Comer: necessidade, desejo, obsessão – ROSSI (S-RH)

ROSSI, Paolo. Comer: necessidade, desejo, obsessão. Tradução de Ivan Esperança Rocha. São Paulo: Editora da UNESP, 2014 [2011], 192 p. Resenha de: OLIVEIRA, Carla Mary S. Miríades do comer: por uma compreensão ampla do ato de se alimentar. sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA, João Pessoa, [32] jan./jun. 2015.

Paolo Rossi (1923-2012) foi um dos mais destacados historiadores italianos da segunda metade do século passado e começos deste século. Tendo se dedicado ao estudo da História das Ideias na Europa dos séculos XVI e XVII, especializouse no pensamento de Francis Bacon. No Brasil teve, infelizmente, poucos mas inegavelmente marcantes trabalhos publicados além do livro sobre o político e filósofo inglês2, como O passado, a memória, o esquecimento3 e O nascimento da Ciência moderna na Europa4.

Se pensarmos no boom editorial que ocorreu em relação aos livros dedicados à gastronomia nas duas últimas décadas, não causaria espécie que um historiador como Rossi também se voltasse ao campo que abarca o ato de comer. Dentro da História Cultural, por sinal, não se trata de objeto de pesquisa inédito5, tendo despertado o interesse inclusive de pesquisadores avant la lettre como Gilberto Freyre6, muito antes de que ficasse na moda se fazer de gourmet/ gourmand ou de os historiadores brasileiros se dedicarem com mais afinco ao tema – quadro que nos últimos anos vem se modificando significativamente, aliás7.

Em Comer: necessidade, desejo, obsessão8 o que temos é justamente uma das últimas obras de um pesquisador arguto e criterioso, que mesmo partindo de uma proposta temática emersa de seu próprio círculo familiar, não se furta a exercitar com extrema perícia a crítica e o pensamento histórico acerca do objeto que se propôs a destrinchar9. Rossi se colocou a pensar o ato de comer a partir do convite para escrever o prefácio do primeiro livro de uma amiga muito próxima de sua filha, que também vira crescer, Laura Dalla Raggione, psiquiatra especialista no tratamento de distúrbios alimentares10. Dividido em dezenove curtos capítulos, o saboroso ensaio passeia por diferentes aspectos ligados ao ato de comer que, em síntese, pode ser visto como procedimento fundamental, indispensável e inteiramente necessário à manutenção da existência de todos os seres vivos.

Mas o que torna esse livro de Rossi interessante para os historiadores, já que em primeira instância ele não trata de um fato, evento ou processo histórico em particular, mas sim de uma prática que corta transversalmente todas as temporalidades e todas as sociedades, mesmo as mais “primitivas”? Talvez a própria forma escolhida por seu autor para abordar o tema. Nas últimas três décadas é inegável que assistimos à consolidação da História Cultural como campo hegemônico da produção historiográfica. Nesse processo emergiram objetos de pesquisa dos mais variados tipos, e entre eles a alimentação e suas peculiaridades, sem dúvida, alcançou uma posição de destaque e visibilidade extrema não apenas entre os profissionais de Clio, mas também entre o público não acadêmico – e no próprio mercado editorial, como já destaquei – interessado em devorar avidamente o universo pitoresco ligado ao comer e ao beber característicos de outros lugares, outros tempos e outros povos. No entanto, não são essas peculiaridades ou informações pitorescas ou mesmo exóticas o mote escolhido por Rossi para construir sua narrativa. Ele lança seu olhar sobre o comer por meio de seus aspectos mais arquetípicos, ligados não só ao ato cultural de alimentar-se, mas também à escolha religiosa ou ritual pela privação de alimento, às limitações de oferta de gêneros alimentícios em períodos de exceção, ao estabelecimento de interditos e tabus alimentares pelas mais variadas motivações, às transgressões abomináveis como o canibalismo, às maldições diabólicas imaginárias como o vampirismo e, característica grotesca da contemporaneidade, a escolha pseudoestética pela magreza anoréxica das top models ou a condenação moral dos indivíduos que trazem seus corpos acima do peso considerado “normal” ou “saudável”.

Antes de tudo, Rossi se propõe a escrever seu livro a partir da visada da História das Ideias, logo no curtíssimo primeiro capítulo, destacando o inusitado de sua escolha: “A História, ou melhor, as muitas histórias que procuro narrar aqui são repletas de coisas agradáveis, mas também de horrores, às vezes, inimagináveis” (p. 15).

Em seguida ele começa a servir ao leitor o percurso que definiu para pensar os diversos comeres que permeiam a existência humana. Como elemento fundador de qualquer ato do homem civilizado, Rossi destaca a força das ideias: para ele, elas “tornam-se formas de pensamento e geram comportamentos” (p. 17). São as humanas – é fácil pensar aqui no conceito bourdieniano de habitus, admito. Outro fator preponderante para a existência do gênero humano, sem dúvida, se trata da natureza, quaisquer que sejam as interpretações semânticas que lhe sejam dadas.

A natureza está ligada tanto ao estado natural, primeiro, primitivo das coisas, como também àquilo que está subjacente à própria vida, posto que é dela, da natureza, que advém o sustento diuturno dos seres vivos em todo o planeta: “Uma grande parte da noção comum ou corrente de natureza é ainda hoje, como era nas origens, resultado de projeções antropomórficas, entremeadas por mitos e ligadas a impulsos irracionais” (p. 21).

Na perspectiva analítica escolhida por Rossi fica claro que, para ele, a natureza se trata de algo pré-existente ao homem e, a partir do momento em que este passa a interferir nela a própria relação homem/ natureza atinge patamares cada vez mais complexos de interação, retroalimentando-se dessa própria relação e de suas consequências. Ora, neste processo o que se constrói na verdade é aquele algo disforme e de contornos indefinidos e fluidos a que chamamos de cultura.

Lembrando o antropólogo Marvin Harris, Rossi indaga:

[…] dado que todos os que pertencem à espécie humana são onívoros e dotados de um aparelho digestivo absolutamente idêntico, como é possível que em alguns lugares do mundo sejam consideradas iguarias coisas como formigas, gafanhotos ou ratos, que em outros lugares parecem ser imundícies repulsivas? (p. 23-24) Num entendimento de clara influência antropológica, ele tenta mostrar os relativismos intrínsecos a qualquer construto cultural e, obviamente, privilegia a apresentação da diversidade envolvida no ato de alimentar-se, pois para ele “Comer não envolve apenas a natureza e a cultura. Situa-se entre a natureza e a cultura. Participa de ambas” (p. 29).

Retornando ao pensamento de Lévi-Strauss, o historiador italiano destaca o quanto a alimentação traz, em suas práticas, muito do grupo que a reproduz cotidianamente:

As formas de alimentação podem dizer algo importante não apenas sobre as formas de vida, mas também sobre a estrutura de uma sociedade e sobre as regras que lhe permitem persistir e desafiar o tempo. (p. 30) Em outros termos: a alimentação, seja no que se refere àquilo que lhe serve como ingrediente, seja na forma como ela é preparada ou mesmo praticada, está permeada de elementos culturais profundamente relacionados aos aspectos identitários tanto do próprio indivíduo quanto, especialmente, do grupo ao qual ele pertence e com o qual se identifica enquanto ser social. Nesse sentido, comer deixa de ser algo natural, automático e instintivo quando o homem começa a interferir diretamente em todas as etapas envolvidas nesse processo. Ao selecionar determinadas espécies vegetais, primeiro para simples coleta na vegetação virgem, depois para cultivo; ao escolher determinado animal na caça, em detrimento de outros; ao começar a criar e domesticar certas espécies com o intuito de abatê-las mais tarde para seu próprio consumo; ao desenvolver apetrechos, ferramentas e técnicas variadas de cocção; tudo se relaciona a escolhas culturais motivadas pelos mais diversos fatores, alguns ligados às condições objetivas de existência, outros dirigidos por questões subjetivas, de fundo religioso, político ou social:

O alimento não é apenas ingerido. Antes de chegar à boca, ele é preparado e pensado detalhadamente. Adquire o que geralmente se chama de valor simbólico. O preparo do alimento marca um momento central da passagem da natureza à cultura. (p. 32) Do mesmo modo que o preparo da comida se constitui num ato de afirmação identitária e definição cultural, Rossi também salienta o quanto a privação voluntária de alimento por meio do jejum se trata de um dos mais antigos caminhos inventados para se alcançar a purificação espiritual e a transcendência:

O desejo constitui a origem do mal e o desejo da comida é um dos mais enraizados e profundos. Distanciar-se dos desejos faz parte do caminho da salvação. (p. 35) Nesse sentido, não espanta que o desejo e o consumo exagerado de alimentos, no Ocidente cristão, tenham sido associados, desde muito cedo, ao pecado, e que este pecado tenha sido nomeado – a gula – e que sobre ele tenham recaído condenações morais das mais diversas, justamente pelo fato de que não podemos viver sem alimento, mas entregar-se à lascívia gastronômica seria admitir de maneira veemente o lado animal de todo ser humano, diametralmente oposto àquele que busca a salvação divina:

A história da gula foi descrita muitas vezes como um pecado capital detestável, que, como a luxúria, está enraizado na corporeidade humana. Esse enraizamento, no caso da gula, parece indelével. Pode-se renunciar à sexualidade e levar uma vida casta, mas não se pode viver sem comer.

(p. 47) No entanto, à sociedade ocidental contemporânea, que já não exalta tanto assim o jejum ascético – embora ele continue a ser visto com bons olhos pela Igreja Romana – se impõe outra urgência: como aceitar que milhões passem fome, quando a produção atual de grãos, animais e derivados e hortifrutigranjeiros seria suficiente para garantir a segurança alimentar de uma dieta de 2000 calorias diárias a todos os seres humanos do globo terrestre? Para Rossi, as grandes fomes europeias da Idade Média ou mesmo do século XX tiveram motivações diversas, contudo expõem igualmente a vulnerabilidade da vida: a morte por inanição já dizimou exércitos como o de Napoleão na frente russa, prisioneiros de campos de concentração na Polônia ocupada pelos nazistas, mas hoje ela atinge principalmente as nações periféricas e mais pobres da África e da Ásia. E essa indiferença dos países ricos em resolver esta questão incomoda a Rossi de maneira contundente:

Destes horríveis e inaceitáveis massacres, em geral, permanece apenas uma lembrança que nos incomoda, e continuamos a viver (com uma espécie de remorso oculto, mas tolerável) […]. (p. 55) Se a fome “acompanha toda a história humana, desde a mais remota antiguidade até o presente” (p. 57), fica claro que no século XX e mesmo hoje essas situações de falta de alimentos, especialmente para as populações mais pobres, “foram muitas vezes provocadas por escolhas políticas erradas ou equivocadas” (p. 66).

Por outro lado, a recusa pela ingestão de alimentos pode também ter um caráter político, de protesto, como último recurso para se conseguir que uma reivindicação considerada justa seja atendida. A greve de fome como instrumento político já era utilizada, segundo Rossi, na antiga Índia e na Irlanda da Idade Média. Contudo, foi somente no século XX que, no Ocidente, ela se tornou uma tática comum de ação reivindicatória. Talvez a figura pública mais conhecida que a praticou diversas vezes, numa perspectiva mundial, tenha sido Mahatma Gandhi. Em síntese, fica claro que a greve de fome é sempre um ato extremo e que, muitas vezes, pode ter um desfecho fatal e não atingir seus propósitos quanto ao objetivo que a motivou.

Tem-se já como certo que um dos maiores estupores causados pelo advento do Novo Mundo no imaginário europeu do final do século XV foi a notícia de que os gentios selvagens recém contatados pelos navegadores praticavam o maior dos interditos já imaginados pelo homem, presente na mitologia grega e também na de diversos outros povos do Oriente e do continente africano: o canibalismo. No décimo capítulo de seu livro Rossi se dedica a buscar a compreensão dos arquétipos atávicos relacionados a tal prática, não sem antes destacar como a visão construída sobre o tema entre os povos europeus da Idade Moderna causava discussões profundas, de cunho não apenas religioso, mas também filosófico e ético:

[Montaigne, em seus ‘Ensaios’, de 1580,] faz referência a tribos do Brasil: para julgar os povos não europeus não é possível nem lícito adotar o ponto de vista europeu e cristão. A humanidade se expressa em uma variedade infinita de formas e ‘cada qual denomina barbárie aquilo que não faz parte de seus costumes’. (p. 77) Mais ainda, Rossi destaca o fato de que comer nacos de um defunto não era mais ou menos selvagem do que jogar concidadãos aos cães raivosos por motivos de fé, como ocorrera à época de Montaigne e que o próprio filósofo condenara, em meio às guerras religiosas que sacudiram a França sob os Valois.

As referências ao canibalismo, embora hoje pareçam inusitadas, são frequentes na cultura europeia desde há muito tempo: vão dos arquétipos psicanalíticos de Freud em Totem e Tabu, de 1912/1913; já marcavam presença no teatro de Shakespeare, como em A Tempestade, ou nos romances do irlandês Jonathan Swift no século XVIII. Mesmo de forma figurada, o ato de devorar seu semelhante, aniquilá-lo e sorver a sua essência, mantém sua força. Rossi destaca como exemplo desta força o Manifesto Antropofágico dos modernistas brasileiros, pleno de metáforas, no qual a redenção possível ao colonizado americano é aquela representada pelo ato de devorar a civilização europeia.

Mas Rossi vai além disso, ao tratar do – talvez – maior interdito que a civilização ocidental pode ter para si. Na verdade ele mostra diversos eventos, desde a Idade Média, onde os europeus, como que tomados por um frenesi catártico, praticaram o canibalismo, em praça pública ou em pocilgas infectas. Isso só para nos mostrar o quão pouco nós, ocidentais, sabemos pouco de nossa própria História sobre o tema.

Seguindo sua jornada pelo ato de alimentar-se, Rossi leva o leitor àquele mundo fantasioso dos vampiros, bruxas e feiticeiros. Tendo os bebedores de sangue como mote, ele descortina no 11º capítulo de seu livro a enorme constelação de crenças sobrenaturais que povoaram o imaginário europeu a partir da Idade Moderna e que incluíam a possibilidade de hábitos alimentares dos mais vis e ignominiáveis:

Acreditar na bruxaria, por exemplo, significava acreditar, em parte ou na totalidade, nas seguintes coisas: seres humanos que voam, que se acasalam durante a noite com o diabo, que se transformam em animais (geralmente gatos ou lobos), que causam doenças, tempestade, fome. (p. 92) Mais do que crer na bruxaria, acreditava-se que determinados indivíduos arrebatados pelas forças do mal, involuntária ou conscientemente, eram capazes de tanto praticar atos de canibalismo, como os licantropos, quanto de sobreviver alimentando-se apenas de sangue humano. A crença ferrenha de que realmente existiam vampiros povoou prodigamente os contos populares, a literatura das culturas hegemônicas e o imaginário do senso comum por toda a Europa. Basta lembrar-se da estúpida crueldade de alguns governantes que, com seus atos vis, levaram à criação de mitos e histórias dantescas influenciadas por personagens como Vlad Tepes, na Transilvânia, atual Eslováquia, que tinha o hábito de empalar vivos seus inimigos e inspirou a figura do Conde Drácula, ou da condessa Erzsébet Báthory, que viveu em antigos territórios do reino da Hungria, personagem real e de temperamento psicótico, que instada por crenças mágicas se tornou a primeira serial killer registrada nos tribunais do mundo moderno ao ser condenada por assassinar mais de 600 jovens entre 1585 e 1610, acreditando que ao beber o sangue dessas donzelas teria garantida a juventude eterna. Sua história, que ela mesma registrou num diário que serviu de prova material em seu julgamento, também inspirou, assim como Tepes, romances românticos sobre vampirismo no século XIX. Como lembra Rossi:

Desde os tempos antigos, nos mitos e rituais que envolvem o sangue está presente tanto a ideia de que existem pessoas que se alimentam de sangue humano, como a ideia de que uma oferta de sangue pode purificar uma pessoa ou uma comunidade e contribuir para a sua salvação. (p. 93) Inegavelmente, a estirpe dos bebedores de sangue sobrenaturais existe apenas no campo fictício. No entanto, se trata de um arquétipo de tanto apelo e força imagética que continua, até hoje, a fornecer personagens para os romances – atualmente pensados predominantemente para o público juvenil – e toda a indústria cultural que lhes segue, como os seriados de TV, blockbusters do cinema, histórias em quadrinhos e games eletrônicos.

Mas Rossi segue com seu ensaio nos apresentando, no capítulo seguinte e com certo desencanto, a grande obsessão que a comida se tornou para a sociedade ocidental contemporânea. Praticamente todas as áreas do conhecimento humano têm algo a dizer sobre o assunto. Fala-se sobre o que se deve ou não comer; sobre os nutrientes de cada produto alimentício; sobre possíveis contaminações químicas naquilo que se ingere; sobre animais de abate criados à base de hormônios; sobre a necessidade de se buscar hábitos e produtos alimentares saudáveis e naturais, cultivados/ criados de forma orgânica, como forma de garantir a longevidade e a qualidade de vida; sobre veganismo; sobre intolerâncias e restrições alimentares adquiridas ou impostas por questões terapêuticas… Tudo envolvendo a comida se tornou digno de nota na contemporaneidade, inundando a mídia e o cotidiano ocidental com relatórios, documentários, programas de TV, livros, revistas e, é claro, trabalhos acadêmicos:

O tema foi discutido por tuttologos [ – pessoas “especialistas” em tudo, neologismo irônico de Rossi – ], filósofos (os dois grupos tendem a se unir), jornalistas, sindicalistas, aspirantes a políticos, políticos, cronistas e publicitários, teólogos, médicos, defensores da medicina alternativa e da antiglobalização, romancistas e amadores. (p. 101) Num tom que flerta com o sarcasmo, o historiador italiano vai mostrando a pseudo-sofisticação presente na descrição de pratos, vinhos e produtos como o azeite, nas mais diversas mídias, como sites especializados, catálogos de venda ou mesmo num singelo cardápio de qualquer pequeno restaurante hipster. Incomoda a Rossi a onisciência arrogante dos chefs televisivos, a profusão de outdoors com temas alimentares e também a invasão de maîtres e connaisseurs na privacidade dos comensais, com suas entediantes explicações sobre a essência daquilo que, em última instância, nos serve apenas como combustível, mesmo que esperemos ou suponhamos algum prazer ao introduzi-lo em nosso organismo.

Concordando com a antropóloga italiana Alessandra Guigoni, Rossi vaticina que neste terceiro milênio em que vivemos a alimentação tende a tornar-se um dos grandes campos da Antropologia, justamente pelo fato de que em nosso planeta existe uma abundância de alimentos que, de modo estupefactamente paradoxal, parece constituir-se cada vez mais em uma obsessão. Como sinal dessa distorção, o experiente historiador destaca o surgimento de distúrbios alimentares como a ortorexia, uma preocupação patológica por alimentos saudáveis, em que os indivíduos passam a guiar suas vidas pela busca de uma inalcançável perfeição alimentar.

Por outro lado, Rossi também apresenta um tipo de atitude para com a comida que pode, à primeira vista, parecer positiva e salutar mas que, em seu entendimento, trata-se de algo tão propenso à distorção quanto a seu inverso: a crescente e ferrenha tendência de valorização de produtos e hábitos regionais em contraposição à globalização padronizante de sabores e paladares, resultado da lógica do capital e da busca insana por lucros também pelos grandes conglomerados alimentares, que podem ir da rede de fast food à agroindústria. Para ele, instalou-se na sociedade contemporânea um mal estar muito próximo àquele preconizado por Freud na primeira metade do século XX, embora de características diametralmente opostas:

enquanto o psicanalista vienense atribuía tal sensação à renúncia “civilizada” à satisfação dos instintos, hoje ela estaria ligada a um imperativo do gozo, calcado nas necessidades impostas pelo consumismo exacerbado estimulado pelo mercado.

Em meio a este mal estar pós-moderno, nossa sociedade se afunda em paradoxos alimentares, com uma multidão de obesos se contrapondo a um número praticamente equivalente de famintos, num mundo que há muito já produz muito mais além do que o suficiente para que o estigma da fome não existisse mais sobre a face da terra. A questão, nesse caso, extrapola os limites médicos ou nutricionais e se expande até o campo político-ideológico: que mundo desejamos deixar a nossos descendentes? Um onde exista uma insípida padronização de sabores e hábitos alimentares, fonte de altíssimos lucros para os grandes conglomerados multinacionais, movidos pelo apetite sem limites do capitalismo voraz? Ou num mundo onde sejamos conscientes de nosso consumo e privilegiemos o mercado local, os produtores familiares e a sustentabilidade? Rossi demonstra como essa questão, apesar de suscitar debates acalorados no mundo contemporâneo, ainda está muito longe de ser resolvida. Trata-se, sobretudo, de uma questão filosófica com profundos desdobramentos no mundo das coisas práticas e que, quando pende para o lado da exaltação de uma vida “natural” ou “primitiva”, organizada em moldes ancestrais, é vista por Paolo Rossi como algo ilusório, inalcançável e até risível. Talvez a idade avançada tenha feito o historiador italiano perder a esperança pelo advento de uma sociedade mais justa, e me pergunto mesmo se ele não estaria realmente correto em seu modo de ver a atual cena mundial.

Essa ideia da volta à natureza e a uma idílica ancestralidade, aliás, motiva outro importante questionamento no capítulo XV de Comer. Trata-se de nos indagarmos se realmente houve, ao longo da História, algum momento em que a comida ingerida pelas mais diversas classes sociais tenha sido realmente genuína, isto é:

que não estivesse sofrendo adulterações intencionais, motivadas pela sanha pelo lucro fácil ou pela escassez de alternativas de melhor qualidade para compor um cardápio nutritivo, saudável e saboroso. Essa falta de genuidade poderia ser causada tanto pela trapaça de um moleiro ou comerciante que alterasse a composição da farinha que vendia, acrescentando-lhe impurezas e outros grãos mais baratos para aumentar seu volume e peso, assim como pela introdução na dieta cotidiana de animais, insetos e plantas que, não houvesse a escassez causada por guerras ou intempéries, jamais teria ocorrido.

Iguarias como as trufas, por exemplo, fungos subterrâneos comestíveis que os europeus começaram a consumir há mais de 3 mil anos em momentos de penúria alimentar, devido a seu alto grau proteico e sabor soberbamente agradável, eram algo que apenas cães de caça, javalis e porcos selvagens se interessavam em degustar na mais remota Antiguidade. Mas as coisas mudaram muito e hoje apenas um quilograma da raríssima trufa branca da região de Alba, no Piemonte italiano, pode alcançar estratosféricos € 10 mil se não se tratar de uma peça única, pois essas, mais raras ainda, quando porventura são encontradas, verdadeiras gigantes de 750g ou mais, já ocorreu de serem leiloadas por mais de € 100 mil no mercado da alta gastronomia europeia.

Peculiaridades à parte, estranhezas deixadas de lado, Rossi não crê que esse interesse crescente por uma “volta aos bons tempos de outrora” tenha, realmente, algo a contribuir ou que torne a vida em si melhor. Por trás do discurso do ecologicamente correto e da sustentabilidade alimentar ele enxerga interesses tão escusos como os do agronegócio transgênico ou do fast food: ali também há multinacionais interessadas em aumentar lucros, atingindo nichos de mercado cada vez mais específicos e delimitados, não nos enganemos com as aparências ou com o discurso cheio de pompa e circunstância. De forma irônica, o experiente intelectual italiano assevera:

O mundo seria mais bonito, mais natural, mais rico e com maior biodiversidade – é este e não outro o significado de tais mensagens – se os equilíbrios não tivessem sido alterados, se a natureza ainda estivesse intacta e se o homem tivesse se mantido, como no início, apenas como uma espécie de símio, ou melhor (na sábia definição de Vico, que não era primitivista), ‘como uma besta toda espanto e ferocidade’. (p. 128) No XVI capítulo de seu livro Rossi aborda as questões ligadas ao comer em excesso e sua principal consequência, a obesidade. O texto parte de uma aproximação muito interessante com o universo da neurociência e das descobertas fisiológicas sobre o olfato e, consequentemente, o paladar. Ainda dirigindo sua crítica ácida ao universo de sommeliers e/ ou experts que entopem a atenção dos simples mortais com sua verborragia “literária” inócua sobre as qualidades de vinhos, azeites, vinagres e até mesmo água mineral11, Rossi deixa bem claro que tudo isso pouco importa para os mecanismos corpóreos e biológicos ligados à identificação do gosto e sua associação, no nível cerebral, ao prazer:

O que denominamos gosto é uma forma de sensibilidade elaborada por um sistema sensorial específico que está na origem dos sabores, tais como o doce, o salgado, o azedo e o amargo […]. As relações entre motivação, prazer dos sentidos e ingestão alimentar dão lugar a uma intrincada teia: necessidade, desejo e prazer surgem em redes neurais que se sobrepõem. (p. 134-135)

É justamente a partir desta teia intrincada citada por Rossi que surge a obesidade, individualmente. Mas o excesso de peso de grande parte da população mundial também é consequência da vida moderna, da má qualidade nutricional dos alimentos e de tantas outras vicissitudes contemporâneas. O problema é complexo e merece uma urgente e comprometida abordagem multidisciplinar, é o que fica evidente: impossível não passar a enxergar com outros olhos um naco de carne gordurosa depois de ler estas ponderações.

Daí vem o mote para o capítulo seguinte, onde o historiador italiano aborda de forma sucinta as diversas doenças relacionadas ao ato de comer. Enquanto alguns males como a gota12 eram associados àqueles que comiam bem, outros certamente afligiam aqueles que não tinham a mesma sorte e padeciam de uma debilitante carência alimentar.

Nos dois últimos capítulos de seu ensaio Rossi se debruça, de fato, sobre o comportamento ligado à alimentação que forneceu o mote primeiro para iniciarse sua escrita: a anorexia, distúrbio estudado pela psiquiatra Laura Ragione, a amiga de infância de sua filha. O círculo se fecha, mas permanece certo estupor com o fato de que jovens cultuem e troquem entre si, pela web, formas de evitar a absorção de nutrientes pelo organismo e atingir o ideal de magreza endeusado pela moda e pela grande mídia. Percebe-se que o historiador italiano não atina de completo qual o sentido de tanta insensatez. Enquanto multidões ainda fenecem pela falta de alimento mundo afora, teenagers que jamais terão a mesma privação por questões econômicas ou geopolíticas escolhem não se alimentar simplesmente por não estarem satisfeitos com o próprio corpo, por desejarem atingir um corpo ideal improvável e inalcançável, posto que é invenção pura, idealização estética, imposição midiática. Fica a indignação.

Notas

2 ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini.

Londrina: EDUEL; Curitiba: Editora da UFPR, 2006 [1957].

3 ROSSI, Paolo. O passado, a memória, o esquecimento: seis ensaios da História das Ideias. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Editora da UNESP, 2007 [1991].

4 ROSSI, Paolo. O nascimento da Ciência moderna na Europa. Tradução de Antonio Agonese.

Bauru: EDUSC, 2001 [1997].

5 Observe-se, por exemplo, a profusão de obras historiográficas publicadas, não só no Brasil mas também no exterior, nos últimos anos. Ver: ADAMOLI, Vida. La bella vita: life, love and food in Southern Italy. Chichester: Summersdale Publishers, 2002; ALBALA, Ken. Food in Early Modern Europe. Stockton, EUA: Greenwood Press, 2003; BARNES, Donna R. & ROSE, Peter G. Matters of taste: food and drink in Seventeenth-Century Dutch art and life. Albany: Albany Institute of History & Art; Syracuse: Syracuse University Press, 2002; BENDINER, Kenneth. Food in painting: from the Renaissance to the present. Londres: Reaktion Books, 2004; DE JEAN, Joan. A essência do estilo: como os franceses inventaram a alta-costura, a gastronomia, os cafés chiques, o estilo, a sofisticação e o glamour. Tradução de Mônica Reis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010 [2005]; FLANDRIN, Jean-Louis & MONTANARI, Massimo (orgs.). História da alimentação. Tradução de Luciano Vieira Machado & Guilherme João de Freitas Teixeira. 6. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2009 [1996]; FREEDMAN, Paul (org.). Food: the History of taste. Berkeley: University of California Press, 2007; GRIMM, Veronika E. From feasting to fasting – the evolution of a sin: attitudes to food in late Antiquity. Londres: Routledge, 1996; HELSTOSKY, Carol. Garlic & oil:politics and food in Italy. Oxford: Berg, 2004; KELLY, Ian. Carême: cozinheiro dos reis. Tradução de Marina Slade Oliveira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005 [2003]; MacDONALD, Nathan. Not bread alone: the uses of food in the Old Testament. Oxford: Oxford University Press, 2008; MARTIN, A. Lynn. Alcohol, sex, and gender in Late Medieval and Early Modern Europe. Basingstoke: Palgrave, 2001; McWILIAMS, James E. A revolution in eating: how the quest for food shaped America. Nova York: Columbia University Press, 2005; MONTANARI, Massimo (org.). O mundo na cozinha: história, identidade, trocas. Tradução de Valéria Pereira da Silva. São Paulo: Editora SENAC-SP; Estação Liberdade, 2009 [2006]; __________. Comida como cultura. Tradução de Letícia Martins de Andrade. 2. ed. São Paulo: Editora SENAC-SP, 2013 [2004]; PANCORBO, Luis. El banquete humano: una historia cultural del canibalismo. Madri: Siglo XXI, 2008; PARASECOLI, Fabio. Bite me: food in popular culture. Oxford: Berg, 2008; PILCHER, Jeffrey M. Food in World History. Nova York: Routledge, 2006; QUELIER, Florent. Gula: história de um pecado capital. Tradução de Gian Bruno Grosso. São Paulo: Editora Senac SP, 2011; RAMOS, Anabela & CLARO, Sara. Alimentar o corpo, saciar a alma: ritmos alimentares dos monges de Tibães, século XVIII. Porto: Edições Afrontamento, 2013; SARTI, Raffaella. Casa e família: habitar, comer e vestir na Europa moderna. Tradução de Isabel Teresa Santos. Lisboa: Editorial Estampa, 2001 [1999]; SPANG, Rebecca L.A invenção do restaurante: Paris e a moderna cultura gastronômica. Tradução de Cynthia Cortes e Paulo Soares. Rio de Janeiro: Record, 2003 [2000]; STRONG, Roy. Banquete: uma história ilustrada da culinária, dos costumes e da fartura à mesa. Tradução de Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004 [2002]; TALLET, Pierre. História da cozinha faraônica: a alimentação no Antigo Egito. Tradução de Olga Cafalcchio. São Paulo: Editora SENAC-SP, 2005 [2002]; THIS, Hervé & GAGNAIRE, Pierre. Cooking: the essential art. Tradução de M. B. DeBevoise. Berkeley:University of California Press, 2008; WILKINS, John M. & HILL, Shaun. Food in the Ancient World. Malden, EUA: Blackwell, 2006.

6 FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil. 5. ed. revista. São Paulo: Global, 2007 [1939].

7 Exemplos do incremento do interesse de historiadores brasileiros sobre o tema não faltam. Entre as publicações mais recentes, ver: CANDIDO, Maria Regina (org.). Práticas alimentares no Mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2012; COUTO, Cristiana. Arte de cozinha: alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: Editora SENAC-SP, 2007; DÓRIA, Carlos Alberto. A formação da culinária brasileira. São Paulo: Publifolha, 2009; FERNANDES, João Azevedo. A espuma divina: sobriedade e embriaguez na Europa Antiga e Medieval. João Pessoa: Editora Universitária/ UFPB, 2010. __________. Selvagens bebedeiras: álcool, embriaguez e contatos culturais no Brasil colonial (séculos XVI-XVII). São Paulo: Alameda, 2011; HUE, Sheila Moura. Delícias do Descobrimento: a gastronomia brasileira no século XVI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009; LELLIS, Francisco & BOCCATO, André. Os banquetes do imperador. São Paulo: Editora SENAC-SP; Boccato, 2013; LODY, Raul (org.). Farinha de mandioca: o sabor brasileiro e as receitas da Bahia. São Paulo: Editora SENAC-SP, 2013; MAGALHÃES, Sônia Maria de. A mesa de Mariana: produção e consumo de alimentos em Minas Gerais (1750- 1850). São Paulo: Annablume; FAPESP, 2004; PANEGASSI, Rubens Leonardo. O pão e o vinho da terra: alimentação e mediação cultural nas crônicas quinhentista sobre o Novo Mundo. São Paulo:Alameda, 2013; SILVA, Paula Pinto e. Farinha, feijão e carne-seca: um tripé culinário no Brasil colonial. São Paulo: Editora SENAC-SP, 2005; VARELLA, Alexandre C. A embriaguez na conquista da América: medicina, idolatria e vício no México e Peru, séculos XVI e XVII. São Paulo: Alameda, 2013.

8 Devo destacar que cheguei a este livro de Rossi por puro acaso, graças a meu interesse gastronômico, pois o encontrei perdido na seção de livros de receitas culinárias de uma grande livraria no Recife, certamente por desinformação ou descuido de um funcionário ou estagiário desavisado, o que não deixou de ser uma forma peculiar de descobrir um livro e tomar posse dele.

9 Desde já me desculpo por este e outros trocadilhos afeitos às preparações culinárias, mas confesso que me foi inteiramente irresistível usá-los nesta resenha.

10 RAGIONE, Laura Dalla. La casa delle bambine che non mangiano: identità e nuovi disturbi del comportamento alimentare. Apresentação de Massimo Cuzzolaro. Prefácio de Paolo Rossi. Roma:Il Pensiero Scientifico Editore, 2005.

11 Apenas alguns dos epítetos utilizados por estes especialistas, enumerados de forma bem sarcástica por Rossi: “[…] aéreo, côncavo, convexo, curto, extrativo, denso, feminino, denso, fugaz, espesso, impreciso, tênue, longo, fino, maciço, mastigável, macio, suave, mudo, olivoso, passado, perturbado, salgado, grave, apagado, esvaecido, tenso, louco, vibrante, volátil, envolvente…” (p. 133).

Carla Mary S. Oliveira – Historiadora. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba. Realizou estágio pósdoutoral junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais em 2009, com o financiamento de uma bolsa Capes/ PROCAD-NF. Professora Associada do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba. Sítio eletrônico: <http://www.carlamaryoliveira.pro.br/>. E-Mail: <[email protected]>.

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The necessary and the possible – LOUX (FU)

LOUX, M. The necessary and the possible. In: M. LOUX, Metaphysics: A contemporary introduction. 3ª ed. New York: Routledge, p.153-186, 2006. Resenha de: CID, Rodrigo. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.12, n.3, p.280-286, set./dez., 2011

Neste capítulo, Loux apresenta alguns problemas com relação às modalidades e algumas das relações entre elas e o vocabulário dos mundos possíveis, expondo as duas principais posições ontológicas com relação a tais mundos e às modalidades e com relação à natureza das modalidades, a saber, o possibilismo e o actualismo, defendidos respectivamente por Lewis e Plantinga. Essas são teorias inconsistentes entre si, que intentam nos dizer se os mundos possíveis são concretos ou abstratos e se existe algo além do que é actual.

Inicialmente, o autor nos fornece uma breve introdução, que expõe de modo breve a diferença entre as modalidades de re e de dicto, a relação entre as modalidades e os mundos possíveis e as duas principais posições ontológicas já citadas. A diferença é que a modalidade de dicto toma a necessidade e a possibilidade como atribuídas a proposições, enquanto a modalidade de re toma essas noções como atribuídas ao modo como uma coisa exemplifica ou instancia uma propriedade, a saber, necessariamente ou contingentemente. A relação seria que uma semântica de mundos possíveis nos ajudaria a esclarecer as noções modais da possibilidade e da necessidade – vistas tanto como de re, quanto como de dicto. E as posições, de modo resumido, são as seguintes:

(a) David Lewis: Este utiliza o conceito de “mundos possíveis” para formular uma abordagem nominalista austera, que apenas toma como existentes particulares concretos e conjuntos, compatível com uma redução das modalidades a entidades ou conceitos não modais, redução esta que Lewis também intenta fazer. Por exemplo, ele tenta reduzir as noções de “proposição”, “propriedade”, “modalidades” (de re e de dicto) e “contrafactuais” a constructos a partir de mundos possíveis. Tais mundos são tomados como entidades concretas do mesmo tipo que o nosso mundo e eles são formados apenas por partes concretas.

(b) Alvin Plantinga: Este não utiliza os mundos possíveis para reduzir conceitos ou entidades, pois pensa que mundos possíveis fazem parte de uma rede interconectada de conceitos que se explicam uns aos outros, mas que não podem ser explicados por conceitos fora de tal rede; e, assim, pensa que o máximo que podemos fazer não é reduzi-los, mas explicar as relações entre os conceitos de tal rede. Para ele, os mundos possíveis são entidades abstratas platônicas, que são estados de coisas possíveis maximais necessariamente existentes, mas que podem ou não obter (o que obtém é o mundo atual).

Posteriormente, Loux passa a nos falar sobre alguns problemas com relação às modalidades. Um deles é sobre o quão problemáticas são as nossas noções modais. Por exemplo, quando dizemos que uma proposição ser necessariamente verdadeira é o mesmo que ela ser impossível de ser falsa, utilizamos noções modais para explicar noções modais – o que só poderia ser feito se as noções modais não forem problemáticas. Mas são elas problemáticas?

Alguns filósofos, céticos quanto ao uso de noções modais, pensam que sim. Uma razão para isso pode ser uma orientação empirista em metafísica, que os faz só aceitar como legítimos os conceitos que podem ser apreendidos a partir de algum confronto empírico com o mundo. E, segundo eles, a experiência apenas nos diz como o mundo é, e não como o mundo possivelmente ou necessariamente é, de modo que as noções modais não poderiam ser características do mundo. Segundo essa perspectiva, toda a modalidade é meramente linguística: a necessidade se dá apenas em virtude da analiticidade da linguagem.

Outra razão, ainda de objetores empiristas, mas mais relacionada a questões técnicas, é a tese de que um corpo linguístico ou que um fragmento do mesmo (ou um conjunto L de sentenças) apropriado para fazermos metafísica deve ser extensional. “L” é extensional se, e só se, para cada sentença de L, a substituição de constituintes da sentença por expressões correferenciais não alterna o valor de verdade da sentença. E a correferencialidade se dá da seguinte maneira: (i) entre termos singulares que nomeiam o mesmo objeto, (ii) entre termos gerais que são satisfeitos pelos mesmos objetos, e (iii) entre sentenças que têm o mesmo valor de verdade. A motivação principal para sustentar tal tese é que temos sistemas lógicos bem desenvolvidos para lidar com as linguagens extensionais (como o cálculo proposicional, como a teoria dos conjuntos, ou como a lógica de predicados de primeira ordem), e a linguagem modal não é extensional.

As noções modais não passam no teste de extensionalidade, ou melhor, elas não mantêm o valor da verdade de suas sentenças cujos constituintes foram substituídos por expressões correferenciais. E é por isso que elas são rejeitadas por alguns empiristas como inaptas a nos dar instrumentos para fazermos filosofia de modo sério. Algumas das sentenças utilizadas por Loux para mostrar como as noções modais falham em passar no teste de extensionalidade são as seguintes: (4) Dois mais dois é igual a quatro e solteiros são não casados, (5) É necessário que dois mais dois é igual a quatro e que solteiros são não casados, e (6) É necessário que Bill Clinton é presidente e que solteiros são não casados. Ele nos diz que 4 é necessariamente verdadeira, mas que ao lhe aplicamos o operador “é necessário que”, formando 5, e substituirmos uma de suas sentenças constituintes – como a sentença “dois mais dois é igual a quatro” – por outra com o mesmo valor de verdade – digamos “Bill Clinton é presidente” – passando, por exemplo, a 6, o valor de verdade se altera de verdadeiro em 5 para falso em 6, dado que não é necessário que Bill Clinton seja presidente. A introdução das modalidades faz com que sentenças extensionais, tal como 4, tornem-se intensionais. O que, para os empiristas, já atestaria contra o uso dessas noções na filosofia.

Assim, como as noções modais são intensionais, alguém que quisesse utilizálas, não poderia usar de nossa lógica extensional para realizar inferências com frases modais; e, portanto, teria que se comprometer com prover uma abordagem de como ocorrem as relações inferenciais entre as sentenças que contêm operadores modais, ou seja, teria que nos fornecer uma lógica modal. Os críticos aqui costumam dizer que a imensa quantidade que há de sistematizações não equivalentes da inferência modal atesta a favor de que não temos uma noção firme de o que são as modalidades.

Nos anos 50 e 60, lógicos e metafísicos retomaram a noção leibniziana de “mundos possíveis” – a de que o mundo atual é apenas um entre uma infinidade de mundos possíveis – e tentaram, por meio dela, esclarecer as nossas noções modais. A ideia central é que uma proposição tem valores de verdades tanto no mundo atual, quanto em outros mundos possíveis, e que a necessidade e a possibilidade podem ser explicadas por meio da quantificação (respectivamente, universal e existencial) sobre mundos possíveis. Uma proposição “P” é possível (ou possivelmente verdadeira) sse é verdadeira em pelo menos um mundo possível; “P” é necessária (ou necessariamente verdadeira) sse é verdadeira em todos os mundos possíveis. Uma vantagem dessa abordagem neoleibniziana das modalidades é que ela pode explicar a existência da pluralidade de sistemas de lógica modal, indicando que eles variam de acordo com as restrições que fazemos na quantificação sobre os mundos.

Mas aceitar o uso dos mundos possíveis para falar das modalidades pode gerar alguns problemas. Um deles é a aparência de afastamento das nossas intuições comuns, dado que até podemos aceitar pré-filosoficamente que há muitos modos que as coisas poderiam ser, mas achamos difícil aceitar que há uma pluralidade de mundos possíveis. A resposta a esse problema é, normalmente, que o quadro conceitual [framework] dos mundos possíveis é apenas uma regimentação das nossas crenças pré-filosóficas, ou seja, que falar sobre mundos possíveis é apenas um modo formal de falarmos sobre os modos como as coisas podem ou têm de ser.

As modalidades, tal como exposto até agora, são apenas as modalidades de dicto, ou seja, apenas as atribuições das propriedades de ser necessariamente verdadeira (ou necessária) e de ser possivelmente verdadeira (ou possível) às proposições (ou às verdades destas). E, no vocabulário dos mundos possíveis, elas são entendidas como uma quantificação sobre mundos. Um outro tipo de modalidade, que é conhecida como modalidade de re, diz respeito ao modo como uma coisa exemplifica uma propriedade (e não sobre o modo como uma proposição é verdadeira/falsa), a saber, essencialmente ou acidentalmente. Loux exemplifica a distinção entre esses dois tipos da modalidade da seguinte maneira: nos apresenta uma hipótese, a saber, a de que Stephen Hawking está pensando no número 2, nos fornece duas frases supostamente com modalidades de tipos diferentes, e nos mostra que uma é verdadeira, enquanto a outra é falsa.

(I) A coisa em que Stephen Hawking está pensando é necessariamente um número par. [Modalidade de re] (II) Necessariamente a coisa em que Stephen Hawking está pensando é um número par. [Modalidade de dicto]

Como Stephen Hawking está pensando no número 2 e tal número é necessariamente (ou essencialmente) par, então I é verdadeira, enquanto II é falsa, dado que é contingente (e, portanto, não necessário) que Stephen Hawking esteja pensando num número par. Segundo os defensores das modalidades, a modalidade de re também pode ser iluminada por referência ao vocabulário dos mundos possíveis. Assim: um objeto x tem a propriedade P necessariamente ou essencialmente sse x tem P no mundo atual e em todos os mundos possíveis em que existe; e um objeto x tem uma propriedade P contingentemente ou acidentalmente sse x tem P no mundo atual e há pelo menos um mundo possível em que x existe e não tem P. Além disso, ambas as modalidades, de re e de dicto, são pensadas como quantificações sobre mundos, porém a diferença é que na modalidade de re há uma certa restrição no uso dos quantificadores, a saber, eles terem de quantificar apenas sobre os mundos em que o objeto em questão (que possui alguma propriedade essencialmente ou contingentemente) existe.

Mas como devemos interpretar a conexão entre os mundos possíveis e as modalidades? – pergunta-se Loux. As duas posições antagônicas principais são:

(i) os que acreditam que as noções modais (com os mundos possíveis incluídos) formam uma rede interconectada de conceitos que se explicam uns aos outros e que não podem ser explicados por conceitos externos à rede, e que, por isso, o máximo que podemos fazer é explicar as relações entre essas noções; e (ii) os que pensam que os mundos possíveis, juntos com a teoria dos conjuntos, proveriam os recursos para realizarmos as reduções – de entidades intensionais, como proposições, propriedades, contrafactuais e modalidades, a entidades concretas, apropriadamente extensionais, como os mundos possíveis seriam nessa abordagem – exigidas pelo nominalismo austero de mundos possíveis.

Tais nominalistas escapariam de problemas com relação às reduções propostas que não levavam em conta mundos possíveis. Por exemplo, agora ele poderia dizer que uma propriedade F é simplesmente o conjunto de todos os particulares, actuais e não actuais, que são F (ou o conjunto dos conjuntos que em cada mundo são compostos dos objetos que são F). E, de modo geral, uma propriedade F seria um conjunto estruturado de tal modo que correlaciona mundos possíveis com conjuntos de objetos (ou seja, de tal modo que atribui um conjunto de objetos para cada mundo). Isso evitaria o problema para o nominalista de, por exemplo, ter de tomar a propriedade de ter rins como idêntica à propriedade de ter coração, já que os membros que pertencem aos supostos dois conjuntos são os mesmos no mundo actual, e já que a identidade de membros implica a identidade de conjunto. Evitaria porque nos mundos possíveis não atuais há objetos com ruins e sem coração, de modo que a extensão dos conjuntos referentes às propriedades supracitadas, quando levamos em conta a totalidade dos mundos possíveis, irá diferir.

Eles também pensam que a teoria dos conjuntos junto com os mundos possíveis poderiam nos ajudar a reduzir as proposições: uma proposição seria o conjunto de mundos em que ela é verdadeira. Porém, se não queremos uma definição circular, temos de responder: em quais mundos seria uma proposição P verdadeira? A resposta é que ela seria verdadeira nos mundos P-ish, e que tais mundos P-ish, para qualquer proposição P, seriam entidades básicas. Assim, a definição não seria circular, e uma proposição seria apenas o conjunto de todos os mundos possíveis P-ish. Como os mundos são entidades concretas formados por entidades concretas, a motivação nominalista austera estaria sendo mantida nesta abordagem.

Nesse mesmo espírito, o nominalismo tenta também reduzir as modalidades, de dicto e de re, respectivamente, a uma junção de teoria dos conjuntos com mundos possíveis tal como se segue. Uma proposição P seria necessariamente verdadeira sse o conjunto dos mundos P-ish tem todos os mundos possíveis como membros. P seria necessariamente falsa sse o conjunto dos mundos P-ish não tem nenhum mundo possível como membro. P seria possivelmente verdadeira sse o conjunto dos mundos P-ish tem algum mundo possível como membro. E assim por diante. No caso das modalidades de re, há uma certa divergência dentro do conjunto dos nominalistas, a saber, entre os que acreditam na identidade transmundial e os que não acreditam em tal identidade – embora ambos concordem que ela deve ser reduzida a um discurso que se utiliza de mundos possíveis e teoria dos conjuntos. Os que aceitam a identidade transmundial, como nominalista que são, pensam uma propriedade como um conjunto (ou uma função) que atribui para cada mundo um conjunto de objetos. Assim, um objeto x é pensado como exemplificando actualmente uma propriedade P sse x é membro do conjunto de objetos P atribui ao mundo atual; x exemplifica P essencialmente sse x é membro de cada conjunto que P atribui a cada um dos mundos possíveis em que x existe; e x exemplifica P acidentalmente sse x é membro do conjunto que P atribui ao mundo atual e x não é membro de pelo menos um conjunto que P atribui a um mundo possível em que x existe. Com essas reduções, o nominalista intenta transformar áreas problemáticas do discurso (por exemplo, que falam sobre entidades intensionais ou entidades abstratas) em áreas não problemáticas (que falam de conjuntos e particulares concretos). Se o nominalista pretende reduzir tais noções, então deve deixar claro o que são os mundos possíveis independentemente dessas noções.

Uma dessas teorias nominalistas pertence a David Lewis. Ela diz que os mundos possíveis são entidades concretas do mesmo tipo que o nosso mundo, que são isolados espaciotemporalmente uns dos outros, que são formados por todos os particulares concretos que estejam em relação espaciotemporal, e que são tão reais quanto o nosso mundo. O mundo actual seria apenas o mundo em que se está ao pronunciá-lo; todo mundo seria actual com relação a si próprio, pois “atual” é visto como um indexical na abordagem lewisiana.

O problema dessa concepção é explicar como pode haver indivíduos que sejam transmundiais, pois parece que a aceitação de que há tais indivíduos pressupõe a falsidade da indiscernibilidade dos idênticos, que é o princípio que diz que: necessariamente, para quaisquer objetos a e b, se a é idêntico a b, então para qualquer propriedade @, a exemplifica @ sse b exemplifica @. Mas, segundo o próprio Lewis, há propriedades que x-em-W tem que x-em-W’ não tem, como a propriedade de ser um filósofo – o que ou violaria a indiscernibilidade dos idênticos, ou faria com que x-emW e x-em-W’ fossem indivíduos diferentes.

Lewis aceita que x-emW e x-em-W’ são indivíduos diferentes e defende uma teoria das contrapartes para explicar a relação entre eles. Uma contraparte de x é um indivíduo em outro mundo que parece com x em muitos aspectos importantes, mas que não é x. Nessa abordagem, uma propriedade P é essencial a x sse x e todas as suas contrapartes exemplificam P; e P é acidental a x sse x exemplifica P e alguma contraparte de x não exemplifica P.

A teoria de Lewis assume a tese do possibilismo, a saber, a tese que assere que existem objetos não actuais possíveis. Contudo, a maioria dos outros filósofos assume o actualismo, a saber, a tese de que tudo que existe é actual. Algumas objeções feitas pelos actualistas a uma teoria nominalista austera, como a teoria de Lewis, são que (a) o uso da teoria dos conjuntos para reduzir proposições não é interessante, pois faz com que haja apenas uma proposição necessariamente verdadeira e uma proposição necessariamente falsa, embora haja várias; que (b) as propriedades coexemplificadas nos mesmos mundos (como as propriedades de “ser um triângulo” e “ter 180º como soma dos ângulos internos”) teriam de ser consideradas idênticas; e que (c) as proposições não podem ser conjuntos, pois não acreditamos em conjuntos e conjuntos não podem ser verdadeiros ou falsos – as proposições, diferentemente dos conjuntos, são representativas.

Além dessas críticas, os actualistas defendem que podem prover uma abordagem completamente actualista da ideia de que há diversos modos que as coisas podem ser, utilizando os mundos possíveis. Contrariamente ao nominalismo, o actualismo, segundo Loux, não pretende ser um projeto que reduza entidades ou conceitos modais e não modais, pois defende que não é possível explicar as noções modais por meio de noções externas à rede de conceitos a que as noções modais pertencem. O projeto actualista apenas explica as relações entre tais noções.

Um exemplo de teoria actualista bem desenvolvida é a teoria de Alvin Plantinga. Ela defende que propriedades, proposições e modalidades estão intimamente conectadas e que não conseguimos explicá-las sem essas mesmas noções. Para Plantinga, todas as propriedades são objetos necessários que podem ou não ser exemplificadas em um mundo. Um mundo é uma entidade abstrata idêntica a um estado de coisas maximal possível, que também seria um ser necessário e poderia ou não obter (análogo à exemplificação); apenas um estado de coisas possível obtém, a saber, o mundo actual. Um estado de coisas S é maximal sse para todo estado de coisas (maximal ou não) S’, S inclui ou exclui S’. S exclui S’ sse é impossível S’ obter caso S tenha obtido, e S inclui S’ sse é impossível que S obtenha e S’ não obtenha. Nessa visão, até o mundo actual é um objeto abstrato, pois é um objeto abstrato que pode ou não obter. E isso faz o mundo actual diferir do que tomamos como o nosso universo físico, pois o universo é um objeto contingente e concreto que não poderia falhar em obter, enquanto o estado de coisas actual é um objeto abstrato necessário que de fato obtém, mas que poderia ou não obter.

Além disso, Plantinga preserva a distinção entre proposições e estado de coisas, falando que a primeira tem uma propriedade que nenhum estado de coisas teria, a saber, a de ser verdadeira ou falsa, e nos indica a relação entre eles, falando que para todo estado de coisas há uma proposição tal que o estado de coisas obtém sse a proposição for verdadeira. Uma proposição é verdadeira em um mundo possível sse tal mundo tivesse sido atual, tal proposição seria verdadeira. Isso é o que é preciso para aceitarmos as definições tradicionais das modalidades de dicto em termos de mundos.

Para lidar com a modalidade de re, Plantinga nos diz que objetos existentes no mundo atual podem existir em outros mundos possíveis. Mas “um objeto existir num mundo possível” apenas quer dizer que é impossível para tal mundo ser actual e tal objeto não existir, ou seja, que se tal mundo tivesse sido actual, tal objeto existiria. A isso, Plantinga junta a noção de “ter a propriedade P num mundo”: x tem a propriedade P em W sse W tivesse se tornado actual, x teria P. E, com tais instrumentos, Plantinga pode aceitar a abordagem tradicional da modalidade de re em termos de mundos possíveis.

Como Plantinga quer evitar o resultado necessitarista desagradável de que nada exemplifica propriedades contingentemente, ele precisa aceitar a identidade transmundial, caso não aceite a relação de contraparte – coisa que não aceita. Saul Kripke tem alguns argumentos contra a teoria das contrapartes. Um deles é que ela não corresponde às nossas intuições modais, pois, quando fico aliviado dos danos que eu poderia ter sofrido, fico aliviado, pois tal possibilidade é referente a mim. Se estivéssemos falando algo sobre contrapartes, eu não deveria ficar aliviado. Plantinga tem um argumento melhor, contra a incompatibilidade entre identidade transmundial e indiscernibilidade de idênticos: ele diz que o fato de x ter P em W e não ter P em W’ não nos permite inferir que P não pode ser atribuída a x sem estar indexicalizada a algum mundo. Na verdade, as propriedades indexicalizadas se fundam nas não indexicalizadas, e um objeto de fato tem as propriedades não indexicalizadas que ele actualmente tem. O que faria que x tivesse todas as propriedades indexicalizadas que tem e todas as propriedades que actualmente tem – o que removeria a incompatibilidade da identidade transmundial com a indiscernibilidade de idênticos.

Plantinga também defende que esses indivíduos transmundiais têm, em adição a propriedades essenciais triviais (que todos os objetos têm) e a propriedades essenciais gerais (que podem ser compartilhadas ou exemplificadas por mais de um particular), essências individuais (essencialismo leibniziano), que são propriedades essenciais de um particular e que não são exemplificadas por mais nenhum particular (tais essências são chamadas por ele de “haecceities” ou, em português, “ecceidades”). Exemplos de tais essências seriam as propriedades indexicalizadas que pertencem necessariamente e unicamente ao particular de cuja essência estamos falando. Plantinga pensa que qualquer essência de um objeto implica todas as suas propriedades (onde “P implica Q” apenas quer dizer necessariamente todo objeto que exemplifica P também exemplifica Q). Por exemplo, a propriedade de ser idêntico a Sócrates implica todas as propriedades essenciais de Sócrates. E, como entre essas propriedades essenciais estão as propriedades indexicalizadas, segue-se que, a partir da essência de um particular, um ser onisciente poderia saber tudo que é o caso nos diversos mundos possíveis com relação a tal particular.

Enfim, Loux nos mostra em seu texto que Plantinga e Lewis nos apresentam teorias interessantes sobre a natureza das modalidades e dos mundos possíveis, e nos indica como o nominalismo influencia o debate. Vale a leitura.

Rodrigo Cid – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista CAPES. Professor substituto na UFRJ PPGLM, IFCS/UFRJ. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

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