Os saberes dos povos e a desconstrução: Religiosidade, Natureza e Cultura | Abatirá | 2021

Jacques Derrida writes Religiosidade
The intimacy of friendship, Jacques Derrida writes, lies in the sensation of recognizing oneself in the eyes of another | Foto: Denis Dailleux / Redux

Jacques Derrida foi um filósofo nascido na encruza, uma encruzilhada chamada Magrebe, entre norte e sul, entre ocidente e oriente. Derrida, um pied noir, como chamavam os franceses aos africanos do norte, um pé-preto, judeu-árabe, mas nem judeu nem árabe completamente, muito branco pra ser Africano, mas muito preto pra ser Europeu, ele vem desse lugar, se assenta nesse lugar e sustenta que só nesse lugar de cruzos se pode pensar. Desse estranho lugar nasce “essa estranha instituição chamada filosofia”: seja na encruzilhada que foi a Grécia Antiga, antes de ser pretensamente purificada pelos alemães do século XIX, seja na encruzilhada que foi o Egito, seja aqui nas nossas esquinas das Américas.

Quando esteve no Brasil para a última conferência que daria em vida, em agosto de 2004 4, Derrida nos pede que deixemos de lado certas picuinhas filosóficas, herdadas da Europa como “os grandes problemas da filosofia”, para pensarmos nossas questões. Acreditava ele que alguns de seus textos poderiam nos ajudar, não como “método” para ser aplicado, nem como modelo, mas, talvez, como inspiração para que cada um possa pensar suas questões desde e a partir de seu chão, que não é nenhuma espécie de fundamento, nem lugar determinado. Leia Mais

História e Natureza: diferentes abordagens, fontes e debates | Jamaxi | 2021

Com muita satisfação, apresentamos o resultado final do Dossiê intitulado História e Natureza: diferentes abordagens, fontes e debates. Com sua publicação intencionamos trazer ao publico alguns aspectos relacionados a ampla dimensão dos estudos sobre natureza, seres humanos e não humanos nos diversos campos das ciências sociais. Partindo da premissa da História Ambiental, que tem o mundo biofísico como seu objeto de estudo, os artigos aqui presentes propõem múltiplas reflexões sobre a presença da mesma na vida humana e como ambas se transformam e interagem. O meio biofísico como categoria de análise das ciências humanas abre um leque de possibilidades e diálogos com outros campos do conhecimento, integrando novas fontes e abordagens na confecção das narrativas histórico-sociais.

Este dossiê buscou congregar trabalhos que transitassem nas diversas abordagens teóricas e metodológicas que tivessem como foco discutir as ações humanas sobre a natureza em tempos e espaços diversos. Entendendo aqui a natureza como algo atravessado pela cultura, pelos fazeres e dizeres humanos sobre as paisagens, os biomas, os recursos naturais e outros seres vivos em relações de intercâmbios com consequências distintas. Tivemos como objetivo então discutir as amplas relações humanas com outros seres vivos (plantas e animais), com o mundo físico e as transformações humanas operadas a partir dessa gama variada de alterações e percepções sobre o mundo bio-social. Leia Mais

Escrevendo a História Ambiental da América Latina: Processos de Ocupação, Exploração e Apropriação da Natureza / Estudos Ibero-Americanos / 2020

Tendo-se implantado no cenário acadêmico latino-americano apenas no início do século XXI, depois de já bem estabelecida nos Estados Unidos e na Europa, a história ambiental é um campo jovem da produção científica no subcontinente, mas podemos considerar que já dotado de firmes alicerces. Desde então, a pesquisa na área ganhou espaço nas instituições universitárias de muitos países, abrindo caminho para uma renovação dos horizontes teóricos, temáticos e interpretativos da historiografia. Sua presença tem se mostrado crescente em programas de pós-graduação, dando origem a grupos, laboratórios e centros de investigação, conduzindo à organização de sociedades científicas e eventos de dimensão variada. Ao estudar as interações ativas entre os agrupamentos humanos e os elementos da natureza, com base em abordagens dinâmicas que intersecionam áreas como a geografia, a biologia, a antropologia, os estudos culturais e a produção discursiva, a história ambiental mostra-se capaz de configurar objetos ainda não explorados e gerar perspectivas originais de leitura do passado.

No contexto latino-americano, o campo tem oferecido referenciais capazes de conduzir à problematização de diversos aspectos da trajetória desses países: os modos de exploração colonial do território e seus desdobramentos; a incorporação do imaginário da natureza nas culturas nacionais; a geração de ferramentas intelectuais e técnico-científicas para o escrutínio da base físico-geográfica das nações; a apropriação do território e dos elementos do ambiente como “recursos naturais” e “matérias-primas”; as formas de ocupação humana do espaço; os impactos ambientais da produção econômica e de suas externalidades; a circulação e a comodificação de espécies; os movimentos sociais conservacionistas e ambientalistas; os aspectos sensoriais, perceptivos e emocionais do contato com a natureza. Esses estudos caracterizam-se por seus aspectos interdisciplinares, seus diversificados temas, problematizações, bases conceituais, escalas de referência e delimitações espaciais, em uma demonstração da heterogeneidade e do dinamismo do campo.

Este dossiê apresenta uma amostra da produção contemporânea em história ambiental latino-americana. “A agricultura e floresta dos alemães no Brasil: mobilidade, conhecimentos e transfers no Urwald (século XIX)”, assinado por Eduardo Relly, abre horizontes inovadores para o campo. O autor questiona, sobretudo, o que denomina “nacionalismo metodológico”, perspectiva que conduz a uma abordagem estática da dimensão espacial, reduzindo o escopo das análises a referências territoriais estanques. No contexto da história das migrações em massa dos séculos XIX e XX, ele propõe uma abordagem transcultural em que a região e a localidade sejam trabalhadas a partir da dinâmica das construções e práticas sociais, que conduzem à constante reelaboração das fronteiras. Aplicando o conceito de transfers à história agrícola e florestal, ele enfatiza, ao contrário da definição do processo migratório como ruptura cultural, até hoje privilegiada, a necessidade de também atentar para os fluxos de informação e experiência entre o Brasil e a Europa, escrevendo a história de uma agropecuária, por exemplo, teuto-brasileira. Sua pesquisa esclarece que, para além da incorporação de técnicas e produtos agrícolas próprios da cultura brasileira, os imigrantes também aportaram conhecimentos europeus relacionados ao manejo do fogo e introduziram sementes e mudas de sua sociedade de origem. A própria escolha dos setores agropecuários a serem adotados por eles nas colônias refletiu, como observa o autor, afinidades culturais prévias.

Também em um contexto relacionado à colonização neoeuropeia, o trabalho de Claudia Schemes, Magna Lima Magalhães e Cleber Cristiano Prodanov, “Um rio, uma cidade: caminhos que se cruzam – São Sebastião do Caí (RS)” exemplifica a pesquisa em história ambiental urbana, estudando a relação de uma cidade com o rio que a cruza. Acompanhando a história do município pelo viés de suas interações com o rio Caí, o estudo explora os condicionamentos, limites e possibilidades por ele representados desde a ocupação europeia e, particularmente, desde a colonização da região por imigrantes alemães. As múltiplas dimensões da simbiose entre cidade e rio são descritas a partir do estudo do ordenamento espacial, das práticas econômicas, dos modos de ocupação e distribuição populacional ao longo de sua evolução histórica. À medida que aborda os resultados dessa interação, que compreendem o desmatamento das áreas ribeirinhas e o consequente assoreamento do rio, o estudo permite acompanhar as rotinas sociais e econômicas do município, que consagraram a navegação fluvial como fator de impulsionamento da atividade produtiva. Ao mesmo tempo, enfoca os prejuízos causados pelas enchentes periódicas, tão recorrentes que passaram a ser vistas tanto quanto eventos naturais como culturais. Ao longo do artigo, o panorama histórico permite descrever a dinâmica da relação entre o rio e o município, exemplificando a reciprocidade das interações entre sociedade e ambiente.

Questões similares são tratadas pelo artigo de Alfredo Ricardo Silva Lopes, “Uma história social dos desastres de 1974 na bacia do rio Tubarão (SC- Brasil)”, que analisa o impacto das enchentes e deslizamentos de terra então ocorridos na região catarinense. O autor reconstitui o evento conforme as narrativas de suas testemunhas, registradas pela imprensa e pela escrita memorialística locais. O estudo dessa produção textual permite observar o impacto imediato da catástrofe a partir dos modos de representação e significação da experiência, ao mesmo tempo que explicita as estratégias de mobilização empregadas para a reorganização da vida urbana em função da profunda crise social que se seguiu. As fortes ondas emigratórias foram sua manifestação mais visível, além do desalojamento, das dificuldades de subsistência, da desorganização das atividades produtivas, da generalização da violência e sua decorrente política de controle e repressão social. O autor demonstra como, com a reconstrução da cidade, obras públicas lograram manter sob controle uma região caracterizada como uma “bacia de inundação”, onde as condições geográficas apontam para um elevado risco de enchente. Para além da excepcionalidade do evento em questão, esse estudo de caso ilustra exemplarmente o dinamismo, a reciprocidade e a busca de um equilíbrio – por vezes precário – característicos da interação entre as sociedades e seu ambiente físico.

Compreendendo um âmbito geográfico mais amplo, o trabalho de Eduardo di Deus, “A borracha que apaga o café: notas para uma história tecnoambiental da seringueira em São Paulo”, aborda a expansão do plantio da Hevea spp no planalto ocidental paulista, desde as primeiras experiências como árvores laticíferas no final do século XIX até o auge da produção no final dos anos 1980. O trabalho reconstitui o processo de implantação da heveicultura em seus aspectos tecnológicos e produtivos, atentando também para fundamentos institucionais e econômicos, para sua articulação com a tradicional agricultura cafeeira e para a circulação internacional de informação e de meios tecnológicos no setor. Ao mesmo tempo, o estudo demonstra a centralidade das instituições de pesquisa e desenvolvimento agrícola do estado na prestação de assistência técnica aos produtores, enquanto atenta para as demandas do setor industrial, para as condições de manejo, transporte e processamento da produção. Como se vê, o artigo integra os múltiplos aspectos que condicionaram a produção da seringueira como alternativa econômica em São Paulo, demonstrando a importância de considerar os processos produtivos a partir das relações das sociedades humanas com os elementos ambientais, e identificando na apropriação de tecnologia os meios de sua viabilização.

Trazendo para o debate a delimitação de uma esfera regional de abrangência a partir de um bioma específico, o estudo “As fronteiras geopolíticas do condomínio panamazônico: observações epistemológicas” dedica-se a discutir o tema da incorporação da dimensão geográfica nas políticas públicas, segundo a obra de Carlos Moreira Mattos. Tomando como referência seus escritos sobre a Amazônia, Delmo de Oliveira Torres Arguelhes demonstra como, na visão do General, cabia trabalhar para a defesa do território amazônico através de programas de cooperação entre os países da região, no sentido de buscar o compartilhamento da responsabilidade sob sua administração, nas perspectivas do desenvolvimento e da integração regional. Seria necessário promover, simultaneamente, o fortalecimento de seus nexos com os estados brasileiros e a criação de diretrizes comuns para a gestão da Amazônia entre os países que dividiam seu território. Definem-se, a partir daí, tanto medidas diplomáticas de abrangência internacional, como a assinatura do Tratado de cooperação amazônica (1978), quanto a formação de uma infraestrutura de transportes e comunicação entre a região e os estados brasileiros. Através de uma abordagem que combina as teorias da geopolítica e das relações internacionais, o artigo reflete, assim, sobre as bases intelectuais das políticas públicas que, nas últimas décadas, intentaram imprimir ao território amazônico diretrizes institucionais de controle, ao mesmo tempo inserindo-o nas redes nacionais e internacionais de intercâmbio material e simbólico.

Outro dos grandes biomas brasileiros foi tematizado por Sandro Dutra e Silva e Altair Sales Barbosa em “Paisagens e fronteiras do Cerrado: ciência, biodiversidade e expansão agrícola nos chapadões centrais do Brasil”. O trabalho explora os recentes desenvolvimentos na produção de uma história ambiental do cerrado como sistema biogeográfico, enquanto promove uma reflexão sobre os danos a ele causados pelo recente avanço da fronteira agrícola em seu território, que demonstram o dramático processo de destruição de sua fisionomia primitiva, hoje residual. Os autores inventariam a produção acadêmica recente sobre a região, apresentando um retrato das transformações por ela experimentadas, sobretudo nas últimas décadas. Através de um viés ecológico, eles interpretam as interações entre os elementos constituintes desse sistema biogeográfico, demonstrando, por exemplo, o comprometimento da flora do cerrado pela extinção de elementos de sua fauna. Partindo de conceitos consagrados por textos clássicos da história ambiental, pela produção científica ligada à tradição dos naturalistas-viajantes e pelos trabalhos acadêmicos contemporâneos sobre o sistema, o estudo oferece um vasto painel da historiografia regional, culminando com a análise da situação contemporânea. No que toca ao processo recente de expansão da fronteira agrícola, os autores examinam os expressivos impactos ambientais da agricultura sobre o bioma, demonstrando os severos danos causados a seu equilíbrio ecológico, que abrangem o solo, a fauna, a flora, o clima e os recursos hídricos. O diagnóstico demonstra o comprometimento de seu patrimônio genético – e, consequentemente, de seu potencial farmacêutico –, apontando para a insustentabilidade desse modelo de exploração.

A incorporação de espécies vegetais exóticas, um dos fatores observados por Sandro Dutra e Silva e Altair Barbosa como uma das características da inserção do Centro-oeste brasileiro no mercado mundial de alimentos e energia, é o tema do estudo seguinte, de autoria de Marília Teresinha de Sousa Machado, José Augusto Drummond e Cristiane Gomes Barreto. O artigo “Leucaena leucocephala (Lam.) de Wit in Brazil: history of an invasive plant” busca analisar a dispersão da espécie, uma das mais invasivas do mundo, no território brasileiro. Os autores observam que o fenômeno da propagação de espécies fora de seu bioma nativo, intencionalmente ou não, representa uma das áreas de investigação mais relevantes na história ambiental para a abordagem das relações entre as sociedades humanas e o meio físico-natural. Considerando que a dispersão de plantas atende a diversos propósitos humanos, sua propagação na atualidade tem sido objeto de estímulo, considerada a facilidade com que se reproduz e sua utilidade econômica como forragem para a criação de gado. Sendo assim, essa pesquisa examina, em primeiro lugar, a chegada da espécie ao País, muito anterior à data em que foi introduzida oficialmente por uma instituição de pesquisa. Com base nesse estudo, são observados os padrões de sua difusão por grande parte do território nacional, chegando a atingir uma área de preservação, o Parque Nacional de Brasília.

O artigo seguinte também se debruça sobre uma espécie em particular. “História, ciência e conservação da onça-pintada nos biomas brasileiros”, de José Luiz de Andrade Franco e Lucas Gonçalves da Silva, faz um balanço da produção de informação científica sobre a Panthera onca e da atuação de entidades dedicadas a projetos efetivos voltados para sua conservação. Compreender a articulação entre a pesquisa e o conservacionismo é um dos objetivos alcançados pelo artigo, após uma caracterização da espécie e uma recensão historiográfica em que obras escritas por caçadores são identificadas como os primórdios da produção de conhecimento sobre a onça-pintada. Os autores demonstram que as iniciativas efetivamente dedicadas à pesquisa sistemática sobre a espécie datam da década de 1970, quando se iniciam os estudos sobre suas características ecológicas. Demonstrando o imbricamento entre a investigação científica e os projetos protetivos, já esses primeiros estudos apresentavam propostas de medidas conservacionistas. Esse aspecto seria uma constante também nos empreendimentos de cunho científico desenvolvidos no século XXI, quando se intensifica a atuação de entidades ambientalistas, centros de pesquisa ligados ao poder público, fundações e organizações não governamentais. Considerando a ameaça de extinção da espécie, sobretudo nos biomas da Mata Atlântica e da Caatinga, seus projetos têm alcançado, simultaneamente, repercussão acadêmica e colaboração de ativistas. O artigo nos permite também observar o diálogo entre a história ambiental e outras áreas do saber – em particular a zoologia, a veterinária e a genética –, e, também, entre ela e os movimentos sociais ambientalistas. Como concluem os autores, a ciência tem sido o principal instrumento para a conservação da espécie.

Desde o trabalho de seus pioneiros, o tratamento dos aspectos culturais e intelectuais da relação entre homem e natureza é uma das linhas mais produtivas da história ambiental, como demonstram os dois artigos seguintes do dossiê. Em “José Mármol e o ambiente brasileiro do século XIX visto por um exilado”, Amanda da Silva Oliveira e Maria Eunice Moreira empreendem uma análise dos aspectos identitários relacionados à elaboração, pelos intelectuais latino-americanos, de concepções acerca da originalidade da região. Nesse texto, elas analisam os artigos publicados pelo escritor argentino José Mármol durante seu exílio brasileiro, entre 1845 e 1846, e observam que suas impressões etnográficas difundem uma concepção paradisíaca da natureza, que lhe inspira sentimentos do sublime, em contraposição a visões da sociedade urbana como espaço conspurcado pelo cosmopolitismo. Em sua escrita, enquanto a natureza carrega as insígnias do americanismo, incorrupta, copiosa e opulenta, a sociedade, em contato com a cultura europeia, prendia-se a laços de dependência que inviabilizavam o projeto de uma identidade americana comum. Assim, observa-se na análise das autoras a plasticidade dos conceitos de natureza e cultura e sua capacidade de traduzir concepções e representações sobre a vida social que incorporam aspirações e projetos de cunho político-ideológico.

Também nessa categoria direcionada aos estudos da cultura e da vida intelectual, o trabalho de Rodrigo Antonio Vega y Ortega Baez, “Matías Romero, las ciencias geográfico-naturales y la transformación ambiental del sureste de México, 1870-1883”, ilustra a crença, pelos letrados latinoamericanos, de que o desenvolvimento científico proporcionaria a prosperidade econômica do País por meio de ações efetivas sobre o território. Caberia promover, segundo o político, o direcionamento das forças produtivas nacionais no sentido do fomento ao plantio de gêneros de exportação para os mercados norte-americano e europeu, por meio da ampliação e da diversificação da oferta. A base para tal seria a incorporação dos saberes da geografia e das ciências naturais, que conduziriam a uma racionalização das iniciativas econômicas. Em particular, buscavam-se plantas nativas ou aclimatadas que possuíssem alto valor comercial e que poderiam ser cultivadas em terras até então tidas como inférteis. Por meio de um trabalho de propaganda, Romero promoveu a divulgação dos conhecimentos adquiridos em suas leituras científicas, e que exploraram as possibilidades de uso produtivo de parcelas intocadas do território. Nessa análise de sua obra, Vega y Ortega Baez explora, assim, as bases intelectuais de uma transformação do meio ambiente mexicano a partir das últimas décadas do século XIX que estimulou a conversão de “terras ociosas” – selvas, bosques e manguezais – em campos agrícolas, conduzindo a uma sensível alteração da paisagem do País.

O dossiê finaliza com uma entrevista concedida aos organizadores por John Soluri, professor da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Soluri narrou sua trajetória como pesquisador em história ambiental da América Latina e apresentou reflexões sobre diversos temas relativos ao campo: o estado atual da pesquisa; as áreas e temas mais promissores e imperiosos; perspectivas de investigação globais versus regionais e locais; as relações do conhecimento científico com os problemas sociais e ambientais do mundo contemporâneo; a história ambiental nos Estados Unidos; as oportunidades de intercâmbio entre pesquisadores e estudantes; a responsabilidade dos intelectuais. Ao final, refletiu sobre o significado da história ambiental no meio científico, suas particularidades, desafios e riscos.

Convidamos todos os leitores da revista Estudos Ibero-americanos a conhecer esse dossiê. Agradecemos aos autores que nos confiaram seus artigos e aos pareceristas que contribuíram anonimamente para sua apreciação e aprimoramento.

Luciana Murari – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Professora da Escola de Humanidades e do Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orcid.org / 0000-0003-1517-1016 E-mail: luciana.murari@pucrs.br

Georg Fischer – Doutor em História pela Universidade Livre de Berlim. Professor associado da Escola de Cultura e Sociedade da Universidade de Aarhus, Dinamarca. orcid.org / 0000-0003-4791-5884 E-mail: fischer@cas.au.dk


MURARI, Luciana; FISCHER, Georg. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 46, n. 1, jan. / abr., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Ciência, História e Natureza: objetos e possibilidades | Temporalidades | 2019

“Todas as ciências são humanas!”

“Todas as ciências são humanas!”. Esta frase deu a tônica nas manifestações contra os cortes financeiros na área da educação brasileira no dia 30 de maio de 2019. Para além do sentido inclusivo, – por fazer referência explícita ao apoio à educação pública, gratuita, de qualidade e para todos – a frase carrega outros sentidos e um deles diz respeito a quem pratica a ciência. Se a ciência é praticada por humanos e a História se encarrega de estudar as ações do homem no tempo, logo as práticas científicas são objetos do campo disciplinar da História. De maneira semelhante à história tout court, a narrativa sobre a história das ciências por muito tempo esteve eivada pelo mito fundador e por escritas laudatórias, mas que em determinado momento serviu aos interesses de conformar uma visão específica dos acontecimentos. Na segunda metade do século XX e início do século XXI, o cenário acadêmico vem amadurecendo análises críticas dos processos de produção do conhecimento considerando os aspectos sociais no fazer científico. Os artigos que abordam recortes espaciais e temporais distintos neste dossiê fazem emergir essas questões a partir de pesquisas empíricas e teóricas, mas principalmente apontando diferentes perspectivas interpretativas. Leia Mais

História, cultura e natureza / História Revista / 2017

A história ambiental é um campo historiográfico relativamente novo. Apesar do debate entre história e natureza não ser algo distante dos estudos históricos, a história ambiental procurou enfatizar e privilegiar as relações entre humanos e meio ambiente em diferentes temporalidades e espacialidades. Surgida nos Estados Unidos, na segunda metade do século XX, procurou discutir sobre o papel da natureza no imaginário americano, sobretudo no que se refere a criação de uma cultura nacional fundada na relação com o meio. A partir da década de 1970 ampliou o seu escopo sobre outras abordagens ambientais, se mostrando muito mais interdisciplinar e buscando novas espacialidades. Além dos Estados Unidos, no Brasil, na América Latina e na Europa, um grupo significativo de pesquisadores tem se debruçado em estudos em história ambiental, com temáticas diversas como rios, montanhas, florestas, flora, fauna, cientistas‐conservacionistas, dentre outros, e em diversas temporalidades.

Nessa perspectiva, o dossiê temático História, cultura e natureza se apresenta como um campo privilegiado para a discussão da relação entre história, cultura e natureza. Ao propor o dossiê, nossa intenção foi promover um espaço de debates sobre os vários ambientes e os diferentes fenômenos decorrentes dessa relação. Apesar de ser um campo historiográfico, esse espaço de debates se propunha interdisciplinar, considerando a possibilidade de envolver biólogos, geógrafos, antropólogos e os estudiosos dos diferentes campos das engenharias que se dedicam às questões ambientais. Para tanto, propusemos discutir temas que envolvessem a relação homem e natureza em diferentes cenários, biomas, domínios naturais e paisagens, bem como a utilização de diferentes fontes e métodos na compreensão desses fenômenos, tanto no Brasil como na América, na África e na Europa, em diferentes temporalidades.

Como resposta à chamada do dossiê, recebemos um número significativo de submissões de autores vinculados a instituições de diferentes regiões do Brasil, e também uma contribuição do exterior. Os textos, avaliados e aprovados por reconhecidos especialistas em história ambiental, foram organizados no dossiê de acordo com as temáticas e abordagens apresentadas. Em primeiro lugar, apresentamos os artigos centrados em questões conceituais, teóricas e historiográficas. Em seguida, apresentamos uma abordagem da relação homem e natureza no contexto dos Estados Unidos da América. Depois, aparecem os artigos que analisam o fenômeno no Brasil, iniciando com uma abordagem sobre a história dos projetos de conservação de espécies da fauna brasileira, seguida por outra focada nas transformações na paisagem do estado de Santa Catarina, outra centrada no debate político ambiental no estado de São Paulo, chegando, por fim, ao artigo que se dedica ao Cerrado no século XIX. Excetuando‐se os três primeiros artigos – aqueles de abordagens teóricas –, percebe‐se que nosso critério para a organização dos textos no dossiê foi geográfico, partindo da realidade mais distante geograficamente, os Estados Unidos da América, para a mais próxima do lugar de publicação da História Revista, o nosso Cerrado.

Assim, abrimos o dossiê com três artigos centrados em questões conceitual, teórica e historiográfica.

No primeiro artigo, Roger Domenech Colacios, pós‐doutorando pelo Departamento de História da UNESP / Assis, apresenta uma abordagem conceitual, situada no debate sobre a polissemia do meio ambiente. O autor propõe analisar o conceito de meio ambiente utilizado pela historiografia ambiental brasileira focando as três matrizes teóricas que guiam os estudos históricos no Brasil: ecológica, socioambiental e geográfica. No que se refere à metodologia, a análise utiliza o instrumental Latouriano, utilizado pela história das ciências, referente às caixas‐pretas conceituais, o que está indicado no título do artigo: Os meios ambientes da História Ambiental brasileira: pela abertura da caixa‐preta.

Prosseguindo com a discussão teórica, o segundo artigo, História, meio ambiente e interdisciplinaridade, de Dora Shellard, professora convidada do MBA da ENS / Funenseg São Paulo e pós doutoranda no Instituto de Estudos Brasileiros IEB / USP, apresenta duas questões fundamentais sobre a abordagem do meio ambiente na história. Em primeiro lugar, a autora discute a singularidade da história ambiental frente a outros campos da disciplina, destacando que, até a década de 1950, a exploração do meio ambiente no Brasil também era objeto da história econômica e social. Em seguida, a autora apresenta importantes reflexões sobre a interdisciplinaridade entre as ciências ambientais e sociais, suas possibilidades e seus limites.

O terceiro artigo do dossiê, foi escrito por Márcia Helena Lopes, Cristiane Gomes Barreto e André Vasques Vital, pesquisadores vinculados a diferentes instituições: a primeira é professora na Unievangélica / GO, a segunda é professora na Universidade de Brasília, e o terceiro é doutor pela Fundação Oswaldo Cruz e bolsista CAPES / PNPD do Centro Universitário de Anápolis. Como indica o título, O Papel do Ambiente no Pensamento Social Brasileiro: Contribuições a partir de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, o artigo apresenta uma análise profunda do papel do ambiente nas interpretações do Brasil desenvolvidas por três grandes intérpretes do nosso país, destacando como a natureza está presente na formação social brasileira, segundo esses autores.

Consoante a proposta do dossiê de discutir temas que envolvessem a relação homem e natureza em diferentes cenários se apresenta o texto de Micah Bacheller e Sandro Dutra e Silva – o primeiro, norte americano, vinculado ao North Central College / USA, e o segundo, brasileiro, professor da Universidade Estadual de Goiás e do Departamento de Ciências Ambientais no Centro Universitário de Anápolis. Em The Birth of National Parks: Culture and Nature in Visiting the Wilderness in the United States (1920‐1940), os autores abordam a relação entre sociedade, cultura e natureza no contexto norte‐americano, estabelecendo como marco inicial o governo do Presidente Wilson (1913‐1921). Com enfoque na história da conservação da natureza e criação de áreas protegidas, os autores abordam a questão proposta em duas perspectivas: o nascimento do Sistema e Serviço de Parques Nacionais nos Estados Unidos e os fatores relacionados ao aumento de visitantes aos Parques entre as décadas de 1920 e 1940.

Passamos, então, ao cenário brasileiro. O primeiro artigo, História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil, é fruto da discussão de três pesquisadores, vinculados a importantes centros de pesquisa em história ambiental: Fernanda Cornils Monteiro Benevides, vinculada ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e membro do Observatório das Unidades de Conservação e Políticas Sociais Conexas, José Luiz de Andrade Franco, vinculado ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, e Vivian da Silva Braz, professora no Centro Universitário de Anápolis / GO. O artigo traça uma história dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. Nas palavras dos autores: “projetos pioneiros iniciados pela Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), entre 1966 e 1972; consolidação e surgimento de novos projetos de 1973 a 1988; e crescimento do número de projetos, de 1989 até o presente. Trata da cooperação da FBCN com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), com a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), e com organizações não governamentais (ONGs) internacionais para o desenvolvimento dos projetos de conservação da fauna.” O artigo destaca, em suas conclusões, que os projetos de conservação da fauna revelam‐se importantes para o desenvolvimento de uma consciência ampla sobre a perda da biodiversidade.

Deslocando nosso olhar para o Sul do Brasil, o artigo intitulado Meio ambiente e sociedade: as transformações na paisagem do Oeste Catarinense, na segunda metade do século XX, de Samira Peruchi Moretto, apresenta as diversas transformações ambientais no Oeste catarinense no século passado, provocadas, em sua maioria, pela antropização da paisagem. A autora, que é professora do Curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul, utiliza um denso e variado corpus documental para analisar o processo histórico da transformação ambiental no Oeste catarinense, após o processo de ocupação da região.

No contexto da região Sudeste situa‐se o artigo O conceito de restauração de florestas nativas no debate político ambiental em São Paulo (1912‐1944), de Luiz Antônio Norder, professor do Departamento de Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos.  Por meio do estudo de publicações que continham conceitos e propostas de restauração de florestas, o autor analisa o contexto e as características do conceito de restauração de florestas nativas no Brasil e, especialmente, no estado de São Paulo, no período de 1912 a 1944.

Finalizamos o dossiê com uma abordagem sobre o Cerrado. Em A diversidade paisagística dos “campos” nas iconografias de Florence e de Martius: alguns aspectos do Cerrado da primeira metade do século XIX, Ana Marcela França de Oliveira, doutora pelo Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, discute a diversidade paisagística das extensões florísticas que abrangem atualmente parte do Cerrado, da forma como foram registradas pelo botânico alemão Carl F. von Martius (1794‐1868) e pelo artista francês Hercule Florence (1804‐1879). Ao estudar os registros dos dois viajantes, a autora problematiza o uso das imagens dos “cerrados” que ambos construíram como testemunhos de usos pretéritos do ambiente analisado.

Os leitores encontrarão nesse dossiê um debate riquíssimo no âmbito da história ambiental. Os artigos que o compõem apresentam diferentes abordagens e importantes reflexões em um campo historiográfico que, como dissemos no início dessa apresentação, é relativamente novo. Estamos profundamente agradecidos a todos que colaboraram: aos autores, que submeteram suas propostas e aceitaram as críticas e sugestões dos revisores, e aos pareceristas que gentilmente, e no melhor espírito acadêmico, apresentaram reflexões importantes e pertinentes nas suas avaliações, revelando leituras atentas e cuidadosas dos artigos. Nosso muito obrigado!

Sandro Dutra – Doutor (UEG)

Adriana Vidotte – Doutora (UFG)

Organizadores


DUTRA, Sandro; VIDOTTE, Adriana. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 2, mai. / ago., 2017. Acessar publicação original [DR]

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Cidade e Natureza / Urbana / 2016

Compreender a relação entre as cidades e a natureza foi tarefa imprescindível para quem se dedicou a pensar as questões urbanas. Quase sempre isso ocorreu em razão de necessidades práticas e imediatas, como garantir seu abastecimento de água, comida e energia; a dispersão das águas servidas e de outros resíduos; a defesa contra inimigos próximos ou distantes para se construir vias de comunicação ou mesmo para impulsionar o desenvolvimento econômico. Mesmo em casos extremos, quando se procurou descolar a cidade de seu lugar de nascimento, essa relação estava presente, ainda que pela negação. Os que foram mais além das necessidades imediatas, deram atenção ainda maior ao modo como as relações humanas e o mundo natural interagiam no espaço urbano, e, nunca deixaram de ver as cidades como um caminho possível para a concretização da utopia de uma sociedade livre, plena de vida, alegria, inteligência e justiça.

A cada época, a natureza e as cidades foram redescobertas por novas sensações e emoções, foram apropriadas de diferentes formas para novos usos, foram constantemente reinterpretadas por inúmeros discursos e por novos saberes. A descoberta das possibilidades de divertimento na natureza, por exemplo, esteve associada com um peso cada vez maior que a cultura conquistou sobre as sensações imediatas, o que tornaria possível a reivindicação de uma natureza idealizada para o usufruto dos moradores urbanos em seus momentos de ócio.

Note-se que em nosso tempo essa relação ficou ainda mais complexa, pois, desde fins do século XX, a humanidade se encontra diante de uma grave crise ambiental. Dessa forma, pensar a relação da cidade com o mundo natural se tornou ainda mais complexo, pois é preciso considerar fatores como as mudanças climáticas, por exemplo. Não é exagero afirmar que a superação da crise ambiental contemporânea passa pelas cidades, lugar aonde vive a maior parte da população mundial, pois, ao processarem quantidades formidáveis de trabalho, recursos naturais, energia e gerarem todo tipo de resíduos, causam forte impacto nos sistemas naturais que suportam a vida do planeta, o que atinge os seres humanos nas cidades ou fora delas.

Foi pensando nessa multiplicidade de reflexões, resultantes das relações históricas entre os processos de urbanização, o meio ambiente e as diferentes representações de natureza consolidadas por nossas sociedades, que organizamos o Seminário Cidade e Natureza, realizado em 22 de maio de 2015 na Universidade Estadual de Campinas. O evento reuniu professores e estudantes de pós-graduação de diversas áreas do conhecimento que se dedicam ao estudo das inter-relações entre os seres humanos e a natureza a partir de uma perspectiva histórica e que atuam junto ao Grupo de Trabalho em História Ambiental, da Associação Nacional de História – Seção São Paulo (ANPUH-SP). O presente Dossiê Cidade e Natureza foi organizado como forma de registro dos trabalhos apresentados no Seminário Cidade e Natureza e como continuidade das ações do Grupo de Trabalho em História Ambiental no sentido de aproximar pesquisadores e suas respectivas produções, favorecendo, assim, a promoção contínua de interações acadêmicas, diálogos interdisciplinares, trocas de experiências e divulgação científica.

Janes Jorge – Universidade Federal de São Paulo. E-mail: jjunifesp@gmail.com

Carmen Lúcia Soares – Universidade Estadual de Campinas soares. E-mail: carmenlucia@gmail.com

André Dalben – Universidade Estadual de Londrina. E-mail: andredalben@uel.br


JORGE, Janes; SOARES, Carmen Lúcia; DALBEN, André. Editorial. Urbana. Campinas, v.8, n.2, maio / ago, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Trabalhadores e Natureza no Brasil Equatorial / Tempo Amazônico / 2014

O I Encontro Estadual da Associação Nacional de História- Secção Amapá, realizado no final de 2014, coincidiu com um momento de ampla produção do conhecimento histórico que contemplou os quatro extremos do Brasil. Dois movimentos contribuíram para o desenho desse quadro, quais sejam, a ampliação dos programas de pós-graduação pelo país e a constituição de Grupos de Trabalho vinculados a ANPUH-Brasil.

O GT Mundos do Trabalho tem tido especial inserção nesse quadro, reunindo variadas temáticas e historiadores de diversas instituições da Amazônia, que nos últimos anos tem aventado novos temas, fontes e abordagens. O Simpósio Temático Mundos do Trabalho encampado no primeiro evento amapaense da ANPUH foi um dos resultados desse processo. Nele foram acomodados estudiosos do Acre, do Amapá, do Pará e do Amazonas permitindo um amplo debate sobre a temática da história dos trabalhadores.

A presente edição da Revista Tempo Amazônico congrega alguns textos apresentados no referido ST, revelando uma multiplicidade de pesquisas desenvolvidas sobre a temática do trabalho, envolvendo questões de família, conflitos agrários, política, meio ambiente, dentre outros tópicos, revelando novas fontes e alargando as possibilidades de análise da História Social do Trabalho. Todos esses estudos têm sido partícipes das mudanças que vem ocorrendo nos últimos anos, valorizando as experiências protagonizadas pelos mais diversos sujeitos em diferentes universos de trabalho. A ampliação temática, geográfica, epistemológica e cronológica, juntamente com o rompimento de dicotomias (trabalhador livre / escravo; rural / urbano; formal / informal), têm se destacado nas jornadas, seminários e nos últimos STs organizados pelo GT Mundos do Trabalho. Os eventos nacionais da ANPUH também têm sido palco desse movimento, incluindo o ST Mundos do Trabalho organizado no I Encontro Estadual da Anpuh-AP, cujos resultados seguem materializados nos artigos contidos neste número da RTA.

Dentre as várias questões abordadas, serão adensadas importantes problemáticas sobre o complexo inter-relacionamento entre trabalhadores e natureza, tônica principal do dossiê Trabalhadores e Natureza no Brasil Equatorial. Os artigos desta seção permitem apreciar o papel decisivo da natureza no universo de trabalho amazônico. Os pesquisadores produziram seus textos com atenção especial à historicidade do componente espacial. Poder-se-á observar trabalhadores, autoridades públicas e particulares tendo como território de disputa o domínio e o ordenamento de áreas de comércio, povoamento, utilização de recursos naturais, usos da terra e reprodução da força de trabalho nas cidade, rios e florestas.

Nesse sentindo, abrindo o dossiê, Frederico de Oliveira apresenta em seu artigo as experiências dos chamados Soldados da Borracha, arregimentados durante a II Guerra Mundial para o serviço nos seringais amazônicos. O pesquisador aponta como eixo de discussão a transformação dos migrantes nordestinos – alcunhados de arigós – em Soldados da Borracha, analisando ainda o aparecimento de uma consciência ambiental rumo às lutas em nome da preservação da floresta.

Na Amazônia, o hábito de extrair da floresta e rios o necessário para sobreviver faz da natureza um elemento importante para o entendimento do modo de vida dos amazônidas. Fabrício Ribeiro, autor do segundo texto deste dossiê, analisa em seu artigo tais referências tendo em conta as experiências dos trabalhadores extrativistas do açaí e suas formas de sustento, avaliando as complexas relações laborais estabelecidas na extração da fruta sob os moldes do trabalho familiar, especialmente atentando às mudanças vivenciadas a partir da introdução da indústria de exportação. Segundo Ribeiro, as referidas transformações vêm alterando não somente os circuitos produtivos, mas também a relação desses trabalhadores com a própria natureza.

No artigo seguinte, ainda com a mesmo direcionamento, Rafaele Flexa introduz uma discussão sobre os trabalhadores extrativistas do sul do Amapá e o uso dos recursos naturais entre as décadas de 1950 até 1990, problematizando a relação dos trabalhadores com a natureza dentro de um cotidiano em progressiva transformação. A autora discute o usufruto comum de recursos da floresta, as formas de uso, e o estabelecimento de regras e normas. Em acréscimo, Flexa contextualiza os grandes projetos agromineralógicos da segunda metade do século XX na Amazônia, sugerindo que a população não assistia as violentas mudanças de forma pasmada, articulando-se em lutas pela garantia do acesso à terra e demais recursos. Em tal conjuntura, as políticas de colonização dos supostos “espaços vazios” tornavam-se base para uma economia de exportação assentada em processos de concentração fundiária, que corroboravam na escalada ascendente da desigualdade social que afligia e ainda aflige muitos amazônidas.

Analisando referências semelhantes, o artigo de Adriane Silva dá continuidade ao debate estudando as experiências de trabalhadores rurais do baixo Tocantins (PA), que em parceria com a igreja católica progressista, trabalhavam numa lógica oposta aos grandes projetos à época da Ditadura Militar no Brasil. Nessa ocasião, em nome da garantia do uso da terra e da permanência do costume da agricultura em família ou em mutirão, foram formados os “animadores de comunidade” e os “sítios demonstrativos”, espaços de aprendizado da lida e de outras sociabilidades.

Para além dos artigos do dossiê, esta edição da RTA abrirá também espaço para mais duas partes, compostas por uma seção de artigos livres e um pequeno ensaio final. A seção livre trará temas como trabalho escravo, trabalho compulsório, família e um estudo sobre as possibilidades e análises de fontes para a escrita da História Social do trabalho. O texto de abertura da referida parte é de Maurício Guedes de Negreiros, que discutirá algumas problemáticas da composição dos trabalhadores nos seringais do Afuá (PA), trazendo interessantes referências sobre a presença de mulheres e crianças na lida extrativista. Ainda tratando da questão do trabalho, mas em outras perspectivas e temporalidades, o artigo de Paulo Marcelo Cambraia da Costa discutirá algumas dimensões da escravidão e dos recrutamentos forçados no território amazônico setecentista, dando especial atenção às populações negras e indígenas. Abordando a relação trabalho e migração, Francisco Bento da Silva expõe os dilemas vivenciados especialmente por haitianos, que utilizam o Acre como porta de entrada para o Brasil, através da panamazônia. A seção livre será fechada pelo texto César Augusto Queiroz, que mudará um pouco o encadeamento das discussões da seção (embora continue discutindo História do Trabalho), tratando de alguns melindres metodológicos do “fazer” historiográfico. O autor contribuirá com um rico debate resultante de experiências de pesquisa com processos crime – tipologia de fonte que tem tido forte presença entre vários historiadores da temática do trabalho.

Finda a parte dos artigos livres, a seção seguinte será composta pelo breve ensaio de Lauriane do Santos, mestranda da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), que em sua primeira viagem de pesquisa ao Arquipélago do Bailique (AP) buscou entender o cotidiano dos ribeirinhos e a atuação da justiça itinerante fluvial amapaense.

Ao final dessa apresentação ficamos com a sensação de que pesquisadores amazônidas estão protagonizando uma produção plural que atenta às mais diversas direções. Nessa perspectiva, a RTA se engaja como partícipe no esforço geral de divulgar e incentivar a produção de ainda mais trabalhos, enriquecendo ainda mais nosso conhecimento sobre a história da população amazônica.

Boa leitura!

Alexandre Cardoso – Doutorando em história social na Universidade de São Paulo

Lara de Castro – Doutoranda em história social na Universidade Federal da Bahia. Editora da Revista Tempo Amazônico.


CARDOSO, Alexandre; CASTRO, Lara de. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.2, n.1, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Ciências, natureza e território / Revista Brasileira de História da Ciência / 2012

O marco zero deste dossiê foi o 12° Seminário Nacional de História da Ciência, organizado pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) em novembro de 2010. O evento, que ocorreu paralelamente ao 7º Congresso Latino-Americano de História da Ciência e da Tecnologia, foi realizado em Salvador, na Universidade Federal da Bahia. Nessa ocasião, nós, responsáveis por este dossiê, organizamos o simpósio Ciências, Natureza e Território. O encontro possibilitou amplo debate acadêmico entre pesquisadores de diferentes instituições do Brasil. Seus resultados nos pareceram tão satisfatórios, sobretudo em relação à diversificação regional da sua composição e à qualidade dos trabalhos apresentados, que, então, surgiu a ideia da organização de um número de periódico científico dedicado à temática.

A Revista Brasileira de História da Ciência pareceu-nos, desde sempre, o espaço mais adequado para abrigar tal iniciativa, uma vez que foi na SBHC que esse grupo nasceu. Consideramos também que a Revista, por ser um importante espaço de intercâmbio profissional na área, contribuirá decerto para o fortalecimento desse campo de atuação e pesquisa no Brasil. Nós já nos reunimos novamente, em julho de 2011, no âmbito do XXVI Simpósio Nacional de História, organizado pela ANPUH, e voltaremos a nos encontrar em setembro de 2012, na USP, para o 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. Este número expressa, assim, a constituição e a consolidação de rede de pesquisadores dedicados a temas afins, alguns ainda em formação nas suas pós-graduações e cuja produção esperamos divulgar ao público brasileiro agora.

A edição resulta de pesquisas originais dedicadas a compreender a importância das atividades e saberes científicos para as políticas públicas de inventário da natureza e ocupação de territórios nacionais nos séculos XIX e XX. Trata-se, pois, da análise de conteúdos relevantes da própria história da constituição de alguns Estados Nacionais da América Latina, como Argentina e Colômbia, mas, sobretudo, do Brasil. O leitor verá, por meio de diferentes enfoques e variados conjuntos documentais, que esses objetos de estudo têm sido contemplados na Geografia, na Literatura, História das Ciências e História Ambiental. Esses campos possuem poucas oportunidades de diálogo, e este volume, ao reunir trabalhos dessas diferentes áreas, pretende estimular o debate interdisciplinar sobre tais temas, em suas diferentes inter-relações e abordagens.

O dossiê está composto de doze artigos orientados por três eixos temáticos: 1) viagens e expedições científicas em articulação com a atuação profissional e a produção intelectual de agentes do conhecimento da natureza e da ocupação do território, como militares, engenheiros, literatos e cientistas; 2) as relações entre Ciência e projetos estatais de civilização, modernização e construção de infraestrutura de transportes e comunicações e 3) a história da constituição de saberes e problemáticas científicas referentes ao estudo dos recursos naturais e humanos de territórios nacionais, como Cartografia e Geografia; Medicina, doenças e populações; Botânica, Agronomia e História Natural; ambiente, meio físico e práticas de exploração e conservação da natureza.

María Silvia Di Liscia e Federico Martocci, em De la abundancia a la desesperación: viajes y representaciones sobre los recursos naturales en el interior argentino (La Pampa, ca. 1880-1940), examinam, na produção de naturalistas, viajantes e cientistas, a história da constituição do imaginário relativo à preservação da natureza do Pampa argentino, sobretudo no que se refere à problematização dos seus usos para a produção agrícola.

Lucía Duque Muñoz, em Vasos comunicantes entre cartografía e historia en el Mapa de la república de la Nueva Granada (1847) de Joaquín Acosta, explora as relações entre Geografia Física, História e Cartografia na construção de um dos primeiros mapas do período nacional colombiano. A história da elaboração da carta nacional também é analisada no artigo Circunstâncias da Cartografia no Brasil oitocentista e a necessidade de uma Carta Geral do Império, de Bruno Capilé e Moema de Rezende Vergara.

Atividades de conhecimento do mundo natural para o povoamento do território brasileiro no século XIX é o tema do artigo de Fabíula Sevilha de Souza, intitulado Natureza, ocupação territorial e vias de comunicação de Goiás nos relatos de viagens do século XIX. Fabíula elegeu relatos de viajantes estrangeiros de passagem pelo Planalto Central brasileiro no oitocentos para a análise da sua visão de natureza como recurso a ser explorado em proveito da felicidade dos homens e sua civilização.

A articulação entre projetos civilizatórios e a história da ideia de natureza também é acessada em O Doutor Benignus: A origem do homem na concepção de natureza de Emílio Zaluar de Ricardo Waizbort. O autor, ao enfatizar as relações entre Ciência e Literatura no século XIX brasileiro, demonstra que, na obra literária de Zaluar, o darwinismo, como repertório intelectual, ocupou papel central no desenvolvimento do tema central do livro: a origem do homem no Brasil e a transformação da espécie humana na Terra.

Os processos de institucionalização da Ciência e o conhecimento do território foram fatores concomitantes e complementares na história recente do Brasil, e essa, exatamente, é uma das premissas a guiar os artigos de André Vasques Vital, Visões do Alto Madeira: Comissão Rondon, malária e política em Santo Antônio do Madeira (1910-1915), e de Patrícia Marinho Aranha, Levantamentos territoriais e construção de saberes geográficos na Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas (1907-1915). Os autores abordam as contribuições da Medicina e da Geografia para iniciativas estatais de exploração territorial e obras de construção de infraestrutura de comunicações no país, no caso vertente para a Comissão Rondon. Nas interpretações de André e Patrícia também podemos verificar a riqueza dos usos de relatórios de comissões exploradoras, cadernetas de campo, imprensa e diários de viajantes como fontes para historiadores da ciência.

O artigo Um jardim para a ciência: o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1915-1931), de Ingrid Fonseca Casazza, examina a produção científica de botânicos nas primeiras décadas da República brasileira. Vanessa Pereira da Silva e Mello, em A Sociedade Nacional de Agricultura em revista: divulgação científica e uso racional da natureza em A lavoura (1897-1926), discute a propaganda da conservação dos recursos naturais brasileiros junto a pequenos, médios e grandes lavradores do país. Ambas as autoras enfatizam o protagonismo do Estado brasileiro na promoção e difusão de atividades científicas, com destaque para a atuação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), e refletem sobre o conhecimento da natureza nacional e o utilitarismo dos saberes científicos na sua associação com os projetos modernizantes da República para o país.

A história da modernização brasileira na sua relação com a pauta dos usos da natureza como recurso econômico também é o tema dos artigos de Jó Klanovicz, Corrigir os erros da natureza: húbris, conhecimento agronômico e produção de maçãs no sul do Brasil, e de Claiton Marcio da Silva, De um Dust Bowl paulista à busca de fertilidade no Cerrado: a trajetória do IRI Research Institute (IRI) e as pesquisas em ciências do solo no Brasil (1951-1963). Transformações de paisagens agrícolas e mudanças ambientais em grandes áreas de diferentes regiões brasileiras, a partir de meados do século XX e em função dos usos da ciência para a remodelação de processos tidos como “naturais”, são igualmente abordadas nesses artigos.

Em Os norte-americanos na missão à Amazônia, em 1923, de Luciene Pereira Carris Cardoso e Alda Heizer, as relações entre Ciência, política e ambiente são examinadas para a compreensão de importante capítulo da história da economia da borracha na região amazônica. Articulada a temas candentes da atualidade, como o da preservação ambiental, a análise de Cardoso e Heizer contribui para a reflexão da importância de comissões de exploração e expedições de naturalistas para a realização de estudos de Ecologia das regiões percorridas.

O número traz ainda notícia sobre Razón Cartográfica, site para trocas profissionais e intercâmbio acadêmico entre interessados e especialistas na História da Cartografia e da Geografia na América Latina. A rede é apresentada no dossiê por Sebastián Díaz Ángel e David Ramírez Palácios.

Gostaríamos, por fim, de agradecer às editoras da RBHC, Heloisa Gesteira e Silvia Figueirôa, por terem acolhido a nossa iniciativa, e também aos autores, pela seriedade com que contribuíram para a elaboração deste volume. Esperamos que este número, ao contemplar diferentes períodos e regiões, personagens e saberes científicos, conjuntos documentais e abordagens, estimule a interpretação interdisciplinar sobre – região –, ‘natureza’, – paisagem – espaço – e – território –. Que ele seja também apenas a primeira expressão do nosso entusiasmo com a troca intelectual, e motivo para novas parcerias acadêmicas, na forma de estudos comparativos, muitos outros artigos e eventos em comum.

Dominichi Miranda de Sá – Casa de Oswaldo Cruz. Fiocruz

Moema de Rezende Vergara – Museu de Astronomia e Ciências Afins. MAST

Organizadoras


SÁ, Dominichi Miranda de; VERGARA, Moema de Rezende. Apresentação. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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História e Natureza / Tempos históricos / 2011

Em boa hora vem à tona este número de “Tempos Históricos”, tratando de história ambiental. Enchentes, deslizamentos, secas, furacões, entre outros fenômenos, tem se verificado com maior freqüência e intensidade, causando grandes prejuízos e ceifando vidas. Catástrofes naturais (seriam de fato naturais ou conseqüência de um tipo de ação humana sobre o meio?) de toda ordem tem levantado perguntas, também de toda ordem. Verifica-se um interesse público crescente e a temática ambiental vem ganhando consideráveis espaços na imprensa. Também na esfera política o tema se faz presente com discursos inflamados, mesmo que o foco não esteja muito claro. Recentemente assistimos o debate político em torno do Código Florestal Brasileiro e a polarização que este debate gerou, colocando de um lado, os “ecologicamente corretos” e do outro, os ruralistas, cujo objetivo é produzir comodities agrícolas. O fato é que conceitos como sustentabilidade e recursos naturais se fazem presente nos embates gerados por grandes projetos tais como a transposição das águas do São Francisco, a questão da matriz energética através da construção de grandes usinas hidrelétricas, ou termoelétricas / termonucleares. Pergunta-se (talvez não com a intensidade necessária) pelos modelos mais corretos a serem adotados.

A questão ambiental, portanto, vai gradativamente se impondo na agenda acadêmica, também dos profissionais das ciências humanas e, no nosso caso, dos historiadores. Temos que estar atentos e buscar compreender melhor a forma como os humanos interferem no meio ambiente e como este interfere na vida humana. É um campo de conhecimento ainda em estágio inicial como especialidade da história, no entanto, despontando como uma área de pesquisa que demonstra bastante vigor. Vários são os textos produzidos tais como, teses, dissertações, TCCs, bem como Simpósios, Congressos, entre outros, o que aponta para o interesse crescente para a compreensão desta temática na perspectiva da história e com as ferramentas teóricas e conceituais da história. O fato é que a realidade exige que também a história se ocupe com a temática ambiental e este labor historiográfico exige a interdisciplinaridade. O constante diálogo com outras ciências é uma marca constitutiva da história ambiental, a qual exige, como propõe Donald Worster, que o historiador se aprofunde mais, até encontrar a própria terra, entendida como um agente e uma presença na história.

É interessante perceber que o debate em torno da questão ambiental já se fazia presente entre nós no período colonial, como demonstra José Augusto Pádua em sua obra Um sopro de destruição. Pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Sim, estava presente, bem articulado, no entanto, ignorado pelo staff historiográfico. Afinal, como seria possível uma contribuição intelectual vir da periferia? Esta possibilidade não estava presente entre intelectuais especialmente da Europa.

Oriundos da Europa, os imigrantes que ocuparam as várias colônias do sul do Brasil tiveram que lidar com a questão ambiental e com um agravante: a natureza que passavam a ocupar lhes era desconhecida. Aqueles que se ocupam com o estudo dos processos de colonização percebem que a natureza tem forte carga negativa. O binômio barbárie x civilização se fazia presente de forma muito intensa e a natureza representava a barbárie. É freqüente a documentação na qual o imigrante avalia a sua chegada ao Brasil com expressões tais como: “Quando aqui chegamos, não tinha nada. Era só mato!” O ambiente, a natureza, era a inimiga a ser vencida, cedendo lugar à civilização e ao progresso. Era o vazio, o “nada” que incomodava. Hoje, vive-se a positivação da natureza e as questões ambientais ganham conotação às vezes romantizada, na qual a natureza é o lugar onde o homem é um visitante que não permanece (Wilderness Act – 1964). Aí estamos diante de um problema que é a retirada do ser humano como se este não fosse mais integrante da natureza. A militância apaixonada também se coloca como um entrave ao avanço da história ambiental como uma área de investigação do historiador.

Com o presente número de Tempos Históricos, pretendemos contribuir para este importante debate. Considerando as diferentes origens, formações e enfoques dos vários autores da presente coletânea de textos, entendemos que as temáticas aqui abordadas trazem uma importante contribuição para a história ambiental.

João Klug – Professor Doutor do Departamento de História da UFSC.


KLUG, João. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.15, n.2, 2011. Acessar publicação original [DR]

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História, Memória e Natureza / História & Perspectivas / 2009

Esta edição de História & Perspectivas nos convida a refletir sobre os temas História, Memória e Natureza, nas suas vinculações e retro-alimentações que podem ajudar a percebê-los como elementos chaves nas transformações requeridas nas sociedades contemporâneas, quando a própria natureza está a mostrar a necessidade da volta à história e à memória para nos posicionarmos sobre os erros e acertos incorridos pela humanidade, uma vez que parte dela já reconhece a urgência desta reflexão.

O dossiê que compõe o número 41 inicia uma reflexão sobre agricultura multifuncional e ruralidade. A autora vai a campo para estudar diferentes histórias de agricultores em uma área que está entre as mais produtivas da Itália central, numa época em que se passa de um modelo no qual a valorização econômica se baseava majoritariamente no aumento da produtividade da terra à piora das externalidades negativas da agricultura convencional. Situação que requer um novo pacto social entre os agricultores e seus concidadãos do resto da sociedade, pois as mudanças necessárias requerem a contribuição de todos os seus membros. Dentre elas, pode-se mencionar as que ocorrem neste importante setor, a agricultura, por aqueles que nele atuam e são portadores de uma “racionalidade campesina”, que assume a reprodução dos recursos e a autonomia como pré-requisitos da administração empresarial. Racionalidade que se explicita na capacidade de trabalhar com cuidado os recursos naturais do setor; e que permite e impõe um modo de viver a própria atividade em uma relação estreita com a natureza e a sociedade (VAN DER PLOEG, 2006). Examina histórias que falam de compromisso, e do que Van der Ploeg chama de cura (cuidado), como elemento que caracteriza quem não tem só o dinheiro como objetivo e motor da ação.

Os três artigos seguintes tratam, primeiramente, de alternativas tais como os sistemas agro-florestais e o desenvolvimento local sustentável para este e outro importante setor, o florestal, que permitem aquele tipo de relação com a natureza ao tempo que fornecem à sociedade alimentos e produtos florestais na perspectiva agro-ecológica. O segundo chama a atenção para a cautela que se deve ter ao discutir um dos problemas ambientais mais sérios da atualidade, as mudanças climáticas – que podem trazer consequências graves para os setores mencionados – e que é também uma questão global, a Amazônia. Considera que o meio ambiente é único, desde a esfera subatômica até a dimensão universal, com resultados entre estes extremos: indivíduo, espécie humana, reino animal e organismos vivos. E baseando-se em pesquisa sobre a Iniciativa MAP (Madre de Dios / Peru, Acre / Brasil e Pando / Bolívia), considerada uma das dez regiões mais ricas em biodiversidade do planeta, os autores do texto seguinte buscam problematizar a luta pela dominação da terra na Amazônia, sob condições de aprofundamento da mercantilização da natureza e perda de controle das populações locais sobre seus territórios / recursos, num processo de “desterritorialização”.

Dentre os três artigos finais do dossiê, o primeiro analisa o modo de vida dos beraderos sanfranciscanos antes da construção da represa de Sobradinho, evidenciando que, além de propiciar a eles meios de vida, o Rio São Francisco era a sua principal referência espacial, temporal, cultural. No segundo se discute as modificações ocorridas na vida do homem do campo do distrito de Martinésia, Uberlândia-MG, a partir da década de 1970, com relação às atividades agrícola e pecuária e às formas de viver, trabalhar, se relacionar, nos sentidos e maneiras de vivenciar a terra e a relação com a natureza. O terceiro artigo aponta para uma dimensão central quando se trata da natureza, a cultura, que a autora relaciona à produção intelectual ou artística, e ao modo de vida de uma sociedade, possuindo ainda, o sentido de cultivar, diretamente vinculado aos temas centrais do dossiê: o cultivo dos meios de vida para as sociedades. Relaciona-o também com o cuidado que este cultivo precisa ter com os recursos naturais. Que sejam usados de acordo com os objetivos de uma sociedade que busque se reconciliar consigo mesma, numa época de tantas contradições, conflitos e possibilidades de reconstruções, os quais permitem esta conciliação consigo e com a natureza da qual faz parte, e sobre a qual atua de formas insustentáveis, como a realidade nos mostra e a memória pode revelar.

O documento seguinte já contribui, em sua interface entre a pesquisa e a extensão, com a investigação e coleta de dados sobre transformações sociais e ambientais na região do Triângulo Mineiro nas últimas décadas, ocorridas com a implantação da cana-de-açúcar e produção de álcool e açúcar. Tem como preocupação fundamental, não apenas recolher material, mas, sobretudo, estabelecer contato e discussões com certos grupos de trabalhadores sobre referências e sentidos dos impactos e transformações relacionados a esta atividade e em relação às experiências vividas.

Com relação aos artigos seguintes, o primeiro analisa a ONG Ação Moradia, que atua através de programas ligados à habitação em Uberlândia, construindo moradias ou fornecendo tijolos ecológicos, além de oferecer cursos profissionalizantes e outras atividades de cunho social. Busca compreender o problema da demanda de moradias nesta cidade e o significado da casa própria como representação de acesso à cidadania e conquista do espaço urbano, além de refletir sobre o papel do estado no planejamento do ambiente urbano. O segundo trata da escravidão em Belém, capital da província do Pará, durante a segunda metade do século XIX, nos variados aspectos de constituição e dinâmica da escravidão naquela cidade, tais como mercado, controle social e os conflitos sociais dentro do espaço urbano. O artigo seguinte mostra a mobilização diferenciada de profissionais médicos (civis e militares), professores catedráticos e estudantes de Medicina e Farmácia da Faculdade de Medicina da Bahia, para o importante apoio aos feridos durante a Guerra do Paraguai. E o quarto texto faz a análise de um artigo publicado na revista Veja acerca do Partido dos Trabalhadores em 12 / 09 / 2007. Se pauta no constructo teórico da análise do discurso de vertente francesa, voltando-se para as noções de sujeito e sentido discursivo propostos por Pêcheux (1997), de heterogeneidades segundo Authier-Revuz (2004), dos conceitos de memória e intericonicidade segundo Courtine (2006), e ainda os conceitos de polifonia e dialogismo, segundo Bakhtin.

As duas resenhas tratam primeiro do desenvolvimento territorial, de caráter multidisciplinar, como importante e vasta área de debate acadêmico, com transbordamentos para a prática de gestão de políticas públicas; por sua forma de percepção da realidade através do re-ordenamento espacial do território, entendido não só do ponto de vista geográfico, mas agregando dimensões econômico-sociais que conferem a algumas regiões características singulares. A partir destas, são analisadas as formas de intervenção estatal (modelo top-down) e o processo de gestão participativa, com demandas locais, coadunando as proposições top-down com as do tipo button-up, não em uma defesa do localismo, mas mostrando a importância do capital-social enquanto detonador de um processo de gestão participativa, alicerçado pelo aparato estatal, concatenando os interesses sub-nacionais com os de âmbito nacional. Na segunda resenha, o autor constrói sua narrativa destacando o lugar central que Otelo ocupa pela seletividade de seu passado, oferecido a ler em um movimento de heroicização, com o propósito de que os acontecimentos sobre o artista tenham o caráter de grandeza, transformando-o em herói do cinema e do teatro, e enfatizando a sua notoriedade, brilhantismo e genialidade, espinha dorsal da escrita do autor, pelo manuseio do passado na construção de uma memória sobre Grande Otelo. Uma referência à memória, destacada neste número da revista História & Perspectivas como central ao papel de todos nós na construção de sociedades historicamente referenciadas, socialmente justas e ambientalmente sustentáveis, tarefa para a qual o brilhantismo de todos está sendo solicitado.

Conselho Editorial


História, Memória e Natureza. História & Perspectivas, Uberlândia, v.1, n.30, 2009. Acessar publicação original desta apresentação [DR].

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Natureza e cultura / Revista Brasileira de História / 2006

O problema dos nossos tempos é que o futuro não é mais como era antigamente.
Paul Valéry

Pensar a relação entre natureza e cultura significa considerar necessariamente o elemento tempo. Assim foi com a mudança cultural fundadora da vida contemporânea, a passagem do tempo intrínseco do homem medieval ao tempo mecânico da Renascença e dos mercadores. Quando se passou a exigir orientação temporalmente exata, uma nova relação natureza e cultura se impôs caracterizando um novo tipo de sociedade.

Hoje, o tempo da história se acelera vertiginosamente. É um tempo marcado, por um lado, pela analogia entre velocidade e exatidão, e, por outro, pelas mudanças, dúvidas e destruições, que contrastam com outros tempos, da permanência, da continuação e da memória. Essas tensões da contemporaneidade têm levado os historiadores a se debruçarem sobre estudos que contemplam a temática natureza e cultura, e o resultado disto é que, por sua vez, este interesse tem causado impactos na disciplina, ampliando horizontes e favorecendo pesquisas alternativas. Enfim, as novas pesquisas têm contribuído para a renovação temática e metodológica, redefinindo, ampliando e favorecendo o questionamento das polarizações dicotômicas.

Entretanto, assim como o Angelus novus de Klee, na seminal metáfora de W. Benjamin — alegoria na qual a tempestade da modernidade arrasta o homem ao progresso, não mais concebido como a panacéia dos males humanos —, o historiador procura pensar o fluxo da evolução histórica a partir dos limites e perspectivas de seu tempo. Ele quer “dominar” o passado, mas ao mesmo tempo é ultrapassado pela força das circunstâncias — esta não permite que sua vontade se concretize.

O resultado desse embate — considerados os limites da área de atuação de que dispomos em nosso periódico — é o que se pode ler neste número da Revista Brasileira de História. Os estudos que aqui apresentamos procuram, cada um a seu modo, ampliar os limites da disciplina e abrir áreas de pesquisa, buscando observar no passado mudanças e permanências, descontinuidades e fragmentações, apresentando possibilidades que se compõem e recompõem continuamente.

Os artigos presentes neste dossiê percorrem vários aspectos da temática natureza e cultura. A partir de relatos deixados por intelectuais formadores de suas disciplinas, tais como Élisée Reclus, Capistrano de Abreu e Caio Prado, Antonil e Rocha Pita, destacam-se os textos de Regina Horta Duarte (“Natureza e sociedade, evolução e revolução: a geografia libertária de Élisée Reclus”), Dora Shellard Corrêa (“Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil”) e Francisco Eduardo de Andrade (“A Natureza e a gênese das Minas do Sul nos livros de André João Antonil e Sebastião da Rocha Pita”).

Tomando a literatura como campo de análise, Valdeci Rezende Borges (“Culturas, natureza e história na invenção alencariana de uma identidade da nação brasileira”) aborda a obra de José de Alencar, e Daniel Faria (“Makunaima e Macunaíma. Entre a natureza e a história”) procura entender a questão do desejo romântico pela natureza como resposta a conflitos políticos contemporâneos.

Cultura material e patrimônio são os eixos pelos quais Maria Clara Tomaz Machado (“(Re)significações culturais no mundo rural mineiro: o carro de boi — do trabalho ao festar (1950-2000)”), Flávia Arlanch Martins de Oliveira (“Padrões alimentares em mudança: a cozinha italiana no interior paulista”), Sandra Pelegrini (“Cultura e natureza: os desafios das práticas preservacionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental), Silvia Helena Zanirato e Wagner Costa Ribeiro (“Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável”), apresentam reflexões nas quais ações sociais implicam interpretações da relação entre natureza e cultura no tempo.

O ambiente em sua forma mais direta — as estradas, as florestas e os fluxos d’água — compõe o cenário para outros três artigos: Marcos Lobato Martins (“As variáveis ambientais, as estradas regionais e o fluxo das tropas em Diamantina, MG: 1870-1930”); Franciane Gama Lacerda (“Entre o sertão e a floresta: natureza, cultura e experiências sociais de migrantes cearenses na Amazônia”); Glaura Teixeira Nogueira Lima (“O natural e o construído: a estação balneária de Araxá nos anos 1920-1940”).

Seguem-se ainda duas resenhas, compostas por José Eduardo Franco (Jesuítas e Inquisidores em Goa), e Reinaldo Nishikawa (Fronteiras: paisagens, personagens, identidades).

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.26, n.51, jan. / jun., 2006. Acessar publicação original [DR]

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História e natureza / Varia História / 2002

O presente número da revista Varia Historia conta com um dossiê organizado pela linha de pesquisa Ciência e Cultura na História, da pós-graduação em História da UFMG: “História e Natureza”.

O dossiê traz seis artigos que estabelecem diálogos entre a história e o mundo natural. Este debate, se fez presente há muitas décadas na historiografia – certamente desde os pioneiros dos Annales – encontra-se atualmente revigorado pelos estudos na área de uma nascente História Ambiental.

Os três primeiros artigos focalizam questões teórico-metodológicas de grande pertinência para os historiadores que queiram dedicar-se a esse tipo de abordagem. Em “Por que estudar a história ambiental do Brasil- ensaio temático”, José Augusto Drummond, pesquisador associado do Centro de Desenvolvimento Sustentável (UnB), discute as razões que tornam o Brasil um objeto de estudo invejável no campo da História Ambiental, indicando perspectivas de pesquisa e preciosas indicações comentadas de trabalhos contemporâneos já produzidos, tendo o Brasil como tema. Guillermo Castro, da Universidad de Panamá, autor de “História Ambiental {feita) na América Latina”, debate a relevância e a urgência de se fundar uma discussão latino-americana sobre a sua história ambiental, que tem sido prioritariamente feita com o apoio de instituições econômicas e financeiras de países do Atlântico Norte. Frente às várias conseqüências e limitações decorrentes dessa situação, o autor debate a diferença entre uma história ambiental sobre a América Latina e uma história ambiental latino-americana.

O artigo de Bernardo García Martinez, do Colegio de México, “Fronteiras Pré-Hispânicas e Ocupação da Terra: um traço básico para analisar a história ambiental do México nas épocas colonial e contemporânea”, privilegia questões e impasses na construção de um olhar historiográfico ambiental sobre a história colonial do México. Mostrando a necessidade de um redobrado cuidado na aceitação de generalizações ou paradigmas, recomenda ao historiador que se detenha na variedade e na complexidade dos fenômenos estudados, o que resultará, certamente, em análises mais pertinentes e sofisticadas das relações entre sociedade e natureza.

Christian Brannstrom, professor da Texas A&M University, realiza uma instigante discussão sobre a Mata Atlântica, introduzindo questionamentos sobre esse conceito a partir de uma minuciosa pesquisa nos inventários e processos de divisão e medição de terras no oeste paulista. Constatando a existência de um verdadeiro mosaico de vegetação, introduz um debate epistemológico da base biofísica de estudos histórico-ambientais.

O artigo de José Luiz de Andrade Franco, da União Pioneira de Integração Social (UPIS), “A Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza e a questão da Identidade Nacional”, analisa o pensamento social e as propostas formuladas naquele evento, realizado em 1934, no Rio de Janeiro, evidenciando as conexões entre a questão da proteção da natureza e uma idéia mais ampla de construção da nacionalidade.

Finalmente, no último artigo deste dossiê, Regina Horta Duarte, da UFMG, discute as relações entre homens e animais focalizando dois momentos históricos diferentes, a partir das práticas circenses no Brasil e da utilização dos animais nos espetáculos no artigo “Cavalinhos, leões e outros bichos: o circo e os animais”. A autora visa pontuar a transformação histórica de valores morais e o surgimento de novas sensibilidades, assim como compreender suas condições.

Compõem ainda este número da Varia Historia dois artigos. Em “Os cabeças e as cabeças: quilombos, liderança e degola nas Minas setecentistas”, Carlos Magno Magalhães aborda as hierarquias de poder instituídas no interior dos quilombos em Minas Gerais e as práticas de mutilação utilizadas pela sociedade colonial , expressas na degola e exposição de cabeças em praças públicas, com o objetivo de coibir a fuga de escravos e a formação de quilombos. Giselle Martins Venâncio investiga a relação entre o então editor Monteiro Lobato e o autor Oliveira Vianna em “Da Revista do Brasil ao Brasil em revista: breve análise da trajetória editorial de Oliveira Vianna “. A correspondência trocada entre os dois serve de fio condutor para compreender a consolidação da posição de Vianna no mercado editorial brasileiro e entre a intelectualidade brasileira na primeira metade do século XX.

O presente número contou com o apoio financeiro da Fundep e da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, a quem agradecemos.

Regina Horta Duarte – Organizadora.


DUARTE, Regina Horta. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.18, n.26, jan., 2002. Acessar publicação original [DR]

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