superação de esquemas estanques, que tratam política e negócios a partir de relações antagônicas. Fatos e fontes históricas são revisitados com o frescor e a coragem de novas interpretações, em textos que fluem de maneira coesa e acessível. São apresentadas novas hipóteses que movimentam o debate histográfico e lançam ainda mais questões acerca do passado histórico rememorado e reconstruído sob a luz do presente.

Aline Pinto Pereira – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF – Niterói/Brasil). E-mail: alineppereira@yahoo.com.br


MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (orgs.). Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Edusp, 2013. Resenha de: PEREIRA, Aline Pinto Interesses públicos e privados nas tramas do Brasil Império. Almanack, Guarulhos, n.6, p. 163-167, jul./dez., 2013.

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Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860 – MARSON; OLIVEIRA (H-Unesp)

MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena L. de Salles (orgs.). Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: EDUSP, 2013, 348 p. Resenha de: PEREIRA, Milena da Silveira. História [Unesp] v.32 no.1 Franca Jan./June 2013.

Monarquia constitucional, liberalismo, negócios e escravidão foram temas caros ao século XIX e a toda uma historiografia brasileira, que passou boa parte do século XX ressignificando tais conceitos e categorias com mais vigor, por vezes, que o próprio Oitocentos. Tomados por Izabel Andrade Marson, Cecília Helena L. de Salles Oliveira e outros colaboradores da obra como uma espécie de guia para se entender a formação e a constituição do Império do Brasil, tais conceitos são explorados a partir da constatação e negação de três assertivas que, como defendem as organizadoras da coletânea, estão no cerne de uma determinada leitura teórica e interpretativa da história imperial.

Dialogando diretamente com parte da historiografia brasileira produzida no século XX, as pesquisas que compõem Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860 (publicação da EDUSP, com financiamento da Capes, CNPq e Museu Paulista) problematizam, debatem e refutam esses três paradigmas. O primeiro desses modelos questionado é aquele que afirma ter a sociedade brasileira do século XIX conservado uma herança colonial retrógrada, caracterizada pela inexistência de cidadãos conscientes de seus direitos e, consequentemente, impossibilitados de uma vivência revolucionária. O segundo é o que afirma que o período imperial foi concebido como uma fase de transição entre o Brasil Colônia, marcado por instituições ultrapassadas, e o Brasil República, caracterizado por uma experiência nacional “autêntica” e pela presença de instituições “modernas”, como a república, a cidadania burguesa, o trabalho livre, a vida urbana, a industrialização. O terceiro e último paradigma problematizado e rebatido nesta obra é o que defende a falta de cadência entre as vivências brasileiras e europeias e o comportamento e pensamento “imitativos” e “desprendidos” da realidade social brasileira.

A obra, retomando e realimentando um debate das décadas de 60 e 70 acerca da incompatibilidade entre liberalismo e escravidão no Oitocentos brasileiro e do descompasso histórico do Brasil em relação à Europa, pretende, pois, problematizar e revisar criticamente a denominada “tese do atraso” da sociedade brasileira – ou seja, “o inacabamento, a inorganicidade e a intangibilidade da nação brasileira” naquele tempo – a partir de diversificadas perspectivas do fazer histórico, como as de E. P Thompson, Hannah Arendth, Claude Lefort, Cornelius Castoriadis, Michel Foucault, Pierre Rosanvallon, Reinhart Koselleck, Quentin Skinner e John Pocock.

Assumindo tal propósito, esta reunião de escritos produzidos por pesquisadores do Museu Paulista, da Universidade de São Paulo e da Universidade de Campinas está articulada em duas partes. A primeira, intitulada (Re)configuração de pactos e negociações na (re)fundação do Império, abarca trabalhos que exploram questões relacionadas: às negociações dos impostos, honrarias e cargos administrativos entre Portugal e Brasil; à análise dos festejos públicos da Monarquia e da arquitetura recriada por integrantes da missão artística francesa no Rio de Janeiro. Abarca também estudos que passam pelo mapeamento dos diferentes pronunciamentos e posicionamentos da Câmara do Império (1826-1827) sobre o tráfico e os significados da escravidão para o país; e, por fim, os “incidentes” ocorridos, em 21 de abril de 1821, na Praça do Comércio – centro de muitas e importantes negociações – , e seus desdobramentos políticos. Este primeiro momento tem como colaboradores Ana Paula Medicci, Cecília Helena de Salles Oliveira, Emílio Carlos Rodriguez Lopez, Vera Lúcia Nagib Bittencourt e João Eduardo Finardi Álvares Scanavini.

Compõe a segunda parte da coletânea os estudos de Erik Hörner, Izabel Andrade Marson, Maria Cristina Nunes Ferreira Neto e Eide Sandra Azevêdo Abrêu. Denominado Revoluções e conciliações: fluidez do jogo político, dos partidos e dos empreendimentos, este conjunto de textos inclui um trabalho que relaciona os princípios do liberalismo e do comércio à formação do Partido Liberal e do Partido Conservador e à participação política no Brasil da primeira metade do século XIX. Outro estudo trata da relação entre monarquia, empreendedorismo – voltado ao “livre-cambismo” e à defesa da “indústria nacional” – e Revolução Praieira (1842-1848). Compreende ainda esta segunda parte um artigo sobre a trajetória pessoal e pública do importante político liberal e negociante mineiro Theophilo Ottoni e um último que explora a proximidade dos embates entre orientações político-econômicas liberais e o fracasso da Liga Progressista, grupo formado por membros “moderados” do partido conservados e do partido liberal.

Em todas essas pesquisas, o leitor notará a preocupação dos autores em apresentar novas perspectivas sobre a história política, do ponto de vista de sua cultura, da formação da opinião pública, da atuação dos estadistas e dos grupos sociais. Notará igualmente a preocupação de perceber o político no cotidiano ou, como destacam as organizadoras, “nas ruas e praças, nas estradas, nas fazendas, nos festejos, nas manifestações, na imprensa, nos ambientes públicos e privados”. Todos esses espaços, como o próprio título da obra sugere, são analisados à luz das “imbricações entre política e negócios”. Aquele leitor interessado em revisitar a formação e a consolidação do Império brasileiro a partir das mediações entre monarquia constitucional, liberalismo, negócios e escravidão, encontrará, portanto, nesta coletânea um bom caminho.

Milena da Silveira Pereira – Doutora em História e Cultura Social pela Universidade Estadual Paulista, Campus de Franca, e professora substituta nos cursos de História e de Relações Internacionais, da UNESP/Franca. E-mail: milena.silveira@bol.com.br.