Posts com a Tag ‘Nação’
Percorrendo o vazio: intelectuais e a construção da Argentina no século XIX | José Alves Freitas Neto
José Alves de Freitas Neto | Foto: Diego Nigro/ Anjo da História
O objetivo da presente resenha é abordar e discutir o mais recente livro do historiador José Alves de Freitas Neto, intitulado Percorrendo o vazio: intelectuais e a construção da Argentina no século XIX. Como resultado da tese de livre-docência do autor, a obra se destaca pela originalidade de repensar a dicotomia “civilização e/ou barbárie” utilizando a noção de “vazio”. O século XIX argentino foi marcado pelas tentativas de se constituir um projeto político para a nascente nação. Nesse sentido, para legitimar ou não esses projetos, discursos e ideias eram criados e propagados por diferentes grupos a fim de se afirmarem como representantes do progresso e da prosperidade, isto é, da civilização. A barbárie, por sua vez, simbolizava tudo aquilo – e também todos aqueles – que não contribuíam para o progresso e, por isso, não deveriam sequer existir. O apagamento de culturas era justificado pela necessidade de construir e manter uma suposta civilização. Uma das formas de se divulgar e legitimar os projetos de nação era as letras: como indica Jorge Myers (2008), o romantismo literário do século XIX contribuiu para a transformação do papel dos escritores latino-americanos em intérpretes das sociedades na quais estavam inseridos e profetas das nações emergentes.
Assim sendo, o ponto de partida da análise de Freitas Neto foi o incômodo com essas representações dualistas empregadas e atualizadas nas explicações da história argentina. Os objetivos do livro consistem, portanto, em estudar as obras do escritor Esteban Echeverría (1805-1851) – um dos expoentes da Geração de 1837 –, a circulação da revista La Moda (1837-1838) e questionar o discurso acerca do “vazio”, usado para silenciar projetos e ideais. A obra é formada por quatro capítulos e conta também com um apêndice dos conteúdos publicados em La Moda feito pelo autor. Importante ressaltar que o período estudado compreende os governos de Juan Manoel de Rosas (1829-1952), momento marcado pela perseguição e censura à oposição. Para a Geração de 1837, por exemplo, o rosismo era o representante da barbárie a ser combatida pelos portadores da civilização. Logo, as análises das obras de Esteban Echeverría, bem como o estudo de La Moda, se inserem no contexto dos anos rosistas e revelam como que as ideias de um grupo opositor foram construídas e divulgadas naquele período. Para Freitas Neto, as letras e a política estariam imbricadas de tal forma que a primeira legitimaria no plano das ideias aquilo que viria a acontecer historicamente. Leia Mais
Toward the Health of a Nation: The Institute of Health Policy, Management and Evaluation — The First Seventy Years | Leslie A. Boehm
Leslie A. Boehm | Imagem: University of Toronto
This book is a lengthy institutional history of the Institute of Health Policy, Management and Evaluation (IHPME) at the University of Toronto, published by the Institute itself. The Institute and its various precursors were the most important public health education programs in Canada for most of the twentieth century, providing essential training for individuals who would shape public health at the local, provincial, and federal levels. The genealogy of the IHPME goes back to the founding of the School of Hygiene at the University of Toronto in 1924, with Dr. J. G.
FitzGerald as its director. Funded by the Rockefeller Foundation, the School would establish an international reputation under FitzGerald’s leadership. The rapid expansion of hospitals after the Second World War drove demand for a new class of managers. The Department of Hospital Administration, nestled within the School of Hygiene, welcomed its first class in September 1947. Not surprisingly, graduates of the hospital administration program found employment in hospitals and in government. After 1967, the focus shifted from “hospital” to “health” administration as the school refined its programs, while concurrently solidifying its position as an important training centre for a cadre of administrators who would become influential throughout English-speaking Canada. Leia Mais
No laboratório da Nação: a Câmara Municipal de Mariana, Minas Gerais, e a construção do Estado Nacional Brasileiro | Kelly Eleutério Machado Oliveira
Câmara Municipal de Mariana (MG) | Imagem: Wikimedia Commons
Publicado em 2021, No laboratório da Nação: a Câmara Municipal de Mariana, Minas Gerais, e a construção do Estado Nacional Brasileiro é fruto da dissertação de mestrado de Kelly Eleutério Machado de Oliveira defendida em 2013, na Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, a autora é pós-doutoranda em História pela Universidade de São Paulo.
Dividido em três capítulos, o livro traz nova contribuição aos estudos sobre as Câmaras Municipais. A temática foi bastante abordada pela historiografia do Brasil colonial. Autores como Júnia Furtado, Russel-Wood e Nuno Monteiro3 se debruçaram sobre o assunto. Oliveira, contudo, tem como pano de fundo o Brasil independente, especificamente no contexto onde as Câmaras sofreram reformas profundas que esvaziaram o poder que possuíam no período colonial. Com base no estudo específico da Câmara de Mariana, a autora explora o novo papel da instituição e como as dinâmicas locais interferiram no contexto geral. Nesse sentido, a obra segue a tendência historiográfica dos últimos anos, em que os estudos de caso aparecem como lócus privilegiado para compreensão das minúcias do processo de formação do Estado brasileiro. Leia Mais
Percorrendo o vazio: intelectuais e a construção da Argentina no século XIX | José Alves de Freitas Netos
A história é amplamente conhecida. Durante a ditadura de Rosas, na Argentina, um grupo de jovens intelectuais, de formação liberal, mesclados a uma larga audiência, se reúne numa livraria para discutir literatura e filosofia, e acabam falando sobre a política de seu país e fundando um grupo que ficaria conhecido como a Geração de 1837. Esse salão literário não era o primeiro, nem o único a funcionar em Buenos Aires. Ele seria o embrião de outras organizações intelectuais e políticas platinas e seus principais membros conheceriam o exílio, perseguidos pelo governo que criticavam. Do degredo, escreveram manifestos políticos, poesia e prosa que fundaram longa tradição na Argentina. Essa literatura teria como principal tópica a dualidade que deu subtítulo ao livro de Domingo Sarmiento, “civilização ou barbárie”. O cerne desse argumento seria que os federalistas/rosistas/conservadores defenderiam valores bárbaros, de uma Argentina descentralizada, dividida em facções em constante defesa de interesses regionais, particulares e personalistas. Por oposição, os unitários/liberais defenderiam um país coeso, uniforme, cioso de suas particularidades (como o imenso território “selvagem” que era, ao mesmo tempo, benção e maldição), mas ciente de que deveria integrar a marcha universal da História, alinhando-se à “civilização” de matriz europeia, com ideais republicanos de base liberal. Ao retornarem do desterro, quando da queda do ditador em 1852, assumiram cargos públicos e magistraturas. Sarmiento seria presidente da República. Leia Mais
Selling Black Brazil: Race/Nation/ and Visual Culture in Salvador/Bahia | Anadelia Romo
Em seu novo livro, a historiadora Anadelia Romo explora a construção de Salvador da Bahia como uma cidade “negra” por meio de uma fonte inovadora: guias turísticos ilustrados da cidade, escritos em português, dirigidos ao público nacional, em um momento de expansão do turismo doméstico (décadas de 1940-1960). Os guias, na sua maioria escritos por romancistas, jornalistas ou acadêmicos conhecidos, documentam mudanças importantes nas concepções de identidade local e regional. Mas eles são especialmente reveladores, argumenta Romo, pelas formas com que suas ilustrações ajudaram a estabelecer uma nova iconografia da cidade – uma iconografia que, ela argumenta, tornou-se “aceita como comum e natural” (p. 9), mas (naturalmente) possui uma história complexa e reveladora. Selling Black Brazil conta essa história. Leia Mais
Los trece ranchos. Las províncias/Buenos Aires/ y la formación de la Nación Argentina (1840-1880) | Eduardo Míguez
Los últimos años fueron testigos de la necesaria aparición de un cúmulo de trabajos que ampliaron el conocimiento respecto de las realidades provinciales durante la segunda mitad del siglo XIX. El texto que aquí reseñamos, es, a la vez, deudor y síntesis de esa tradición. Leia Mais
Región y Nación. La construcción provincial de Chile. Siglo XIX | Armando Cartes Montory
La construcción de los Estados nacionales, como tema de interés de la historiografía, ha cobrado cada vez más importancia en las investigaciones sociales desde la década de 1980. El escurridizo concepto moderno de “nación”, según es definido por Hobsbawm (2018), ha estado en el centro del debate. Muchas de las discusiones sobre el tema se han concentrado en abordar las múltiples formas que esta abstracta idea ha tomado para convertirse en una realidad tangible para las personas que habitamos este mundo. Obras claves, como Comunidades imaginadas, de Benedict Anderson (1993), alentaron la reflexión sobre el tema en espacios extraeuropeos. No obstante, este tipo de producciones tambalearon a la hora de aplicar el análisis en la realidad latinoamericana y trabajos como el coordinado por François Xavier-Guerra y Antonio Annino (2008), entre otros, se preocuparon por pensar el problema desde un escenario diferente y con particularidades. En Chile, la inquietud también fue acogida, impulsada en parte por los festejos del bicentenario y por trabajos como el de Julio Pinto y Verónica Valdivia (2009), o el editado por Gabriel Cid y Alejandro San Francisco (2009), los cuales son referencia en esta materia, por nombrar solo algunos.
Esta brevísima lista sobre trabajos que estudian la construcción de la idea de “nación” sugiere que la dimensión territorial necesita ser considerada. La “nación” no fue un molde aplicable a cualquier realidad. Lo escrito para Europa o Asia no es extrapolable al contexto latinoamericano, pues, pensando el problema desde este espacio, surgen matices y texturas que deben ser consideradas. Lo mismo es válido desde América Latina hacia Chile, donde, si bien existen grandes redes de relación, abordar el tema anclado desde un punto en específico del mapa brinda nuevas miradas y genera diferentes sentidos de observación. Leia Mais
Los archivos. Papeles para la Nación | Juan José Mendoza
Así como un archivo generalmente se compone de diferentes piezas agrupadas en un conjunto coherente, los libros que versan sobre este fenómeno también parecen constituirse en sí mismos como archivos. En un gesto que podría considerarse metatextual, el tema en cuestión se ofrece en su amplia heterogeneidad como un material propicio para ser abordado desde diferentes perspectivas que generan múltiples puertas de acceso y se cristalizan en un repertorio de textos que componen una colección de piezas de un sistema. El libro Los archivos, papeles para la nación de Juan José Mendoza sigue esta prerrogativa y compila una serie de textos pertenecientes a diferentes géneros (como el ensayo, la entrevista y la crítica literaria, entre otros) para dar cuenta de la plural y heterogénea problemática del archivo. Leia Mais
Los archivos. Papeles para la nación | Juan José Mendoza
Guiado por las preguntas que giran en torno a la actualidad de los archivos, el Doctor en Letras Juan José Mendoza, reflexiona en este libro sobre el lugar central que las memorias y el pasado reciente han cobrado en los últimos años de profundas transformaciones en las modalidades de circulación de las textualidades, en particular, a partir del advenimiento de internet en la década de 1990. Atravesadas por lo que el autor define como una “infernal técnica archivadora del presente”, Mendoza encuentra en las políticas de archivos desplegadas desde la Segunda Guerra Mundial, un acontecimiento historicista en el que el pasado se ha desenvuelto en coordenadas cuantitativas y cualitativas que lo vuelven inconmensurable, y por ello mismo, propio de novedosos cuestionamientos y urgentes indagaciones. Las reflexiones desarrolladas al respecto se encuentran estructuradas en la obra a partir de tres bloques dedicados a una diversidad de tópicos vinculados a la temática de los archivos, en los que las transformaciones tecnológicas que el presente informático nos ofrece se constituyen en su eje vertebrador, ya sea en su dimensión geopolítica, así como en el lugar de los archivos en la construcción de la nación literaria, para finalmente aproximarnos a la atención de las metodologías apropiadas para pensar a las textualidades en el marco de los cambios digitales señalados.
Después de ofrecer un mosaico de acontecimientos trágicos por los que atravesaron bibliotecas de diferentes partes del mundo en conflictos bélicos, en el primero de los capítulos: “La Edad de los Archivos”, Mendoza se detiene especialmente en las políticas llevadas a cabo por la empresa Google en su afán de acometer la mayor tarea de digitalización de libros de la historia de la humanidad para ponerlos en línea y volverlos accesibles a los internautas. La inevitable pregunta que surge es si como contraparte contamos en los países latinoamericanos con políticas de preservación propias, ya sean de carácter nacional o regional que funcionen como contrapeso de las iniciativas empresariales de las grandes corporaciones informáticas radicadas en los países centrales. Estas inquietudes se convierten en tópicos de suma pertinencia si ponemos en perspectiva que una de las consecuencias de la empresa llevada a cabo por el proyecto de biblioteca digital global de Google, supone la conformación de un canon que excluye las propias discusiones ideológicas y estéticas alrededor de los archivos, a la vez que invita a preguntarnos acerca de la ausencia de una consciencia documental hispanoamericana, la desidia archivística y la mercantilización de los criterios de selección de las obras que circulan por la red en el marco de la fusión entre capitalismo e informatización. Leia Mais
Inmigración pensamiento y nación: 1880- 1930 | Aquiles Castro e Ana Félix (R)
De acuerdo con Maria Ligia Coelho Prado, la idea de unidad regional nace con la propia emancipación. Pugna por borrar las diferencias y rechazar los conflictos en pro de una identidad homogénea favorable al dominio político. La pregunta por quiénes somos estaba presente en la Carta de Jamaica (1815), la respuesta originales y autónomos. Este horizonte modeló las tradiciones nacionales e inspiró a políticos, intelectuales y artistas que se manifestaron sobre el futuro ideal y la legitimidad de la nación emergente (PRADO, 2008, p. 597).
El nacionalismo de finales del siglo XIX, presente en la historiografía, el periodismo, la literatura y el arte, procuró la adhesión social a un proyecto común de nación mediante símbolos e imágenes nacionales. La élite intelectual, blanca y letrada, consideraba que “los negros, los indios, los mestizos, los pobres, las mujeres, los no propietarios, los campesinos” eran incapaces de entender la dimensión del proyecto político (PRADO, 2008, p. 600). Lo no blanco era considerado inferior, y la pigmentación de la epidermis, sinónimo de barbarie. Leia Mais
Crisi. Come rinascono le nazioni / Jared Diamond
Jared Diamond / Foto: Lavin Agency /
Jared Diamond, noto geografo, antropologo, ornitologo americano, meglio noto al pubblico italiano per il suo volume più famoso, Armi, acciaio e malattie. Breve storia del mondo negli ultimi tredicimila anni, pubblicato nel 1997, si è costruito con questo testo, a pieno diritto, anche la fama di storico e di divulgatore. In seguito adottando un metodo di analisi multidisciplinare, da lui stesso definito pensiero orizzontale, che dispone lo scienziato all’integrazione di ambiti apparentemente separati, si è applicato allo studio della questione ambientale con il volume Il collasso (2005).
Nell’ultimo suo lavoro, di cui diremo in questa recensione, l’autore spostando la sua attenzione sulla storia più recente, ha analizzato il concetto di crisi attraverso lo studio di sette casi, riguardanti la Finlandia nel periodo della guerra con l’Urss, il Giappone nel periodo Meiji, il Cile di Pinochet, l’Indonesia degli anni Sessanta, la Germania e l’Australia del secondo dopoguerra, gli Stati Uniti nel periodo storico attuale. Il volume intitolato Crisi. Come rinascono le nazioni è stato pubblicato nel 2019 dall’editore Einaudi.
Il termine crisi, utilizzato in molteplici accezioni e quindi applicabile in diversi ambiti, nella sua origine etimologica greca afferisce “all’area semantica di separare, decidere, distinguere. Quindi potremmo pensare alla crisi come a un momento di verità, un punto di svolta in cui la differenza fra la realtà che precede quel momento e la realtà che lo segue è molto più marcata che nella maggior parte degli altri momenti” (pag. XIX).
Questa è la definizione dalla quale prende spunto Diamond. Ma l’aspetto più originale di questo corposo lavoro risiede nella scelta dell’autore di adottare la prospettiva delle crisi individuali, che capitano ad ognuno di noi nel corso della vita, per applicarla alle crisi delle nazioni. E lo fa in modo coerentemente scientifico, accogliendo le tesi della cosiddetta terapia della crisi, una teoria ed una pratica terapeutica ideata dallo psichiatra Erich Lindemann che si sforzava di risolvere in tempi brevi le angosciose condizioni di crisi esistenziali dei propri pazienti.
Diamond, partendo da alcuni fattori che possono rivelarsi utili al superamento delle crisi individuali, costruisce a specchio un elenco di fattori che dovrebbero consentire di rispondere alle crisi collettive di livello nazionale e sovranazionale. Ma guardiamoli più da vicini questi fattori (a sinistra quelli che riguardano l’individuo, a destra quelli che riguardano invece le nazioni:
- Riconoscimento dello stato di crisi / consenso circa lo stato di crisi nazionale. / accettazione della responsabilità nazionale.
- Tracciare un confine / confini chiari per delineare i problemi nazionali da risolvere.
- Chiedere aiuto agli altri / richiesta di aiuto materiale ed economico ad altre nazioni.
- Gli altri come modello / le altre nazioni come modello per la risoluzione dei problemi.
- Forza dell’io / identità nazionale.
- Capacità autocritica / capacità di autovalutazione nazionale onesta.
- Esperienze di crisi pregresse / esperienza storica di crisi nazionali precedenti.
- Pazienza / presa in carico del fallimento nazionale.
- Flessibilità / flessibilità nazionale in situazioni specifiche.
- Valori fondanti / valori fondanti nazionali.
- Libertà dalle costrizioni / libertà da costrizioni geopolitiche.
Possono i fattori individuali adattati e applicati alla storia delle nazioni rivelarsi utili per la comprensione degli esiti delle crisi nazionali? Come è facilmente comprensibile l’adattamento a specchio dei fattori di crisi dall’individuo alle nazioni non si rivela così automatico e tuttavia il tentativo portato avanti da Diamond è in grado di suscitare la curiosità dei lettori e non è privo di interesse per lo storico.
Per portare avanti le sue tesi l’autore prende in considerazione i sette casi di crisi che abbiamo anticipato in precedenza che hanno caratteristiche diverse e riguardano nazioni le cui storie sono molto differenti tra loro.
Non abbiamo modo in questa recensione di esaminarli tutti nel dettaglio, anche per non togliere al lettore il piacere di seguire Diamond nelle sue analisi. Ci soffermeremo quindi solo sull’esempio della storia del Giappone.
Fino al 1853 questo paese somigliava molto all’Europa medievale con una struttura gerarchica di tipo feudale, controllata al vertice dallo shogun, proprietario di larga parte delle terre e dai signori, i daimyo, soggetti a lui. L’imperatore, figura fantoccio, era sostanzialmente privo di potere reale. Rispetto agli stranieri il Giappone mantenne, fino alla metà dell’Ottocento contatti limitati e sufficientemente controllati dal governo. Questo equilibrio si ruppe con l’intervento militare degli Usa che cercavano di rompere l’isolamento degli shogun. Si apriva quella che può essere considerata una fase di crisi acuta per la nazione nipponica che durò circa quindici anni e si tradusse in un capovolgimento dei rapporti interni di potere, un cambiamento dei rapporti del Giappone con il mondo esterno e più in generale una trasformazione del paese. Fu ripristinato il potere reale dell’imperatore, fu avviata una politica di riforme di stampo occidentale e fu progressivamente attenuato l’isolazionismo commerciale del Giappone.
Al termine della sua narrazione degli eventi e dei processi che interessarono questa nazione dal periodo dello shogunato al periodo cosiddetto Meiji Diamond ci mostra anche quali, tra gli indicatori del suo modello, possono aiutarci a comprendere il comportamento adottato dalla nazione nipponica per uscire dalla crisi di quegli anni.
Il Giappone si distingue, più degli altri paesi presi in considerazione, per aver saputo prendere come modello le altre nazioni per la risoluzione dei problemi (Fattore n.5 dell’elenco). La Costituzione come l’organizzazione militare e il codice civile prendono infatti spunto dai modelli tedeschi, inglesi, americani. Riesce inoltre a mettere in atto una capacità di autovalutazione nazionale realistica e onesta (Fattore n.7 dell’elenco) riconoscendo che “i barbari erano molto più forti e che l’unico modo per rafforzarsi era proprio imparare da loro”. Dimostrò infine di essere in grado “di tracciare un confine e di adottare il cambiamento in modo selettivo (Fattore n.3). Molti furono infatti gli ambiti della società nipponica interessati dal rinnovamento, da quello economico a quello giuridico, militare, politico, sociale e tecnologico; ma il Periodo Meiji seppe anche conservare importanti prerogative del Giappone tradizionale, come l’etica confuciana, la venerazione nei confronti dell’imperatore, l’omogeneità etnica, la pietà filiale, lo scintoismo e il sistema di scrittura nazionale”.
Con lo stesso metodo di narrazione storica, di spiegazione e di interpretazione comparativa l’autore si avvicina alla storia degli altri paesi presi in considerazione. E non si può non osservare la sua abilità di scrittura, un piacevole e pacato tono espositivo, la tendenza a mescolare esperienze personali e private con argomentazioni di ordine generale che mantengono viva l’attenzione del lettore.
Ma non è solo sulla storia passata che Diamond mette alla prova il suo modello interpretativo. Nella terza parte del libro prende in considerazione le crisi in corso su scala nazionale del Giappone e degli Stati uniti e le sfide che il mondo nella sua dimensione globale dovrà affrontare per evitare nuove crisi.
Emergono così, in tutta la loro evidenza problemi ben noti nel presente e che riguardano per il Giappone il debito pubblico, il ruolo della donna in una società avanzata, il calo e l’invecchiamento demografico, il rapporto con la Cina e la Corea, la gestione delle risorse naturali, mentre per gli Usa l’autore sottolinea in particolare “il crescente e preoccupante deterioramento della nostra capacità di raggiungere il compromesso politico” causa di “una polarizzazione, di una intolleranza e litigiosità della società americana” partita dalla classe politica per estendersi all’elettorato e in tutti gli ambiti della vita sociale.
L’analisi dei fattori di crisi si estende infine, nell’ultima parte del libro, ai possibili scenari futuri e ai fattori che “minacciano le popolazioni della terra e i nostri standard di vita in generale…e rischiano di minacciare a livello globale la sopravvivenza stessa della civiltà.” Diamond ritiene di identificare questi fattori di potenziale crisi nell’impiego di armi nucleari, nei cambiamenti climatici, nell’esaurimento delle risorse del pianeta e nelle disuguaglianze negli standard di vita.
Diamond ha scritto questo libro nel 2019 a breve distanza dallo scoppio della drammatica crisi pandemica che ha colpito non le singole nazioni ma l’intero pianeta. Ci potremmo chiedere se questo modello di interpretazione della storia, alla luce del concetto di crisi, ci potrà essere utile anche per il superamento di questa crisi pandemica. La risposta ci viene dallo stesso autore in una serie di articoli pubblicati negli ultimi mesi sulla stampa internazionale e italiana. I fattori di potenziale crisi nel prossimo futuro, dianzi esposti, e cioè armi nucleari, clima, risorse del pianeta e disuguaglianze, sono ben più importanti che la pandemia: il Covid-19 non è che un piccolo cruccio momentaneo, ben più importanti saranno le conseguenze di un fattore di crisi come ad esempio il cambiamento climatico. Il saldo delle vittime umane provocate dal clima che cambia è già più pesante rispetto al saldo attuale delle vittime del Covid-19 e non basterà un vaccino per risolvere la crisi o meglio le crisi che il clima è in grado di produrre. Perché l’allarme su questo aspetto non è almeno pari a quello generato dal virus? Le pagine finali del libro, sempre sul filo della comparazione storica e dei possibili scenari futuri del mondo, pongono al lettore un interrogativo se cioè “le nazioni hanno sempre bisogno di una crisi per sentirsi motivate ad agire o sanno anche agire in modo preventivo”. Gli esempi proposti da Diamond in questo libro non risolvono la questione, nel senso che talvolta le nazioni hanno avuto la necessità di attraversare una crisi prima di adottare cambiamenti, talvolta invece hanno prevenuto la crisi adottando scelte che hanno permesso di evitarla. D’altronde è ciò che accade ai singoli individui che di fronte ad una possibile crisi nella loro esistenza talvolta giocano d’anticipo, talvolta riescono a reagire solo quando la crisi ci ha già travolti come ricorda un aforisma di Samuel Johnson: “Credetemi, signore, quando un uomo sa che nel giro di due settimane sarà impiccato, la sua mente si concentra in modo meraviglioso”.
Giuseppe Di Tonto
DIAMOND, Jared. Crisi. Come rinascono le nazioni. Torino: Einaudi, 2019. 450p. Resenha de: DI TONTO, Giuseppe. Il Bollettino di Clio, n.14, p.153-156, dic., 2020. Acessar publicação original
[IF]Una politica senza religione – De LUNA (CN)
De LUNA, Giovanni. Una politica senza religione. Torino: Einaudi, 2013, p. 137. p. Resenha de: GUANCI, Vicenzo. Clio’92, 7 ago. 2019.
“Per risvegliarci come nazione, dobbiamo vergognarci dello stato presente. Rinnovellar tutto, autocriticarci. Ammemorare le nostre glorie passate è stimolo alla virtù, ma mentire e fingere le presenti, è conforto all’ignavia e argomento di rimanersi contenti in questa vilissima condizione”
Con queste parole di Giacomo Leopardi, G. De Luna conclude il suo saggio sulla mancanza di una “religione civile” nella nazione italiana e sui tentativi (sporadici) di costruirne una nel corso dei centocinquant’anni di storia unitaria.
In premessa, l’autore esplicita cosa intende per religione civile: “uno spazio in cui gli interessi che tengono insieme un paese si trasformano in diritti, in doveri civici, in valori consapevolmente accettati, nel nome dei quali i cittadini italiani sono sollecitati ad abbandonare le nicchie individualistiche o comunitarie, quei progetti esistenziali racchiusi nel terribile slogan ‘tengo famiglia’ e ‘mi faccio i fatti miei’, condividendo un universo di simboli in grado di legare il singolo e la società in un rapporto di dipendenza e di identificazione”.
Si tratta quindi di uno spazio in continua costruzione, attraverso l’invenzione di tradizioni e il loro consolidamento mediante simboli riconosciuti che creano una realtà pubblica di appartenenza e di cittadinanza. E questo chiama in causa direttamente le Istituzioni e la Politica.
L’autore svolge il rotolo della storia unitaria d’Italia incontrando prima i fallimenti del “fare gli italiani” dell’Italia liberale di fronte al trasformismo della politica, poi quelli del “ciascuno al suo posto” della gerarchia fascista che non riuscì a imporre un vero totalitarismo perché non affrancata da una “marcata subalternità nei confronti di quelli che erano i valori proposti dalle gerarchie cattoliche” ( p. 29).
Il momento nel quale gli italiani furono sul punto più vicino a costruire una loro religione civile fu senza dubbio quello della realizzazione della Costituzione nata dalla Resistenza. Largo spazio G. De Luna dedica all’impegno del Partito d’Azione, individuando nei loro esponenti gli autentici ispiratori di un pensiero laico in grado di farsi civilmente religioso. Piero Calamandrei “cercava di sottrarre il paradigma di fondazione della nostra Repubblica all’ipoteca (che gli appariva effimera) dei partiti antifascisti per riconsegnarla direttamente al vissuto e all’esperienza collettiva di tutti gli italiani. Di qui la sua insistenza sul ‘carattere religioso’ della lotta partigiana…
A fondamento di un nuovo spazio pubblico in cui ci si potesse riconoscere come cittadini di uno stesso Stato nel nome di valore condivisi, Calamandrei chiamava così ‘il popolo dei morti’ (di quei morti che noi conosciamo uno a uno, caduti nelle nostre file, nelle prigioni e sui patiboli, sui monti e sulle pianure, nelle steppe russe e nelle sabbie africane, nei mari e nei deserti) presentato non nella dimensione ‘vittimaria’ dell’innocenza e dell’inconsapevolezza, ma come fonte attiva di una nuova legittimazione dello Stato” (pp. 40-41).
Il tentativo naufragò sugli scogli del clericofascismo democristiano, favorito dall’art. 7 della Costituzione che integrandovi i Patti Lateranensi creò un “pericoloso innesto confessionale” nella costruzione della Repubblica.
Nel luglio 1960 l’Italia del boom economico scoprì l’antifascismo. Manifestazioni e scontri cruenti con la polizia impedirono il congresso del partito neofascista MSI a Genova, medaglia d’oro della Resistenza, e causarono le dimissioni del governo Tambroni, un monocolore democristiano con l’appoggio esterno del MSI. Si aprì una stagione di importanti riforme: la scuola media unica, la nazionalizzazione dell’energia elettrica, lo Statuto dei Lavoratori, la chiusura dei manicomi. Ciò nonostante, sostiene De Luna, “il rilancio della Costituzione nel suo significato di testo fondamentale della nostra religione civile fu una grande occasione mancata” (p. 60) perché la stagione si esaurì presto e gli anni Ottanta si aprirono con la famosa intervista a E. Scalfari, nella quale Enrico Berlinguer poneva alla politica tutta la “questione morale”. I partiti ormai non provvedevano più a formare la volontà popolare, non svolgevano più alcuna funzione pedagogica, di dibattito tra le masse. Essi erano diventati pure macchine per l’occupazione del potere.
L’Italia si stava avviando verso una condizione nella quale l’unica “religione” poteva essere quella cattolica vaticana, affiancata, seppur tra mille problemi, da quelle dei nuovi immigrati; non vi sarà più spazio per alcuna religione civile.
O meglio.
L’unica vera, trionfante, religione sarà quella officiata dal “mercato” a cui la politica si sottometterà. Berlusconi sarà il suo eroe. Tutto sarà immerso nella religione dei consumi. E gli italiani, memori di secoli di povertà, si immergeranno in un benessere fondato su consumi indotti massicciamente dai nuovi media, soprattutto dalla televisione invadente. Tutto, ma proprio tutto, sarà ordinato dai totem dell’audience, dello share, della pubblicità, della visibilità, del culto dell’immagine. A questo proposito De Luna ricorda opportunamente come neanche il Vaticano si sottrarrà alle leggi del mercato: basti pensare alle figure degli ultimi tre pontefici, al carisma di Giovanni Paolo II di cui fu perfino spettacolarizzata la lunga agonia, al coup de theatre delle dimissioni si Benedetto XVI, alla capacità meravigliosa di tenere la scena di papa Francesco.
[IF]
Renato Kehl e a eugenia no Brasil: ciência, raça e nação no período entreguerras
O autor da obra é o historiador Vanderlei Sebastião de Souza, professor adjunto do Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), do Programa de Pós-Graduação em História pela mesma instituição e do Programa de Pós-Graduação em História Pública da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). É graduado em História (2002), com mestrado (2006), e doutorado (2011) em História das Ciências pela Casa de Oswaldo Cruz – Fiocruz.
Assim, o livro denominado Renato Kehl e a eugenia no Brasil: ciência, raça e nação no período entreguerras (2019), é dividido em quatro capítulos, sendo o prefácio da obra assinado pelo sociólogo Robert Wegner, professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/FIOCRUZ). Fazendo uma análise do processo metodológico instrumentalizado pelo autor, Robert Wegner afirma que “além de ser um livro bem escrito e embora denso, de agradável leitura, atinge uma técnica exemplo na articulação entre o desenvolvimento do argumento e a utilização das fontes” (p. 24-25). Leia Mais
Entre as províncias e a nação: os diversos significados da política no Brasil do oitocentos | Adriana Pereira Campos, Kátia Sausen da Motta, Geisa Lourenço Ribeiro e Karullyny Silverol Siqueira
Organizado por Adriana Pereira Campos, Geisa Lourenço Ribeiro, Karulliny Silverol Siqueira e Kátia Sausen da Motta, a obra “Entre as províncias e a nação: os diversos significados da política no Brasil do oitocentos”1 traz consigo um relevante debate acerca da multiplicidade de relações existentes no Brasil oitocentista. A contribuição de dez autores para a realização do livro, objetivou diversificar a história política do Império, por meio da inclusão de províncias e atores políticos variados. Assim, trazendo novo sentido ao contexto imperial. O livro é resultado de debates entre pesquisadores que participaram do III Simpósio Internacional da Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos (SEO), ocorrido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2018.
Ao nos debruçarmos sobre a obra, percebemos a multiplicidade de relações políticas contidas no Brasil Império que formavam um todo na trajetória contextual. Retirar a lupa somente dos denominados “grandes acontecimentos” e dos principais atores políticos comumente ressaltados na historiografia é também traçar uma história política diversa em estrutura e significados. Neste sentido, a obra analisada percorre entre províncias distintas e personagens políticos ressignificados, promovendo assim, diversas participações para os acontecimentos do período, para além da Corte ou dos “grandes homens”. Leia Mais
7 Ensayos sobre socialismo y nación (incursiones mariateguianas) | Diego Giller
Las conmemoraciones suelen ser ocasiones propicias para reconfirmar ciertas adhesiones y dar nuevo impulso a compromisos políticoafectivos. Estas fechas, cuando se enlazan a un nombre propio, a la obra de un pensador, se convierten, además, en oportunidades para recrear su herencia, reactualizar un legado o resignificar la tradición que lo alberga. Los tres gestos convergen en la reciente publicación llevada a cabo por Diego Giller quien, bajo el título de 7 Ensayos sobre socialismo y nación, conmemora los 90 años transcurridos desde la primera publicación de uno de los pocos libros concebidos como tales por José Carlos Mariátegui, 7 Ensayos de interpretación sobre la realidad peruana (1928). La variación en el título es uno de los tantos guiños que el autor nos hace, a nosotros, sus lectores. El libro se compone de siete ensayos, cuatro de ellos del propio Mariátegui, de los cuales dos aparecieron en 1924, el primero en la compilación Peruanicemos al Perú, y el segundo en Temas de nuestra América. Los dos restantes se encuentran, uno, en 7 Ensayos… (1928) y otro, en Ideología y política, libro póstumo que reúne distintas intervenciones del pensador peruano además de ésta fechada en 1929. Los otros tres ensayos que suman siete, corresponden a figuras emblemáticas de nuestro acervo intelectual: René Zavaleta Mercado, Oscar Terán y José María Aricó. El artículo de René Zavaleta representa una gran novedad, pues habiendo sido hallado por Giller en la biblioteca Aricó de Córdoba fue cedido a la editorial boliviana Plural quienes, a su vez, autorizaron su inclusión en el presente volumen. El libro se completa y abre con un muy documentado “Estudio preliminar” a cargo de su compilador. Esta introducción es una invitación amorosa –e inteligente– a la vida y obra de José Carlos Mariátegui. En ella, Giller, nos recuerda los obstáculos que el amauta debió sortear en su intensa y breve existencia. Desde su exilio en Italia, pasando por sus dolencias físicas, hasta las persecuciones sufridas y el encarcelamiento a su regreso a Perú. Ninguno de estos avatares, no obstante, opuso la fuerza suficiente como para disuadirlo de realizar gran parte de su proyecto político intelectual. En efecto, hacia 1926 funda la casa editorial Amauta, en ese mismo año se une a la Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA) comandada por Haya de La Torre con quien rompería hacia1928 para participar de manera activa en la creación del Partido Socialista Peruano (PSP). Como señala Diego Giller, la resistencia a cambiar el nombre de este flamante partido por Partido Comunista, junto a las provocativas tesis mariateguianas sobre la articulación entre realidad nacional peruana y “un socialismo que debe partir del reconocimiento del comunismo incaico” (p. 14), le valieron la enemistad con la Internacional Comunista. Estas circunstancias, entre otras, contribuyen a explicar tanto su voluntad de radicarse en Buenos Aires –interrumpida por el temprano final que encontró su vida–, como el penoso proceso de “‘desmariateguización’ de la izquierda peruana” (p. 17) que siguió a su muerte. Un proceso que implicó el re bautismo del PSP por Partido Comunista Peruano, el cierre de Amauta, y la no reedición de sus obras por varias décadas. La exhumación de su pensamiento se realizó al compás de las inflexiones de la historia. Así, como nos narra Giller en las primeras páginas del libro, una de las primeras reediciones de los 7 Ensayos…coincide con la “crisis del estalinismo” del año 1956; la publicación de su obra completa tiene lugar en Perú, pocos años después de la Revolución Cubana; en vísperas del mayo francés se traduce a aquella lengua los 7 Ensayos; por esa misma época y al calor del gobierno de Velazco Alvarado y Sendero luminoso, su obra es reivindicada en su tierra natal. Y así podríamos continuar, glosando el detallado periplo de estas interpretaciones sobre la realidad peruana. De todo este relevamiento, una fecha en particular se vuelve, para nosotros y para el libro que estamos reseñando, significativa: 1978. Año del 50 aniversario de los 7 Ensayos y, otra vez, ocasión privilegiada para la actualización de un legado. Los nombres del argentino José María Aricó y los peruanos Aníbal Quijano y Flores Galindo, así, en ese orden –en virtud de un criterio cronológico que señala la aparición de distintas obras dedicadas a Mariátegui–, serán fundamentales. Como no podía ser de otro modo, este redescubrimiento se realizará también al compás de otra inflexión histórica, esta vez, menos feliz que la de las revoluciones de la década del ‘60: la derrota del movimiento nacional popular en América Latina. “Es el tiempo del reflujo,” –señala Giller– “los exilios, la crítica de las estrategias foquistas y la lucha armada, la ‘crisis del marxismo’ y la emergencia del eurocomunismo” (p. 20). Este paisaje alojará parte de la obra de este pensador heterodoxo, bajo una clave singular de lectura: el problema de la nación y su articulación con el socialismo y el indigenismo. Una cuestión no del todo elaborada por la tradición del marxismo, una pregunta poco atendida sino subestimada por los referentes del comunismo, y un tema, sin duda, clave, en la disputa por la construcción de hegemonía en nuestros países latinoamericanos. Quién mejor, entonces, que un marxista esquivo y moderno para dar oxígeno a un debate pendiente de la izquierda latinoamericana, y quizás, sobre todo, de la izquierda argentina. Como expone Giller con agudeza “ese mismo problema que lo había convertido en un pensador maldito para sus contemporáneos, lo devolvía, a cincuenta años de su muerte, al centro de la escena” (p. 21). Se trata, podemos decir, de un “centro descentrado”, o bien, de un encuentro ocurrido en ocasión de un violento desplazamiento de quienes tomarían la posta –quizás un poco tardía– de Mariátegui: Aricó, Zavaleta y Terán. Los tres exiliados de sus respectivos países por motivos políticos. Los pormenores que informan cada una de estas biografías, los encontrará el lector en los apartados II, III y IV del “Estudio Preliminar”. Allí se ofrece, en la lengua de una sociología de los intelectuales, un semblante de estos militantes pensadores que hicieron escuela y abrieron surcos en la tradición de los estudios del marxismo latinoamericano. En esas páginas nos reencontramos con el imprescindible rol que Aricó desempeñó en la difusión y renovación “del pensamiento marxista en general y del mariateguiano en particular” (p. 21). Una tarea llevada a cabo mediante su inestimable labor en la revista Pasado y Presente (1963-1965), secundada luego por la editorial Cuadernos de Pasado y Presente (1968-1983) y por su función en la filial argentina de Siglo XXI que se extiende desde comienzos de los años ‘70 hasta el golpe cívico-militar de 1976 que lo obliga al exilio mexicano. Será en estas latitudes donde Aricó dará continuidad –por distintas vías– a su labor intelectual y se abocará a la obra de José Carlos Mariátegui. Aunque su incursión en los textos del peruano data de 1959 –según leemos en el texto de Giller– será hacia 1978 en adelante cuando esta vinculación se intensifique. En aquel año reúne un conjunto de artículos en un volumen titulado Mariátegui y los orígenes del marxismo latinoamericano; doce meses después auspiciará la publicación del libro de Robert Paris La formación ideológica de José Carlos Mariátegui. Junto a Terán organizarán un dossier para la revista Buelna sobre la obra del peruano que “ofició como preludio del Coloquio Internacional ‘Mariátegui y la revolución latinoamericana’” (p. 23) realizado en la Universidad de Sinaloa en 1980 y del cual participaron junto a un puñado de intelectuales de renombre. “El Mariátegui de Aricó es el traductor. Es la figura señera para que el marxismo deje de estar en América Latina y pase a ser de América Latina” (p. 28), afirma Giller. Una vez pasado por el tamiz gramsciano, Mariátegui resulta un pensador desprejuiciado, inquieto, preocupado por la unidad nacional y, luego, por la construcción de lo nacional-popular en un movimiento contra-hegemónico y socialista. El espíritu de Aricó es el de redimir a Mariátegui de la violencia de la operación de “ortodoxia” a la que fue sometida su obra. Aricó se da a la tarea de liberar los significados subordinados en ella para que fulgure –afirma– su lección de método y de realismo, “su manera de proceder para que un saber se abriera al mundo de lo concreto y permitiera develarlo” (p. 156). Si Aricó es el responsable de la publicación del libro de Robert Paris, Terán será el encargado de su traducción. Sus reflexiones en torno a la obra del fundador del PSP darán nacimiento al libro Discutir Mariátegui que, escrito y publicado en 1985, tendrá que esperar a 2017 para reeditarse y estar al alcance de los lectores. 7 Ensayos sobre socialismo y nación ofrece uno de sus capítulos “Discutir la Nación”. En él, Terán, luego de visitar algunos pasajes de la vida de Mariátegui, señala los años 1925-1928 como el período de ruptura al interior de su pensamiento y de tematización del “problema de la nación”. Introduce en su planteo una importante distinción: la preocupación de Mariátegui –ausente en su par Argentino Aníbal Ponce– no es la “cuestión nacional”, entendida como la autonomía de las nacionalidades, sino “la cuestión de la nación”, es decir, el enigma de la identidad nacional (p. 121). Un tema acuciante para todos aquellos países asentados “sobre la base de realidades heterogéneas y muchas veces centrífugas” (p. 122). A él lo desvelará el esfuerzo por fusionar intereses populares agrarios con intereses urbanos, la búsqueda de respuestas a demandas indígenas insatisfechas, la caracterización del problema del indio como un problema económico-social antes que político o moral. En medio de estas preocupaciones adquieren relevancia la función del mito soreliano –y su resignificación mariateguiana–, las afinidades entre los desarrollos del peruano y la tradición del populismo ruso, sin descuidar los modos en que su prosa anticipa o es simultánea a las posiciones desplegadas por Mao Zedong. “Decir la nación” será para el Mariátegui de Terán una forma de conjurar el pecado de la conquista replicado por la fallida República. René Zavaleta Mercado completa esta constelación de artículos que dan cuerpo a las incursiones mariateguianas. Intelectual y dirigente político boliviano, compartió junto a tantos otros latinoamericanos, el destino del exilio mexicano, sólo que su condición de exiliado fue más precoz, pues ya en 1964, con la asunción del General René Barrientos, debió dejar Bolivia y emprender otros rumbos (Uruguay primero, Inglaterra después, de nuevo Bolivia, para partir a Chile y terminar en México). La suerte que corre desde entonces es retratada con gran destreza por Diego Giller en las páginas introductorias de este libro. Allí leemos, además: “Como el ‘Perú de Mariátegui’ –la expresión es de Flores Galindo– la Bolivia de Zavaleta también descubre los problemas profundos de la nacionalidad a partir de una derrota bélica” (p. 44). No obstante, no es solo esta circunstancia la que los aproxima, sino que son, sobre todo, las semejanzas socio-históricas de ambos países lo que lleva a Zavaleta a afirmar que “tal vez [Mariátegui] al pensar en su país, pensaba ya en todos nosotros” (p. 96). Esa interpelación de la que se hace eco Zavaleta comprende la pregunta incómoda por la relación siempre contradictoria entre lo universal y lo local condensada en la cuestión de la identidad nacional. La ventaja de Mariátegui está en haber planteado este dilema por fuera de los términos abstractos, en general, tan a la mano. Su osadía radica en disputarle a la oligarquía peruana los sentidos, valores y significados de la nación para reinscribirlos en una gramática estructurada en torno a la “conexión entre lo nacional, lo indígena y lo agrario” (p. 103). Hablar la nación, dirá Zavaleta, es hablar el indio, hacer hablar a las mayorías y, hablar, por fin, la cuestión agraria. 7 Ensayos sobre socialismo y nación nos entrega así, en un “juego de espejos”, como propone Giller, tres miradas sobre un mismo objeto que refractan sobre nuestro presente. Tres puntos de vista que, puestos uno al lado de otro, producen un efecto iluminador de gran potencia y valor. Se vuelve a Mariátegui, así, con la intuición de que algo en ese entramado de textos de (y en torno a) un autor derrotado “puede asistirnos” –como quisiéramos junto a Diego Giller– “en la tarea de pensar las urgencias y los peligros de nuestro tiempo, que es también un tiempo de derrota –aunque ninguna derrota, lo sabemos, es definitiva” (p. 53). Leia Mais
Speaking of Spain: the Evolution of Race and Nation in the Hispanic World – FEROS (VH)
FEROS, Antonio. Speaking of Spain: the Evolution of Race and Nation in the Hispanic World. Cambridge: Harvard University press, 2017. 367 p. BILBAO, Julian Abascal Sguizzardi. Raça, nação e pátria: A espanholidade em movimento. Varia História. Belo Horizonte, v. 35, no. 69, Set./ Dez. 2019.
O livro Speaking of Spain de Antonio Feros se insere em um contexto historiográfico no qual o pretenso vínculo entre o estabelecimento de um Estado-nação e a união dinástica das Coroas de Castela e Aragão (1479) já fora pertinentemente criticado por autores como Vicens Vives (1960), John Elliott (2010; 2018) e Bartolomé Clavero (1981). Após o impacto dessa crítica, as relações entre nação, pátria – e também raça – passaram a ser entendidas como não-evidentes e tornaram-se matéria de amplo debate.
O principal objetivo do livro é discutir os deslocamentos semânticos e controvérsias em torno dos conceitos de raça, nação e pátria entre o século XVI e princípio do XIX no contexto imperial hispânico. No que diz respeito às fontes, o autor recolhe narrativas variadas (crônicas, discursos, tratados e legislação) que desenvolveram à sua maneira os supracitados conceitos dentro do recorte estipulado, privilegiando os discursos próprios dos “espanhóis” (Feros, 2017, p.11).
A despeito das dificuldades impostas pela amplitude do arco espaço-temporal, a problemática é clara e o autor realiza um trabalho historiográfico pertinente. A leitura é fluída, sendo relevante tanto para especialistas, quanto para um público mais amplo. Inclusive, poderia ser adotado como ponto de partida para a aproximação da história do Império Hispânico pelo público brasileiro. O livro é de interesse para aqueles que estudam História Ibérica, mas também, para os que se dedicam a assuntos relacionados à América Colonial e à independência da América, pois demonstra como a estrutura das sociedades coloniais ensejaram questões acerca da significação da espanholidade (Spanishness).
Como o texto cobre um amplo recorte, a bibliografia utilizada é igualmente vasta. Em um primeiro momento, poderíamos destacar o diálogo com Tamar Herzog (2003), Pablo Fernández Albaladejo (2007) e Mateo Ballester Rodríguez (2010), autores que trabalham as complexas relações entre escalas identitárias no contexto hispânico. É interessante o destaque de Feros para as relações de tensão entre a Catalunha e a Monarquia, apontando para comparações com os conflitos no seio da monarquia britânica moderna. No ano seguinte a Speaking of Spain, Elliott publicou Scots and Catalans (2018), que discutiu muitas das questões levantadas pelo livro em questão.
Nos quatro primeiros capítulos, Feros aborda a relação entre nação, raça e pátria nos séculos XVI & XVII. O contexto inicial é o da Espanha de Isabel e Fernando – marcada pela conquista de Granada, pela expulsão dos Judeus e pelo início da exploração colonial – havendo um impulso para a criação político-discursiva de uma comunidade monárquica exclusivamente católica. Nesse quadro, eruditos formularam ideias acerca da história e da concepção de Espanha e espanholidade. O sentimento de lealdade ao local de nascimento, ou seja, à pátria (Catalunha, Biscaia, Andaluzia, etc) e a pluralidade jurídica das diversas partes da Monarquia desestabilizavam a ideia de nação como um conjunto unitário de língua, leis e povo (Feros, 2017, p.48). Apesar disso, havia um esforço para pensar o que existia de comum aos espanhóis: constituiu-se a ideia de que estavam ligados pela descendência cristã antiga, cujo patriarca era um dos netos de Noé, Tubal (considerando a narrativa bíblica de que toda humanidade proviria de sua linhagem após o dilúvio). Em uma sociedade em que havia sujeitos recentemente convertidos ao catolicismo, cuja ascendência era judaica e muçulmana, a construção de uma identidade baseada na antiguidade cristã era um fator de exclusão das chamadas linhagens conversas (que não poderiam assumir determinados cargos administrativos e religiosos), portanto criava-se a ideia de uma “pureza de sangue” dos cristãos velhos.
Outro problema em voga nos séculos XVI e XVII está evidenciado no seguinte trecho: “Eram os descendentes de espanhóis, estabelecidos em regiões não-europeias, especialmente nas Américas, espanhóis genuínos?” (Feros, 2017, p.65). O debate, originado desta indagação, girava em torno de alguns eixos centrais: qual o impacto do clima no caráter dos espanhóis nascidos na América [criollos]? Quais eram os efeitos da mistura “sanguínea” entre os descendentes de europeus, os nativos e os africanos na colônia? Nesse sentido, Feros excede a discussão da limpieza de sangre no contexto peninsular, traçando pontes com os territórios do ultramar, enfatizando como a realidade colonial também compôs esse campo problemático.
Os quatro últimos capítulos discutem as relações entre nação, raça e pátria ao longo do século XVIII e início do XIX. Nesse momento, a sociedade hispânica sofreu transformações causadas pela guerra de sucessão do início do século XVIII, levando ao trono a casa Bourbon. Os monarcas dessa dinastia possuíam um projeto de enfraquecimento das instituições regionais, especialmente no que diz respeito às regiões historicamente pertencentes à Coroa de Aragão. Nesse quadro, intelectuais reforçam que a lealdade deveria ser endereçada à pátria comum (Espanha) e não às pátrias locais. Isso indica um movimento tendencial ao longo do século XVIII de coincidência entre o conceito de pátria e nação, uma novidade no campo semântico.
Na Europa, surgiam novas teorias de hierarquização racial, e os espanhóis passavam a ser diretamente questionados sobre a histórica presença de judeus e muçulmanos em seu território, colocando em xeque seu pertencimento à raça “branca”. A visão de decadência do Império Hispânico era muito difundida, por isso os peninsulares formularam discursos de diferenciação entre eles e os criollos, sobre os quais pairava a suspeita de misturas consideradas espúrias com indígenas e africanos escravizados. As bases discursivas da limpieza de sangre, constituída por meio da elisão de hibridações étnicas, são ressignificadas no contexto do “racismo científico” para reforçar hierarquias. Alguns peninsulares apostaram no “melhoramento” das populações nativas e africanas pelo branqueamento, discurso rechaçado, via de regra, pelos criollos, os quais visavam afirmar sua posição social através de uma aparência europeizada – esses debates implicaram fissuras na noção de espanholidade.
O livro fecha com a emergência da Constituição liberal de Cádiz (1812) no contexto pós napoleônico. Nesse momento, houve um direcionamento para a construção de um Estado-nação espanhol que substituiria o sistema imperial de outrora: “A força de ligação entre os habitantes da Monarquia Hispânica deixaria de ser a partilha de uma mesma linhagem ou da mesma raça, e passaria a ser uma paixão compartilhada por sua nação e pátria” (Feros, 2017, p.252). Nesse sentido, houve um esforço para a inclusão dos territórios americanos, entretanto, durante as sessões das cortes, os criollos se sentiram marginalizados pelos peninsulares. Cabe notar a tentativa de integração dos indígenas como cidadãos, o que, segundo o autor, foi feito com o intuito de marcar o sucesso de sua assimilação pelo processo de colonização. Já os descendentes de africanos livres, foram considerados espanhóis, mas não cidadãos de pleno direito (conforme o artigo 22 de Cádiz).
Speaking of Spain é uma leitura altamente recomendada, levando em conta as bem-sucedidas articulações entre a realidade peninsular e colonial. O autor cumpre com seu objetivo de estudar os deslocamentos dos conceitos de nação, raça e pátria entre os séculos XVI e XIX, demostrando sua relação intrínseca com as mudanças político-sociais no Império Hispânico ao longo do tempo.
1No original: “Were the descendants of Spaniards who settled in non-European regions, and specially Americas, genuine Spaniards?”
2No original: “The binding force for inhabitants of the Spanish monarchy would no longer be membership in the same linage or the same race but a shared passion for one’s nation and patria.”
Referências
BALLESTER RODRÍGUEZ, Mateo. La identidad española en la edad moderna (1556-1665): discursos, símbolos y mitos. Madrid: Tecnos, 2010. [ Links ]
CLAVERO, Bartolomé. Institución Política y Derecho: acerca del Concepto Historiográfico de ‘Estado Moderno’. Revista de Estudios Políticos (Nueva Era), n. 19, Enero-Febrero, 1981. [ Links ]
ELIOTT, John. Una Europa de Monarquías Compuestas. In: ELLIOTT, John. España, Europa y El mundo de ultramar [1500-1800]. Madrid: Taurus, 2010. [ Links ]
ELIOTT, John. Scots and Catalans: Union and Disunion. New Haven: Yale University Press, 2018. [ Links ]
FERNÁNDEZ ALBALADEJO, Pablo. Materia de España: cultura política e identidad en la España moderna. Madrid: Marcial Pons, 2007. [ Links ]
FEROS, Antonio. Speaking of Spain: the Evolution of Race and Nation in the Hispanic World. Cambridge: Harvard University Press, 2017. [ Links ]
HERZOG, Tamar. Defining Nations: Immigrants and Citizens in Early Modern Spain and Spanish America. New Haven: Yale University Press, 2003. [ Links ]
VICENS VIVES, Jaume. A estrutura administrativa e estadual nos séculos XVI e XVII (Extraído de XIe Congrès des Sciences Historiques, 1960. Rapports IV: Histoire Moderne, Stockhom, Almqvisq & Wiskell, 1960, p.1-24). In: HESPANHA, Antonio Manuel (Org.). Poder e instituições na Europa do antigo regime: coletânea de textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1960], 1984. [ Links ]
Julian Abascal Sguizzardi Bilbao – Programa de Pós-Graduação em História Universidade de São Paulo Av. Prof. Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, São Paulo, SP, 05.508-900, Brasil. julianbilbao25@gmail.com.
Porous Borders: Multiracial Migrations and the Law in the U.S.-Mexico Borderlands – LIM (THT)
LIM, Julian. Porous Borders: Multiracial Migrations and the Law in the U.S.-Mexico Borderlands. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press, 2017. 320p. Resenha de: BELL-WILSON, Chloe. The History Teacher, v.52, n.4, p.719-720, ago., 2019.
Borderlands history, already a crowded field, has found a new, multiracial, multinational narrative in Julian Lim’s Porous Borders: Multiracial Migrations and the Law in the U.S.-Mexico Borderlands. In her introduction, Lim sets out clearly what she intends to do: mitigate the history about erasure and reveal the history of the multiracial past that “has become so hidden, erased from geographical and historical landscape of the borderlands and the nation itself” (p.5). Spanning the 1880s to the 1930s and using rich archival sources from both sides of the Mexican-American border, she shows how the borderlands was never just a space where people of two opposing nationalities vied for dominance. Instead, it was a complicated place that saw the intersection of Native Americans, white (or more white) Mexicans and Americans, black peoples, and Chinese peoples.
Lim looks mainly at the border town of El Paso, Texas, tracing its foundation as a small backwater to its growth into a thriving commercial metropolis, thanks to the arrival of the train. As a border town, El Paso proves an effective window into larger ideations of race, class, and nationalities from both the United States and Mexico. She also examines the sister city of Ciudad Juárez, just on the other side of the border, to illuminate similarities and differences in the two countries.
For a large portion of her work, Lim draws upon legal evidence to substantiate her claims. Some of what she draws upon is well known, like the Treaty of Guadalupe Hidalgo and the Chinese Exclusion Act. But in her assessment, she adds a layer of complexity by showing not only how those in power expected their legislation to function, but also how everyday people circumvented them or, indeed, used them to their own advantage. The Chinese, she explains, were able to flout the Exclusion Act by trickling into El Paso through Mexico. They also used, for a time, racial blending to avoid detection, successfully masquerading as Mexican to cross into the United States. She also makes use of more everyday court cases, like those of miscegenation, workers compensation, and race classification. Though the prohibition of black/white relationships in twentiethcentury America is well known, Lim adds to the interrogation of interracial relations by investigating the way the courts attempted to regulate intermarriage between Chinese, Mexican, and African Americans. In doing so, she shows how socio-cultural norms translated into legal proceedings, and vice versa.
Additionally, Lim’s commitment to showing a well-rounded, inclusive narrative produces an analysis that shows how racial and national identity intersect to create complicated lives. One of her strongest points to this effect is her analysis of how African Americans, after finding themselves rejected by Mexico as either immigrants or tourists, identified even more strongly as proud Americans, even as conditions in the Jim Crow South continued to deteriorate for them. She also carefully traces agency for each group across the entire period she assesses. She opens her work with a detailed assessment of the role Native Americans had in constructing the borderlands, showing that their patterns of commerce, travel, and living in fact set the stage for how the borderlands developed. Rather than abandoning their narrative after both Mexico and the United States forcibly displaced them, however, she then follows their story through the rest of her work.
For example, in 1916, the Apache acted as scouts for the U.S. military during the retaliatory Punitive Expedition in response to the feared invasion of Pancho Villa. Thus, importantly, Lim asserts the continued presence and role of Native Americans at the border.
With clear, well-written prose, Porous Borders provides an illuminating narrative that would be useful for both undergraduate and graduate students looking to understand more about the evolvement of the Mexican-American border into what it is today. For secondary school teachers, Lim’s complex understanding of landmarks in history, like treaties and major immigration legislation, can be used to help students understand the difference between intentions of those in power and the realities of everyday life. Overall, Lim provides a fascinating insight into a period and a narrative that too often faces neglect in borderlands history. Her balance of cultural and legal history in the borderlands provides insight into how large-scale events play out at the local level—a useful conceptualization neatly applied and worth copying.
Chloe Bell-Wilson – California State University, Long Beach.
[IF]Darwinismo, raça e gênero: projetos modernizadores da nação em conferências e cursos públicos (Rio de Janeiro, 1870-1889) | Karoline Carula
A década de 1870 assinala o momento da chegada ao Brasil das “ideias novas”, como destacou Silvio Romero. Entre estas ideias, uma, o darwinismo, logrou grande sucesso entre os pensadores que buscavam fazer do Brasil um país moderno e civilizado. O darwinismo sofreu diversas apropriações e direções discursivas, sendo isto perceptível nas discussões que ocorriam nos jornais e revistas da Corte. Como exemplo dessa ampla difusão do darwinismo, temos o encontro do cientista francês Louis Couty com um fazendeiro de nome Tibiriçá. Dizia Couty (1988, p.98): “Estava eu percorrendo os títulos dos livros que via sobre a mesa de meu anfitrião, [Charles] Darwin, [Herbert] Spencer” e admitia “sem surpresa que os via ali, e que os via trazerem as marcas de uma leitura prolongada”.
O leitor que abrisse os jornais, como a Gazeta de Notícias ou o Jornal do Commercio , entre as décadas de 1870 e 1880, encontraria várias chamadas para conferências e cursos públicos na Corte que tratavam dos mais diversos assuntos discutidos pela ciência na época, quase todos perpassados pela perspectiva do darwinismo. O homem de letras desse período tinha uma ampla programação de ciência para realizar nos espaços públicos da capital do Império. Decorriam disso discussões e sociabilidades novas, permeadas pelas várias interpretações da teoria de Charles Darwin. Esse assunto é objeto de exame do livro Darwinismo, raça e gênero , escrito por Karoline Carula e publicado pela Editora Unicamp. O livro é resultado de sua pesquisa de doutoramento em história social defendida na Universidade de São Paulo. Atualmente, Carula é professora de história na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Leia Mais
The Cause of All Nations. An International History of the American Civil War | Don H. Doyle
“You cannot see, because
it is your everyday life, (…) the
magnitude of the events through
which you are passing in the
light of their influence on the rest of the world”.
We are now sufficiently familiar with the idea of a global and transatlantic history to understand the importance of The Cause of All Nations to this field in general history and U.S. history in particular. What we still might not be completely familiar with is the idea that the American Civil War was an event of international proportions in many senses: economic, social, political, and ideological. Therefore, its outcomes can no longer be constricted to U.S. formation, reinforcing the idea that this was a “fratricide” accident within the narrative of national formation in the United States, but that its influence has reached places far beyond the U.S. and can also be considered a breaking point in a global scope. And, although the question of how to produce a transatlantic, Atlantic, or global history is still object of debate and questioning by its own scholars, in this book we will find that the author masters it: he is able to use local, regional, national and transnational lens throughout his narrative, making it look like an easy enterprise.
The importance of the Civil War as an international event of great proportions is what the American historian Don Doyle, the McCausland Professor of History at the University of South Carolina, demonstrates in his book. He has developed the theme of secession in a comparative perspective for many years (Nations Divided: America, Italy, and the Southern Question; Nationalism in the New World, co-edited with Marco Pamplona; Secession as an International Phenomenon, a collection of essays) and teaches American history, nationalism, and Southern History. With broad experience in the U.S. and other countries such as Italy and Brazil, he has demonstrated American and non-American historians that, far from being an event “as American as apple pie”,the American Civil War not only can be seen from an international and Atlantic perspective, but that this outlook is necessary, especially from the point of viewof the American continent.
Parting from the idea that the Civil War is inserted in a much broader moment of history, “the crisis of the 1860s”, we are able to understand international reactions, fears, expectancies and politics that surrounded one of the most, if not the most studied theme in American history. Don H. Doyle’s main thesis is that the Civil War mattered a great deal to the Western world in the second half of the nineteenth century. And it mattered because it was not simply an intestinal war, fought only by American soldiers on American soil, but it represented a struggle over fundamental themes of the time, such as republicanism, freedom, national sovereignty, and slavery. It is in that sense that the Civil War can be perceived as “the cause of all nations”. And, although we all acknowledge the outcomes of the war, and the growth of the United States as a world potency, the future of the war was not defined at the time, and the international community of states and nations in the nineteenth century had a close eye on what was going on in the U.S.
Thus, rather than imposing an international framingof the conflict, Doyle asserts that this work actually “retrieves a commonplace understanding of the time”. This idea has already been brought by other historians that have affirmed the importance of the issues at stake in the “Civil War Era”, such as nationalism, democracy, liberty, equality, race, majority rule and minority rights, central authority and local self-government, the use and abuse of power, and the horrors of an all-out-war – are as alive in the early twenty-first century as they were in the mid-nineteenth century.
This is demonstrated in a fluid, exciting, and coherent narrative that follows the chronological events of the war engaged through different topics, characters and diplomatic disputes distributed throughout 12 chapters and based on an extensive variety of sources: diplomatic and personal correspondences, newspapers, pamphlets, translations, images, posters, and official documents from several nations.
One of the main issues pointed out by Prof. Doyle is that the United States was not only viewed as a nation growing in size and importance, but it virtually represented the major successful republican experiment to the world. In face of the failure of the republican movements of 1848 in Europe, it is not surprising that a government of the people and by the people, and a republic of such large dimensions (the only other example was Switzerland) was seen as doomed to failure. Conservatives in Europe expected this failure to assert that Monarchy was, as it had always been, the best method of government. On the other hand, the remains of the republican and liberal movements in Europe and the successfully republican, but very troubled governments, in Latin America looked at the U.S. with the hope they would one day thrive as theirneighbor, and counted on its protection from European incursions, in thesis guaranteed by the Monroe doctrine.
We are reminded of the great power that the press had gained by the 1860s, especially due to “print technology and the expansion of literacy, which made cheap publications and mass-audience possible” (p.3), which contributed to the understanding of the war and to the debates over it. As an event that has been analyzed from so many perspectives, the author chooses here to demonstrate that not only it mattered economically to the world (the relationship of the western world with the American cotton has been very well stablished), but its struggle over republicanism, freedom, and slavery was a central issue, especially through the eyes of the world and the need of international recognition from both the Union and the Confederate sides. The author also affirms that in its need of diplomacy and international support, the American Civil War pioneered what we now call public diplomacy, “the first, deliberate, sustained, state-sponsored programs aimed at influencing the public mind abroad” (p.3). From that perspective he sets himself apart from a strictly diplomatic history of the Civil War, building his arguments upon how an international public opinion was built over the war, and how it influenced and was influenced by the events, debates, and particular matters in their own nations.
Divided in three parts, “Only a Civil War”, “The American Question”, and “Liberty’s War”, we are guidedthrough the definition of the Civil War on both sides, its international scope and outcomes. In the first part, composed of 3 chapters, we are drawn to understand onemain question: what was the United States fighting for?The question issued by Garibaldi about whether the war was being fought over slavery or not, expressed the “moral confusion over just what the Union was fighting for” (p.24).How the Union and the Confederacy placed themselves internationally to guarantee, on one side, that governments did not recognize the CSA (Confederate States of America), and, on the other, to be recognized as a belligerent state is the main question in this part of the book. That is, the ideological and discursive dispute based on the idea of a “right” to secession in the realm of international law and within the American Constitution. Doyle affirms, nonetheless that this “legal quarrel (…) obscured a far more salient question as to the reason for secession” (p.29). That reason was being questioned by the international community and it was being answered through public diplomacy as Union and CSA struggled for support. And, although both sides initially tried to elude it, “every one of South Carolina’s grievances centered on slavery” (p.30). British, Spanish, and French declarations of neutrality threatened the Union and gave strength to the Confederacy, a diplomatic battle that would be stretched by the military victories of the CSA. Lincoln’s inaugural address in 1861 sought to place the Civil War as an international conflict, based on the principle of international law and the perpetuity of the union, and placed, once again, the extinction of slavery as a secondary matter: “the main issue before the public was already ‘Union or Disunion’, not slavery or abolition” (p.65). Apparently, however, Europeans were not at all concerned with local politics and the rights to secession. In that sense, it would be better to place the war upon “a higher moral basis”, and Europeans from different social sectors began to answer Garibaldi’s questions for themselves.
The second part of the book – The American Question – shows how the conflict was growing in the minds of the world as a global struggle, particularly as a crisis of life and death to the republican experiment “within the context of alternating swells of revolutionary hope and reactionary oppression that radiated through the Atlantic world in the Age of Revolution” (p.85). Republicanism, democracy, natural rights, and slavery, social change and structure, the delights of the conservatives in Europe and the fears of the liberals in view of the War:all that came to earth in the eyes of international observers of the conflict. Extreme democracy was at its death bed and the Empire powers, Britain, Spain, and France resurged and believed it possible to restore their authority. The imbrications of European politics concerning the Americas and their old colonies, as well as the role of foreign views on the conflict, which made their way to the U.S. through important translations of books and pamphlets, demonstrated how intellectuals were elaborating their own meaning of the conflict, helping to place the Civil War as an ideological conflict between slavery and freedom, monarchy and republicanism. It became definitely a global matter. The last chapter of Part II demonstrates how the Civil War became an internationalized conflict not only intellectually, but also in the battle front. Don H. Doyle brings to light the “Foreign Legions” that added up the military layers of the Union army, constituting among immigrants and sons of immigrants “well over 40 percent of the Union’s foreign-born soldiers” (p.159). Although this is not an unprecedented theme in the studies of the Civil War, Don H. Doyle is able to place their participation in a broad understanding of why these immigrants were so willing to fight for America within the international understanding of the Civil War and the construction of the American nation.
In the final part of the book, “Liberty’s War”, the author demonstrates how the war was defined not only as a war over slavery, but also as a struggle between democratic and monarchical governments and ideals, that is, the struggle for the people’s freedom. In that sense, he unveils the “Confederacy’s shift to the right” (p.186), referring to the support from the French sought by the CSA. This meant that not only was the South fighting for slavery, but to do so it was willing to support and negotiate with conservative European governments and to accept their interference in the American continent, including by offering what “can only be described as a magnificent bribe” (p.203) in the form of a very advantageous and long-term commercial treaty, in exchange for Napoleon III’s declared support of the South. The year of 1862 represented the greatest threat of foreign intervention in the Americas, and in that sense, a threat to all republican governments. The Union’s soft power was also directed at broadening the idea of “national preservation” to all governments by the people in the world, “the outcome of the American contest would decide nothing less than the fate of democracy” (p.215).
How the Union and CSA continuously fought in the field of public diplomacy for this narrative is one of the main points placed by DonH. Doyle, arguing that, considering all the military and political world powers engaged and interested in the outcomes of the American conflict, this diplomatic war was as important as the battlefields in American soil. Throughout the last part of the book, the author is able to discuss the significant changes occurring in Europe, not only towards the American Civil War and slavery, but also towards republicanism, particularly in face of the movement for national consolidation in Italy, leaded by Garibaldi and Mazzini, up to what he calls a “Republican Risorgimento”, which again altered the ideological frames of Europe and the Americas.
This book is not an attempt to account for the Civil War in its totality, it is not a new book on what was the Civil War, its causes and consequences, or how its main events and battles developed. Rather, it offers the opportunity to envision it as an international event that was part of a much broader crisis, which carried beneath it fundamental struggles, problems, and dilemmas that regarded the Western world at the second half of the nineteenth century. The American Civil War had a profound impact on the international relations of the early 1860s and high economic, social and ideological issues were at stake: a “struggle that shook the Atlantic world and decided the fate of slavery and democracy” (p.313). This book places the U.S. among other nations that, to survive as a unified national state, depended upon the support and approval of European and American nations. In this sense, it relates the future of the United States to that of other transatlantic relations and vice-versa. In doing this, not only he helps to give one step further towards the rupture with the idea of exceptionalism in American history, he also goes past its traditional links with Europe, including Latin America as part of the world being built in the 1860s, with its own contradictions and expectations. For Brazilian historians, it gives the opportunity to also step back from our own ideas of exceptionalism in the history of Brazil, understanding the political, economic, and ideological interconnections among the American continent, and that transatlantic history is a possible and fruitful path to do so.
Referência
DOYLE, Don H. The Cause of All Nations.An International History of the American Civil War. New York: Basic Books, a member of the Perseus Books Group, 2015.
Juliana Jardim de Oliveira – Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto – Minas Gerais – Brasil. Licenciada e bacharel em História pela Universidade Federal de Viçosa (2007), mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (2010), doutoranda do programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto. Ênfase em História da construção dos Estados Nacionais na América, particularmente Argentina, Brasil e Estados Unidos. Atualmente pesquisa a Guerra Civil dos EUA como evento internacional e seu impacto nos debates parlamentares brasileiros.
DOYLE, Don H. The Cause of All Nations.An International History of the American Civil War. New York: Basic Books, a member of the Perseus Books Group, 2015. Resenha de: OLIVEIRA, Juliana Jardim de. The war of brothers that changed the world: the U.S. civil war and the 1860s. Almanack, Guarulhos, n.21, p. 609-616, jan./abr., 2019. Acessar publicação original [DR]
Dibujar la nación. La Comisión Corográfica en la Colombia del siglo XIX | Nancy P. Appelbaum
Este libro fue originalmente publicado en inglés con un título diferente, Mapping the Country of Regions. The Chorographic Commission of NineteenthCentury Colombia (The University of North Carolina Press, 2016), y recibió en 2017 el Premio Iberoamericano al Libro Académico sobre el siglo XIX de la Latin American Studies Association (LASA). Reflejo de una política editorial que procura una mayor circulación para un libro importante, el nuevo título refiere a una práctica que fue común a varias de las nacientes repúblicas latinoamericanas: cartografiar el territorio sobre el que pretendían ejercer soberanía. lo cual, con el fin de prestigiar esa labor y justificar el alto costo que esas expediciones exigían, se contrataron muchas veces expertos extranjeros para dirigirlas, como fue el caso de Claudio Gay (1830-1841) en Chile, o del propio Agustín Codazzi, primero en Venezuela (1830-1840) y luego en la República de Nueva Granada (1850- 1859). Leia Mais
La paradoja uruguaya. Intelectuales, latinoamericanismo y nación a mediados de siglo XX | Espeche Ximena
El texto de Ximena Espeche comienza ubicando al lector en el Uruguay de los primeros años de la década de 1950. En ese escenario uno de los líderes políticos de mayor relevancia, el entonces presidente Luis Batlle Berres, sostuvo que Uruguay era y había sido durante todo el siglo XX un “país de excepción”. En simultáneo, un vasto y heterogéneo coro de voces de intelectuales, conformado por ensayistas periodistas, economistas y educadores, denunciaba los límites (para algunos el fracaso) del modelo “batllista” y revisaba los cimientos de una identidad colectiva construida sobre la base de mitos o lugares comunes que ya no concitaban consenso. El fin de la relativa prosperidad económica, el estallido de conflictos sindicales reprimidos con violencia física y legal y la incursión en nuevas formas de co-participación y burocratización de los partidos Nacional y Colorado en el gobierno fueron solo algunos de los síntomas más evidentes de una crisis que tuvo múltiples dimensiones y convocó a la reflexión desde distintas filas.
Diversos, periféricos y autocríticos a ultranza, los intelectuales que Espeche estudia en profundidad -Carlos Quijano, Carlos Real de Azúa y Alberto Methol Ferré- atravesaron sin nostalgia el fin del Uruguay batllista y celebraron la caducidad de un modelo que, creían, había nacido trunco. Identificaron en aquel contexto la posibilidad de repensar el imaginario nacional, al que encontraban perniciosamente batllistizado, compartiendo la preocupación por la viabilidad del país, ya no en los términos de supervivencia nacional o temor a la anexión de alguno de los grandes países vecinos, sino en cuanto a sus posibilidades de desarrollo, modernización e inserción no dependiente en la región y en el mundo. Los tres compartieron la doble condición de ser juez y parte, testigos y formadores de opinión, a la vez que percibieron tempranamente la crisis como oportunidad. Leia Mais
O nascimento do Brasil e outros ensaios: pacificação, regime tutelar e formação de alteridades | João Pacheco de Oliveira
O presente trabalho trata-se de uma resenha sobre o prefácio da obra O nascimento do Brasil e outros ensaios: pacificação, regime tutelar e formação de alteridades, cujo o autor é João Pacheco de Oliveira, antropólogo e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicada no ano de 2016, segundo Oliveira, o livro reúne textos escritos nos últimos anos para eventos e conferências das quais ele foi convidado por colegas historiadores, explicitando que seu objetivo não é ordená-los de forma cronológica ou de modo casual, e sim atribuirá cada tema/capítulos olhares específicos numa perspectiva etnográfica, levando em conta alguns episódios históricos, a fim de discutir as inúmeras formas de agência e participação indígena na construção da nação brasileira.
É possível perceber como o autor se posiciona no que tange a dicotomia entre a História e a Antropologia, demonstrando que é possível dialogar entre as duas áreas, lembrando que um dos seus objetivos é recolocar as populações indígenas como agentes efetivos, ou seja sujeitos que agem, operam e atuam na construção do Brasil, para isso é necessário ir além dos instrumentos da etnografia, como por exemplo o estudo das relações e ações somente do presente, é preciso olhar o passado, estudá-lo, examiná-lo a partir de outras abordagens, como o próprio autor afirma: “[…] longe de se limitar, assim, de um exercício circunscrito de história indígena, etno-história ou etnologia indígena, os artigos desse livro constituem exercícios de uma antropologia histórica” (p. 08), enfatizando ainda as relações e outras forças que compõem a sociedade. Leia Mais
Criar a Nação: História dos Nomes dos Países da América Latina | José Carlos Chiaramonte e Carlos Marichal
Em 1860, a província de Buenos Aires encontrava-se separada das outras com as quais havia formado o Vice-Reino do Rio da Prata e mergulhada em debates acerca de se, e como, deveria realizar uma reintegração nacional. Um editorial do periódico El Nacional, de propriedade de Bartolomé Mitre, tratou de colocar em pauta a questão do nome que assumiria o país resultante dessa reunião. O autor antecipa seus críticos: embora pudesse parecer impossível recorrer à “questão de nomes” sem “cair na trivialidade”, ela envolvia “outra questão de honra e de vergonha”.
É de momentos como este que Criar a Nação: História dos Nomes dos Países da América Latina se nutre. O livro, publicado em português pela primeira vez este ano pela Hucitec e originalmente em espanhol em 2008 pela Editora Sulamericana, aposta na importância que os nomes assumiram em tais momentos, para usá-los como novos pontos de observação da história das nações. Dezesseis nomes hoje reivindicados por países e regiões da América Latina são examinados em dezessete artigos de autores diferentes, dois deles dedicados ao México. O conjunto da obra apresenta mais altos que baixos e tem na coerência com seus pressupostos uma característica da qual deriva duas de suas qualidades mais interessantes.
A primeira é uma relação de reforço mútuo entre a História aqui praticada e o aparato teórico que lhe sustenta, calcado na ideia de nação como artefato cultural. A importância disso para o trabalho aqui realizado fica evidente em alguns textos. A pesquisa de José Carlos Chiaramonte1 sobre os termos Argentina, Províncias Unidas do Rio da Prata e Confederação Argentina se beneficia imensamente da compreensão de nação como entidade circunstancialmente construída. O mesmo pode ser dito sobre o trabalho de Ana Frega, da Universidad de la República (Uruguai), sobre o par oriental/uruguaio, que, interrogado por essa lente, revela o retrato de uma identidade nacional fraturada, cindida originalmente pelas diferentes reações ao movimento juntista de 1810 esboçadas pelo governo de Montevideo e pelos habitantes do restante da banda oriental do rio Uruguai. Ambos os casos apresentam conflitos que, lidos a partir da noção essencializada da nação, perderiam importância. Seus resultados já estariam determinados de antemão pelo presente. A história dos nomes assim alimentada se restringiria a uma história da revelação do nome, da vitória do nome atual. A nação inventada liberta os eventos passados de destinos inexoráveis e dá voz aos diferentes projetos apresentados nas instâncias de discussão destas questões. Os nomes deixam de ser sinas e tornam-se símbolos, prenhes de expectativas e desejos; suas histórias deixam de ser a narrativa de suas descobertas e convertem-se em reflexões acerca de seus usos. A abordagem assim concebida, por sua vez, transforma-se em importante testemunha contra uma representação reificada da nação ao possibilitar uma indexação de eventos que confirmam a natureza histórica da nação. A imbricação entre a história aqui praticada e a teoria que lhe dá substância se revela recíproca. O estudo de Pablo Buchbinder, da Universidad de Buenos Aires, sobre Paraguai é emblemático disso, pois captura na indecisão em estabelecer-se como república ou província as dificuldades de autodeterminação enfrentadas por uma individualidade próxima o bastante a Buenos Aires para estar em sua esfera de influência, mas distinta o suficiente para não ser por ela absorvida.
A aglomeração das várias histórias nacionais no espaço de experiência latino-americano é o segundo ponto de interesse decorrente do pressuposto teórico da nação como construção. A justaposição dos casos individuais confere ao livro muito de sua força explicativa e permite que os casos específicos elucidem uns aos outros. A construção de si passa pelo reconhecimento do outro; histórias como as aqui escritas precisam necessariamente superar as fronteiras nacionais, com as quais seus objetos nem sempre coincidiram.
Alguns nomes se prestam mais que outros para exemplificar essas relações transnacionais. Os assumidos pelas repúblicas construídas no antigo território da Gran Colombia estão entre os mais úteis para sublinhar o papel do outro na definição de si. Venezuela foi, de acordo com Dora Dávila Mendoza, da Universidad Católica Andrés Bello (Caracas), uma identidade em cuja construção a percepção de si esteve informada pela presença do outro. A indeterminação histórica da formação de um território venezuelano, em mais de uma ocasião englobado por outros nomes (designado, por um momento, como parte do vice-reino de Nova Granada; e, em outro, como componente da Gran Colombia) orientou parte significativa da produção historiográfica do país.
Aimer Granados, do México, dá conta de como o pensamento político de Bolívar expressava-se exemplarmente no nome Colombia, que engendrava um projeto de superação das identidades locais através da grande pátria americana. A Gran Colombia foi o corolário desse desejo, um projeto de nação que incluía os atuais territórios de Equador, Venezuela e Colômbia. Mesmo após seu esfacelamento o nome persistiu, herdado pelo antigo vice-reino de Nova Granada; se a república que hoje existe neste antigo território herda seu nome do sonho falido de Bolívar é porque houve um esforço consciente por parte de uma elite para inventar uma tradição. O autor relata que, no momento da emancipação, o termo Nova Granada possuía mais potencial aglutinador que o termo sobrevivente.
A influência da alteridade na formação da individualidade nacional segue relevante, mas de forma surpreendente, na história por trás do nome adotado pela outra entidade política que surgiria com a derrocada da Gran Colombia. Ana Buriano, do Instituto Mora, México, relata como Equador, que foi um nome usado para se referir ao território após as missões científicas francesas de 1736 destinadas a estabelecer a forma exata da Terra, significou a possibilidade de consenso entre as rivais Guayaquil, Quito e Cuenca. Historicamente neutro, o nome permitiu que o território construísse sua identidade sem que uma das partes se impusesse sobre a outra.
O caso mais emblemático da presença da alteridade na formação do eu nacional, porém, está nos artigos dedicados aos países que compartilham a ilha de São Domingos. O historiador porto-riquenho Pedro L. San Miguel defende que o nome República Dominicana representa uma ruptura com os governos de Espanha e Haiti, de quem a comunidade esteve próxima em outros momentos. Abandonando o São Domingos colonial, a nação se marcava como república independente e, ao mesmo tempo, evocava o antigo nome espanhol como forma de se diferenciar do vizinho, tônica forte na construção de sua identidade. O passado do nome Haiti, que para os taino, habitantes originais, significava toda a ilha, foi questionado no marco desse desejo de oposição. Quisqueya foi a alternativa encontrada pelos dominicanos, chegando a constar do hino nacional, embora seja considerado exemplo de revisionismo politicamente enviesado.
Interessantemente, Guy Pierre, professor de História Econômica da Universidad Autónoma (México), dirá que as fontes não permitem afirmar que a ilha se chamava Ayiti, embora exista um virtual consenso sobre o assunto. Mais importante para ele, porém, são os conteúdos de futuro e passado que podemos depreender do batismo. Dessalines, ao escolher o nome taino, expressava uma ruptura com a Saint Domingue escravista e apontava para um porvir de liberdade, significado informado também pela referência ao momento pré-colombiano, e, portanto, anterior ao cativeiro.
Os nomes e os batismos foram, no pós-independência latino-americano, ferramentas comumente usadas para marcar novos começos. Jesús Aguilar, da Pontifícia Católica do Peru, nos traz um exemplo capaz de mostrar que os nomes não servem somente para fundar novas eras. O termo Peru, mantido na passagem do vice-reino à república independente, é lido aqui como expressão do desejo de continuidade, o que nos demonstra como elites locais encontraram valor justamente no caráter inercial da palavra. O termo se confundia com o momento da colônia. Seu conteúdo temporal sugere um futuro idêntico ao passado, alimentado pela memória de levantes de nativos.
O tema indígena é um dos principais enfoques dos trabalhos dedicados aos termos Bolívia e México. O trabalho de Esther Aillón, da Universidad de San Andrés (Bolívia), faz astutas observações acerca da existência de uma identidade organizada ao redor do imaginário inca que conferiu capacidade de atuação e espaço de pertencimento a um setor da população não contemplado no projeto nacional boliviano. Uma das contribuições da história dos nomes para o estudo das identidades é a possibilidade de mapearmos o arraigamento destas a partir da verificação da adoção daqueles. É por este mecanismo que a autora demonstra a importância da experiência da Guerra do Chaco (1932-1935) para que uma integração fosse observada.
O caso mexicano é notadamente distinto, pois o mesmo dispositivo nos mostra que, em vez de marginalizada, a memória do passado pré-colombiano foi um eixo aglutinador. É único também no contexto da obra, que lhe dedica dois artigos, suficientemente distintos para que ambos tenham contribuições a oferecer. Dorothy Tanck de Estrada parte da reação crioula a uma crítica do século XVIII, feita à vida intelectual mexicana – palavra aqui entendida em seu sentido original, referente à cidade do México – e inicia uma reflexão acerca da expansão das fronteiras do termo a partir daí. O trabalho de Alfredo Ávila, da Universidad Autónoma, por sua vez, evidencia a natureza histórica da atual composição territorial do país. Sua tese assenta na percepção de que os mesmos nomes foram, por diversas razões, compartilhados por regiões diferentes. México engendrava tanto a cidade capital do vice-reino quanto a região sob sua influência. Nova Espanha, por sua vez, tinha tantas formas quanto tinha facetas a soberania do vice-rei. Estava definida pelo alcance de sua autoridade, que era variável nas diferentes esferas em que ele a exercia.
Similar à Gran Colombia até onde também representa uma resposta agregadora à emergência das soberanias locais, o nome Centroamerica nos é apresentado pela costa-riquenha Margarita Silva Hernández como conceito histórico-político, diferenciando-se de América Central, que designa um espaço geográfico. A autora nos traz a importância de um na composição do outro, o que integrou as características de seu espaço no caráter de sua identidade. Para ela, o feitio de istmo significou a compreensão do território como passagem. Entre o mundo inca e o asteca. Entre o Atlântico e o Pacífico.
O estudo dedicado a Chile é outro que olha para a influência de uma percepção do espaço na formação da nação e de sua organização política. Visto primeiro como ermo e hostil, e depois como “cópia feliz do Éden”, o território entre os Andes e o Pacífico, limitado ao norte pelo Atacama, teve desde os primeiros momentos da emancipação quem quisesse dar forma política às suas fronteiras geográficas. A realidade do nome como ponto nodal permite que Rafael Baeza, da PUC do Chile, reúna na mesma narrativa esta dimensão, características da identidade do país, visto como estável e ordenado, e a da política, percebida como autoritária e centralista.
José Murilo de Carvalho, o brasileiro convidado para a coleção, tira também proveito do caráter do nome como espaço de encontros e sugere, na interação das imagens religiosas (Ilha de Vera Cruz; Terra de Santa Cruz), exóticas (Terra dos Papagaios), econômicas (Brasil), temporais (mundus novus; realização do império futuro português), a formação de uma identidade ressentida de seu passado. Os nomes se prestam a revelar essa mágoa; a prevalência do nome de uma madeira vulgar e o abandono dos que faziam referência à religião é vista como causa da decadência do país. Similarmente, a tentativa de encontrar na mítica Hi-Brazil, ilha fantástica do imaginário europeu medieval, uma nova raiz para o nome da nação, é, segundo o autor, declaradamente um esforço para estabelecer uma origem “mais agradável ao espírito e ao coração dos brasileiros”.
Os artigos dedicados a Puerto Rico e Cuba desenvolvem descrições bem embasadas de trajetórias interessantes – Rafael Rojas, do Centro de Investigación y Docencias Económicas (México) nos descreve as diferenças de pertencimento entre pátria e nação para o caso cubano e como uma deu lugar à outra. As porto-riquenhas Laura Náter e Mabel Rodriguez Centeno falam sobre as peculiaridades de uma identidade desenvolvida numa unidade política como Puerto Rico, descrita aqui como uma nação sem Estado. As autoras fazem também uma avaliação dos significados de resistência que as diferenças entre Porto Rico e Puerto Rico (bem como entre porto-riquenho e puerto-riquenho) engendrou. O artigo revela desafios específicos à tradução de uma obra desta natureza, que requer atenção a diferenças importantes entre terminologias por vezes similares. O trabalho de tradução de João Ribeiro demonstra sensibilidade nesse quesito e preserva os termos originais quando substituí-los constituiria prejuízo para o texto.
Embora o livro contenha certa desigualdade qualitativa entre os capítulos, o que é habitual em obras coletivas, Criar a Nação revisita temas fundamentais de maneira provocante e deixa a porta aberta para que o leitor encontre paralelos e contrastes capazes de sugerir novas discussões.
Numa famosa passagem de Romeu e Julieta em que reflete sobre a desimportância das palavras diante da realidade ontológica das coisas, a protagonista imagina que uma rosa não teria um perfume diferente se tivesse outro nome. O trecho aparece como epígrafe em Criar a Nação, retoricamente apresentado para que sua premissa seja desmontada. A própria narrativa de Shakespeare desmentiria Julieta, afinal, vítima que foi da história do nome de sua família. Agregamos que o que diferencia “Capuleto” de “rosa” é o conteúdo histórico do primeiro. Existem nomes que integram categorias e nomes que marcam individualidades. Criar a Nação apresenta um caso convincente da importância destes últimos para o historiador: como possibilitadores de projetos, como facetas de identidades, como vestígios por estudar.
Pedro Henrique Falcão Sette – Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco.
CHIARAMONTE, José Carlos; MARICHAL, Carlos; GRANADOS, Aimer (Orgs). Criar a Nação: História dos Nomes dos Países da América Latina. Trad. João Ribeiro. São Paulo: Hucitec, 2017. Resenha de: SETTE, Pedro Henrique Falcão. As nações e seus nomes: invenção de entidades e identidades nas emancipações latino-americanas. Almanack, Guarulhos, n.16, p. 365-371, maio/ago., 2017. Acessar publicação original [DR]
Uma gota amarga: itinerários da nacionalização do ensino no Brasil / Claudemir de Quadros
A obra intitulada Uma gota amarga: itinerários da nacionalização do ensino no Brasil, organizada pelo professor Claudemir de Quadros, é um convite à leitura para os pesquisadores interessados na temática da nacionalização do ensino no Brasil. Publicado em 2014, o livro é composto por onze capítulos que apresentam como recorte temporal o período que vai da Primeira República até a consolidação do Estado Novo, utilizando como cenário os estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de São Paulo.
A partir de diferentes olhares de pesquisadores consagrados no campo da História da Educação no Brasil, a obra apresenta as marcas e as representações construídas na história da escola, por meio da campanha de nacionalização implantada pelo Presidente Getúlio Vargas, em época em que a escola foi vista como um espaço privilegiado de disseminação da cultura nacional, com o intuito de se forjar uma nova identidade brasileira.
No primeiro capítulo, Etnias e nacionalização no Sul do Brasil, o historiador René Ernaini Gertz discute as relações existentes entre as con-cepções de Estado e de Nação no Brasil, especialmente em relação à cam-panha de nacionalização implantada nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O texto chama a atenção para as medidas nacionalizadoras que atingiram de diferentes formas e em diferentes momentos o meio educacional dessas Regiões.
O segundo capítulo, organizado por Dorval do Nascimento, intitulado Brasilidades, Lusitanidades, Germanidades: a política de nacionalização do ensino primário e as disputas em torno da Nação (1934-1945), reflete sobre as medidas de nacionalização do ensino que foram implanta-das durante o Ministério de Gustavo Capanema. Medidas que visavam, entre outras questões, instaurar o sentimento de brasilidade nas novas gerações, motivo que levou a escola primária a ter “um papel fundamental em todo o processo” (NASCIMENTO, 2014, p. 65).
A nacionalização do ensino e a renovação educacional no Rio Grande do Sul é o título do terceiro capítulo, escrito por Maria Helena Camara Bastos e Elomar Callegaro Tambara. No texto, são abordadas questões referentes ao processo de nacionalização e renovação pedagógica no estado na primeira metade do século XX, que produziram modificações no trabalho docente, na legislação escolar, nos métodos de ensino, no currículo, nas finalidades da educação, entre outras transformações atravessadas também pelo discurso da Escola Nova.
Claudemir de Quadros é o autor do quarto capítulo, intitulado O discurso que produz a reforma: nacionalização do ensino, aparelhamento do Estado e reforma educacional no Rio Grande do Sul (1937-1945). José Pereira Coelho de Souza, quando assume a Secretaria de Educação e Saúde Pública do Rio Grande do Sul, dá início a um intenso processo de reformas educativas no estado, visando, entre outras questões, ampliar a rede de ensino, orientar, supervisionar e inspecionar o trabalho desenvolvido nas escolas estaduais, objetivando contribuir para a campanha de nacionalização implantada por Vargas em todo o território nacional.
Além de discorrer acerca das escolas estrangeiras, representadas como um perigo no período em questão, Claudemir de Quadros apresenta ao leitor que o processo de reforma educacional, ocorrido no estado, favorecido pela campanha de nacionalização do ensino, alterou intensamente as formas de gestão do sistema escolar no Rio Grande do Sul, especialmente a partir da organização do Centro de Pesquisas e Orientações Educacionais – CPOE/RS.
Ao analisar as políticas públicas de nacionalização das escolas étnicas no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1900 a 1940, o professor Lúcio Kreutz, autor do quinto capítulo, intitulado A nacionalização do ensino no Rio Grande do Sul, medidas preventivas e repreensivas, aponta as características e a constituição dos primeiros cem anos das escolas étnicas no estado, bem como escreve sobre a nacionalização progressiva dessas instituições apontando as medidas preventivas e repressivas implantadas pelo governo gaúcho, com o intuito de formar uma identidade nacional desejada.
O texto Abrasileirar os coloninhos: histórias e memórias escolares na região colonial italiana do Rio Grande do Sul (1937-1945), de autoria da professora Terciane Ângela Luchese, compõe o sexto capítulo do livro apresentado. O trabalho de Luchese permite compreender os discursos e as práticas de nacionalização que estiveram representadas na história da educação da região colonial italiana a partir de três enfoques abordados pela autora: as políticas públicas para a educação, o ensino e o uso da língua portuguesa e as práticas de nacionalização efetivadas no cotidiano escolar.
Dóris Bittencourt Almeida, ao narrar à história do Colégio Farroupilha, fundado por imigrantes alemães, na cidade de Porto Alegre/RS, escreve o sétimo capítulo, que intitula como As marcas do novo: do Colégio Alemão ao Colégio Farroupilha. Nesse capítulo, Almeida apresenta as relações entre a campanha de nacionalização e as transformações ocorridas na história institucional do Colégio a partir do olhar de ex-alunos e dos periódicos escolares analisados por ela. Compreende também que, embora o Estado Novo tenha deixado marcas na trajetória da instituição, ele não fez com que a cultura alemã desparecesse completamente daquele espaço educativo.
O oitavo capítulo, escrito por Elaine Cátia Falcade Maschio, intitu-lado Os imigrantes italianos, seus descendentes e suas escolas frente às campanhas de nacionalização do ensino em Curitiba/Paraná (1900-1930), atenta para a história da colonização italiana em Curitiba e o pro-cesso de escolarização das colônias, bem como reflete sobre as medidas de nacionalização ocorridas no estado do Paraná, com ênfase nas escolas ita-lianas.
Versando sobre a imigração de poloneses e ucranianos no no Paraná, Valquíria Elita Renk é a autora do nono capítulo, O processo de naciona-lização das escolas étnicas polonesas e ucranianas no Paraná. Valquíria objetiva analisar “como as escolas e as comunidades étnicas garantiram a manutenção da identidade étnica e quais foram as formas de resistência ante a nacionalização simbólica” (RENK, 2014, p. 292).
O décimo capítulo, intitulado História com muitos poréns: a nacio-nalização das escolas criadas por imigrantes alemães em São Paulo, de Maria Cristina dos Santos Bezerra, reflete acerca do impacto causado pelas políticas de nacionalização na organização das escolas germânicas do es-tado paulista.
Encerrando a obra, o décimo primeiro capítulo, produzido por Eli-ane Mimesse Prado, intitulado Vislumbre acerca da nacionalização do ensino: o enigma das escolas que italianizaram a cidade de São Paulo, investiga a constituição das escolas italianas paulistas, nas primeiras dé-cadas do século XX, e aponta as medidas criadas pelo governo para nacio-nalizar a infância.
Ao finalizar a leitura desta obra, depois de entrar em contato com as pesquisas desenvolvidas ao longo dos últimos anos por cada um dos auto-res acima, é inegável a importante contribuição do livro para a história da escolarização no Brasil, especialmente no que tange o período da naciona-lização do ensino. Um momento que marcou profundamente o cotidiano e as culturas escolares de muitas escolas brasileiras, especialmente aque-las localizadas nas zonas rurais dos estados, organizadas pelas comunida-des de imigrantes e seus descendentes.
Destaco a relevância da temática abordada para as investigações no campo da história da educação, sobretudo para a área da história das ins-tituições escolares, por oferecer um embasamento teórico consistente acerca dos motivos, dos reflexos e das transformações ocasionadas pela campanha de nacionalização do ensino, principalmente entre os anos de 1937 a 1945, quando se torna compulsória.
Cumpre ressaltar a riqueza do estudo para se pensar as dinâmicas de vida dos sujeitos escolares, sobretudo, de alunos e de professores, atraves-sadas pela imposição do uso do português, pela comemoração das festas e celebrações cívicas, pelo silenciamento de suas identidades e culturas, pelo culto aos heróis nacionais, entre outras práticas, repletas de traumas e in-seguranças para os imigrantes e descentes, uma vez que a gota amarga derramada por muitos, fez parte do processo escolar e da história de mui-tas famílias das Regiões colonizadas por estrangeiros.
Como apresento no início do texto, a obra organizada por Quadros é um convite à leitura para a compreensão da dimensão do projeto de naci-onalização do ensino no Brasil.
Cassiane Curtarelli Fernandes – Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (Brasil). E-mail: cassianecfernandes@gmail.com.
QUADROS, Claudemir de (org.). Uma gota amarga: itinerários da nacionalização do ensino no Brasil. Santa Maria: Editora UFSM, 2014. Uma gota Resenha de: FERNANDES, Cassiane Curtarelli. Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 257-261, janeiro/abril de 2017. Acessar publicação original.
Angola: História/ Nação e Literatura (1975- 1985) | Silvio de Almeida Carvalho Filho
Não é de hoje que a História se aproxima da literatura. Há dez anos, Sandra Jatahy Pesavento, anunciava a (re)aproximação entre Clio e Calíope, musas da História e da poesia épica, respectivamente, que se associavam, mas não se confundiam. Segundo Pesavento, História e literatura correspondem a « narrativas explicativas do real », renovadas no tempo e no espaço e dotadas de uma permanente ancestralidade, na qual as linguagens escrita, oral, imagética, musical, aparecem como forma de expressar o mundo « do visto e do não visto » (2006, p.2). De fato, a escrita literária nos permite adentrar o universo do imaginário e a partir dele o campo das representações, todavia, logo de início, Silvio Carvalho nos avisa: « aquele que escreve é um ser histórico e, como tal, dever ser analisada a sua escritura » (2016, p. 26).
E Silvio Carvalho definitivamente é um ser histórico. Sua obra, fruto de uma vida dedicada à pesquisa, vem coroar a trajetória de um historiador experiente, que se lança em busca do imaginário social sobre a nação angolana, construído a partir de uma nascente literatura nativa, assentada sobretudo nas relações políticas constituídas durante e imediatamente após a guerra de libertação colonial. Também se insere em um momento de desabrochar dos Estudos Africanos no Brasil e de profunda intersecção entre as duas áreas, em que pese o fato de autores africanos serem ainda pouco publicados pelas editoras brasileiras. Os estudos comparados em literatura de língua portuguesa, tem travado um profícuo e intenso debate com as diversas áreas das Ciências Humanas, e, as chamadas literaturas africanas, ampliaram sobremaneira a sua inserção no campo da História da África, como fontes primárias. Leia Mais
La nación imperial. Derechos, representación y ciudadanía en los imperios de Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos (1750-1918) | Joseph M. Fradera
La gestación de La nación imperial, obra singular y monumental que consta de 1376 páginas repartidas en dos volúmenes, es fruto de un proceso de maduración que viene a ampliar el campo de acción de varios estudios que el historiador catalán Josep María Fradera ha realizado sobre el colonialismo español decimonónico, entre los que destacan Gobernar colonias (1999) y Colonias para después de un imperio (2005). En su nuevo libro, el autor ha decidido salir del ámbito estrictamente peninsular al comprobar la similitud entre las leyes especiales ideadas por Napoleón para las posesiones ultramarinas francesas a finales del siglo XVIII y el nuevo rumbo de los imperialismos europeos y norteamericano a lo largo del siglo XIX. Las fórmulas de especialidad que Fradera localiza en los principales imperios contemporáneos se verificarían hasta las descolonizaciones iniciadas en 1947 y – algo que queda fuera de los límites cronológicos del libro sin ceñir sus intenciones intelectuales – tendrían repercusiones hasta la actualidad.
Para llevar a cabo su investigación, Fradera cuestiona las categorías de los estudios coloniales y nacionales. En un cambio de escala analítica, el historiador desvela modalidades de concesión y restricción de derechos comunes a distintos imperios, más allá del enfoque clásico y circunscrito del Estado-nación [1]. Con todo, Fradera insiste en el hecho de que su trabajo no se debe comprender como un estudio de historia comparada en la acepción usual de la disciplina, ya que su propósito, como afirma, está menos “pensado para oscurecer las diferencias” que para “razonar las similitudes de casos muy diversos” (p. 1295). En este sentido, siempre vela por matizar las categorías generales de los imperios con las especificidades propias de los espacios considerados. Esta articulación entre lo macro y lo micro le permite centrar su análisis en las experiencias respectivas de los actores de la época [2].
En palabras de Josep M. Fradera, el giro historiográfico global actual “es en algún sentido una venganza contra la estrechez que impusieron las historias nacionales, el férreo brazo intelectual de la nación-estado” [3]. No es baladí indicar que Fradera, joven militante antifranquista, dio sus primeros pasos en la Universidad Autónoma de Barcelona a inicios de los años setenta, en el contexto de la revisión historiográfica alentada por las descolonizaciones posteriores a la Segunda Guerra Mundial [4]. Impregnado por este cambio epistemológico y por las aportaciones más recientes de la historia global, el nuevo estudio de Fradera propone un marco interpretativo que contempla los imperios en sus interrelaciones y supera la anticuada dicotomía entre metrópolis y colonias. Siguiendo a especialistas como C. A. Bayly, Jane Burbank, Frederick Cooper y Jürgen Osterhammel, el historiador catalán quiere demostrar que los imperios desempeñaron un papel activo en la fabricación y la evolución de la ciudadanía y de los derechos, siempre con la idea de denunciar los nacionalismos contemporáneos, así como los atajos teleológicos y esencialistas que pudieron generar en el plano historiográfico.
Más allá de sus orientaciones metodológicas – e intelectuales -, La nación imperial constituye una aportación de primera importancia al ser, que sepamos, el primer estudio redactado en castellano que brinda un abanico espacio-temporal de semejante trascendencia. Al cotejar los grandes imperios de Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos entre 1750 y 1918 (con algunos apartados dedicados a Portugal y Brasil), el libro proporciona un análisis pormenorizado del proceso sinuoso que empieza con el advenimiento de la idea de libertad a raíz de las revoluciones atlánticas de finales del siglo XVIII y principios del XIX, hasta la consagración de la desigualdad a nivel mundial a lo largo de las centurias siguientes.
Uno de los designios centrales del libro es evidenciar el modo en que las tensiones que sacudieron los grandes imperios occidentales a raíz de la era revolucionaria desembocaron en la adopción de fórmulas de especialidad o de “constituciones duales”, esto es, constituciones que establecían marcos legislativos distintos para las metrópolis y las posesiones coloniales. Es más, Fradera considera la práctica de la especialidad “como la columna vertebral del desarrollo político de los imperios liberales” (p. XV). Según explica, el proceso revolucionario que arrancó con el carácter radical y universalista de la idea de libertad presente en la Declaración de Independencia de Estados Unidos de 1776 y en la Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano francesa de 1789 conoció una involución notable en el siglo siguiente. La reconstrucción de los imperios tras las revoluciones supuso una delimitación cada vez más marcada en términos de representación entre metropolitanos – es decir, ciudadanos masculinos de pleno derecho – y ultramarinos, cuyos horizontes igualitarios se fueron desvaneciendo a medida que avanzó el ochocientos.
Fradera sostiene que el arduo equilibrio entre integración y diferenciación descansó sobre interrelaciones constantes entre metropolitanos y coloniales. Al comparar múltiples arenas imperiales, el autor muestra también que los paralelismos de ciertas políticas de especialidad respondieron a un fenómeno de emulación en las prácticas de gobierno colonial entre distintas potencias. Por otra parte, una perspectiva de longue durée le permite comprobar que los regímenes de excepción sobrevivieron al ocaso del mundo esclavista atlántico y se reinventaron con los códigos coloniales de la segunda mitad del siglo XIX para extenderse a territorios de África, Asia y Oceanía. El título del libro, al asociar dos conceptos que no se solían pensar como un todo, sugiere, en última instancia, que las transformaciones de los imperios fueron determinantes en la forja de las naciones modernas.
El libro está estructurado en cuatro partes organizadas cronológicamente. La parte liminar resalta el carácter recíproco de la construcción de la idea de libertad entre los mundos metropolitanos y ultramarinos en los imperios monárquicos francés, británico y español durante los siglos XVII y XVIII. Los derechos y la capacidad de representación no se idearon primero en los centros europeos para ser exportados luego a las periferias, sino que se fraguaron de forma simultánea. Este enfoque policéntrico servirá de base analítica para explicitar la estrecha relación entre colonialismo y liberalismo que se impondrá tras la crisis de los imperios monárquicos en el Atlántico.
“Promesas imposibles de cumplir (1780-1830)” es el título de la segunda parte del libro. Se centra en la quiebra de los imperios monárquicos y muestra cómo la adopción de nuevas pautas constitucionales para las colonias y el advenimiento de situaciones de especialidad en el marco republicano contrastaron con los valores radicales sustentados por las revoluciones liberales de la época.
La independencia de las Trece Colonias, pese a la igualdad de principio que conllevaba, no supuso una ruptura con los patrones socioculturales instaurados por los británicos en el continente americano. La joven república norteamericana circunscribió la ciudadanía a sus habitantes blancos y libres (valga la redundancia) y estableció una divisoria basada en el origen sociorracial y el género. Indios, esclavos, trabajadores contratados y mujeres no tenían cabida en la “República de propietarios”, aunque permanecían en el “Imperio de la Libertad”.
Para Gran Bretaña, la separación de las Trece Colonias marcó un cambio de era e implicó una serie de transformaciones que llevaron la potencia a extenderse más allá del mundo atlántico – donde le quedaban, sin embargo, posesiones importantes – para iniciar su swing to the East, esto es, el desplazamiento de su dominio colonial hacia el continente asiático y el Pacífico. La administración de situaciones diversas del Segundo Imperio, que ya no se resumía a la ecuación binaria del hiato entre connacionales y esclavos, implicó tomar medidas políticas para gobernar a poblaciones heterogéneas que vivían en territorios lejanos. Entre los ejes principales del gobierno imperial, cabe destacar el papel central otorgado a la figura del gobernador y la no representación de los coloniales en el parlamento de Westminster, si bien se toleraban formas de representación a nivel local.
En Francia, las enormes esperanzas igualitarias suscitadas en 1789 fueron canalizadas dos años después con la adopción de una Constitución que sancionaba la marginalidad de los coloniales y establecía raseros distintos para medir la cualidad de ciudadano. Establecer un régimen de excepción en los enclaves del Caribe francés permitía posponer la cuestión ardiente de la esclavitud – abolida y restablecida de forma inaudita – y mantener a raya a los descendientes de africanos, ya fuesen esclavos o libres. Se postergaría igualmente la idea de una representación de los coloniales en la metrópolis.
La fórmula de “constitución dual” inventada en Francia encontraría ecos en España y Portugal. Los dos países ibéricos promulgaron sus “constituciones imperiales” respectivas en 1812 y 1822, en un contexto explosivo marcado por el republicanismo igualitario y el ejemplo de la revolución haitiana. Mientras que la Constitución española de 1812 limitaba los derechos de las llamadas “castas pardas”, los constitucionalistas portugueses hicieron caso omiso de los orígenes africanos, pero, en cambio, excluyeron a los indios de la ciudadanía. Pese a sus diferencias, los casos españoles y portugueses guardan similitudes que tienen que ver con el fracaso de sus políticas liberales de corte inclusivo en los años 1820, y con el retroceso significativo en términos legislativos que desembocarían en el recurso a regímenes de excepción a partir de la década siguiente.
La tercera parte de La nación imperial, intitulada “Imperativos de igualdad, prácticas de desigualdad (1840-1880)”, versa sobre la expansión de los imperios liberales en las décadas centrales del siglo XIX, época marcada por la estabilización de las fórmulas de especialidad y de los regímenes duales.
El imperio victoriano tuvo que encarar situaciones conflictivas muy diversas en sus posesiones ultramarinas heterogéneas. La resolución del Gran Motín indio de 1857-1858 constituyó una crisis imperial de primer orden que permitió a Gran Bretaña demostrar su capacidad de gobierno en el marco de una sociedad compleja y de un territorio enorme que no se podía considerar como una mera colonia. La India británica era, en palabras de Fradera, “un imperio en el imperio” (p. 504) que carecía de la facultad para autogobernarse y que, por lo tanto, tenía que ser administrada y representada de manera transitoria por la East India Company. El caso de las West Indies era distinto en la medida en que aquellas se podían definir como colonias. La revuelta sociorracial de habitantes del pueblo jamaicano de Morant Bay en 1865 y la sangrienta represión a que dio lugar tuvieron un impacto considerable en la opinión pública británica, ocasionando nuevos cuestionamientos sobre los efectos reales de la abolición de la esclavitud y el rumbo de la política caribeña. Como consecuencia, el Colonial Office decidió suprimir la asamblea jamaicana y conferir a la isla el estatuto de Crown Colony, lo que constituía una regresión constitucional en toda regla. La conversión de la British North America en dominion de Canadá en 1867 se resolvió de manera más pacífica, aunque la población francófona y católica sufrió un proceso de aminoración frente a los anglófonos protestantes, mientras que los pueblos indios de los Grandes Lagos perdieron sus tierras ancestrales.
Los sucesos revolucionarios de 1848 en Francia volvieron a abrir pleitos que el golpe napoleónico de 1804 había postergado. Se decretó finalmente la abolición definitiva de la esclavitud, sin resolver satisfactoriamente la situación subordinada de los antiguos esclavos. La Segunda República también heredó un mundo colonial complejo. Fue a raíz de la toma de Argel en 1830 cuando la política colonial francesa comenzó a diferenciar las “viejas” de las “nuevas” colonias. Mientras que en las primeras las personas libres gozaban de derechos políticos y de representación relativos, las segundas – a imagen de Argelia, que estaría regida por ordenanzas reales – se apartaban del espectro legislativo. En el marco de este replanteamiento imperial, se procedió a una redefinición múltiple de la ciudadanía, que se medía, entre otras cosas, según la procedencia geográfica de cada uno: metropolitanos, habitantes de las “viejas” colonias y, al pie de la escala simbólica de los derechos, habitantes de las “nuevas” colonias.
En Estados Unidos, los términos de la ecuación se presentaban de forma algo distinta. En efecto, a diferencia de los imperios europeos, las fórmulas de especialidad se manifestaron en el interior de un espacio que se entiende comúnmente como “nacional”. Con todo, dinámicas internas fraccionaron profundamente el espacio y la sociedad de este “imperio sin imperialismo” (p. 659). La expansión de los Estados esclavistas en el seno del “imperio de la libertad” constituyó una paradoja que solo se resolvería – aunque no totalmente – con la guerra de Secesión. De hecho, la “institución peculiar”, como se la llamaba, ponía al descubierto la diversidad social, étnica y cultural de una población norteamericana escindida en grupos con o sin derechos variables. La expansión de la frontera esclavista no solo concernía a los esclavos, sino que afectaba a poblaciones indias desposeídas de sus tierras y recolocadas en beneficio de oleadas sucesivas de colonos norteamericanos procedentes del Este y de europeos.
El carácter del Segundo Imperio español se aclaró con la proclamación de una nueva Constitución en 1837, que precisaba en uno de sus artículos adicionales que “las provincias de ultramar serán gobernadas por leyes especiales”. A pesar de que dichas leyes nunca fueron plasmadas por escrito, quedan explícitas en la práctica del gobierno colonial. A años luz de las promesas igualitarias de las primeras Cortes de Cádiz, las nuevas orientaciones políticas para Cuba, Puerto Rico y Filipinas pueden resumirse en una serie de coordenadas fundamentales: la autoridad reforzada del capitán general, el silenciamiento de la sociedad civil, la expulsión de los diputados americanos y la política del “equilibrio de razas” (es decir, la manipulación de las divisiones sociorraciales y la defensa de los intereses esclavistas).
La cuarta y última parte del libro, que lleva por título “La desigualdad consagrada (1880-1918)”, coincide con la época conocida como el high imperialism. Sus páginas prestan especial atención al desarrollo y consolidación de enfoques de corte racialista. El hecho de que las ciencias sociales se hicieran eco de las clasificaciones raciales propias del desarrollo de los imperios a partir de la segunda mitad del ochocientos demostraba que el Derecho Natural del siglo anterior ya no estaba al orden del día.
El mayor imperio liberal de la época, Gran Bretaña, refleja muy bien la exacerbación de la divisoria racialista con respecto al Segundo Imperio. Los discursos que defendían la idea de razas jerarquizadas se nutrieron de los debates en torno a la representación de los coloniales e impregnaron los debates relativos al imperio. Tal fue el caso, por ejemplo, de Australia, donde se excluyó de los derechos a una población tasmana diezmada por la violencia directa e indirecta del proceso de colonización. Sin embargo, conviene no olvidar que los discursos racialistas actuaron como coartada de la demarcación entre sujetos y ciudadanos.
Argelia fue una pieza esencial del ajedrez político de la Tercera República, en particular, porque se convirtió en laboratorio para las legislaciones especiales del Imperio francés. El Régime de l’indigénat representó la quintaesencia del ordenamiento colonial galo. Este régimen de excepción dirigido inicialmente contra la población musulmana de Argelia fue el broche de oro jurídico de las fórmulas de especialidad republicana hasta tal punto que fue exportado al África francesa y a la mayoría de las posesiones del sudeste asiático y del Pacífico. Esta política de marginalización y de represión propia de la lógica imperial se tiñó de acusados acentos etnocentristas para justificar la “misión civilizadora” de Francia.
La Revolución Gloriosa de 1868 llevó el Gobierno español a mover ficha en sus tres colonias. Si la Constitución del año siguiente anunciaba reformas políticas para Cuba y Puerto Rico, las islas Filipinas quedaban sometidas a la continuidad de las famosas – e inéditas – “leyes especiales”. El ocaso del sistema esclavista explicaba en buena medida el cambio de rumbo colonialista en los dos enclaves antillanos, así como sus dinámicas propias. El archipiélago filipino pasó por un proceso de transformación económica, acompañado de reformas locales de alcance limitado y por una racialización política cada vez más intensa. Los fracasos ultramarinos de la España finisecular tendrían repercusiones en el espacio peninsular con la exacerbación de no pocos afanes de autogobierno a nivel regional.
Estados Unidos conoció serias alteraciones en su espacio interno tras la Guerra Civil. La reserva india, que emergió en el último tercio del siglo XIX, era un zona de aislamiento cuyos miembros no gozaban de derechos cívicos y a los se pretendía incluir en la comunidad de ciudadanos mediante políticas de asimilación. En este sentido, las reservas eran espacios de la especialidad republicana. La victoria de los unionistas distó mucho de significar la superación del problema esclavista y, sobre todo, de sus secuelas. El hecho de que el voto afroamericano se convirtiera en realidad en el mundo posterior a 1865 – conquista cuya trascendencia conviene no subestimar – no impidió que las elites políticas blancas siguieran llevando las riendas del poder, tanto en el Norte como en el Sur. En los antiguos Estados de la Confederación, ya no se trataba de mantener la esclavitud, sino de preservar la supremacía blanca. La segregación racial, que se puede asemejar a una práctica de colonialismo interno, contribuyó a instaurar situaciones de especialidad en las que los afroamericanos serían considerados como súbditos inferiores. En el ámbito externo, el fin de siglo sentó algunas de las bases futuras de este “imperio tardío” (p. 1276). Estados Unidos expandiría sus fronteras imperiales al ejercer su dominio sobre las antiguas colonias españolas y al formalizar el colonialismo que practicaba de hecho en Hawái y Panamá.
Resulta difícil restituir de forma tan sintética los mil y un matices delineados con una precisión a veces quirúrgica en los dos gruesos volúmenes que componen La nación imperial. La elegancia del estilo, la erudición del propósito y los objetivos colosales del libro – que se apoya en una extensa bibliografía plurilingüe – acarrean no pocas repeticiones. Pese a una edición cuidada, se echa en falta la presencia de un índice temático (además del onomástico) y de una bibliografía al final de la obra. Estos escollos, que incomodarán sin duda al lector en busca de informaciones y análisis sobre temas específicos, no cuestionan de modo alguno el hecho de que La nación imperial sea un trabajo muy importante y sin parangón.
Creemos que Josep María Fradera ha alcanzado su objetivo principal al mostrar, como indica en sus “reflexiones finales”, que “la crisis de las ‘monarquías compuestas’ (…) no condujo al Estado-nación sin más, sino a formas de Estado imperial que eran la suma de la comunidad nacional y las reglas de especialidad para aquellos que habitaban en los espacios coloniales” (p. 1291). Otra de las grandes lecciones del libro es que el etnocentrismo europeo no basta para explicitar el modo en que se articularon definiciones y jerarquizaciones cada vez más perceptibles de las poblaciones variopintas de imperios cuyas fronteras políticas, sociales y culturales fueron mucho más borrosas de lo que se suele pensar. El racismo biológico a secas nunca estuvo en el centro de las políticas imperiales, aunque pudo manifestarse puntualmente para justificar algunas de sus orientaciones. Lejos de responder a esquemas estrictamente dicotómicos, las lógicas imperiales, además de relaciones de poder evidentes, estuvieron condicionadas por una tensión permanente en cuyo marco la capacidad de representación – por limitada y asimétrica que fuese -, la sociedad civil y la opinión pública fueron decisivas. En última instancia, el largo recorrido por las historias imperiales invita a adoptar una mirada más crítica acerca de problemáticas tan actuales como el lugar ocupado por ciudadanos de segunda categoría en el interior de antiguos mundos coloniales que no han resuelto las cuestiones planteadas por el despertar de los nacionalismos, la inmigración de nuevo cuño y la construcción de apátridas modernos.
Notas
1. Al respecto, véase Jane Burbank y Frederick Cooper, “Empire, droits et citoyenneté, de 212 à 1946”, Annales. Histoire, Sciences Sociales, 3/2008, pp. 495-531.
2. Sobre el valor heurístico del vaivén entre varias escalas de análisis puede consultarse el estudio de Romain Bertrand, “Historia global, historias conectadas: ¿un giro historiográfico?”, Prohistoria, 24/2015, pp. 3-20.
3. Josep M. Fradera, “Historia global: razones de un viaje sin retorno”, El Mundo, 04/6/2014 [http://www.elmundo.es/la-aventura-de-la-historia/2014/06/04/538ed57f268e3eb85a8b456e.html].
4. Jordi Amat, “Josep María Fradera y los estados imperiales”, La Vanguardia, 23/5/2015.
Karim Ghorbal – Institut Supérieur des Sciences Humaines de Tunis, Universitéde Tunis El Manar (Tunísia). E-mail: karim.ghorbal@issht.utm.tn
FRADERA, Joseph M. La nación imperial. Derechos, representación y ciudadanía en los imperios de Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos (1750-1918). Barcelona: Edhasa, 2015. 2 vols. Resenha de: GHORBAL, Karim. Los imperios de la especialidad o los márgenes de la libertad y de la igualdad. Almanack, Guarulhos, n.14, p. 287-295, set./dez., 2016.
Una Nación para la Iglesia argentina. Construcción d el Estado y jurisdicciones eclesiásticas en el siglo XIX | Ignacio Martínez
El sugestivo título del libro de Ignacio Martínez hace que el lector especializado realice una primera comparación con la conocida obra del historiador argentino Tulio Halperín Donghi, Una Nación para el desierto argentino, y trate de adelantarse e inferir un conjunto de reflexiones. Una de ellas refiere al “delicado contrapunto” entre dos temas dominantes, la construcción de una nueva nación y la construcción de un Estado. Halperín analizó el proceso de transformación de una Argentina sin centro a un Estado nación consolidado y Martínez estudia ese mismo proceso en forma paralela a la conformación de la Iglesia católica, planteo que ha tomado fuerza en los estudios sobre religión de los últimos años. El autor incorpora la variable eclesiástica como parte de la construcción de los poderes políticos en el Río de la Plata desde una escala de análisis provincial y estudia de las relaciones jurisdiccionales a nivel supraprovincial. Como explicita Martínez, la “Nación” a la que refiere el título del libro, es un espacio jurisdiccional con una autoridad capaz de dirimir los conflictos entre las autoridades locales y de fijar reglas generales para evitarlos. Desde esta perspectiva la “iglesia argentina” de la primera mitad decimonónica constituía un conjunto de diócesis que los distintos gobierno postrevolucionarios intentaron controlar.
Doctor en Historia por la Universidad de Buenos Aires e investigador asistente del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) -principal organismo dedicado a la promoción de la ciencia y la tecnología en la Argentina-, Martínez ha orientado sus investigaciones sobre el pensamiento ultramontano en el siglo XIX y su relación con la construcción del régimen republicano en Argentina. La obra que reseño es el resultado de la tesis doctoral del autor y se encuentra dentro de los trabajos que confieren nuevos aires a los estudios sobre religión en la Argentina. Más de quinientas páginas en las que se despliega un aparato erudito impecable, acompañado de una escritura clara y ordenada de un proceso por cierto enredado y espinoso. La investigación giró en torno a tres grandes líneas de reflexión. La primera tiene que ver con la importancia de dotar a la Iglesia de historicidad, esto es, poder descomponerla analíticamente en diversas dimensiones (económica, política, cultural, ideológica, etc.), y comprender que cada uno de esos planos comparte ciertos rasgos con la sociedad de la que forma parte. La segunda línea de reflexión refiere a los estudios tributarios en gran parte de la sociología de la religión -José Casanova, David Martin, Luca Diotallevi, entre otros – que proponen repensar la secularización como un proceso de recomposición de lo religioso en la sociedad. Una secularización que también implica pensar en diferentes dimensiones y que Martínez privilegia la institucional y política. En esta línea el autor retoma el concepto de laicización para explicar el proceso en el que las instituciones fundamentales de gobierno y de reproducción social se desprenden de manera gradual de los elementos religiosos. En el Río de la Plata del siglo XIX la religión no desapareció de la vida política frente al avance del poder civil sino que se recompuso. La Iglesia católica dejó de constituir el argumento último de legitimación de las instituciones políticas sin dejar de ser considerada necesaria para consolidar una moral cívica. Lejos de estar frente a una paradoja o contradicción, esa fue una de las características de la secularización en el territorio argentino. A su vez, Martínez utiliza una noción ideal-típica construida por el sociólogo francés Jean Baubérot, “umbrales de laicización”. Dicha conceptualización hace referencia al establecimiento de límites, pisos de secularización, materias que se ponen en discusión, se avanza sobre ellas sin posibilidad de retroceso. A partir de los umbrales “es posible evaluar las posiciones en disputa en un pie de igualdad, sin ubicar a una de ellas como triunfadora de antemano” (p.27).
La tercera línea de reflexión se relaciona con los nuevos estudios sobre surgimiento del Estado moderno. De manera específica aquellos de índole jurídica que han cuestionado la imagen de un centro monopolizador consumado en el monarca absoluto. Y en su lugar plantearon una pluralidad de jurisdicciones geográfica y socialmente superpuestas, cuyos pilares funcionaban según reglas y valores diversos. De manera específica para el Río de la Plata, Martínez retomó los trabajos de José Carlos Chiaramonte en los que este historiador refutó dos visiones enfrentadas que daban por sentado la influencia unívoca del iluminismo francés o de la tradición pactista española en los revolucionarios rioplatenses. En lugar de analizar el proceso revolucionario como una sucesión de modelos de pensamiento, Chiaramonte planteó la coexistencia de distintas tradiciones y formas de identidad política. A su vez, un conjunto de historiadoras como Marcela Ternavasio y Noemí Goldman profundizaron los análisis sobre formas de identidad, discursos y prácticas formales e informales de la política. A partir de sus investigaciones sabemos que existió una coexistencia de elementos pertenecientes a la tradición española junto con nuevas concepciones sobre el origen de la soberanía y las formas de ejercerla. Precisamente Martínez destaca que dichos trabajos señalaron la importancia de la escala provincial en el estudio del proceso de transformación de un sistema político de antiguo régimen a una república federal.
Ubicua, inasible, embrionaria, nebulosa, difícil de identificar como un actor concreto, Martínez caracteriza con esos términos a la Iglesia “argentina” de comienzos del XIX. El estudio de los conflictos provocados por los ajustes que sufrieron las jurisdicciones civiles y eclesiásticas en el Río de la Plata, entre 1810 y 1865, permite materializar y observar las diferentes aristas que tuvo la relación Iglesia-Estado. Una relación construida a las sombras de la transición entre dos formas políticas diferentes y con distintas fuentes de legitimidad. Desde esta perspectiva, Martínez encuentra un eje de análisis crucial, en sus palabras “la piedra de discordia”, que guía toda su obra: el derecho de Patronato. Entendido este último no como la puja entre Iglesia y Estado, sino como una manifestación de aquella transición. El Patronato constituyó un atributo de la soberanía antes y después de 1810, pero el problema estuvo en el significado de la nueva soberanía. Luego de la súbita desaparición de los procedimientos coloniales para el nombramiento de obispos (Patronato indiano), sobrevino un período en el que la incomunicación con Roma impidió asegurar criterios de selección confiables. Sumado a ello, el territorio argentino se encontraba en un momento caracterizado por la desarticulación política e institucional. Los Estados provinciales emergieron como las unidades político-administrativas más estables, y reivindicaron el ejercicio del patronato. Martínez desarrolla su explicación a partir de un conjunto de hipótesis sumamente sugestivas: la decisión por parte de los gobiernos posrevolucionarios de conservar el derecho de patronato condicionó el éxito de los ensayos estatales del período. A su vez, la necesidad de conservar el derecho de patronato por parte de las provincias limitó su independencia y facilitó la injerencia de poderes supraprovinciales. De esta manera, el patronato nacional debió consolidarse frente a dichos poderes provinciales y frente a la Santa Sede que se encontraba en pleno proceso de “romanización”.
El libro está estructurado en tres partes de tres capítulos cada una que responden a la periodización elegida, 1810-1820, 1820-1852 y 1852-1865. En cada una de estas tres etapas Martínez estudia por un lado, la normativa implementada y los conflictos que ello acarreó y por el otro, los argumentos y manifestaciones que emergieron para defender o refutar cada una de dichas normas. El autor explica la gestación de la relación Iglesia-Estado a partir de la coexistencia de engranajes antiguos y nuevos. En este sentido, la persistencia de la figura del patronato y sus modificaciones dan cuenta de los rasgos que adquirió el proceso de laicización y de las dimensiones territoriales necesarias la construcción de poderes políticos viables.
La primera etapa estuvo signada por el eco de la tradición borbónica, que asignaba al Estado un papel decisivo en la definición de los objetivos de cambio económico-social y un control preciso de los procesos orientados a lograr dichos objetivos. El autor plantea una continuidad inconsciente de una tradición administrativa e ideológica. A comienzos del siglo XIX todas las instituciones estaban atravesadas por la religión, por su sensibilidad, y sus normas. Martínez, desde la perspectiva de los estudios que refutan la idea de una iglesia colonial monolítica, da sentido a una entidad religiosa en un momento en que perdió el lugar legítimo que tenía durante el antiguo régimen. El origen revolucionario y secular del nuevo poder soberano entró en conflicto con los fundamentos del patronato que suponían la autoridad política católica.
La caída del Directorio en 1820 abrió la segunda etapa en la que emergieron tres poderes nuevos con pretensiones sobre las iglesias rioplatenses. Por un lado, los gobiernos provinciales y por el otro, dos poderes supraprovinciales (Roma y Juan Manuel de Rosas). Los tres convivieron, pero cada uno con sus propios intereses, escalas jurisdiccionales y diferentes fuentes de legitimidad. Los gobiernos provinciales fueron la única autoridad patronal luego de 1820, y cada uno se hizo cargo de sus propias estructuras eclesiásticas -hecho que en muchos casos implicó reformas. A su vez, Roma entró en escena con el objetivo de tomar contacto con las iglesias sudamericanas para aumentar su injerencia en los nombramientos de autoridades diocesanas. El análisis que el autor realiza de la conflictiva creación de obispados como el de Cuyo por ejemplo, muestra la multitud de actores que intervinieron, el tiempo que implicó, y cómo el propio nombramiento de los titulares diocesanos reflejó novedades que alteraron las formas de patronato. La designación de obispos por parte del papa sin la participación de los gobiernos provinciales y la creación de una nueva jurisdicción como el Vicariato Apostólico generaron varias rispideces. Por su parte, el gobernador de la Provincia de Buenos Aires y encargado de las Relaciones Exteriores del resto de las provincias, Juan Manuel de Rosas, se adjudicó potestades de gobierno sobre las iglesias y ofició de mediador entre la Santa Sede y las iglesias locales. En palabras de Martínez, Rosas cumplió la función de “Protopatrono Confederal”.
La tercera etapa estuvo signada por la cristalización del vínculo Iglesia-Estado en la Constitución nacional de 1853. Martínez analizó en profundidad las discusiones y los alcances de los artículos relacionados directamente con la religión, a saber el sostén económico, la libertad de cultos y el ejercicio del patronato nacional. En primer lugar, la declaración sobre el sostén del culto involucró mucho más que un vínculo económico. Aunque hubo posiciones enfrentadas, tanto en 1853 como en 1860 cuando Buenos Aires revisó el texto constitucional, las argumentaciones más extremas se mantuvieron dentro de los cánones discursivos. Es decir, aquellos actores que se negaban a cristalizar en la Carta Magna la separación entre Iglesia y Estado, no avanzaron contra la libertad de cultos. Por su parte, quienes bregaban por despojar a las instituciones políticas de todo elemento religioso, tampoco llegaron a suspender la asistencia económica al culto católico. En segundo lugar, la continuidad del derecho de patronato muestra que su ejercicio adquirió importancia como instrumento de gobierno. Más aún cuando la Iglesia católica mantenía funciones de gobierno primordiales, como el registro de nacimientos, la sucesión de sus patrimonios y el destino de sus cuerpos. Martínez culmina su investigación en 1865, momento en que Buenos Aires fue elevada a la categoría de Arquidiócesis, hecho que le significó la independencia de Charcas pero reforzó el ejercicio del patronato nacional. De todas maneras, el lugar de la religión en el espacio político todavía estaba por definirse aunque las reglas del juego ya estaban trazadas.
Una obra sin lugar a dudas de consulta obligada para aquellos investigadores decimonónicos. Un valioso aporte a partir del cual toma cuerpo el “incómodo maridaje entre soberanía republicana y potestad religiosa” (p.278). El libro deja varios caminos e interrogantes sugestivos. Por ejemplo, ¿cuáles fueron las implicancias del Patronato en relación con las actividades misioneras que emergieron con fuerza a partir de la década de 1850? Si las misiones tuvieron su razón de ser con el Patronato indiano, entonces ¿qué funciones cumplieron en un contexto republicano? ¿Cómo repercutió en términos de soberanía el hecho de que dichas misiones las llevaran a cabo miembros del clero regular que, además de ser la mayoría inmigrante (italianos y franceses), respondían a autoridades externas? Incluso cuando la principal fuente de legitimidad de las misiones provino de la propia Constitución Nacional de 1853, ¿cómo fue el proceso de reacomodamiento a partir de dicho “mandato constitucional” en la ecuación conformada por el sostén del culto católico, la libertad de culto y el ejercicio del Patronato nacional? A su vez, ¿cuáles fueron los alcances de la “romanización”? Es decir, ¿en qué medida la pretendida centralización de la Santa Sede, a partir de Propaganda Fide, influyó en el desarrollo de las actividades misioneras del territorio argentino y en las relaciones con las autoridades civiles? Sin dudas, un conjunto de interrogantes que aportan significativamente a los debates sobre la construcción del Estado republicano y federal.
Rocío Guadalupe Sánchez – Instituto de Estudios Socio Históricos Facultad de Ciencias Humanas – Universidad Nacional de La Pampa, Argentina. E-mail: rocioguadalupesanchez@gmail.com
MARTÍNEZ, Ignacio. Una Nación para la Iglesia argentina. Construcción del Estado y jurisdicciones eclesiásticas en el siglo XIX. Buenos Aires: Academia Nacional de la Historia, 2013. Resenha de: SÁNCHEZ, Rocío Guadalupe. Iglesia, soberanía nacional y patronato en la construcción del Estado argentino del siglo XIX. Almanack, Guarulhos, n.12, p. 227-230, jan./abr., 2016.
La Nación en capilla. Ciudadanía católica y cuestión religiosa en España | Gregorio Alonso
La Nación en capilla es un libro ambicioso. En él se aborda una cuestión extremadamente compleja y debatida de la historia de España: la formación de la nación y el lugar de la religión católica en este proceso. Gregorio Alonso lo hace en sus propios términos y reconstruye la conformación de la ciudadanía católica -de larga vida y tardías resurrecciones- desde los últimos años del siglo XVIII hasta el inicio del último cuarto del siglo XIX. Este concepto particular de ciudadanía se define en sus primeras páginas en una doble dimensión: estatuto legal plasmado en la legislación y proyecto político. La forma de definirlo anticipa el tratamiento con el que Gregorio Alonso lleva a cabo la enorme tarea de contarnos este siglo de historia desde un punto de observación particular que contiene las relaciones entre Estado e Iglesia pero que, al mismo tiempo, las desborda ampliamente. Emplazado en estas intersecciones y de la mano de este concepto de la ciudadanía católica -que conforma a la vez una fórmula identitaria que excluye a todos los que no pertenecen a la comunidad de creyentes- se da una explicación convincente y multifacética de la formación la nación española: una nación en capilla.
Esta reseña, en consecuencia, más que dar cuenta de todas sus contribuciones, las polémicas y debates en los que interviene y que, a su vez produce, hará foco en determinadas cuestiones vinculadas a una manera de analizar la historia política de España en poco menos de cien años desde una preocupación específica -la de la cuestión religiosa en su relación a los poderes gubernamentales y fácticos- y desde determinados sujetos -colectivos y en tensión- que atraviesan corporaciones, gobiernos o grupos de pertenencia.
La introducción del libro proporciona otras definiciones accesorias, complementarias e indispensables para analizar el período, como las de clericalismo y anticlericalismo. Estas nociones quedan asociadas en la investigación de Alonso, ya no solamente a posturas políticas acerca del lugar que debía ocupar el clero católico en relación con el Estado sino a las operaciones concretas de determinados grupos y facciones que intervienen en la lucha política española. La tensión existente entre estos dos movimientos -cuya forma de exhibición se expresó históricamente con intensidad y violencia diversa- definirá, según Alonso, la polarización y la inestabilidad de la política española. De modo que si la lucha política en el período analizado se hizo visible en buena medida a partir de este antagonismo -clericales vs. anticlericales-, el trabajo de Alonso muestra cómo esta disputa no fue siempre igual a sí misma y experimentó transformaciones debido a los cambios y tensiones al interior de cada una tradiciones que se enfrentaban. El resultado de este enfoque ofrece un repertorio de los modos específicos, dinámicos e históricos que asumió esta confrontación.
Los temas y problemas que este libro trata reconocen en su autor trabajos previos, con un tratamiento desigualmente intenso según los períodos y las escalas espaciales consideradas. En esta oportunidad el libro lleva a cabo una mirada secular del problema del cambio político y el tránsito a la modernidad uniendo un conjunto de temas y períodos, a los cuales no es habitual encontrarlos en la misma mesa de trabajo, ligados a partir de un conjunto de interrogantes que los integran.
La nación en capilla se organiza en la presentación de sus contenidos y en el desarrollo de sus principales argumentos de una manera, si se quiere, clásica. Apela a la cronología construida a partir de experiencias políticas de signo diverso y objetivables a partir de los distintos gobiernos. Los ocho capítulos reúnen, en la mayoría de los casos, ciclos políticos donde quienes detentaban el poder y sus antagonistas se enfrentaron con intensidades y recursos diversos. El libro – articulado en torno a los ejes de la conflictividad política epocales: revolución/reacción; conservadores/liberales, clericalismo/anticlericalismo- modula el análisis del alcance de determinados intentos reformistas junto a los estallidos de violencia tumultuaria. La reconstrucción, casi año tras año, de las confrontaciones político-religiosas abre un mundo de relaciones que redefine las etiquetas y los contornos de grupos sociales y/o corporativos en sus comportamientos políticos y en sus formas de acción.
Los primeros tres capítulos tratan sobre los comienzos del establecimiento de esta ciudadanía católica antitolerante y la emergencia de actitudes y escritos anticlericales en clave violenta. Se analizan las diferentes posiciones acerca del lugar de la Iglesia en la configuración de los nuevos regímenes y los inicios de la secularización de sus agentes y recursos. El capítulo 1, Cruzadas, revolución y reacción (1793-1820) , considera la fase inicial de este proceso que no es unitario y esboza buena parte de los conflictos que se desplegaron a lo largo de casi un siglo con diferentes actores y dinámicas. Los años de las guerras de convención, la guerra de independencia, el constitucionalismo gaditano y la restauración fernandina concentran algunos de los debates y luchas que intentaron saldarse hasta finales del siglo XIX y, desde luego, también después. Poco más de dos décadas le permiten al autor reflexionar sobre las dimensiones religiosas de la crisis del Antiguo Régimen y de los inicios del liberalismo. En este período, la religión está presente -aunque no siempre lo está del mismo modo- tanto en la legitimación de las guerras contra Francia -la catolicidad del reino como elemento fundante de la comunidad amenazada- como en Cádiz de 1812, cuando se dotaba al Estado español de un régimen de estricta confesionalidad en la que la intransigencia era elevada al rango constitucional. Las “cruzadas” de 1793 y de 1808 se presentan, asimismo, en sus contrastes de cuyo análisis se explica la necesidad de las Cortes gaditanas de consagrar al catolicismo como el “alma patria”, en aquel contexto asumiendo un formato constitucional. Según Gregorio Alonso esta operación fue posible porque “la cruzada católica” fue mucho menos monolítica y católica de lo que se supone y porque el “invasor francés” contó con el apoyo de buena parte de la jerarquía eclesial. Es decir, en 1812 existía una prehistoria de las divisiones eclesiales y nacionales y una parte de la Iglesia ya acumulaba experiencias de integración con los elencos protoliberales y de participación en los debates sobre el papel que debía jugar la fe en las sociedades modernas. De modo que la transferencia de la sacralidad desde el trono y el monarca, a la nación y a la constitución, expresaban sincretismos político-religiosos que ya venían teniendo lugar. El papel de la religión no se detenía en el terreno de las legitimaciones y la instrumentación del proyecto gaditano contó con el personal y las instituciones eclesiásticas desde el comienzo, como por ejemplo en los procesos electorales. La progresiva desafección de una parte del clero frente a las tareas -y recursos- que la experiencia gaditana exigía, se hizo patente con la restauración fernandina cuando se reeditaron antiguas posiciones privilegiadas y se produjeron no pocos ajustes de cuentas y purgas al interior del clero.
El capítulo 2, 1820-1834: Constitución, reacción y exilio , reconstruye las medidas de reforma eclesiástica durante el trienio constitucional, cuya profundización incrementó la predica anticlerical -literaria y periodística- y tuvo como respuesta la resistencia violenta por parte de los antiliberales. Allí se examina el modo en que se reestablecieron estas respuestas de los restauradores monárquicos absolutistas y su alianza con la Iglesia antirrevolucionaria. Una vez cerrada la fase del Trienio y suprimido el sistema constitucional, durante la década ominosa (1823-1833) se revisó el pasado político reciente en clave reaccionaria. El estudio de Alonso repasa la responsabilidad del partido apostólico en la difusión del mito antimasónico. La restauración eclesial en esta etapa recibió impugnaciones por parte del arco liberal y obligó a muchos de sus representantes a exiliarse, y una buena parte de ellos lo hizo en Londres. Fuera de España el pensamiento liberal se moderó, y lejos de abrazar las ideas republicanas, siguió sosteniendo la figura del monarca en el mejor estilo doceañista. El discurso político-religioso, por su parte, tomó el ejemplo de las nacientes repúblicas hispanoamericanas donde la influencia de la Iglesia se había circunscripto al terreno moral. La incorporación de estas experiencias transatlánticas produce un efecto sugestivo de explicación más amplia y disruptiva en la medida que los marcos de referencia exceden los de Europa occidental y mediterránea.
El capítulo 3 Tiempos de guerra, revolución y martirio (1834-1840) trata de un período donde recobra impulso la revolución liberal y donde la confesionalidad del estado sólo es reconocida como hecho pre-constituyente. En esta etapa se retomaron las políticas desamortizadoras a las que siguió una nueva guerra civil -con ramificaciones fuera de España: en Francia, Inglaterra y el Papado- en la que participó el naciente carlismo y donde tuvo lugar, entre 1834 y 1836, un tipo particular de anticlericalismo popular extremadamente violento. Durante El Trienio esparterista analizado en el capítulo 4 se construyen las nuevas fórmulas probadas para consolidar la responsabilidad del estado en la gestión y administración de la vida religiosa nacional, y para construir una de Iglesia nacional independiente económica e institucionalmente del Vaticano. El fracaso de este experimento político tuvo como consecuencia la consolidación del pensamiento ultramontano.
Entre 1843 y 1854, período tratado en el capítulo 5 –Las aguas al cauce conservador (1843-1854) – se analizan los instrumentos legales a partir de los cuales se refrendó la confesionalidad del Estado, el monopolio católico de educación y la vida espiritual de la ciudadanía. La Constitución de 1845, junto con el Código Penal de 1848 y el Concordato con la Santa Sede de 1851 formaron el corpus jurídico que marcaba el compromiso católico de la línea moderada.
Como han demostrado distintos trabajos, la corta experiencia del Bienio progresista incluyó las últimas ventas de tierras eclesiásticas y un cierto grado de tolerancia religiosa, la que era posible a partir de los estrechos márgenes que ofrecía el Concordato, la Constitución y el Código Penal que venían de ser consagrados. Pese a ello, la ruptura de la confesionalidad del Estado y la apertura de la discusión sobre el estatuto de las minorías religiosas en España desató fuertes reacciones del “neocatolicismo”. En este capítulo sexto se examina su agenda política que combinó legitimismo, antiparlamentarismo y clericalismo. Desde estas coordenadas surgió un movimiento católico con un nivel de organización que el anticlericalismo nunca alcanzaría, aunque, al mismo tiempo dividió a los católicos entre sí por la persistencia de la versión liberal. Éstos últimos, los católicos liberales, admitían la separación entre Estado e Iglesia, las reformas de la estructura eclesial y el diálogo con las nuevas realidades políticas y sociales. Se perfilaban de este modo dos fórmulas posibles de combinación de elementos del catolicismo y del pensamiento liberal. Estos temas son tratados en el capítulo 6 –Unidad católica y persecución de los protestantes (1854-1868) – junto con el ingreso -tímido, frío y vacilante- de los protestantes a la vida religiosa pública española. Las magras cosechas de la prédica protestante fueron explicadas en aquel momento, e incluso por una historiografía no tan antigua, a partir del indiferentismo religioso y la ignorancia y falta de instrucción generalizada entre las clases menesterosas. Pese a que el credo protestante no arraigaba en tierra española, se le opusieron resistencias a través de antiguos recursos como los catecismos populares y otro tipo de dispositivos plagados de identificaciones entre los protestantes y los socialistas, en los que se detiene Alonso para mostrar la persistencia de una de las asociaciones que aún continuaban organizando el pensamiento mayoritario: entre la unidad religiosa y la unidad nacional.
El pronunciamiento progresista de septiembre de 1868 y el sexenio democrático que el mismo inauguró intentaría una vez más revitalizar los compromisos entre la fe heredada y la razón moderna, la Iglesia y el estado en esta oportunidad con la imposición de la libertad de conciencia. El propósito era modernizar a España y europeizarla y para ello era necesario poner fin al monopolio educativo y cultural católico y marginar a los neocatólicos. En el capítulo 7 –Los adalides de la unidad católica ante el fin de la confesionalidad- se analiza el proceso laicizador y los intentos por ampliar la diversidad religiosa al que se opuso la derecha legitimista desde su prensa periódica, las agrupaciones de laicos y a partir de acciones violentas contra autoridades civiles. En esta etapa, en consonancia con la romanización de la Iglesia Católica y los contenidos del “Syllabus”, la cuestión social ocupó el centro de la discusión y el giro anti-moderno del Vaticano respaldó de modo más sólido al bando ultramontano en su lucha contra la izquierda tolerantista. En este punto, Gregorio Alonso muestra de manera cabal como, si bien los sectores clericales acudieron a los viejos tópicos ultramontantos, también incorporaron nuevos dispositivos como las Escuelas destinadas a la formación religiosa del proletariado, cuyas características se analizan de modo sumamente preciso en este capítulo.
El último capítulo –Revolución, democracia y tolerancia: el sexenio democrático (1868-1874)- incorpora las posiciones de otros sectores -los republicanos, los católicos liberales y los progresistas- en relación con el debate de la cuestión religiosa. Por último se le dedican algunas páginas a uno de los cambios más relevantes del sexenio consistente en la conformación de un mercado libre de creencias. Se trataba de un objetivo por parte de quienes lo propiciaban con el objeto de mostrar la creciente “civilización” de España. Alonso le dedica varias páginas a describir la llegada de misioneros y predicadores de distintos credos, su implantación en distintas ciudades y la formación de centros religiosos. Al mismo tiempo critica la lectura pesimista que se ha realizado sobre este cambio religioso por considerarla “excesivamente sociologizante”. Al tiempo que reconoce los limitados alcances de la formación de un mercado de creencias religiosas -e incluso su fracaso- ensaya explicaciones “históricas”. En ellas es posible encontrar los argumentos más clásicos acerca del fracaso del arraigo del protestantismo en España, como el analfabetismo de la mayor parte de la población (particularmente relevante dado su énfasis en la lectura de las Sagradas Escrituras), o la persistencia en la asociación con carácter “extranjero” del mismo. Pero el autor añade otras razones para entender la tibia recepción del credo protestante, como el mantenimiento del poder de la Iglesia católica en posiciones clave para la reproducción del sistema de creencias (los bautismos y los matrimonios seguían haciéndose en templos católicos por el poder inercial de la tradición), a lo que agrega la escasa duración de la alianza entre los misioneros protestantes y la izquierda (sus representantes, más que propagandizar otras religiones e incluso el pluralismo religioso, buscaban apuntalar un estado neutral en materia religiosa) y el papel de sus apóstoles quienes en su mayoría eran excatólicos españoles que luego volvieron a las filas del catolicismo. Esta experiencia, que se inició en 1869 en el terreno del pluralismo religioso, se cerró en 1876 tras la aprobación de otra Constitución que sólo reconocía la tolerancia privada de los cultos no católicos.
La consideración de la historia política del período privilegiando el punto de observación de la cuestión religiosa, tal como lo hace Gregorio Alonso en este libro, le ofrece muchas oportunidades para plantear distinto tipo de revisiones. Una de ellas, particularmente interesante, es la que cuestiona la memoria liberal sobre la década ominosa a través de algunas de sus obras -como La España bajo el poder de la Confederación apostólica – para destacar la introducción de determinadas novedades legales y administrativas que formaban parte de una política que no estaba despojada de ambigüedades. El anticlericalismo popular y los tumultos de Madrid y otras ciudades ,como Reus o Zaragoza, entre 1834 y 1836, recibe una reinterpretación a la luz de las contribuciones más recientes, la prensa periódica y fuentes inéditas resaltando quiénes fueron los destinatarios de la terror anticlerical -los frailes, más que el clero secular y las religiosas-; el contexto de la guerra civil y el tipo de convocatorias que hacían de un lado y otro a través de panfletos, además de resaltar el papel de las milicias. Alonso se detiene en distintos momentos de este largo período en cuestiones de gran valor documental, como los libros y folletos, entre muchas otras fuentes, que se publicaron a inicios de la década de 1840 y buscaban relatar la guerra entre carlistas y cristinos, o el examen del canon ideológico liberal en la década moderada 1843-1854 a través de los manuales de historia del Derecho eclesiástico
Otro de los aciertos del orden de las interpretaciones más generales es el análisis de las razones sobre la ausencia de un partido católico en España (no así de partidos “de católicos”). Sus argumentos articulan explicaciones que toman en cuenta diversos aspectos de la situación política de España a lo largo del siglo XIX: la ausencia de necesidad de presión política en el marco de un sistema confesional; la escasa cultura movilizadora del catolicismo patrio; y la identificación de los partidos de la derecha hispana con los intereses católicos. El último párrafo del libro se refiere a algunos signos de la permanencia de la matriz religiosa de la nación en la España de 2014. El estudio de las razones de esas continuidades en el último siglo y medio (es decir cuando se detiene el análisis de Gregorio Alonso) requeriría de un esfuerzo -o más de uno- de la calidad y solidez como el que se aprecia en la obra que comentamos en estas páginas.
María Elena Barral – Instituto Ravignani – Conicet, Buenos Aires – Buenos Aires, Argentina. E-mail: mebarral@yahoo.com
ALONSO, Gregorio. La Nación en capilla. Ciudadanía católica y cuestión religiosa en España. Granada: Comares Historia, 2014. Resenha de: BARRAL, María Elena. La construcción de la ciudadanía católica: intersecciones históricas e historiográficas para una explicación con resonancias en el presente. Almanack, Guarulhos, n.10, p. 493-497, maio/ago., 2015.
Historiografia e nação no Brasil: 1838-1857 / Manoel L. S. Guimarães
Luís César Castrillon Mendes – Universidade Federal de Mato Grosso.
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Historiografia e nação no Brasil: 1838-1857. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2011. 284p. Resenha de: MENDES, Luís César Castrillon. História histórias. Brasília, v.3, n.5, p.223-226, 2015. Acesso apenas pelo link original. [IF]
Marking samba: A new History of race and music in Brazil – HERTZMAN (NE-C)
HERTZMAN, Marc. A. Marking samba: A new History of race and music in Brazil Durhcham: University Press, 2015. Trad. Livre Dmitri Cerbonicine Fernandes. Resenha de: FERNANDEZ, Dmitri Cerbonicine. De “pelo telefone” a “internet”: tensões entre raça, direitos, gênero e nação. Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo, n.102, Jul, 2013.
Nos últimos quinze anos, os chamados brasilianistas norte-americanos e britânicos voltaram seus olhos a temas anteriormente circunscritos aos nativos – caso geral da música popular brasileira e, em específico, do samba e do choro1. Se, por um lado, nossas obras musicais populares desde há tempos são bastante apreciadas e (re) conhecidas, chamando a atenção de vasto público, o mesmo não se poderia dizer das reflexões acadêmicas tecidas sobre essas obras e seus criadores.Os trabalhos da nova geração de brasilianistas são,por isso mesmo,um alento em diversos sentidos.A mera existência de um interesse estrangeiro por objetos de pesquisa tradicionalmente relegados a segundo plano nas ciências humanas auxilia a modificação do panorama de certo desapreço pelo assunto, forçando a universidade e demais instituições a reverem suas posições.A lastimável ausência de tradução dessas pesquisas para o português e a falta de interlocução dos estudiosos brasileiros – muitas vezes encerrados apenas na discussão em língua pátria e,quando não,em sua própria área ou subárea-talvez estejam com os dias contados; prenúncio de uma possível maturação de um campo de estudos que, embora secundário se comparado com o dos “grandes temas” – políticos, históricos, sociais -, não se iniciou ontem2.
Conquanto os resultados das análises empreendidas por esse novo grupo de brasilianistas variem bastante em termos de metodologia empregada, escopo, materiais coletados e ineditismo, são evidentes o impacto e a qualidade, se não de todas, pelo menos de algumas delas, o que as equipara ao que de melhor já foi escrito por aqui sobre a música popular em seus diversos aspectos. Dentre os livros que se destacam, um deles, sem dúvida, é Making samba: a new history of race and music in Brazil, do professor da Universidade de Illinois, Estados Unidos, Marc A. Hertzman. Originalmente uma tese de doutorado em História da América Latina defendida na Universidade de Wisconsin-Madison, em 2008, o livro recebeu dois prestigiosos prêmios nos Estados Unidos3, o que o gabaritaria, por si só, à tradução imediata.
Logo de início, Marc Hertzman propõe um novo mergulho em águas passadas, quer dizer, ele se dispõe a revisitar pelo menos três eixos estruturantes de nossa música que já foram, em separado, alvos da bibliografia específica: 1) o lugar do negro e as possibilidades de ação, repressão e reconhecimento no nascente universo artístico4; 2) o aparecimento das instituições comerciais em meio ao fazer musical popular e as resistências e colaborações que essas instituições passaram a alimentar da parte de artistas, intelectuais, jornalistas, políticos, folcloristas etc.5; 3) os sentidos do entrelaçamento da ascendente forma musical popular brasileira no início do século XX com a ideia emergente de nação e a instauração da República6. No entanto, há em sua problematização um entrelaçamento entre esses três eixos, algo que nunca havia sido tentado antes. O resultado é um livro que traz inúmeros dados, situações, fotos e declarações que recebem nova luz interpretativa, fornecendo no conjunto um panorama inédito de questões que se pensavam solucionadas.Os que,mesmo assim,ainda imaginarem que se trata de mero exercício desnecessário e repetitivo de diletantismo rapidamente se convencerão do contrário por conta de outro motivo: a presença de um elemento que confere o tom central à obra e que, sozinho, já a justificaria de imediato. Falamos aqui da postura epistemológica adotada por Hertzman, que o diferencia do viés que predominou durante largo espaço de tempo na academia brasileira: o do ensaísmo.
Por um lado, é bem verdade, tal pendor ao ensaio conformou uma maneira toda especial, muito criativa e prolífica de interpretação em um ambiente científico inóspito e incipiente,momento em que financiamentos para a realização de surveys e a disposição de arquivos e materiais minimamente organizados eram escassos em nosso país. Em tal conjuntura, onde sobravam erudição e capacidade de síntese aos nossos intelectuais “heroicos”, a necessidade teve de se fazer virtude, e os clássicos pioneiros demarcaram o início de uma profunda autocompreensão que ensejou, por linhas tortuosas, trabalhos como os do próprio Marc Hertzman. Por outro lado, há até hoje resquícios desse modo de fazer que, desacompanhados das antigas virtudes, mais servem para escamotear resultados duvidosos, destilar arrogância, falta de empenho e de energia em vasculhar bibliotecas, museus e arquivos do que em iluminar o que quer que seja. Atêm-se ou a materiais recauchutados, apropriando-se de modo acrítico de “verdades” jornalísticas que rondam os mais diversos estudos sobre música no Brasil há tempos, ou a letras de canções e células musicais, como se a partir delas, e só delas, fosse possível, sem um objetivo claro ou um problema teoricamente orientado, reconstruir toda a história de um gênero musical ou de uma época.
Nesse sentido, Hertzman desdobrou-se como poucos haviam feito nos estudos históricos sobre o samba; correu atrás de comprovações documentais, muitas delas localizadas em acervos pessoais de difícil acesso ou em museus que, geralmente, sofrem e sofreram durante décadas com o descaso governamental, a falta de verbas, incêndios, desfalques, perdas, desorganização. O resultado dessa tarefa árdua e minuciosa de levantamento de informações não o tornou mero coletor nem fez de seu trabalho uma descrição insossa de materiais repertoriados,o que costuma ocorrer quando tamanha energia tem de ser gasta tão somente no serviço de garimpagem. Pelo contrário, ele logrou conectar a criatividade intelectual e a audácia interpretativa de nossos antigos ensaístas com o emprego de uma empiria embasada em recolhimento e análise de dados, descortinando de maneira surpreendente, aos nativos e aos gringos, um novo universo em torno de um domínio que, à primeira vista, nada mais ou muito pouco ainda tinha a render. Dito isso, não se trata, assim, de qualquer “revisita” às três questões apontadas; antes, de uma pesquisa de fôlego que tenta fornecer, se não a última palavra sobre o assunto, ao menos uma palavra muito mais balizada, material e metodologicamente bem orientada do que as que tínhamos à mão até o presente momento.
O livro percorre um largo período cronológico ao longo de seus nove capítulos: passa-se desde a abolição da escravidão no Brasil, em 1888,até meados da década de 1970,quando se dá a instauração definitiva das modernas leis de proteção aos direitos autorais – embora as análises mais consistentes do livro, com fartura de materiais inéditos, estejam concentradas nas quatro primeiras décadas do século XX. Apenas o último capítulo se dedica ao escrutínio da conjuntura musical da década de 1960 em diante, o que, no conjunto da obra, representa mais elemento de verificação das teses defendidas sobre a “época de ouro” do que uma parte autônoma. O acompanhamento da noção de autoria, em termos legais e materiais, e seu correlato simbólico, qual seja, a individuação dos artistas, bem como o desenvolvimento das instituições que lidavam com essas questões e a legislação pertinente serviram como o fio de Ariadne de toda a estruturação do argumento de Hertzman; ele empregou uma embocadura até então menosprezada pelos demais estudiosos no intento de penetrar, de modo inovador, por veredas já caminhadas: “Embora estudiosos de muitas disciplinas venham se fascinando com a construção da autoria, poucos se interessaram pela relação entre propriedade intelectual e constituição nacional pós-colonial – sobretudo nas Américas – ou as histórias imbricadas entre raça, propriedade intelectual e nação” (p. 3)7.Em outras palavras,os marcos legislativos e as instituições que regulamentavam o fazer musical, a distribuição monetária e o papel desempenhado pelo Estado na garantia,manutenção e modernização de todo o engenho assomado no espaço de tempo compreendido pela pesquisa fizeram render uma nova visão sobre processos há muito mal compreendidos, pois faltavam materiais pertinentes ao demais autores,conforme argumentado,a fim de que pudessem chegar a conclusões mais robustas e precisas, que ultrapassassem o acolhimento acrítico dos depoimentos de quem viveu os acontecimentos em tela – referenciais fartamente empregados até então por alguns estudiosos.E é justamente a esta tarefa que Marc Hertzman se propõe:buscar no emaranhado que se formou entre as questões que envolvem raça, propriedade intelectual e nação o sentido da constituição do samba e, em uma via de mão dupla, a partir da problematização que parte da constituição do samba enquanto gênero musical negro, comercial e nacional, enxergar de modo mais exato e minucioso a imbricação de todo o processo cultural,econômico e político que conformou o Brasil.
No primeiro capítulo, Hertzman procura traçar uma espécie de pré-história das formas musicais populares que desaguariam no samba, bem como dos condicionantes sociais que assomavam ao final do século XIX com elas, isto é, os lugares de raça, de autoria e do vínculo possível dessas formas artísticas e seus produtores correspondentes com a ideia de nação em uma sociedade escravocrata. Hertzman, no entanto, passa longe de um denuncismo vazio ou de tomar um parti pris tão comum nos estudos atuais sobre raça e nação. O autor deixa claro desde o início que não guarda o propósito de esposar asserções como as que essencializam o samba como puro produto de uma “resistência negra” em abstrato nem as que retiram a agência dos negros, outorgando aos intelectuais brancos ou ao Estado varguista a proeminência na conformação dos traços das expressões culturais brasileiras. Hertzman tampouco se vincula seja à visão que adula a intermediação efetuada pelos meios de reprodução comercial da música popular,seja à que a rechaça apriori,pois considerada maléfica ou deturpadora de uma imagem “pura” e “autêntica”.Pelo contrário,colocar todas essas cosmovisões nativas abraçadas pela academia em perspectiva, fazê-las confrontarem-se umas com as outras para que, ao fim e ao cabo, venha à tona um panorama mais complexo do que aquele com o qual a literatura específica se habituou: este sim é um dos propósitos centrais de Hertzman, alcançado justamente por meio do que anunciamos como o grande feito de seu trabalho, quer dizer, a confrontação com materiais inéditos, que auxiliam a desvendar mitos até então inquestionáveis e uma visão que não se detém em fronteiras específicas do saber.
Um desses mitos que fundamentaram o memorialismo da música popular brasileira é o do que o autor denomina de “paradigma da punição” (p. 31). A ação supostamente praticada por parte do Estado de maneira sistemática,que penalizava os praticantes do samba com a prisão, de acordo com declarações à imprensa de sambistas que viveram a “época gloriosa dos primórdios”,é posta em suspenso no segundo capítulo. Hertzman, por meio de pioneiro mergulho nos arquivos penais das primeiras décadas do século XX,descobre que jamais houve uma única punição estatal por conta da prática do samba,ao contrário do que é alardeado em quase todos os trabalhos acadêmicos que lidam com a época. Tal relato mais servia como estratégia discursiva – um tanto exagerada para antigos sambistas firmarem-se como mártires de uma época ou para construírem a autenticidade requerida do gênero samba e, de lambujem, de si mesmos, dentro do circuito de valores que aos poucos foi se estabelecendo naquele gênero – do que refletia fielmente os processos históricos, entremeados na realidade de alianças e colaborações entre a polícia, o Departamento de Imprensa e Propaganda de Vargas e os órgãos representativos dos músicos.Isso não quer dizer, por outro lado, que Hertzman pinte um ambiente de igualdade e liberalidade generalizados para a prática musical popular no início do século XX, conforme veremos a seguir.
O olhar atento do historiador,que busca em uma miríade de eventos nem sempre vinculados imediatamente ao fenômeno a ser explicado os desenvolvimentos possíveis dos caminhos da história, evidencia-se no terceiro capítulo, em meio à interpretação de uma ilustração de um jornal da década de 1910 trazida à baila por Hertzman. O desenho tentava retratar uma tragédia: um dos primeiros artistas populares de relativo sucesso à época, um negro de apelido “Moreno”, havia sido supostamente traído por sua esposa,uma branca portuguesa.Ele resolveu matá-la a facadas e, em seguida, se matar. A representação da situação congregava todas as chaves necessárias para o desvendamento da figuração que ascendia na primeira década do século XX, para os temores que suscitava, para as apreensões que fazia refulgir: um novo universo estava se abrindo,com possibilidade de fama e sucesso àqueles que sempre foram apartados da ribalta da vida nacional, embora prenhe de todas as contradições que tão bem expressam a nossa formação. Que se atentasse para o “perigo” de permitir que essas figuras tão fascinantes quanto temerárias, aos olhos dos brancos, prosseguissem por uma via de acesso a patamares que já tinham dono: as mulheres brancas, o dinheiro, a fama. Isso é o que argumentavam os jornalistas que comentaram a mencionada cena de “Moreno”:o negro não tinha estruturas psicológicas nem sociais para angariar sucesso, para se manter na independência econômica, para se casar com uma mulher branca, em suma, para deixar de ser negro naquela sociedade dominada pelos brancos (p. 87). A igualdade democrática, o reino do direito abstrato e universal, a possibilidade de uma vida econômica e socialmente digna em seu próprio país não passavam de quimeras. Afinal, “quem eles pensavam que eram?”. Em contrapartida, alguns conseguiam escalar parcialmente as trilhas abertas pelo desenrolar da individuação artística e pelo novo comércio, por mais que tivessem que forjar por meio de suas mãos,do sangue de “Moreno”,ou de oportunidades ímpares, por um lado, ou apoiados em trajetórias distintas e caminhos compartilhados com os dominantes, por outro.
O que importa até aqui é que não cabem mais,de acordo com a proposta do autor,a aceitação pura e simples de quaisquer generalizações de categorias, como as de “o samba”, “a raça”, “a nação”, “a autoria” ou “o comércio”: há nas entrelinhas dos processos constitutivos de cada um dos fatores assinalados minúcias geralmente ignoradas, tensões e conflitos constitutivos dos próprios conceitos e processos que, se vistos desvinculados dos artífices que lhes deram viço,de seus tempos históricos, das funções que cumpriram e das atuações concretas dos atores que as encarnavam, mais borram a compreensão historiográfica do que a auxiliam em sua missão de reconstituição da figuração em pauta. Assim, Hertzman dá à mostra que existiram projetos autorais, intelectuais mesmo, por trás de cada grupo e personagens distintos que ocupavam posições díspares na sociedade brasileira das primeiras décadas do século XX. Figuras que, ao mesmo tempo que se confrontavam, teciam por vezes alianças e podiam ainda manter certo grau de cumplicidade, de animosidade, de distanciamento ou de proximidade, a depender de coordenadas e de conjunturas específicas.
Uma das mais expressivas comprovações diz respeito ao escrutínio dos que rodeavam a famosa casa de Tia Ciata, figuras centrais que participaram do que se convencionou denominar de “a nossa música” (p. 95): Hertzman demonstra no quarto e no quinto capítulos que jamais eles poderiam ser equiparados sem mediação a outros artistas que não tivessem nem a inserção socioeconômica deles, nem o conhecimento formal de música, nem o trânsito com jornalistas, industriais da arte e figurões da política e da intelectualidade nacional, nem a decorrente capacidade de mediação, seja artística ou intelectual. Igualar um Pixinguinha a um Baiaco ou a um Brancura, ou até mesmo a um Ismael Silva, pelo simples fato de serem negros esconde um abismo muito revelador do próprio modo pelo qual o racismo à brasileira se constituiu: por meio de reentrâncias e sutilezas, ou, mais especificamente, por meio de um engenhoso dégradé. Se é verdade que em determinado momento de suas trajetórias artísticas todos os citados enfrentaram alguma face do racismo, não se pode dizer que tenha sido da mesma maneira: as margens de manobra variavam muito, bem como o grau de sofrimento que os acometia,a depender da posição social que ocupavam. No caso de Pixinguinha e dos seus, tratou-se de notícias jornalísticas denominando-os de “negroides pardavascos”, incapazes de representar o Brasil,ou de pretendentes a um patamar mais elevado, como Catulo da Paixão Cearense, a desatiná-los (p. 113); no caso de Brancura, Baiaco e Ismael, tratou-se de uma vida tortuosa e de pobreza, de marginalidade, eivada de prisões, brigas e outros eventos manifestos de violência. Embora todos eles, de alguma forma, tenham contribuído para a criação e sustentação de símbolos guindados à condição de “nacional”, Hertzman chama a atenção para o fato de que cumpre visualizar com cuidado os modos pelos quais quando e cada um deles pôde – e se pôde – e por meio de quais contextos e estratégias ser alçado e se alçar ao panteão do samba e, por que não e por consequência, ao panteão nacional. A luta que envolveu a imposição de certa visão que concedia às suas criações a imagem de autêntica, única, sofisticada e respeitável toma, assim, lugar de destaque na análise (p. 115).
Transparecem, destarte, por meio de diversos exemplos, elementos intrínsecos à formação da nação, caracterizada sobretudo pelo tipo de estrutura social herdada da escravidão. Pela primeira vez tal situação é sistematicamente levada em consideração em conjunto com os efeitos simbólicos e econômicos que incidiram nas atividades artísticas populares. Hertzman demonstra no capítulo sexto como até mesmo intelectuais e artistas do porte de Villa-Lobos,Mário de Andrade e Luciano Gallet compartilhavam com maior ou menor ênfase de visões de época, segundo as quais se deveriam abrir alas à construção de um desejado Brasil “civilizado” e seu pressuposto, as correntes da modernidade, o que incorria em algum tipo de rebaixamento do que era apreendido como hierarquicamente inferior em uma escala artística de sensibilidade e racionalidade. Nesses casos, iniciavam-se discussões sobre o que podia ser aproveitável ou não para se entabular o concerto da nação,e aquilo que identificassem como “africano” era posto na berlinda.O mesmo se passava entre os intelectuais nativos do samba, como Tio Faustino, Vagalume ou China, irmão de Pixinguinha,que buscavam enfatizar a autenticidade de certa herança da África contra o que viria a ser uma África corrompida (p.156).Nesse cenário, alguns podiam tanto desempenhar o papel de dominantes em meio aos dominados como podiam ser defenestrados e ter as portas fechadas em diversos âmbitos. Em outros momentos, conforme frisado por Hertzman no capítulo sétimo, alguns podiam até mesmo se reportar diretamente ao presidente da República, como ocorreu em 1930 com os mencionados Pixinguinha e Donga, que clamavam a Getúlio Vargas,em meio a uma procissão de músicos,o auxílio do “pai dos pobres” à música nacional (p. 170). Já dentre os diversos artistas negros, sobretudo os semidesconhecidos resgatados pelo autor na intenção de iluminar comparativamente as possíveis trajetórias artísticas e seus liames com suas posições sociais, a situação era distinta: torna-se claro como os empecilhos enfrentados por eles dificultavam não só suas condições simbólicas naquelas instituições como ainda a simples manutenção econômica de suas vidas. A vinculação desses e de vários estorvos com outros fatores, como o de gênero, foi realizada no trabalho também de modo pioneiro.
A ascensão do samba em sua concretude pôde ser vislumbrada por meio de representações monetárias de quanto ganhava um grande artista – um cantor branco como Francisco Alves, por exemplo – em comparação com um compositor negro à margem dos estabelecimentos comerciais da música, como Ismael Silva (p. 129); de outro lado,a partir da constatação de uma tal pista micro,quer dizer, da assimetria econômica existente entre figuras de um mesmo universo, passa-se ao escrutínio do modo pelo qual se organizavam as instituições políticas e culturais, e como os elementos “raça”, “classe” e “gênero” se vinculavam de forma intrínseca ao funcionamento dessas instituições. É o que se vê com nitidez nos capítulos sétimo e oitavo. No caso das que lidavam com a música popular, como a Sociedade Brasileira de Autores (SBAT, fundada em 1917), a primeira que tomou para si a função de arrecadação e distribuição monetária dos proventos das atividades artísticas em geral no Brasil, percebia-se em suas entranhas a reprodução de todas as desigualdades de nossa sociedade em termos econômicos e simbólicos. O mesmo ocorrendo com os produtos de seus cismas ao longo do tempo,casos da União Brasileira dos Compositores (UBC),a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (SBACEM) etc., todas as que deram origem ao moderno sistema de arrecadação e distribuição de direitos ainda hoje vigente.Seus dirigentes,em maioria homens brancos vinculados a atividades consideradas “nobres” à época – como o teatro ou a “grande” música, em meados dos anos 1910 e 1920,ou os mais bem-sucedidos em termos econômicos com a ascensão do universo musical popular, a partir dos anos 1930 -, não se fizeram de rogados para eternizar a posição subalterna que os artífices negros, sobretudo os socialmente mais desprivilegiados, ocupavam em meio às estruturas das instituições à primeira vista “universais” que dirigiam, o que sublinha o caráter racial e economicamente assimétrico que perpassou a constituição de todas as nossas instituições democráticas, quando vistas de mais perto.
Emerge, assim, uma verdadeira história “materialista” do samba – e, por que não, do choro -, na melhor acepção do termo: em primeiro lugar, pelo fato de Hertzman lidar com estimativas sistematizadas de vendas de discos, com cifras relativas aos direitos autorais de canções, de lucros de gravadoras e de estações de rádio, de execuções de canções e de várias operações econômicas que dão à mostra a real dimensão das transformações estruturais ocorridas em meio à atividade musical popular. Em segundo lugar, o aspecto eminentemente “materialista” de sua proposta também se revela por conta do método: a visada totalizante, que pressupõe uma aguçada capacidade comparativa entre fatos, personagens e momentos aparentemente despidos de qualquer relação ou pertinência a fim de iluminar, a partir de distintos vieses, uma mesma questão específica. Hertzman arrisca, destarte, uma espécie de história total, onde condicionantes institucionais, geográficos, raciais, econômicos e culturais são movimentados para dar vida à agência dos atores (p. 11). Modificando seu foco a todo instante,passando de uma interpretação de um fato micro a uma correlação estrutural macro,e vice-versa,um verdadeiro mosaico das relações que davam viço àquela figuração nascente vem à tona. Embora a incursão na justificativa teórica de seu trabalho seja deveras enxuta,haja vista Hertzman nomear,e muito de relance,apenas Homi Bhabha, Michel Foucault e Peter Wade como inspiradores da empreitada (p. 10), é notória a contribuição tácita de autores como Norbert Elias, Pierre Bourdieu, Fernand Braudel, E. P. Thompson, Raymond Williams,dentre outros grandes nomes das ciências humanas,em seu modo de reconstituir a urdidura da história em voga. Mas essa explicitação, enfim, é o que menos importa, pois o primordial foi efetuado, quer dizer, o manejo teoricamente orientado do material levantado para além das fronteiras disciplinares artificialmente demarcadas.
Notas
1 Ver, por exemplo, DAVIS, DARIÉN J. White face, black mask: Africaneity and the early social history of popular music in Brazil. East Lansing: Michigan State University Press, 2009; Livinsgton-Isenhour, Tamara E. e Garcia, Thomas G. C. Choro: a social history of a Brazilian popular music. Bloomington: Indiana University Press, 2005; McCann, Bryan. Hello, hello Brazil: popular music in the making of modern Brazil. Durham: Duke University Press,2004;Stroud,Sean.The defence of tradition in Brazilian popular music: politics, culture and creation of Música Popular Brasileira. Aldershot: Ashgate, 2008; Shaw, Lisa. The social history of the Brazilian samba. Aldershot: Ashgate, 1999.
2 Ressalte-se a ausência de obras dedicadas à reflexão sobre música popular nos principais centros brasileiros produtores de conhecimento até meados da década de 1970, que vê, muito timidamente em sua segunda metade, o início de estudos regulares e sistematizados sobre o assunto. Balanços críticos de publicações na área podem ser encontrados em Béhague, Gerard. “Perspectivas atuais na pesquisa musical e estratégias analíticas da Música Popular Brasileira”. Latin American Music Review. Austin: University of Texas Press, v. 27, no 1, 2006; Napolitano, Marcos. “A Música Popular Brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e consumo cultural”. In: IV Congreso de la Rama Latinoamericana del IASPM, 2002, Nicarágua. Atas del IV Congreso de la Rama Latinoamericana del IASPM, 2002, mimeo; Naves, Santuza C. et alli. “Levantamento e comentário crítico de estudos acadêmicos sobre música popular no Brasil”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais — BIB. São Paulo: ANPOCS, no 51, 2001.
3 Trata-se do prêmio de melhor tese de doutorado da New England Council of Latin American Studies (NECLAS) e de uma menção honrosa do Bryce Wood Book Award pelo livro, comenda concedida anualmente pela Latin American Studies Association ao melhor livro que verse sobre a América Latina.
4 Como, por exemplo, RODRIGUES, Ana Maria. Samba negro, espoliação branca. São Paulo: Hucitec, 1984.
5 Como, por exemplo, FROTA, Wander Nunes. Auxílio luxuoso: samba símbolo nacional, geração Noel Rosa e indústria cultural. São Paulo: Annablume, 2003.
6 Como, por exemplo, WISNIK, José Miguel e SQUEFF, Enio. Música: o nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo:Brasiliense,2a ed.,1983.
7 Tradução livre realizada pelo autor da resenha.
Dmitri Cerboncini – Fernandes– Professor de Sociologia na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Nação e Imaginação na Guerra do Pacífico | Laura Janina Hosiasson
As relações existentes entre o contexto de guerra e a produção de discursos nacionalistas inspiram as reflexões desenvolvidas no livro Nação e Imaginação na Guerra do Pacífico, de Laura Janina Hosiasson. A autora, que na atualidade está vinculada ao Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo (USP), tem se dedicado especialmente ao estudo da literatura hispano-americana. A sua publicação atual, resultante da pesquisa de doutoramento, reflete essa linha de investigação. O trabalho de Laura Hosiasson debruça-se sobre as narrativas nacionalistas produzidas a partir da experiência da Guerra do Pacífico. Este foi um conflito travado no hemisfério sul-americano entre os anos de 1879 e 1883, em que o Chile enfrentou uma aliança militar composta pela Bolívia e pelo Peru. Como ressalta a autora já na “Nota Introdutória”, as origens do conflito estavam diretamente associadas à disputa de territórios ricos em recursos naturais, notadamente o guano (dejetos de aves marinhas) e posteriormente o salitre. Estas substâncias se configuraram em mercadorias que representavam uma importante possibilidade de inserção de Estados recémformados –como eram os países latino-americanos– no mercado mundial. Da associação de causas nacionais a interesses econômicos internacionais (inclusive europeus) resultaram os mortíferos confrontos armados. Foi após esses enfrentamentos que se deu uma nova conformação de fronteiras, conformação esta que passou a privar os bolivianos de acesso ao mar, gerando profundos ressentimentos e divergências diplomáticas que se estendem até a atualidade. Pois partindo deste contexto histórico intenso e dramático, Laura Janina Hosiasson passa a desenvolver suas reflexões, trabalhando com a hipótese central de que “a literatura gerada pela Guerra do Pacífico está imbuída do objetivo de consolidar o conceito de nação nos três países envolvidos no conflito, sejam eles vitoriosos ou derrotados” (p. 32). Assim, elaborando suas análises a partir de obras consideradas literariamente secundárias ou mesmo menores, a autora estrutura o seu trabalho em quatro capítulos. Leia Mais
Présent, nation, mémoire – NORA (RBH)
NORA, Pierre. Présent, nation, mémoire. Paris: Gallimard, 2011. 432p. Resenha de: BOEIRA, Luciana Fernandes. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.32, n.63, 2012.
No dia 6 de outubro de 2011 o historiador e editor francês Pierre Nora lançou, simultaneamente, dois livros: Historien public e Présent, nation, mémoire, ambos publicados pela prestigiada Gallimard, editora por ele dirigida desde 1965. As duas obras reúnem artigos escritos por Nora ao longo de sua extensa carreira. Nas mais de quinhentas páginas do primeiro livro, o autor apresenta inúmeros manifestos, intervenções públicas e tomadas de posição por ele sustentados nos seus mais de cinquenta anos de vida pública. Entre vários assuntos, Nora expõe considerações sobre o fazer editorial e tece observações sobre a história contemporânea e a nação francesa. Fala, ainda, sobre a Guerra da Argélia e a respeito da importante revista Le Débat, fundada por ele e por Marcel Gauchet em 1980 e que alcança, até hoje, grande êxito no mundo intelectual.
Présent, nation, mémoire integra a Coleção Bibliothèque des Histoires e reúne mais de trinta artigos do historiador, todos girando em torno das mutações entre história e memória. Essa volumosa gama de artigos é resultado das reflexões que precederam, acompanharam e sucederam a publicação de Les lieux de mémoire, a monumental obra coletiva em sete volumes escrita entre 1984 e 1992 e que constituiu o empreendimento editorial mais importante que Nora dirigiu em sua carreira, na qual soma-se, também, Faire de l’Histoire (organizado em parceria com Jacques Le Goff, em 1974), outro estrondoso sucesso da Coleção Bibliothèque des Histoires, composto por três volumes e no qual inúmeros historiadores franceses apresentavam suas reflexões sobre a nova história da década de 1970.
Tudo em Présent, nation, mémoire se relaciona com Les lieux de mémoire e, portanto, é inseparável da obra. Assim, o que dá uma unidade aos seus 32 artigos, alocados em três partes distintas – Presente, Nação e Memória (que são, também, os três eixos centrais através dos quais os artigos se relacionam e, como afirma Nora, constituem os três polos da consciência histórica contemporânea) –, é a pretensão de representarem uma introdução aos lieux de mémoire. Embora os assuntos de cada um dos artigos sejam bastante diversos (Nora explora desde a questão do patrimônio até referências a Michelet e Lavisse como modelos de história nacional, passando por temas como o fim do gaullo-comunismo na França, a aparição do best-seller no mercado editorial ou o trauma causado pela lembrança de Vichy), os três eixos sob os quais se dividem acabam por orientar a leitura do material. Um material que o próprio autor admite estar apresentado de maneira inabitual, tanto pelo assunto que o título da obra anuncia, quanto pelo conteúdo, que foge aos cânones eruditos da disciplina histórica. Porém, como ele mesmo sublinha, sua intenção, ao propor a coletânea, não foi a de fazer uma reflexão teórica sobre a história, e sim expor uma reflexão que brotou de sua prática enquanto historiador.
E é justamente essa prática historiadora e os eventos que a compuseram que Nora mostra, fazendo uma retrospectiva dos momentos mais importantes vividos pela disciplina histórica durante o século XX, particularmente a partir do advento dos Annales e que culminariam, nos anos 1970 e 1980, com a eclosão do que ele chama de uma ‘onda de memória’ que varreu não só a França, mas o mundo ocidental como um todo e do qual o momento presentista e dominado pela patrimonialização seria herdeiro.
Pensar o advento dessa onda memorialística generalizada e, com ele, o movimento de aceleração da história, que condenou o presente à memória, é a intenção maior do livro. Mesmo propósito, diz Nora, que ele e mais de cem historiadores tiveram quando lançaram Les lieux de mémoire, tentando entender quais foram os principais lugares, sejam eles materiais ou abstratos, em que a memória da França se encarnou.
Em fins da década de 1970 e no início dos anos 1980, os ‘lugares de memória’ de Nora constatavam o desaparecimento rápido da memória nacional francesa, e, naquele momento, inventariar os lugares em que ela efetivamente havia se encarnado e que ainda restavam como brilhantes símbolos (festas, emblemas, monumentos, comemorações, elogios fúnebres, dicionários e museus) era uma forma de destrinchar, de dissecar a memória nacional, a nação e suas relações. Em 2011, Présent, nation, mémoire, a reunião de artigos escritos ao longo de toda uma vida, apresenta uma dupla função: servir de base para Les lieux de mémoire, mas, independentemente disso, mostrar ao público como Nora constituiu seu próprio percurso enquanto pesquisador e, concomitantemente, como foi construindo um novo campo de estudos. Um campo, diz ele, delimitado por estas três palavras: presente, nação e memória. Termos que, para Nora, condicionam a forma da consciência histórica contemporânea e palavras que lhe permitiram, além disso, reagrupar os artigos que compõem o volume segundo uma lógica que ele chama ‘retrospectiva’ e que, para ele, teria um ‘sentido pedagógico’ eficaz em sua intenção de demonstrar como ele formou esse campo de estudos que envolve a memória e a história no tempo presente.
No livro, Nora não atualiza os artigos. No máximo, muda sutilmente alguns dos títulos. Também não apresenta-os de maneira cronológica, mas de acordo com o assunto que está tratando em cada parte, de forma que podemos ter um texto escrito em 1968 após outro escrito em 1973, ou um assunto trabalhado em 2007 colocado imediatamente após outro artigo, relacionado àquele, mas escrito em 1993. Esse recurso é bastante interessante, pois possibilita ao leitor perceber uma coerência no percurso do autor no que toca aos temas levantados e há quanto tempo estes fazem parte de seu universo de preocupações.
Nesse olhar retrospectivo acerca de sua própria obra enquanto escritor, Nora admite que cada um dos textos que formam a coletânea poderia ter sido objeto de um desenvolvimento maior e quem sabe, até mesmo gerado livros específicos, o que de fato não aconteceu. Isso porque, embora o volume de artigos que Nora publicou até hoje seja bastante grande, sua dedicação, como historiador, à escrita de obras próprias, é muito pequena. Antes da publicação desses dois volumes que reúnem alguns de seus muitos textos dispersos, Nora havia participado apenas de empreendimentos coletivos e publicado um único livro: Les Français d’Algérie, em 1961.
Seu interesse em dar a conhecer esses tão variados textos no volume que denominou Présent, nation, mémoire residiria, segundo Nora, tão somente em reconstituir um percurso intelectual e mostrar como ele formou, durante sua trajetória, um canteiro de obras composto por vários estratos historiográficos que esquadrinhou enquanto historiador.
Porém, pelo teor dos artigos que costuram o volume, o que se percebe é que Pierre Nora faz questão de pontuar o significado que sua própria obra teve na renovação dos estudos históricos na França. Somente para citar um exemplo, no artigo “Une autre histoire de France”, originalmente publicado no Diccionnaire des sciences historiques, de André Burguière (1986), sob o título de “Histoire national”, Nora destaca que o momento em questão era aquele da renovação historiográfica da história nacional, no qual os historiadores estavam interessados em dissecar a herança do passado. Para ele, Les lieux de mémoire se inseriam perfeitamente nessa perspectiva: apreendendo as tradições nas suas expressões mais significativas e mais simbólicas, os ‘lugares de memória’ souberam fazer uma história crítica da história-memória e produziram uma vasta topologia do simbólico francês. Aqui, uma forma até certo ponto sutil de Nora reverenciar seu empreendimento como uma contribuição singular para a renovação historiográfica contemporânea. No artigo seguinte, “Les lieux de mémoire, mode d’emploi”, um prefácio escrito pelo autor para a edição norte-americana da obra, publicada entre 1996 e 1998, Nora é muito mais enfático ao situar seu trabalho e, também, muito mais direto em reafirmar a importância que Les lieux de mémoire tiveram na ‘era da descontinuidade historiográfica’ da nova historiografia francesa.
E se Nora é mestre em pontuar a importância de sua obra, ele também sabe defendê-la. O texto por ele escolhido para fechar o volume, “L’histoire au second degré”, publicado em sua revista Le Débat em 2002, é uma resposta do autor às críticas que Paul Ricoeur fez aos “insólitos lieux de mémoire“, em A memória, a história, o esquecimento, publicado naquele mesmo ano. No artigo, Nora, mais uma vez, denuncia a atual invasão do campo da história pela memória ao ponto de estarmos mergulhados em um mundo do ‘tudo patrimônio’ e da história como comemoração. Diz ele partilhar das mesmas análises de Ricoeur sobre a comemoração e de suas irritações a respeito do ‘dever de memória’, mas com uma única diferença: para ele, não há a possibilidade de se escapar dessa situação, como acreditava o filósofo. Segundo Nora, a melhor forma de lidar com a tirania da memória seria apreendê-la e percebê-la em seu interior, como propõem, ao fim e ao cabo, seus lieux de mémoire.
Luciana Fernandes Boeira
[IF]
The Nation and its Ruins: Antiquity, Archaeology, and National Imagination in Greece / Yannis Hamilakis
Eu vos saúdo, ruínas solitárias, túmulos santos, muros silenciosos! É a vós que invoco; é a vós que dirijo minhas preces. Sim! Enquanto vossa aparência afasta com pavor secreto os olhares do vulgo, meu coração encontra, ao vos contemplar, o encanto de sentimentos profundos e altos pensamentos. Quantas úteis lições, reflexões tocantes ou fortes não ofereceis ao espírito que sabe vos interrogar! (Volney, Les ruines, ou Méditations sur les révolutions des empires, 1791)
Volney, no famoso livro Les ruines, ou Méditations sur les révolutions des empires, mostra-nos seu fascínio pela imagem das ruínas. Para este historiador e filósofo francês, as ruínas significam os escombros de um mundo que não existe mais; são testemunhas mudas de um passado, esfinges que merecem a atenção do presente e que nos lembram do caráter efêmero de nossas conquistas.
As ruínas, principalmente as gregas, serviram de diferentes formas para representações na modernidade, foram inspiração para a arquitetura no período pós Revolução Francesa e tema para poetas românticos. Consciente desse poder estético das ruínas e preocupado com a identidade nacional da Grécia moderna, o autor grego Yannis Hamilakis escreveu seu livro The Nation and its Ruins: Antiquity, Archaeology, and National Imagination in Greece, publicado em 2007 pela Oxford University Press, ganhador do Edmund Keeley Book Prize, da Modern Greek Studies Association.
O livro é dividido em oito capítulos, nos quais Hamilakis estuda as relações entre Antigüidade clássica e imaginário nacional. O autor levanta uma série de questões que se interligam para formar a problemática da pesquisa: Por que o imaginário nacional precisa de vestígios do passado? Como esses vestígios se interligam no processo de formação imaginária de uma nação? Como a antigüidade pode contribuir para a formação do topos imaginário de uma nação? Como a arqueologia, um dispositivo da modernidade ocidental, auxilia na produção da materialidade de uma nação?
As perguntas ambiciosas que formam a problemática de Hamilakis se enquadram naquilo que François Hartog e Jacques Revel chamaram de “les usages politiques du passé.” Uma das maneiras de fazer uso político da história é a deformação da mesma por motivos nacionalistas, ou seja, a necessidade de formar uma imagem da nação coesa faz com que se excluam certos fatos e acontecimentos para favorecer a idéia de nação (Hartog; Revel, 2001: 08). O uso da história é tão importante para uma nação que Hobsbawm afirma que “nações sem um passado são uma contradição nos termos. O que faz uma nação é o passado, o que justifica uma nação contra outras é o passado, e os historiadores são as pessoas que o produzem.” (Hobsbawm, 1992: 03)
De acordo com Anne-Marie Thiesse (2001/02), existem elementos que permeiam um discurso nacionalista e podem ajudar a sustentar uma pseudo-unidade nacional como a idéia de ancestrais fundadores, uma história que tenha continuidade através de vicissitudes, podendo formar a saga de um povo, uma galeria de heróis que povoam essa história, uma língua e lugares de memória. No caso do livro The Nation and its Ruins, também são elementos importantes a paisagem e os monumentos culturais. No caso da nação grega, nada mais emblemático do que as ruínas arqueológicas como as do Parthenon ou a Acrópoles de Atenas.
O título do primeiro capitulo, “Memories cast in marble: introduction” (pp. 1-33), é uma referência ao clássico de David Sutton, Memories Cast in Stone: The Relevance of the Past in Everyday Life. Hamilakis começa a sua análise refletindo sobre os ícones referentes à Antigüidade presentes na abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas no ano de 2004. Para o autor a abertura dos Jogos Olímpicos colocou em evidência para toda a comunidade internacional os símbolos do imaginário da nação grega, especialmente as ruínas arqueológicas da Antigüidade. Utilizando fotografias do evento, o autor nos mostra que reproduções vivas das ruínas, animadas por atores, desfilaram como emblemas nacionais gregos. O uso das ruínas também é comum como recurso da publicidade de empresas tanto nacionais como multinacionais. O autor discute também os avanços da relação entre a questão do nacional e a arqueologia, colocando as bases teóricas para seu livro na leitura das idéias de Eric Hobsbawm, Benedict Anderson, Ernest Gellner e arqueólogos como Nadia Abu El-Haj:
Neste estudo, valho-me de escritos que vêem o nacionalismo como um sistema cultural, uma ideologia e uma ontologia, como um conjunto de idéias que define o ser-no-mundo das pessoas, organiza a sua existência social corporal, a sua imaginação e mesmo os seus sonhos sociais (cf. Kapferer 1988, 1989; Anderson 1991[1983]; Herzfeld 1992; Gourgouris 1996). Eu vejo o nacionalismo como um quadro de referência organizatório, sempre em processo de construção de si mesmo, do seu objeto (a nação) e dos seus agentes sociais. As suas raízes históricas estão bem documentadas (cf. Gellner 1983; Hobsbawm 1992) e as suas ligações com as tecnologias da modernidade como a tipografia, o mapa, o censo e o museu, bem expostas (cf. Anderson 1991[1983]). A conhecida frase de Anderson sobre a nação como uma comunidade imaginada está agora nos lábios de todos, embora raramente haja qualquer reflexão sobre o que esta afirmação acarreta. (Pg. 15)
Depois de assim estabelecer as suas bases conceituais, no segundo capitulo, “The ‘Soldiers’, the ‘Priests’, and the ‘Hospitals for Contagious Diseases’: the Producers of Archaeological Matter-realities” (pg. 35-56), Hamilakis dedica-se a uma discussão crítica sobre as estruturas e as políticas das produções arqueológicas na Grécia, enfocando os órgãos oficiais que desenvolvem as principais escavações, sendo os principais o State Archaeological Service e o Athens Archaeological Society. Hamilakis defende a idéia de que a arqueologia em solo grego está ligada a uma idéia de “missão nacional”, colocando os museus dedicados à Antigüidade como templos nacionais de uma cultura que às vezes se associa à confusa idéia de uma idade de ouro.
Assim o autor desenvolve uma teoria da arqueologia grega, colocando-a em um cenário religioso, realizada dentro da religião secular da nação, ou seja, a Antigüidade. Os arqueólogos, na interpretação de Hamilakis, atuam como sacerdotes dessa religião, sendo mediadores entre o passado e o presente, enquanto as ruínas ou os monumentos são os seus ícones. A importância da arqueologia como religião secular da nação é atribuída ao seu papel como um provedor de argumentos para a defesa do que é considerado nacional.
No terceiro capítulo, “From Western to Indigenous Hellenism: Antiquity, Archaeology, and the Invention of Modern Greece” (pg. 57-123), há um exame genealógico de como surgiram as estreitas relações entre as antigüidades e a imaginação nacional helênica no século XIX. Hamilakis sustenta que antes da consolidação da idéia de nação, as antigüidades eram vistas pela maioria dos gregos como feitos admiráveis do passado, porém alheios a eles. Ao final do período, contudo, elas haviam tornado-se um recurso simbólico chave da imaginação nacional, essencial à construção do novo Estado-nação grego após a guerra da Ásia Menor. O autor também defende que a Antigüidade, apesar de ter seu uso e significado fomentados pela concepção ocidental do helenismo, foi reformulada por intelectuais gregos em uma nova síntese local, chamada por ele de “helenismo nativo” (Indigenous Hellenism), que envolvia a reabilitação de Bizâncio e o estabelecimento de uma continuidade histórica nacional, além da fusão do nacionalismo com a Ortodoxia Grega.
O capítulo seguinte (“The Archaeologist as Shaman: the Sensory National Archaeology of Manolis Andronikos” pp. 126-167) trata de Manolis Andronikos (1919-1992), considerado o arqueólogo nacional por excelência na Grécia, elevado ao status de grande “xamã” da nação. Andronikos defendia uma praxis arqueológica que enfatizava a ligação emocional com o passado e as propriedades sensoriais e mnemônicas dos artefatos e sítios arqueológicos. A sua filosofia combinava a modernidade da narrativa arqueológica nacional com as visões “pré-modernas” de encontros corpóreos com os ancestrais mortos, os quais eram vistos como tendo uma ligação genealógica direta com as pessoas de hoje. Para o autor, Andronikos é a expressão arqueológica do Helenismo nativo que constrói uma modernidade seletiva, muito diferente de algumas formas da modernidade ocidental.
Em “Spartan Visions: Antiquity and the Metaxas Dictatorship” (pp. 169-204), o autor examina os papéis e significados da Antigüidade durante a ditadura de Metaxas (1936-1941). Nela, buscou-se estabelecer uma nova narrativa nacional, aspirando a uma sociedade utópica chamada “A Terceira Civilização Helênica”, sendo a primeira a Antigüidade clássica e Bizâncio a segunda. Esta narrativa idealizava a Esparta clássica devido aos seus supostos militarismo e austeridade social. Algumas novidades introduzidas no período persistem até a atualidade, como o uso ideológico da antigüidade como ferramenta educacional e as evocações cerimoniais e performáticas do passado e da sua materialidade.
O sexto capítulo, “The Other Parthenon: Antiquity and National Memory at the Concentration Camp” (pp. 205-241), trata dos campos de concentração estabelecidos pelo governo na ilha de Makronisos, conhecida como o “Novo Parthenon”, para onde foram enviados os soldados e cidadãos de esquerda durante a Guerra Civil Grega, com o propósito de reabilitá-los pela doutrinação ideológica. A Antigüidade clássica era usada nessa doutrinação, havendo tentativas de convencer os presos de que o seu destino como descendentes dos gregos antigos era incompatível com ideologias “estrangeiras” como o comunismo. Os presos “redimidos” eram encorajados a construir réplicas de monumentos clássicos como o Parthenon, encenar peças e compor poesia evocando a Antigüidade clássica. O autor contrapõe esta tentativa com as memórias dos presos, que expõem a brutalidade do “experimento”, mas também invocam a Antigüidade clássica – ambos os lados retiram das ruínas o que lhes convêm ideologicamente. Hamilakis sustenta que uma vez estabelecido o mapa mítico nacional, ele se torna o quadro aceito, dotado de suprema autoridade moral, dentro do qual todos os nacionais operam, apesar das suas divergências.
No sétimo capítulo, “Nostalgia for the Whole: the Parthenon (or Elgin) Marbles” (pp. 243-286), a questão dos mármores do Parthenon, atualmente no Museu Britânico de Londres, é analisada tendo em vista superar algumas idéias sobre a restituição cultural e discutir a produção e reprodução da imaginação nacional, as ligações entre os nacionalismos e o colonialismo e as noções de alienabilidade e inalienabilidade.1 O autor sustenta que atualmente os mármores são como os membros exilados e aprisionados do corpo nacional e personificam um elemento chave para a imaginação nacional: a nostalgia pela totalidade. Os mármores são como uma manifestação material do desmembramento e da fragmentação, processos que ameaçam a completude do nacional, cujo discurso baseia-se na unidade e na coesão.
Por fim, no oitavo e último capítulo, “The Nation in Ruins? Conclusions” (pp. 287-301), o autor resume e reitera as questões discutidas previamente sobre as relações entre as antigüidades e a imaginação nacional. Então, Hamilakis parte para uma análise sobre as perspectivas futuras da nação, debate em que freqüentemente se prevê um enfraquecimento ou mesmo fim da nação em conseqüência do fenômeno da globalização. O autor, ao contrário, acredita que esta possa levar ao fortalecimento da nação, pois a incerteza gerada requer a ilusão de permanência e o sentimento de enraizamento proporcionados pela idéia de nação e singularmente presentes na materialidade das ruínas incorporadas à imaginação nacional.
O livro de Hamilakis é uma importante contribuição para os estudos de recepção e apropriação da Antigüidade, da arqueologia e das suas utilizações, assim como para os estudos sobre os usos políticos do passado e sobre a nação, o nacionalismo e a identidade nacional. Por lidar com o caso específico da Grécia moderna de forma tão profunda e variada, The Nation and Its Ruins é esclarecedor para a discussão sobre a construção da nação e dos seus símbolos e sobre os papéis e significados do passado no imaginário nacional. As ruínas acabaram sendo protagonistas na construção da identidade nacional grega – como Volney, permanecemos deslumbrados diante desses restos de pedra.
Referências
HARTOG, François; REVEL, Jacques (Orgs.). Les usages politiques du passé. Paris: Éditions de l’EHESS, 2001.
HOBSBAWM, Eric. Ethnicity and Nationalism in Europe Today. In: Anthropology Today, v.8, n. 1, Feb. 1992
THIESSE, Anne-Marie. Ficções criadoras: as identidades nacionais. In: Anos 90. Porto Alegre: UFRGS, n. 15, 2001/2002.
VOLNEY, Constantin-François. Les ruines, ou Méditations sur les révolutions des empires. Paris: Bossanges Frères, 1821 [1791].
Notas
1 Os conceitos de “alienabilidade” e “inalienabilidade” são construídos em torno do caso do Friso do Párthenon, atualmente pertencente ao British Museum e reivindicado pela Grécia, com constantes protestos e processos internacionais. Hamilakis discute como certos artefatos arqueológicos ganham conotação de alienabilidade, dentro da idéia de trocas simbólicas de Pierre Bourdieu, assumindo valores nacionais e econômicos (Hamilakis, p. 275). Tanto a Alienabilidade e Inalienabilidade estão em uma “symbolic arena” (p. 274), em que são disputados na construção de sentidos nacionais. Tais sentidos não são dados, mas processos de significações.
Mateus Dagios – Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGHIS/UFRGS).
HAMILAKIS, Yannis. The Nation and its Ruins: Antiquity, Archaeology, and National Imagination in Greece. (Classical Presences). Oxford University Press, 2007. 352p. Reeditado em 2009. Resenha de: DAGIOS, Mateus. As ruínas e a modernidade. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.20, p.183-188, jan./jul., 2012. Acessar publicação original. [IF].
Guerra y democracia: los militares peruanos y la construcción nacional / Eduardo T. Medrano
“Guerra y Democracia” do historiador peruano Eduardo Toche Medrano, foi escrito após a conclusão dos trabalhos da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) que investigou os crimes cometidos durante os vinte anos de combate às guerrilhas no Peru (1980-2000). A inquietação que moveu sua pesquisa foi compreender como se constituiu a relação entre as Forças Armadas e a sociedade civil peruana, que culminou na morte de milhares de camponeses indígenas que vivam em regiões onde atuavam grupos guerrilheiros.
Assim como o Brasil, o Peru contém uma população heterogênea, e há uma grande distância entre esta população e as instituições governamentais, incluindo as militares, o que, durante períodos de regimes autoritários, foi um dos fatores que influenciou o comportamento dos militares diante da população civil. Esta obra de Toche Medrano nos interessa especialmente por mostrar como foi construída dentro das instituições militares certa leitura da sociedade onde as figuras do “índio” e do “camponês” foram paulatinamente aproximadas a do “subversivo”, “terrorista” e finalmente do “narcoterrorista”.
O livro é dividido em três partes: “os inícios (a formação de critérios institucionais)”, “a sistematização da experiência” e a “ação no vazio (o esgotamento da doutrina militar peruana)”. Em cada uma das partes o autor, através de rica documentação, mostrou como as forças armadas se tornou o setor mais especializado e organizado do Estado e como se relacionou com outros setores da máquina estatal e da sociedade.
Na primeira parte, Toche Medrano valeu-se principalmente da Revista Militar Peruana, para mostrar que logo após o fim da ocupação do território peruano pelos militares chilenos (Guerra do Pacífico 1879-83), havia uma forte desconfiança entre elites civis e militares: culpavam-se mutuamente pela derrota e consequente perda de territórios para o vizinho do sul. Contudo, os dois grupos concordavam em responsabilizar pela derrota a falta de sentimento nacionalista dos indígenas, que eram a maioria da população, e não se engajaram contra os chilenos.
Deste modo, entre o final do século XIX e primeira metade do XX o discurso indigenista foi o grande mote nos meios intelectuais peruanos, fosse para criticar ou apoiar a ação do Estado oligárquico. Como a constituição de 1895 atribuiu às forças armadas o papel de: “defender o Estado das agressões externas, assegurar a integridade das fronteiras, a ordem interna e o cumprimento da Constituição” (TOCHE MEDRANO: 2008:37) os militares eram, nos rincões do país, muitas vezes a única manifestação da existência do Estado em meio a uma população indígena que em muitos casos sequer falava espanhol, o que fez com que se identificassem como a própria presença da “civilização”.
Toche Medrano mostra através da análise dos textos publicados pelos militares um amálgama entre o indigenismo e o positivismo que resultou na forma paternalista e autoritária como os militares, principalmente o exército, concebiam seu papel perante a população: deveriam educá-los, torná-los cidadãos, apesar de seus “vícios” típicos da “raça”. A função civilizatória das forças armadas era exercida através do cumprimento do serviço militar obrigatório, onde os recrutas além de marchar e cantar o hino nacional eram alfabetizados, além de aprenderem noções de trabalhos manuais. A ideia era que o recruta se tornasse um disseminador dos valores aprendidos no quartel entre sua comunidade.
Um dos objetivos do serviço militar obrigatório era promover a integração da população dentro dos valores que os militares acreditavam ser nacionais, porém, segundo o autor, o resultado foi que as condições de implementação acabaram reforçando preconceitos e dificultaram a almejada integração da população na “civilização”. Um exemplo interessante são as qualidades que os militares destacaram nos recrutas indígenas: “sua resistência a fadiga, sua adaptabilidade às condições rigorosas, o desprezo pela morte e sua docilidade ante às ordens” (TOCHE MEDRANO: 2008:68). O autor destacou também o movimento inverso: o governo estabeleceu entre 1943 e 1974 a instrução militar obrigatória nas escolas, demonstrando que uma parcela dirigente sociedade civil entendia que reforçar o nacionalismo era sinônimo de militarismo, pois as forças armadas eram portadoras por excelência do espírito da Nação.
Um segundo personagem importante cuja construção encerra primeira parte da obra é o “subversivo”. O surgimento do “personagem” está intimamente relacionado ao contexto internacional dos anos 1920–1930: o fortalecimento do movimento comunista internacional pós Revolução Russa. Especificamente no Peru, o Partido Comunista tinha pouca expressão, pois a maior parte dos trabalhadores estava na zona rural, portanto fora do apelo discursivo dirigido ao proletariado. O movimento que canalizou as reivindicações e a insatisfação da população com a exploração econômica e a falta de canais de participação política foi o indigenista foi o grande mote nos meios intelectuais peruanos, fosse para criticar ou apoiar a ação do Estado oligárquico. Como a constituição de 1895 atribuiu às forças armadas o papel de: “defender o Estado das agressões externas, assegurar a integridade das fronteiras, a ordem interna e o cumprimento da Constituição” (TOCHE MEDRANO: 2008:37) os militares eram, nos rincões do país, muitas vezes a única manifestação da existência do Estado em meio a uma população indígena que em muitos casos sequer falava espanhol, o que fez com que se identificassem como a própria presença da “civilização”.
Toche Medrano mostra através da análise dos textos publicados pelos militares um amálgama entre o indigenismo e o positivismo que resultou na forma paternalista e autoritária como os militares, principalmente o exército, concebiam seu papel perante a população: deveriam educá-los, torná-los cidadãos, apesar de seus “vícios” típicos da “raça”. A função civilizatória das forças armadas era exercida através do cumprimento do serviço militar obrigatório, onde os recrutas além de marchar e cantar o hino nacional eram alfabetizados, além de aprenderem noções de trabalhos manuais. A ideia era que o recruta se tornasse um disseminador dos valores aprendidos no quartel entre sua comunidade.
Um dos objetivos do serviço militar obrigatório era promover a integração da população dentro dos valores que os militares acreditavam ser nacionais, porém, segundo o autor, o resultado foi que as condições de implementação acabaram reforçando preconceitos e dificultaram a almejada integração da população na “civilização”. Um exemplo interessante são as qualidades que os militares destacaram nos recrutas indígenas: “sua resistência a fadiga, sua adaptabilidade às condições rigorosas, o desprezo pela morte e sua docilidade ante às ordens” (TOCHE MEDRANO: 2008:68). O autor destacou também o movimento inverso: o governo estabeleceu entre 1943 e 1974 a instrução militar obrigatória nas escolas, demonstrando que uma parcela dirigente sociedade civil entendia que reforçar o nacionalismo era sinônimo de militarismo, pois as forças armadas eram portadoras por excelência do espírito da Nação.
Um segundo personagem importante cuja construção encerra primeira parte da obra é o “subversivo”. O surgimento do “personagem” está intimamente relacionado ao contexto internacional dos anos 1920–1930: o fortalecimento do movimento comunista internacional pós Revolução Russa. Especificamente no Peru, o Partido Comunista tinha pouca expressão, pois a maior parte dos trabalhadores estava na zona rural, portanto fora do apelo discursivo dirigido ao proletariado. O movimento que canalizou as reivindicações e a insatisfação da população com a exploração econômica e a falta de canais de participação política foi o época, foi fundada a Escola Superior de Guerra (ESG), não nos moldes franceses, mas estadunidenses, curiosamente, desta instituição saíram quadros que nos anos 1970 se radicalizaram na proposta de que cabia ao Estado planejar a economia e desenvolver o país. O autor mostra que tais institutos foram fundamentais para a elaboração de um planejamento de desenvolvimento nacional, no entanto os critica porque na doutrina que elaboraram não reservaram espaço para a atuação política independente da sociedade civil.
Cabe aqui nos questionarmos se cabia às forças armadas, como defende o autor, delimitar em sua doutrina o espaço para a participação política dos civis, ou se, cabia a esta conquistar seu espaço. O fato dos militares ignorarem esta “concessão de espaço”, e do autor criticá-los por isso evidencia a fragmentação e a exclusão da sociedade civil peruana pela fraqueza da classe média, desprovida de um projeto político para o país, dirigido por uma oligarquia que impedia qualquer tipo de reforma e pelo alijamento da grande população indígena de qualquer participação.
Esta doutrina de segurança pautada pelo desenvolvimento foi experimentada logo no início dos anos 1960 durante o primeiro enfrentamento entre militares e as guerrilhas surgidas no Valle de la Convención, Cusco. Alí, ao exercerem a repressão contra a população se convenceram que o abandono desta pelo governo era a causa da guerrilha. Gradualmente, os militares entraram no jogo político, primeiro apoiando o candidato a presidência em 1963 Fernando Belaúnde, que defendia reformas. Logo, em 1968, em meio a uma forte crise, liderados pelo Gal. .Velasco Alvarado os militares tomaram as rédeas do país: nacionalizaram empresas estrangeiras, fizeram a reforma agrária, criaram estatais e tomaram outras medidas que visavam a industrialização e a criação de um mercado interno no Peru.
O governo reformista do Gal. Velasco foi apoiado por parte daqueles que militaram em movimentos de esquerda pelas suas propostas desenvolvimentistas e por sua política externa independente em plena Guerra Fria. Apesar de ter criado um órgão para canalizar a participação popular SINAMOS (Sistema Nacional de Mobilização Social), não conseguiu lidar com as manifestações de insatisfação, pois, apesar de suas medidas, o governo militar não conteve o aumento do custo de vida e, as importações requeridas pela indústria levou à falta de divisas e a uma grave crise. O projeto de desenvolvimento nacional militar aplicado entre 1968 e 1975 apesar de ter melhorado sensivelmente a distribuição de renda, foi insuficiente tamanho o era o abismo social, além disso não conseguiu integrar agricultura e indústria para o abastecimento interno.
A última parte do livro, “ação no vazio (o esgotamento da doutrina militar peruana)”, aborda desde a volta dos civis ao poder em 1980 até o final do regime fujimorista em 2000. Foi neste período em que, especialmente as regiões de Ayacucho e Junin, sofreram os efeitos perversos da guerra contra as guerrilhas especialmente o Sendero Luminoso. Nesta parte da obra o autor apoiou-se principalmente no relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação e na imprensa.
Segundo Toche Medrano, ao mesmo tempo que se esgotaram as possibilidades do desenvolvimentismo militar, as teses neoliberais difundidas a partir do Consenso de Washington foram respaldadas pelas elites, confluíram de forma que a a violência foi a única resposta do Estado para os protestos sociais contra o desmonte do aparato de intervenção estatal e distribuição de renda montado durante o regime militar e contra a guerrilha. Assim guerrilha e oposição ao neoliberalismo foram tratados como se fossem um só fenômeno. Como agravante, um novo ator entrou em cena: os narcotraficantes interessados na tradicional produção cocaleira andina.
Toche Medrano mostra que os militares somente pacificaram o país quando separaram guerrilha, população camponesa e narcotraficantes: para combater os primeiros tiveram que superar a desconfiança dos segundos, e incorporar camponeses como recrutas em suas regiões de origem, organizá-los e armá-los, originando os comitês de autodefesa. Por esta atitude independente foram acusados pelos estadunidenses de apoiar as guerrilhas. Quanto ao narcotráfico, um dos motivos da queda do regime fujimorista foram denúncias de corrupção contra altas esferas militares que recebiam dinheiro para facilitar suas ações, comprovadas pela existência de bases militares próximas a pistas clandestinas de narcotraficantes.
O autor referiu-se à ausência de punição a muitos crimes denunciados pela Comissão da Verdade e Reconciliação, como os massacres de camponeses, e atos de corrupção, especialmente o envolvimento entre militares e narcotraficantes; tal impunidade foi explicada devido ao corporativismo das Forças Armadas. Toche Medrano conclui apontando a necessidade urgente na promoção de mudanças na relação de todo aparato estatal, com a população civil, porque muitos dos problemas sociais que levaram à explosão de violência continuam insolúveis como o acesso à justiça e a cidadania.
A pesquisa de Eduardo Toche Medrano contribui para elucidar uma relação complexa entre umas das instituições que fundam o conceito de Estado e seus habitantes, que no caso dos rincões do Peru e das barriadas (favelas) da capital, estão muitas desprovidos de qualquer garantia de cidadania. A Comissão da Verdade e Reconciliação que em nosso vizinho do noroeste investigou os crimes cometidos por agentes do Estado e por guerrilheiros contra a população civil, não resultou em punição para os primeiros, unicamente para segundos, apesar do parecer responsabilizar o Estado pelo clima de violência, deve-se salientar que, a apuração dos fatos consiste num primeiro passo, nada desprezível, rumo ao fortalecimento de instituições democráticas. Aqui no Brasil, o historiador José Murilo de Carvalho lançou em 2005 a coletânea de artigos que tocam, de alguma forma, as relações entre militares e civis, Forças Armadas e política no Brasil (Jorge Zahar, 2005) contudo ainda não são muitos aqueles que se aventuram pela história militar numa abordagem cronológica relativamente ampla (aproximadamente dois séculos) e levantando questões tão importantes.
Referências
CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
Êça Pereira da Silva –Doutoranda do Programa de História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Minha pesquisa consiste numa comparação entre as doutrinas militares brasileira e peruana nos anos 1950 e conta com o apoio CNPq. E-mail: ecapereira@usp.br.
TOCHE MEDRANO, Eduardo. Guerra y democracia: los militares peruanos y la construcción nacional. Lima: DESCO/ CLACSO, 2008. Resenha de: SILVA, Êça Pereira da. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.20, p.177-182, jan./jul., 2012. Acessar publicação original. [IF].
Historiografia e Nação no Brasil (1838-1857) | Manoel Luiz Salgado Guimarães
O livro de Manoel Luiz Salgado Guimarães, Historiografia e Nação no Brasil (1838-1857), [1] me fez reviver, pelo que recordo, a primeira vez em que a História me chamou atenção: uma visita ao Museu Histórico Nacional, no começo da década de 1970. Lembro ter notado a convergência entre o que aprendia nos livros didáticos, nas revistas ilustradas, nas festas cívicas e na narrativa das professoras e o que via no Museu: uma história de grandes homens que superavam as limitações de seu tempo e o moldavam à sua vontade. O livro de Manoel Guimarães esclarece as origens da cultura histórica que engendrou a constatação feita por mim, naquela visita.
Ao desvendar as raízes da historiografia brasileira, Manoel Guimarães aponta os signos que a demarcaram desde o início. Essa, desde onde percebo, é uma contribuição importante e oportuna, no momento em que a formação do historiador passa por uma inflexão decisiva e o seu mais significante campo de atuação vive uma crise surda. A distinção dos cursos de bacharelado e licenciatura e os questionamentos sobre a importância da área de História na Educação Básica reeditam questões análogas àquelas presentes na origem da disciplina no Brasil.
O livro abarca os primeiros vinte anos de atuação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Nesse período, Manoel Guimarães identifica o “processo de promoção da nação brasileira”, quando os estudos históricos buscaram atender aos objetivos de consolidação do Império e de formação da nação. Daí terem assumido importância política, a qual condicionou os seus primeiros passos e lhes delegou algumas de suas características mais duradouras.
A análise encaminha as conexões havidas entre os objetivos políticos e ideológicos do Império e a escrita produzida pelo IHGB. Identifico, nela, três movimentos. Primeiramente, as questões que importavam ao recém-constituído Império do Brasil: o contexto geopolítico no qual o país estava inserido; as relações entre as diversas regiões do Império; o perfil populacional, com imensas parcelas da população consideradas impróprias, diante do modelo de nação almejado. Em seguida, o perfil dos intelectuais ligados ao instituto. Em que pesem as diferenças de origem social, tinham em comum a formação – a Universidade de Coimbra – e a carreira – marcadamente dependente das oportunidades abertas pelo serviço público. Finalmente, a produção do IHGB. A questão indígena, o reconhecimento do território e os fatos históricos regionais ocuparam grande parte da produção da revista trimestral do instituto.
Os três movimentos sustentam um exame minucioso da cultura histórica que deu origem à historiografia brasileira. A análise que deles resulta desvenda os vínculos que ligavam o IHGB ao Estado imperial, tanto do ponto de vista programático (dos objetivos do instituto) quanto do ponto de vista operacional (a sua manutenção). Ela estabelece a identificação do instituto brasileiro com o modelo francês no qual se pautava. Ela esquadrinha a produção de seu sócio mais importante, Francisco Adolfo de Varnhagen, percebido como o formulador “da base da nacionalidade brasileira” a partir da perspectiva da elite imperial.
Trata-se de uma história da historiografia brasileira, demarcada pela indicação do significado assumido por ela, em meados do século XIX: para os sócios do instituto, a História constituía uma instância política – tanto de seu aprendizado, quando do seu exercício. Nesse sentido é que Manoel Guimarães encaminha a visão de história compartilhada pelos homens do instituto: uma história que se pretendia um manancial de exemplos e lições para os governos e comprometida com o progresso, desde certa perspectiva. Tal visão sustentou o caráter civilizador da escrita de uma História do Brasil, pelo IHGB, concretizado, sobretudo, pela consolidação de uma narrativa histórica que integrava os diversos elementos da população em acordo com uma ordenação que designasse o lugar de cada um, segundo uma hierarquia bem definida.
Da consideração da obra de Varnhagen, para quem a herança europeia deveria constituir a matriz da nacionalidade, emerge o argumento central do livro. A escrita da história do IHGB, demarcada pelos compromissos políticos com o Império, elegeu o Estado como principal agente, como “o motor da vida social”, instituindo um ideal de nacionalidade profundamente dependente dos interesses da classe dirigente e por ela demarcado. Da mesma forma, ela pretendeu “gerar sentimentos condicionadores de uma comunidade como passo relevante para o surgimento da nação brasileira” (p.229-258). A história formulada a partir desses princípios acentuava a participação dos colonos brancos no passado e encaminhava a sua liderança no presente e no futuro. Ela orientava uma visão do passado que delegava para as margens imensas parcelas da população brasileira.
A reflexão presente em Historiografia e Nação no Brasil (1838-1857), desde a publicação de seu resumo, deu azo a diversos estudos sobre a trajetória da disciplina, conforme apontam Paulo Knauss e Temístocles Cézar.[2 ]Essa, porém, não é sua única contribuição. Ela nos convida a refletir, também, sobre o quanto aquelas raízes permanecem latentes na cultura histórica, especialmente aquela difundida pelo saber histórico escolar. Esse, me parece, é um desafio importante que deriva da obra de Manoel Luiz Salgado Guimarães.
A remissão inicial à visita ao Museu Histórico Nacional e a relação que estabeleci, quando criança, entre o seu acervo e a narrativa que a disciplina História me apresentava não é fortuita. Ela ilustra a permanência daquele signo inicial que demarcou a historiografia brasileira e, sobretudo, a memória histórica. Manoel Guimarães deixa claro que a historiografia brasileira nasceu livre dos vínculos acadêmicos e em estreita relação com os imperativos políticos. Essa condição inicial foi decisiva para a produção subsequente, mesmo após a emergência de uma historiografia abalizada pelos ditames acadêmicos, determinando os rumos e usos da História entre nós. É certo que, desde a década de 1930, a historiografia problematiza tal herança, mas é igualmente certo que se a historiografia deixou de cumprir aquela função inicial e traçou outros rumos para si, o Ensino de História ainda se vê às voltas com ela.
Ainda na década de 1970 e na seguinte, os historiadores que refletiam sobre o Ensino de História assumiram um novo compromisso: formar o cidadão – um objetivo relacionado aos ideais democráticos que lutavam para afirmar-se ao longo e ao final da Ditadura Militar. Desde então, ‘formar o cidadão crítico’ tem se constituído no apanágio do Ensino de História. A partir do que pontua a reflexão de Manoel Guimarães, poder-se-ia argumentar que a matriz inicial não foi superada, mas substituída.[3] Não obstante, ela provoca a reflexão sobre o estatuto recentemente proposto e, principalmente, sobre a função e a importância do Ensino de História na Educação Básica, sua relação com a historiografia e seu lugar na constituição da memória histórica do Brasil de hoje.
Por mais de século e meio, os professores de História foram vistos (e se viram, também) como os responsáveis por transmitir a narrativa que inseria crianças e adolescentes no universo do qual faziam parte. Mesmo diante das críticas formuladas nas décadas de 1970 e 1980, essa responsabilidade permaneceu inalterada. Grande parte das aulas de história configura narrativas sobre o passado brasileiro e ocidental, ainda de uma perspectiva eurocêntrica – resultado, também, da matriz dos cursos de formação de professores. Dois fatores provocam a alteração desse quadro, desde fora, e colocam em questão a função da disciplina História em sala de aula: em primeiro lugar, a emergência de outros espaços a partir dos quais a memória histórica se constitui; em segundo lugar, a inclusão de novos agentes na narrativa sobre a formação do Brasil (refiro-me à inclusão da História da África, da Cultura Afro-brasileira e da História Indígena, na Educação Básica).
O livro de Manoel Luiz Salgado Guimarães sinaliza os caminhos a serem percorridos pelas reflexões que pretendam elucidar a trajetória da disciplina. Ele permite, portanto, entrever as questões que devem ser discutidas no que se refere à dimensão que incorpora e exige a atuação de um número imenso de historiadores: a Educação Básica. Desde onde falo, percebo três linhas de investigação necessariamente interligadas: a reflexão sobre a trajetória dos cursos de formação de professores em História – uma História da Formação; a reflexão sobre a prática docente em História – uma História do Ensino de História; e a reflexão sobre o estatuto do ensino de história na Educação Básica – uma História da Cultura Histórica Escolar.
Historiografia e Nação no Brasil (1838-1857) nasceu clássico. Ele não somente demarca uma periodização para a História da Historiografia, indicando o significado assumido por ela em dado momento, como inicia um campo de estudos. Isso já seria suficiente para torná-lo obra obrigatória. Mas, além de soberbamente escrito (o que acrescenta prazer à leitura), seu brilhantismo decorre das questões que suscita não apenas sobre o passado da disciplina, mas sobre seu presente e seu futuro. Ao desvendar as origens da historiografia brasileira, ele nos convida a pensar os percursos traçados por ela e seus desdobramentos. Neste momento, segundo me parece, esse convite deve ser aceito, de modo a refletir sobre seus rumos. Há que se discutir qual o lugar da História ensinada, qual a formação engendrada por ela, que compromissos lhe são pertinentes. Nosso agradecimento ao saudoso historiador pelo ensinamento e pela provocação. Boa leitura a todos!
Notas
1 Originalmente uma tese de doutoramento defendida em 1987 na Universidade Livre de Berlim, sob a orientação do professor Hagen Schulze. Desde 1988, um resumo da tese orienta um sem-número de reflexões sobre o período: GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: FGV, n.1, p.5-27, 1988.
2 Ambos assinam o belíssimo ensaio que apresenta a obra: KNAUSS, Paulo; CEZAR, Temístocles. O historiador viajante: itinerário do Rio de Janeiro a Jerusalém (Prefácio). In: Historiografia e Nação no Brasil: 1838-1857. Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2011. p.7-21. Acrescento ao rol elaborado por eles as seguintes obras: D’INCAO, M. A. História e ideal: ensaios sobre Caio Prado Jr. São Paulo: Brasiliense; Ed. Unesp, 1989; SAMARA, Eni de Mesquita; SOIHET, Rachel; MATOS, Maria Izilda S. de. Gênero em debate: trajetórias e perspectivas na historiografia contemporânea. São Paulo: Educ, 1997; FREITAS, Marcos Cézar de (Org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2001; SILVA, Rogério Forastieri da. História da historiografia: capítulos para uma história das histórias da historiografia. Bauru: Edusc, 2001; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira; GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal; GONÇALVES, Márcia de Almeida; GONTIJO, Rebeca. Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2011.
3 Sobre isso ver COELHO, Mauro Cezar. A história, o índio e o livro didático: apontamentos para uma reflexão sobre o saber histórico escolar. In: ROCHA, Helenice Aparecida Bastos; REZNIK, Luís; MAGALHÃES, Marcelo de Souza (Org.) A história na escola: autores, livros e leituras. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009. p.263-280.
Mauro Cezar Coelho – Faculdade de História, Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: mauroccoelho@yahoo.com.br
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Historiografia e Nação no Brasil (1838-1857). Trad. Paulo Knauss e Ina de Mendonça. Rio de Janeiro: Editora Uerj, 2011. Resenha de: COELHO, Mauro Cezar. Historiografia e Nação no Brasil – um clássico e suas possibilidades, da gênese da historiografia ao lugar da História Ensinada nos dias de hoje. Revista História Hoje. São Paulo, v.1, n.1, p. 329-333, jan./jun. 2012. Acessar publicação original [DR]
MAYNARD Dilton Cândido Santos (Aut), Escritos sobre história e internet (T), Fapitec (E), Multifoco (E), LUCCHESI Anita (Res), Revista História Hoje (RHH), Internet, Séc. 20-21
Uma das mais belas apresentações de livros que já li começava assim: “Apresentar um livro é fazê-lo presente”. Ora, mas não é óbvio? Contudo, continua argutamente o autor: “Mas, qual poderia ser seu presente? O da escritura, que já não é, ou o da leitura, que ainda não é?”. Repito as palavras e questionamentos de Jorge Larrosa1 pensando na velocidade com que se transformam as paisagens da seara em que Dilton Maynard decidiu se enveredar ao eleger como tema central de seu livro as relações entre história e internet.
Sendo assim, a obra Escritos sobre história e internet chama a atenção por um particular interesse pelo tema dos ambientes telemáticos e provoca, em virtude disso, certo conforto antecipado em, ao menos, podermos esperar que sua leitura abrace as discussões sobre o elemento digital e suas implicações para o nosso métier, historicamente analógico e papirofílico. Assim, recomendo o livro desejando que as presenças que dele fizerem, consoantes ou dissonantes à minha, venham incrementar o debate acerca deste Novo Mundo para onde as agitadas águas do ciberespaço nos levam. Por enquanto navegamos à deriva.
O breve mas consistente volume de Maynard se apresenta nos moldes de um pequeno códex, composto por quatro artigos que foram escritos em momentos distintos e posteriormente linkados uns aos outros sob a tag dos problemas que a internet traz para o dia a dia da Oficina da História. Decerto o livro não pretende esgotar o assunto, mas sim, apresentar reflexões e propor questionamentos de caráter introdutório que possam, em um horizonte augurável, ser desdobrados mais à frente por outros pesquisadores. Mesmo porque a publicação é uma cápsula de perguntas, um convite a novas investigações sobre a internet e através dela. Aliás, a grande pergunta do livro talvez seja justamente aquela não dita, mas todo o tempo presente no background dessa leitura: “Afinal, por que não trabalhar com internet?”.
Para evidenciar como a internet pode ser um objeto-problema e também uma ferramenta-problema para os historiadores do nosso século, Maynard primeiro nos apresenta o que é essa tal Rede Mundial de Computadores, para depois trazer alguns casos de estudos resultantes de sua experiência com a internet nos últimos anos e pesquisas que vem realizando nessa área.
No capítulo de abertura, o autor esboça uma breve história da internet. Descreve a trajetória dessa inovadora tecnologia, pontuando, sobretudo, quais foram as circunstâncias históricas que favoreceram seu surgimento. Apresenta a emergência da internet como um produto do seu tempo, de demandas sociais específicas e condições propícias para o desenvolvimento de seu caráter aberto, descentralizado e colaborativo. Características que se acentuaram principalmente a partir da década de 1990, depois que a rede se libertou dos grilhões de sua missão como tecnologia militar do Departamento de Defesa norte-americano e começou a ser viabilizada também para fins comerciais.
Segundo Maynard, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e orientador de diversos trabalhos sobre cibercultura, intolerância e extrema-direita na internet, teriam sido o cenário bipolarizado da Guerra Fria e, concomitantemente, o ambiente descentralizado dos protestos pacifistas e contraculturais das décadas de 1960 e 1970 a proporcionarem as condições ideais para o surgimento e desenvolvimento da ‘rede das redes’. Para o autor, “a verdadeira questão não é ser contra ou a favor da internet. O importante é compreender as suas mudanças qualitativas” (p.42).
É nessa esteira que o autor segue apresentando outros três principais filões por onde tem espreitado as implicações da internet nas dinâmicas sociais do Tempo Presente e, consequentemente, os desafios que tal panorama vem apresentando para a história. Na realidade, os capítulos centrais do livro dialogam todo tempo entre si. Isto porque ambos vão tratar em maior ou menor escala das apropriações que grupos de extrema-direita têm feito da internet. Suas preocupações referem-se ao modo como, cada vez mais, a internet se apresenta como “uma espécie de novo oráculo, como um espaço autônomo do conhecimento” (p.43). Do deslumbramento com essa realidade, e do fato de a internet ser uma espécie de zona neutra, território sem lei, ele alerta que decorrem graves perigos. Um deles, senão o principal, é o tema da engajada exposição do autor no Capítulo 2: a facilidade de produção de suportes pedagógicos na rede mundial de computadores e sua apropriação por grupos ou indivíduos de extrema-direita.
Para lidar com história em meio à superinformação característica da world wide web, em plena ‘Era Google’, tomando emprestada a expressão de Carlo Ginzburg,2 toda cautela é pouca, pois, como nos diz o historiador italiano, “No presente eletrônico o passado se dissolve”. Como assim? O ‘dissolver-se’ de Ginzburg pode ser lido em muitas direções, uma das quais é a que diz respeito aos dilemas da memória e do esquecimento na rede, como e o que preservar dos arquivos digitais neste século XXI. Entretanto, a preocupação do nosso autor é mais específica. A ‘dissolução’ do passado, para Maynard, está nas possíveis manipulações da história que podem ser feitas na internet. Uma das evidências desse problema, para ele, são os espaços virtuais destinados a servir de suportes pedagógicos para projetos de doutrinação, alguns deles comprometidos, por exemplo, com retóricas revisionistas. Tais iniciativas pretendem fazer reconstruções historiográficas, tentam estabelecer falsificações e forjar narrativas que classifiquem, por exemplo, as memórias sobre o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial como meras conspirações. Ele chama a atenção:
Em inversões interpretativas, os algozes são vítimas, qualquer tipo de documentação que evidencie tortura, prisão, assassinatos e a racionalização das mortes em campos de concentração e câmaras de gás é descartada como ‘falsificação’ … Em meio a apropriações simbólicas e batalhas da memória, estes portais são exemplos de ferramentas eletrônicas dedicadas a promover uma leitura intolerante da história sob pretensa pátina de luta por liberdade de expressão. (p.45)
Dentre as tentativas de reescrita da história, um dos casos destacados pelo autor é o do portal Metapedia,3 autodenominado ‘enciclopédia alternativa’, que traz, entre outros, verbetes sobre líderes e representantes da extrema- -direita, em que estes são apresentados sem nenhuma menção aos seus xenofobismo ou racismo. Mesmo o führer nazista, Adolf Hitler, é descrito com benevolentes esquecimentos. Fica para a nossa reflexão a importância de um inventário, como esse que empreende Maynard, de ódios e revisionismos soltos pela rede. Se não nos ocuparmos deles, a quem os delegaremos? Às inteligências estatais ou às polícias? Mas, e pela história, quem fará vigília?
Cabe lembrar que essa batalha das memórias e dos lugares de memórias é atualíssima e extrapola as fronteiras do ciberespaço. É importante ressaltar, portanto, que apesar dos limites dessa obra, o esforço que nela se faz para advogar em favor da sistemática investigação histórica do e no ciberespaço, embora se baseie majoritariamente em exemplos e documentações disponíveis na própria rede, guarda estreita relação com a realidade ‘não virtual’.
A intolerância promovida na rede por grupos extremistas como os skinheads, os carecas paulistas e outros, desgraçadamente faz vítimas reais para além dos frios números de audiência que podemos verificar em web-estatísticas. O alcance das páginas de ódio, como o www.radioislam.org, o www.ilduce.net e o www.valhalla88.com, [4] ou ainda o www.libreopinion.com (infelizmente os exemplos são vastos e de várias nacionalidades), é grande. E como lembra o título do terceiro capítulo, esses sites não trabalham isolados, em muitos casos se montam verdadeiras ‘Redes de Intolerância’, com troca de links, apoio ‘cultural’ (pela troca de banners etc.) e mesmo assistência mútua em caso de um site precisar ser hospedado em outra ‘casa’ para poder fugir ao rastreamento da polícia. Organizados e rápidos, eles conseguem escapar mais facilmente das investigações e das consequências, graças à transnacionalidade do mundo virtual, que permite, em certos aspectos, essa “anomia geográfica” (p.103-104), e assim prorrogam indeterminadamente a impunidade dos integrantes desses grupos. O que mais precisamos viver para lembrar o fascismo? Se a resposta for neofascismos, aí vamos nós. Preparem suas mentes, corações e hard disks para o caso de carregamentos muito pesados: xenofobia, machismo, homofobia, misoginia, racismo… eugenias.
Por fim, Maynard nos introduz no fantástico campo do ‘ciberativismo’ ou ‘hacktivismo’. Temas por onde esbarraremos também com os profissionais de Relações Internacionais preocupados com a diplomacia clássica em crise (será?) em tempos daquilo que algumas nações vêm chamando de ‘ciberguerra’ (guerra de informação) ou ainda ciberterrorismo. O autor demonstra como os Estados Unidos se apropriaram dos escândalos midiáticos referentes ao Cablegate [5] para alimentar uma interpretação belicista do momento, condenando as denúncias do Wikileaks e os atos de protestos do grupo de hackers Anonymous em 2010 como terrorismo. Para Maynard, o perigo dessa manipulação de opinião a partir de apropriações políticas do ativismo cibernético é a criação de uma atmosfera promissora para um “indesejável remake dos dias da Guerra Fria” (p.141). A saber, com quais intencionalidades políticas, a troco de que esquecimentos…
Os problemas expostos nesse livro nos remetem a vários estudos sobre história e internet, ou, como já batizaram alguns estudiosos, ‘Historiografia Digital’. Todos, contudo, bastante recentes e também marcados, uns mais, outros menos, por uma levada introdutória, da apresentação de problemas e tímidas formulações de hipóteses, em virtude da relativa novidade do tema.[6] Entretanto, pensando especialmente nas variantes ética, moral e política da história, gostaríamos de fazer referência aqui ao trabalho do historiador francês Denis Rolland, que, assim como Maynard, também entende a internet como uma nova fonte e objeto para a história, inscrita no Tempo Presente e demandando cautelosos e redobrados exames críticos. Para Rolland, na rede, a história assume frequentemente a forma de narrativas de ‘costuras invisíveis’, cujo nível de credibilidade científica é quase sempre desconhecido ou inverificável, o que pode acabar levando a um ‘mal-estar da história’, por ser, muitas vezes, repleta de dissimulações ou amnésias-construtivas, uma “história sem historiador”,[7] exposta, portanto, aos riscos de reconstruções historiográficas tal qual nos adverte Maynard no Capítulo 2 (p.43-66). É por tudo isso que, como afirma o autor já no início do livro, “pesquisar a história da internet, assim como navegar, é preciso” (p.42).
Notas
1. LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Trad. Cynthia Farina. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.7.
2. GINZBURG, Carlo. História na Era Google. Fronteiras do Pensamento, 29 nov. 2010. (Conferência). Disponível em: www.youtube.com/watch?feature=player_ embedded&v=wSSHNqAbd7E (Vídeo); Acesso: 22 mar. 2012.
3. Página da ‘enciclopédia’ em Português: pt.metapedia.org/wiki/P%C3%A1gina_principal; Acesso em: 23 mar. 2012.
4. Cujo conteúdo hoje se encontra disponível em outro endereço: www.nuevorden.net/portugues/valhalla88.html ; Acesso em: 23 mar. 2012. Anita Lucchesi Revista História Hoje, vol. 1, nº 1 340
5. Termo cunhado pela imprensa mundial para nomear o escândalo gerado pelo site Wikileaks ao divulgar centenas de documentos e telegramas ‘secretos’ de autoridades da diplomacia norte-americana sobre vários países.
6. Para uma apreciação mais detida dos problemas de ordem teórico-metodológica na relação entre história e internet, sob o ponto de vista da Historiografia Digital, ver: COHEN, Daniel J.; ROSENZWEIG, Roy. Digital History: a guide to gathering, preserving, and presenting the past on the web. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2006. Disponível em: chnm.gmu.edu/digitalhistory/; Acesso em: 22 mar. 2012; RAGAZZINI, Dario. La storiografia digitale. Torino: UTET Libreria, 2004. Em língua portuguesa, ver: LUCCHESI, Anita. Histórias no ciberespaço: viagens sem mapas, sem referências e sem paradeiros no território incógnito da web. Cadernos do Tempo Presente, ISSN 2179-2143, n.6. Disponível em: www.getempo.org/revistaget.asp?id_edicao=32&id_materia=111; Acesso em: 23 mar. 2012.
7. ROLLAND, Denis. Internet e história do tempo presente: estratégia de memória e mitologias políticas. Revista Tempo, Rio de Janeiro, n.16, p.59-92. jan. 2004. p.2. Disponível em: www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg16-4.pdf ; Acesso em: 23 mar. 2012.
Anita Lucchesi – Mestranda, Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: anita.lucchesi@gmail.com
MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Escritos sobre história e internet. Rio de Janeiro: Fapitec; Multifoco, 2011. Resenha de: LUCCHESI, Anita. Oficina da história no ciberespaço. Revista História Hoje. São Paulo, v.1, n.1, p. 335-340, jan./jun. 2012. Acessar publicação original [DR]
SPOSITO Fernanda (Aut), Nem cidadãos/ nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845) (T), Alameda (E), MOREIRA Vânia Maria Losada (Res), Revista História Hoje (RHH), Povos Indígenas, Estado Nacional, Província de São Paulo, América – Brasil, Séc. 19
A temática indígena ainda não entrou de maneira firme na história política do Império. É essa, pelo menos, a impressão deixada por algumas obras coletivas publicadas recentemente. Ao não tratarem dos índios e das nações indígenas, essas historiografias, que se apresentam como visões panorâmicas sobre o século XIX, terminam ajudando a propagar a falsa ideia de que os índios não eram uma preocupação política dos contemporâneos, ou não representavam uma ‘variável’ importante para a análise da experiência histórica brasileira do período. Em Nação e cidadania no Império: novos horizontes, 1 por exemplo, existem 17 capítulos e nenhum deles se dedica aos índios e às suas experiências durante o Oitocentos. O mesmo acontece em Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade, 2 com 23 capítulos, nenhum dos quais enfocando a questão indígena como eixo central da análise. Não é aceitável, contudo, continuar discutindo a formação do Estado, a consolidação do território nacional e a cidadania, durante o Império, sem considerar de maneira clara, direta e corajosa o problema dos índios, das comunidades indígenas já integradas à ordem imperial e das inúmeras nações independentes que, progressivamente, foram conquistadas ao longo do próprio século XIX. A recente publicação de O Brasil Imperial, coleção em três volumes, com 33 capítulos, um deles dedicado aos índios,3 é digna de menção, pois representa um avanço significativo.
Uma questão importante para a compreensão política do Brasil, mas ainda muito negligenciada pela historiografia, é a posição do índio no processo político de organização do Estado nacional durante o Oitocentos. Por isso mesmo, é muito bem-vindo o livro de Fernanda Sposito Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845). 4 O livro está dividido em duas partes: na primeira, intitulada “Os índios no Império: política e imaginário”, a autora dedica-se a analisar o indigenismo e a política indigenista imperial, com destaque para o período entre a Independência e a emergência do Segundo Reinado.
Com sólida base empírica, a autora demonstra que, depois da Independência, a monarquia, a escravidão e a convivência com os índios tiveram de ser refundados “em novas bases, no contexto do liberalismo e do modelo constitucional moderno” (p.14). Desse ponto de vista, a questão indígena tornou-se um dos assuntos importantes da pauta política do período e foi “reenquadrada à vista de temas como cidadania, soberania nacional, mão de obra etc.” (p.14). Nessa parte do texto, o objetivo central da autora é o de “perceber como os dirigentes do Estado e da nação em construção elaboraram políticas e pensamentos referentes às comunidades indígenas” (p.257). Para isso, Sposito explorou e percorreu várias searas do debate político sobre os índios, investigando a Assembleia Constituinte de 1823, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, as legislaturas do Senado, a legislação editada sobre os índios, a imprensa etc. O apetite da historiadora pelas fontes históricas é uma das marcas mais salientes de seu trabalho e, sem sombra de dúvidas, uma de suas maiores contribuições.
Na segunda parte, intitulada “No palco das disputas entre paulistas e indígenas”, a autora traça uma história mais social do que política, realizando uma reflexão sobre a expansão das fronteiras da província de São Paulo sobre os territórios dos Kaingang, Xokleng, Guarani e Kaiowa. Explora, portanto, a história das zonas de contato e os conflitos entre ‘índios’ e ‘paulistas’. Também aqui, a autora mobiliza um importante corpo documental sobre a província de São Paulo, fornecendo sólida base empírica à segunda parte de sua reflexão.
A conexão que Fernanda Sposito faz entre as duas partes de seu trabalho é também digna de destaque. Isso ganha especial evidência na discussão que ela realiza sobre a abolição das cartas régias do príncipe regente d. João, que mandavam mover guerras ofensivas contra os índios de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. As cartas régias, publicadas em 1808 e 1809, foram debatidas no Senado em 1830 e revogadas pouco depois, em 1831. De forma muito apurada, Sposito demonstra, por um lado, que aquela legislação joanina ainda estava em vigor na província de São Paulo, onde os moradores se valiam dela para manter índios no cativeiro. Por outro, evidencia que a pauta política nacional movia-se, muitas vezes, em função das injunções regionais. Afinal, foi em razão da intervenção dos dirigentes paulistas que o Senado se viu na contingência de discutir a revogação das guerras e a persistência do cativeiro indígena em certas regiões do Império (p.91).
A pesquisa de Fernanda Sposito amplia o atual debate historiográfico sobre cidadania durante o Oitocentos. É importante aprofundar, por isso mesmo, a reflexão sobre algumas hipóteses e conclusões centrais sustentadas pela autora. Sobre isso, faço duas observações: a primeira diz respeito ao uso do conceito Antigo Sistema Colonial que, ao contrário de ajudar a autora na problematização das fontes, leva-a a desenvolver uma interpretação sobre a transição da política indigenista colonial para a imperial pouco satisfatória. De acordo com Sposito,
A novidade da questão indígena no Estado nacional brasileiro foi que a situação de colonização que caracteriza a relação ente os dois universos ao longo do período colonial não cabia mais no modelo de um Estado moderno. Isso foi colocado desde a época de crise do Antigo Sistema Colonial, através das políticas pombalinas para os indígenas na segunda metade do século XVIII. (p.260)
Do ponto de vista dos índios, a ‘situação de colonização’ não foi superada com a emergência do Estado imperial, pois a sociedade nacional, numa espécie de colonialismo interno, continuou avançando e conquistando os territórios e as populações indígenas. A segunda parte do livro de Sposito é, aliás, um testemunho eloquente sobre isso. A diferenciação que a autora faz entre as políticas indigenistas colonial e nacional não se baseia na análise dos fatos. É antes caudatária de uma avaliação limitada sobre a política portuguesa em relação aos índios, entendida fundamentalmente como uma “política ofensiva de extermínio e escravização” (p.36), temporariamente suspensa durante o regime do Diretório dos Índios, quando prevaleceu a política de incorporação deles na qualidade de vassalos da monarquia portuguesa (p.37). Nem a documentação primária, citada pela própria autora, nem a historiografia mais recente sobre a política indigenista colonial corroboram sua interpretação.5 Afinal, se uma das faces da política indigenista colonial foi, de fato, a guerra, o extermínio e o cativeiro, a outra foi a territorialização6 dos índios por meio dos aldeamentos, transformando-os em súditos e vassalos da Coroa, com uma série de direitos e obrigações.7 Mais ainda, os aldeamentos – nos moldes preconizados por Manoel da Nóbrega e, posteriormente, regulamentados pelo Regimento das Missões de 1686 – e o Diretório pombalino foram as duas experiências coloniais nas quais os políticos e os intelectuais do Império se basearam para pensar e propor uma nova política de Estado para a incorporação dos índios à ordem imperial.8
A segunda e última observação diz respeito a uma das teses centrais do livro, ou seja, a de que o pacto político selado depois da Independência excluiu os índios da sociedade civil e política, porque eles não foram mencionados no texto constitucional (p.78). Assim, entre a Independência e a promulgação do Regulamento de Catequese e Civilização dos Índios, em 1845, “os indígenas não eram reconhecidos como cidadãos e tampouco como brasileiros” (p.258). Ainda segundo a autora, essa exclusão serve para explicar acontecimentos importantes, como a continuidade de ‘práticas coloniais’ no Império, como as guerras e as escravizações.
A ausência de uma definição precisa sobre o estatuto jurídico dos índios ou de um capítulo específico sobre a ‘civilização dos índios bravos’ na Constituição de 1824, tal como queria José Bonifácio e vários constituintes da Assembleia de 1823, não são condições suficientes, contudo, para postular a exclusão dos índios do pacto político imperial. Afinal, a situação jurídica dos índios pode ter ficado incerta e sob disputa, mas isso não significa que eles ficaram de fora do pacto político do período. Além disso, a própria autora demonstra que a demora em se criar uma legislação global sobre como lidar com os índios ‘bravos’ não se deveu à falta de interesse político pela questão, já que existiam diferentes projetos e propostas, mas sim à falta de consenso sobre o assunto (p.259).
Os constituintes de 1823 insistiram no argumento de que existiam no território do Império dois tipos diversos de índios, os ‘bravos’ e os ‘domesticados’, e cada um deles exigia um enfoque político diferente. Em relação aos ‘bravos’, sugeriu-se que eles precisavam ser, primeiro, ‘civilizados’ e integrados à sociedade para, depois, gozarem dos direitos políticos de cidadãos. Quanto aos índios ‘domesticados’, não se disse muito sobre eles na Constituinte. Mas o pouco discutido desenvolveu-se no sentido de considerá-los homens livres e nascidos no território brasileiro, por isso mesmo plenamente capazes de gozarem do título de cidadãos brasileiros. A política indigenista do Primeiro Reinado tampouco autoriza a afirmação de que os índios ficaram de fora do pacto político do período pós-Independência. Apesar de ter permitido bandeiras contra grupos indígenas considerados agressores, também mandou formar aldeamentos para outros considerados ‘selvagens’, mas não inimigos, e tratou como cidadãos certos grupos aldeados e avaliados como suficientemente ‘civilizados’, mandando regê-los segundo as leis ordinárias do Império. Os próprios índios, além disso, apropriaram-se da alcunha de ‘cidadãos brasileiros’ para lutarem por seus interesses, sem que isso soasse como uma reivindicação inapropriada ou extemporânea (Moreira, 2010).
Concluo estas considerações lembrando o que disse o índio Marawê, do Parque Nacional do Xingu. Para ele, a história dos índios se divide em a.B. e d.B., isto é, em “antes e depois do branco”.9 Na longa história indígena d.B., a transição da Colônia para o Império não representou uma ruptura profunda, mas trouxe algumas mudanças significativas que precisam ser, de fato, salientadas. A mais significativa foi, do meu ponto de vista, o crescente desuso de uma perspectiva de cidadania típica do antigo regime, quando ser índio e parte do corpo político e social, na qualidade de vassalo, era situação perfeitamente aceitável e ajustável.10 Em outras palavras, com o aprofundamento do liberalismo e do nacionalismo na ordem social e política do Império, aprofundou-se, também, a política de ‘assimilação’, entendida e praticada com o objetivo de dissolver o índio na sociedade nacional. Desse ângulo, Fernanda Sposito está bastante certa ao afirmar que a expectativa política dominante no período era a de considerar o índio “brasileiro ou, hipoteticamente cidadão, se deixasse, justamente de ser indígena” (p.143). Durante o Império, portanto, um dos desafios da política indígena foi lidar com os processos de cidadanização e nacionalização da política indigenista, que foram especialmente vorazes depois da promulgação da Lei de Terras de 1850, quando se intensificou a liquidação de aldeias e a desamortização das terras indígenas.
Notas
1 CARVALHO, José Murilo de. Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
2 Carvalho, José Murilo de; Neves, Lúcia Maria B. P. (Org.). Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
3 SAMPAIO, Patrícia Melo. Política indigenista no Brasil imperial. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (Org.). O Brasil Imperial – 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.175-206.
4 SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845). São Paulo: Alameda, 2012.
5 Perrone-Moisés, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista no período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; Fapesp, 1992. p.115-132.
6 OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. Mana, v.4, n.1, p.47-77, 1998.
7 Almeida, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
8 MOREIRA, Vânia Maria Losada. De índio a guarda nacional: cidadania e direitos indígenas no Império (vila de Itaguaí, 1822-1836). Topoi, Rio de Janeiro, v.11, n.21, p.127-142.
9 CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p.129.
10 MOREIRA, Vânia Maria Losada. O ofício do historiador e os índios: sobre uma querela no Império. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.30, n.59, 2010, p.53-72.
Vânia Maria Losada Moreira – Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). E-mail: vania.vlosada@gmail.com
SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845). São Paulo: Alameda, 2012. Resenha de: MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os índios na história política do Império: avanços, resistências e tropeços. Revista História Hoje. São Paulo, v.1, n.2, p. 269-274, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]
Almeida Maria Regina Celestino de (Aut), Os índios na História do Brasil (T), Editora FGV (E), ALMEIDA NETO Antonio Simplicio de (Res), Revista História Hoje (RHH), Povos Indígenas, Séc. 18-19, América – Brasil
A Lei 11.645 de 10 de março de 2008, que torna obrigatório o estudo de história e cultura indígenas (além da africana e afro-brasileira) nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, público e privado, explicita algumas importantes questões sobre o ensino dessa disciplina escolar. A mais evidente é o fato de não haver esse componente curricular nos cursos de Graduação e Licenciatura em História, salvo raras exceções, o que traz uma série de implicações àqueles professores que desejam cumprir a determinação legal, pois devem suprir essa lacuna na formação pelos mais diversos meios disponíveis. Entre eles, certamente, destaca-se o livro didático – esse ‘produto cultural complexo’, como disse Stray –, que acaba por exercer inusitado e importante papel na formação docente.
Outro aspecto, no entanto, ganha relevância na abordagem dessa temática em sala de aula: o fato de a cultura indígena não ser a dominante em nossa sociedade, tanto que é objeto dessa legislação específica. Assim, é considerada ‘a outra’, diferente, diversa, exótica e estranha, frente à cultura dominante, ocidental, branca, europeia, civilizada, cristã e ‘normal’. Sujeita aos estigmas classificatórios, a cultura desse ‘outro’ será identificada como primitiva, étnica, inferior e atrasada, será entendida como essencialista, ou seja, pura, fixa, imutável e estável, portanto, a-histórica. Dessa forma, o indígena que não se apresenta nesse suposto estado puro será considerado aculturado, não índio, sem identidade e sem tradição, daí os índios serem representados predominantemente como figuras do passado, mortas ou em franco processo de extinção, fadados ao desaparecimento.
Embora não seja destinado especificamente a suprir a demanda desses conteúdos pelos professores da educação básica, o livro Os índios na História do Brasil de Maria Regina Celestino de Almeida apresenta importante e denso panorama da temática, dentro dos limites de um livro de bolso (coleção FGV de bolso, Série História), e bem serviria a esse propósito. Baseia-se na produção historiográfica mais recente, em novas leituras decorrentes de documentos inéditos, novas abordagens fundamentadas em novos conceitos e teorias, bem como em pesquisas interdisciplinares, e começa, justamente, pela complexa discussão sobre a concepção de cultura indígena que acabou por alijar esse grupo social da História.
Desempenhando papéis secundários ou aparecendo na posição de vítimas, aliados ou inimigos, guerreiros ou bárbaros, escravos ou submetidos – nunca sujeitos da ação, uma vez dominados, integrados e aculturados –, desapareciam como índios na escrita histórica e, não à toa, estariam condenados ao desaparecimento também no presente, prognóstico derrubado pelas evidências apontadas pelo censo demográfico do IBGE de 2010, que aponta crescimento de 178% no número de indígenas autodeclarados desde 1991, bem como a existência de 305 etnias e 274 línguas.
O reconhecimento aos povos indígenas do direito de manter sua própria cultura, garantido pela Constituição de 1988, assim como sua maior visibilidade em lutas pela garantia de seus direitos, tiraram esses grupos dos bastidores da história – para usar uma imagem da própria autora –, garantindo-lhes um lugar no palco, despertando o interesse dos historiadores que passaram a percebê-los como sujeitos participando ativamente dos processos históricos. Tal percepção foi ainda favorecida pela imbricação entre história e antropologia na perspectiva de “compreensão da cultura como produto histórico, dinâmico e flexível, formado pela articulação contínua entre tradições e novas experiências dos homens que a vivenciam” (p.22), possibilitando novos entendimentos das ações dos grupos indígenas nos processos em que estavam envolvidos.
Ao discutir hibridação cultural, Canclini afirma que “quando se define uma identidade mediante um processo de abstração de traços (língua, tradições, condutas estereotipadas), frequentemente se tende a desvincular essas práticas da história de misturas em que se formaram”, o que torna impossível para esse antropólogo “falar das identidades como se se tratasse apenas de um conjunto de traços fixos, nem afirmá-las como a essência de uma etnia ou de uma nação”.1 Nesse sentido, Almeida chama nossa atenção para o necessário entendimento das “identidades como construções fluidas e cambiáveis que se constroem por meio de complexos processos de apropriações e ressignificações culturais nas experiências entre grupos e indivíduos que interagem” (p.24), que tornou possível nova mirada dos historiadores sobre a identidade genérica imposta sobre esses grupos, a começar pela denominação ‘índios’, como se constituíssem um bloco homogêneo, desconsiderando não só as diferenças étnicas e linguísticas, mas também os diferentes interesses, objetivos, motivações e ações desses grupos nas relações entre si e com os colonizadores europeus que, como não poderia deixar de ser, foram se modificando com a dinâmica da colonização.
Importante ressaltar que as considerações da autora sobre cultura e identidade são fundamentais para compreender a perspectiva adotada pelos historiadores que se debruçam sobre essa temática, mas igualmente necessárias para o leitor que pretende conhecer um pouco mais sobre os índios na História do Brasil e, por que não dizer, indispensáveis aos professores do ensino básico que, tendo de se haver com o ensino de história e cultura indígenas nos estabelecimentos de ensino público e privado, deparam com toda sorte de preconceito, racismo e etnocentrismo.
Imbuída dessa concepção dinâmica de identidade e cultura, a autora nos apresenta ao longo dos seis capítulos do livro alguns dos principais debates e pesquisas acadêmicos sobre a temática, sem entrar na discussão historiográfica sobre haver ou não uma história indígena, propriamente dita, ou sobre a controversa denominação etno-história, daí a interessante solução encontrada para o título da obra: Os índios na História do Brasil.
A autora esclarece que para o estudo das relações entre os colonizadores e indígenas, já nos primeiros contatos torna-se necessário não tomar estes últimos como tolos ou ingênuos dispostos a colaborar com os portugueses em troca de quinquilharias, mas compreender seu universo cultural. Discutindo, por exemplo, a peculiar relação com o outro na cultura Tupinambá, implicada na guerra, nos rituais de vingança, escambo e casamento, nos alerta que “embora eles tivessem grande interesse nas mercadorias dos europeus, suas relações com estes últimos significavam também oportunidades de ampliar relações de aliança ou de hostilidade” (p.40). Da mesma forma, afirma que “eles trabalhavam movidos por seus próprios interesses, e quando as exigências começaram a ir além do que estavam dispostos a dar, passaram a recusar o trabalho” (p.42), o que se somou ao fato de que no universo cultural desse grupo o trabalho agrícola era considerado atividade feminina.
Embasada em vasta bibliografia e em fontes primárias, a autora percorre a complexidade das relações indígenas nas diversas regiões do país – capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Itamaracá, Ilhéus, Bahia, Ilhéus, Espírito Santo, São Tomé, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro etc. Nesse percurso, reafirma a identidade dos grupos indígenas como característica dinâmica, como é o caso dos temiminós do Rio de Janeiro, que provavelmente seriam uma construção étnica do contexto colonial, oriunda do subgrupo Tupinambá no processo de relações e interesses dos grupos indígenas e estrangeiros, pois “afinal, se a identidades étnicas são históricas e múltiplas, não há razões para duvidar de que os índios podiam adotar para si próprios e para os demais, identidades variadas, conforme circunstâncias e interesses” (p.61).
A condição de agentes históricos atribuída aos indígenas ganha evidência na análise da política de aldeamentos que, conforme demonstra Maria Regina Celestino de Almeida, possuía diferentes funções e significados para a Coroa, religiosos, colonos e índios. Para estes, poderia significar terra e proteção frente às ameaças a que estavam submetidos nos sertões, como escravização e guerras, o que não os impedia de agir conforme seus interesses e aspirações na relação com os outros grupos, não obstante as limitações de toda ordem a que estavam sujeitos nesses espaços de conformação. Dessa forma, valendo-se da legislação decorrente das políticas indigenistas, os índios aldeados “aprenderam a valorizar acordos e negociações com autoridades e com o próprio Rei, reivindicando mercês, em troca de serviços prestados. Sua ação política era, pois, fruto do processo de mestiçagem vivido no interior das aldeias. Suas reivindicações demonstraram a apropriação dos códigos portugueses e da própria cultura política do Antigo Regime” (p.87).
Nesse sentido, afirma a autora, os aldeamentos devem ser pensados como “espaços de reelaboração identitária” (p.98), seja ressignificando os rituais religiosos católicos, aprendendo a ler e escrever o português ou estabelecendo relações complexas e ambíguas com os diferentes grupos sociais, inclusive indígenas, segundo seus interesses.
Esse processo pode ser ainda observado na Amazônia de meados do século XVIII, quando índios tornaram-se vereadores, oficiais de câmara e militares (p.120), e se prolonga pelo século XIX, quando indígenas eram recrutados compulsoriamente para os serviços militares, notadamente a Marinha (p.147). Interessante lembrar o episódio da Guerra do Paraguai (1864-1870), na qual lutaram índios Terena e Kadiwéu, não sem utilizar diversas estratégias para escapar ao alistamento como Voluntários da Pátria. Mais tarde, no último quartel do século XX, essa participação foi evocada na reconstituição da memória desses grupos para reivindicar direitos territoriais no Mato Grosso do Sul ancorados no heroísmo e colaboração com o Estado (p.149). Sujeitos históricos no presente e no passado, condição que dialoga com as possibilidades de romper a invisibilidade indígena no passado e no presente.
Nota
1CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2008. p.23.
Antonio Simplicio de Almeida Neto – Departamento de História, Universidade Federal de São Paulo. E-mail: asaneto@unifesp.br
Almeida, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. Resenha de: ALMEIDA NETO, Antonio Simplicio de. Indígenas na história do Brasil: identidade e cultura. Revista História Hoje. São Paulo, v.1, n.2, p. 275- 279, jul./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]
ALEKSIÉVITCH Svetlana (Aut), As últimas testemunhas: crianças na Segunda Guerra Mundial (T), ROSAS Cecília (Trad), Companhia das Letras (E), FLÔR Dalânea Cristina (Res), OTTO Claricia (Res), Revista História Hoje (RHH), Crianças, Segunda Guerra Mundial, Testemunhas, Séc. 20
No livro As últimas testemunhas, Svetlana Aleksiévitch, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2015, apresenta uma centena de relatos de adultos que vivenciaram a Segunda Guerra Mundial durante a infância. Com apenas duas pequenas citações “Em lugar de prefácio…”, o restante do livro é todo marcado pelas vozes dos entrevistados, e as conclusões da leitura ficam a cargo de cada leitor.
Os relatos, coletados entre os anos de 1978 e 2004 e somente traduzidos para o português em 2018, trazem o modo como cada adulto, na época criança, viu, sentiu e viveu a guerra. Tratava-se, na maioria, de crianças de 2 a 14 anos, com exceção de algumas que nasceram a partir de 1941, e de um garoto que nasceu no ano em que o conflito acabou (1945), mas que parece ter vivido a guerra tão intensamente quanto os demais, quando afirma: “Nasci em 1945, mas lembro da guerra. Conheço a guerra”, nos remetendo ao conceito de “acontecimento vivido por tabela” (Pollak, 1992).
Ao iniciar a leitura, fica-se buscando uma apresentação, uma contextualização do que virá, mas a interferência explícita da autora se restringe às citações tomadas como prefácio; à apresentação de cada entrevistado informando seu nome, a idade que tinha quando a Alemanha invadiu a União Soviética, em 1941, e a profissão que exercia na época em que Svetlana o entrevistou; e por fim, à seleção da parte do relato a ser apresentada. No mais, Svetlana dá voz aos entrevistados. São vozes que chocam, assustam, emocionam, indignam, provocam compaixão, deixam atônito o leitor.
Entre pausas, choro, verbalização do quanto é insuportável relembrar e afirmação de que pelo mal que lembrar faz preferem não recordar, relembraram e contaram, o que faz pensar que a autora, cuja prática com esse tipo de trabalho é reconhecida, deve ter conseguido construir uma relação de confiança e ou demonstrar a importância de suas histórias serem contadas, e assim conseguiu se colocar, verdadeiramente, na posição de escuta (Pollak, 1989). Com certeza, apesar do sofrimento que poderia lhes causar a rememoração daquelas vivências, perceberam na autora uma possibilidade de escuta de suas vozes, de suas vivências, e como resultado o leitor veio a conhecer suas histórias.
Para uma compreensão mais ampla e completa da realidade, é necessário que as “memórias subterrâneas” (Pollak, 1989) sejam trazidas à tona, e essa parece ser uma das principais contribuições de Svetlana, que entrevista pessoas comuns, com diferentes formações, que ocupam ou ocuparam postos de trabalho diversos e que tiveram experiências pós-guerra também diversas.
As experiências, ainda que do mesmo “evento” e que, de certa forma, compõem uma memória coletiva, são experiências individuais e, portanto, relatadas de forma particular por cada um dos entrevistados, e trazem vozes que destoam da história oficial.
Para além de toda a dor, fome, medo e sofrimento, chama atenção a percepção que algumas crianças de mais idade tinham do seu papel na guerra, segundo o relato dos entrevistados. Algumas delas faziam questão de ir para o front, lutar junto aos adultos. Ainda que por vezes fossem rejeitadas, pela idade e por seu tamanho, algumas não desistiam e, por fim, acabavam sendo aceitas e participando efetivamente junto aos soldados. Outras atuavam como auxiliares de profissionais de saúde nos postos e hospitais para tratamento de feridos de guerra. Percebe-se que havia nelas uma “formação nacionalista” do que seria “ser cidadão da nação”, e esse sentimento parece ter sido tão fortemente construído em algumas delas que, ao relatar, verbalizam ou deixam entender que, na época, não sentiram medo, não tiveram dúvida de seu dever de participar da guerra. Parece ter havido, naquela época, para aqueles sujeitos ainda com tão pouca idade, um “enquadramento de memória” (Pollak, 1989) em que o dever de cada sujeito estava acima do risco de morte eminente.
Ao pensar na infância como um período em que os sujeitos deveriam ser cuidados e protegidos por adultos, mereciam ter tempo para brincar, estudar e vivenciar momentos de lazer entre seus pares, pensar uma infância vivida na guerra, com crianças assumindo papel de adulto de modo aparentemente naturalizado, é certamente chocante para quem imagina, à distância, os fatos.
No geral, os relatos demonstram que todas as crianças, com “consciência nacionalista” ou não, viveram situações que ninguém, independentemente de idade, deveria viver. Elas viram as mais diversas crueldades. Viram seus pais serem fuzilados e jogados em valas, crianças serem queimadas ou fuziladas, adultos serem enterrados vivos, avós mortos, pessoas caídas cheias de marcas de tiros, comunidades inteiras sendo queimadas. Elas caminhavam entre mortos, entre tantas outras brutalidades. Eram crianças pequenas que foram afastadas de seus pais, que foram deixadas sozinhas ou, por vezes, tiveram de cuidar de seus irmãos, ainda menores, sem ter o que comer e beber, sem saber o que fazer, para onde ir e a quem recorrer. Sentiam tanta fome que a vegetação por onde passavam era devastada e dividida entre os sobreviventes como o único alimento. Na falta absoluta de comida, a água com cheiro do couro da cinta velha fervida virava sopa, e terra com leite derramado virava produto caro entre as terras vendidas como alimento. O medo era tanto que houve quem tenha ficado sem voz por mais de ano, ou quem tenha esquecido o próprio nome e a própria história. Foi um período em que os orfanatos passaram a ser a casa de muitas crianças, e poucos foram os que reencontraram os pais.
O cenário é o mesmo para todos os entrevistados, de modo que poderíamos falar de uma “memória coletiva” (Halbwachs, 2006), mas observa-se, pela variedade dos relatos e, principalmente, pelo sentido dado por cada um, que não há uma coesão, pelo menos não para todos. Há, aparentemente, dois grupos: aqueles que se percebiam como combatentes, que consideravam ter um dever a cumprir, faziam questão de cumpri-lo e se sentiam cidadãos ao ter sucesso, e aqueles que se viam como crianças que eram, perdendo seus portos seguros, sentindo medo, fome e dor. Todos seguiram uma trajetória infinita em busca de se reconstituir dentro de suas redes restritas de contato, ao longo de toda a vida. E suas lembranças, por serem opostas à memória nacional e provocarem desconforto, dor ou constrangimentos, ou ainda por buscarem preservar “os seus” de sofrimento, são marcadas pelos “não ditos”, por silêncios e por ressentimentos (Pollak, 1989).
É preciso entender que quem fala nesses relatos não são as crianças em si, que vivenciaram a guerra, mas os adultos que naquela época eram crianças e que hoje dão sentido àquele vivido com base em sua experiência da época e em sua trajetória de vida.
A leitura de As últimas testemunhas apresenta um período histórico-social extremamente dramático e cruel, que causou muito sofrimento e deixou marcas definitivas em muitas pessoas, mas esse quadro confirma, ao mesmo tempo, que memória, mesmo que seja influenciada, ao longo do tempo e por diversas formas, pelo meio social, continua sendo “um ato e uma arte pessoal de lembrar os acontecimentos” (Portelli, 1997), e somente ouvindo essas pessoas é possível ir montando o “mosaico” que é a história.
É preciso continuar ouvindo as memórias subterrâneas, como faz Svetlana, de modo a trazer à tona e manter viva a história que a história oficial gostaria de esquecer.
Referências
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução: Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na história oral. Projeto História, São Paulo, n. 15, p. 13-49, abr. 1997.
Dalânea Cristina Flôr – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: d.c.flor@ufsc.br
Claricia Otto – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: clariciaotto@gmail.com
ALEKSIÉVITCH, Svetlana. As últimas testemunhas: crianças na Segunda Guerra Mundial. Tradução do russo: Cecília Rosas. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. Resenha de: FLÔR, Dalânea Cristina; OTTO, Claricia. A escuta como forma de testemunhar o sofrimento vivido por crianças na Segunda Guerra Mundial. Revista História Hoje. São Paulo, v.8, n.16, p. 256-259, jul./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]
SCHMIDT Maria Auxiliadora Moreira dos Santos (Aut), Didática reconstrutivista da história (T) CRV (E), PINA Max Lanio Martins (Res), SILVA Maria da Conceição (Res), Revista História Hoje (RHH), Didática Reconstrutiva da História, Ensino de História, Séc. 20-21, América – Brasil
O livro Didática Reconstrutivista da História da professora e historiadora Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, publicado em 2020 pela Editora CRV, sediada em Curitiba, é o que existe de mais recente como reflexão teórica e metodológica para o campo da Didática da História no país. A autora percorre o caminho realizado pela influência do pensamento intelectual alemão, da mesma maneira que ressalta o influxo das reflexões realizadas no contexto da linha de investigação da Educação Histórica ibérica (portuguesa) e anglo-saxônica, da qual faz parte, sendo a principal referência dessa área em solo brasileiro.
Maria Auxiliadora Schmidt, carinhosamente conhecida como “Dolinha” por seus pares, possui uma longa trajetória na educação brasileira, que começou no final dos anos de 1970. Foi professora da educação básica por vários anos na cidade de Curitiba, apropriadamente do Ensino Fundamental II, o que a possibilitou conhecer a realidade do ensino na escola pública no Brasil. Como docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR), atuou na formação de professores e pesquisadores das áreas de História e Educação e colaborou, e até o momento colabora, com instituições acadêmicas brasileiras, europeias e ibero-americanas. Atualmente, a pesquisadora é professora titular aposentada e está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e ao Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH) da UFPR, tendo sido a fundadora deste.
O LAPEDUH transformou-se numa referência para o Ensino de História, e pode ser considerado o espaço que possibilita a professora Maria Auxiliadora Schmidt realizar suas pesquisas, bem como efetuar a orientação de alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, com vistas ao desenvolvimento de investigações no campo da Educação Histórica, tendo como princípio o paradigma da aprendizagem histórica. A historiadora é presidente da Associação Iberoamericana de Pesquisadores da Educação Histórica (AIPEDH), mantendo vínculos com uma de rede de pesquisadores e intelectuais na Europa (Alemanha, Inglaterra, Portugal, Espanha e Itália), na América do Norte (Estados Unidos, Canadá e México) e na América do Sul (Chile, Colômbia e Argentina). A pesquisadora também é bolsista de produtividade em pesquisa 1B do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), e, ainda, dispõe de vários artigos, livros e capítulos de livros publicados ao longo de sua carreira.
O livro Didática Reconstrutivista da História está divido em quatro capítulos, que possuem a finalidade de apresentar a trajetória intelectual da pesquisadora, assim como explicitar sua construção teórico-metodológica para o Ensino de História, que poderia ser chamada de novo paradigma para a aula de história. Sua perspectiva está focada na aprendizagem fundamentada na epistemologia da ciência de referência. A obra é produto de revisão da tese defendida pela autora em 2019, para progressão na sua carreira funcional no magistério superior como Professora Titular na UFPR.
A apresentação do livro ficou sob responsabilidade da pesquisadora Marlene Cainelli, professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), que procurou, no prefácio, responder qual a motivação, o sentido e as carências de orientação que conduziram a historiadora Maria Auxiliadora Schimdt a escrever a obra. Além dessas questões, Marlene Cainelli enfatiza que o exemplar é uma possibilidade de leitura inovadora sobre a natureza didática do conhecimento histórico, tendo em vista que recupera a proposta de um ensino de História denso, estruturado e fundamentado, principalmente, na ciência histórica.
A introdução da obra visa responder o porquê de uma Didática Reconstrutivista da História, que segundo a autora foi formulado por meio do debate existente na Filosofia da História, com vista à sua relação com a aprendizagem do passado, fugindo assim, das discussões do campo da ciência da Educação. Partindo do consenso de que a Didática da História é a ciência da aprendizagem histórica, a pesquisadora conceitua a Didática Reconstrutivista da História como uma adesão ao fato de que a aprendizagem e a cognição histórica precisam ser referenciadas na História, na intenção de estabelecer metodologias que privilegiem, durante a aula de História, a relação passado, presente e futuro como uma reconstrução que possibilite novas narrativas históricas.
O capítulo inicial apresenta a visão da autora sobre o conceito transposição didática do francês Yves Chevellard e como ele esteve presente no Ensino de História em suas variações e adaptações, que foram efetuadas por intelectuais no decorrer do século XX. Ainda nessa primeira parte da obra, a pesquisadora analisa o pensamento de intelectuais brasileiros que, desde o início do século XX, trouxeram contribuições metodológicas para o estabelecimento do Ensino de História, a começar pelo intelectual Jonathas Serrano e sua proposta de 1917, finalizando com a análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de 1998, editados pelo Ministério da Educação (MEC). Em oposição à ideia da transposição didática, Maria Auxiliadora Schmidt apresenta o conceito de cognição histórica situada. Nesse sentido, a autora intenciona demonstrar, por meio do desenvolvimento das pesquisas em Educação Histórica e sua relação com a Didática da História alemã, que a aprendizagem histórica está relacionada à adoção de uma metodologia de ensino vinculada à ciência de referência, na mobilização da consciência histórica e, sobretudo, nas influências da História pública, que necessita ser levada em consideração no espaço escolar.
O capítulo seguinte discute a aprendizagem como fundamento da Didática Reconstrutivista da História. A autora inicia questionando por que se deve aprender História, o que para ela não é uma resposta simples, dado que, conforme os intelectuais que são apropriados, as respostas serão múltiplas. Todavia, encarar esse fundamento coloca a questão elementar que é a reconstrução do passado na aula de História como ponto de partida, o que, de acordo com a pesquisadora, permite a adesão ao pressuposto da narrativa como forma e função da aprendizagem histórica. A reconstrução do passado é necessária à medida em que as carências de orientação individuais ou sociais se modificam e são transformadas em outras carências. Nesse caso, o passado precisa ser novamente interpretado e reinterpretado pela consciência histórica, para permitir a orientação temporal dos sujeitos. Por isso, existe a necessidade do aluno (criança e jovem) aprender a pensar historicamente. Isso não significa transformá-lo num pequeno historiador, mas permitir que alcance as mesmas categorias mentais que os historiadores atingem quando estão analisando o passado e produzindo historiografia. Sendo assim, a pesquisadora sugere que a aprendizagem histórica precisa começar e terminar na consciência histórica. Para ela, o conceito de literacia histórica, de autoria do historiador inglês Peter Lee, consegue responder bem, porque é através do aprender a pensar historicamente que as crianças e jovens absorvem as categorias da História e do sentido histórico.
No capítulo três, a historiadora apresenta como a formação do pensamento histórico é a finalidade de uma Didática Reconstrutivista da História. Ela acredita que a formação do pensamento histórico é um desafio para a aprendizagem histórica, visto que é necessário ocorrer por meio da apropriação da produção histórica de sentido. Isso ocorre quando a experiência do tempo é alcançada pela dimensão da interpretação do tempo. O indivíduo tem que saber lidar com a história individual e com a história coletiva, organizando sua vida dentro da estrutura do tempo, com a finalidade de orientar intencionalmente seu futuro. Nesse contexto, Maria Auxiliadora Schmidt defende que a aprendizagem histórica precisa acontecer a partir das carências de orientação dos indivíduos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem. Seria preciso, então, ocorrer uma mudança nos currículos de História no Brasil, visto que eles estão fechados dentro de uma visão quadripartite eurocêntrica do tempo e também estão a serviço dos interesses do Estado.
Outro ponto importante do capítulo três é o momento que, dialogando com os autores Peter Seixas, Carla Peck, Peter Lee e Jörn Rüsen, a autora propõe uma matriz para as competências do pensamento histórico. Essa matriz tem como objetivo principal servir de referência para o modo como opera a aprendizagem histórica, tendo em vista atingir uma das metas da Didática da História, que é construir a competência de atribuição de sentido pela narrativa histórica. As categorias apresentadas pela pesquisadora são as seguintes: argumentação, significância, evidência, mudança, empatia, interpretação, explicação, motivação, orientação e experiência (percepção). Todas essas categorias estão pensadas e fundamentadas no contexto da Filosofia da História germânica, ibérica e anglo-saxã. Para finalizar o capítulo, a autora ainda debate dois influentes pensadores, Jörn Rüsen e Paulo Freire, para demonstrar o humanismo como fundamento da Didática Reconstrutivista da História, indicando a necessidade de pautar o Ensino de História dentro dessa perspectiva, para contribuir com as formas básicas do processo de formação para a humanização.
No quarto e último capítulo, Maria Auxiliadora Schmidt apresenta sua proposta intitulada de Aula Histórica. Nela, demanda apresentar uma teoria e uma metodologia que estão pautadas na ideia de uma Didática Reconstrutivista da História, que foi amadurecida por meio de diálogo e reflexões com intelectuais europeus e canadenses. Há que ressaltar que o primeiro modelo tipológico de Matriz da Aula Histórica foi utilizado no ano de 2016, como referência das Diretrizes Curriculares para o Ensino de História da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, no estado do Paraná. Inspirada na Aula Oficina da professora e pesquisadora portuguesa Isabel Barca, a autora buscou subsídios na Matriz da Didática da Educação Histórica de Peter Seixas, na Matriz da Didática da Educação Histórica de Stéphane Lévesque, na Matriz Disciplinar da História e também na Matriz da Didática da História de Jörn Rüsen, para elaborar tanto a primeira, quanto a segunda Matriz da Aula Histórica.
Em sua última matriz, Maria Auxiliadora Schmidt estrutura a aula de História na mesma perspectiva de Jörn Rüsen, quando aborda a relação tipológica entre a vida prática (embaixo) e a ciência (em cima) numa circunferência em que existem essas duas divisões. A novidade acrescida pela autora é o fato da vida prática estar subsidiada em categorias entre a Cultura Infantil e Juvenil e a Cultura da Escola. É a partir dessas categorias que são entrelaçados os conteúdos Memória, Patrimônio e História Controversa, que necessitam ser levados em conta em suas formas horizontal e vertical durante a aula de História. Percebe-se que a História Controversa ocupa um ponto importante nas reflexões da autora, que, citando o historiador e didaticista alemão Bodo von Borries, espera que os historiadores-professores possam continuar enfrentando todos os temas difíceis, controversos e desconfortáveis da História.
Seguindo as introduções realizadas pela pesquisadora na sua segunda matriz, observa-se também que, no campo superior da circunferência, precisamente onde está representada a ciência, encontram-se articuladas a Cultura Histórica e a Cultura Escolar. É nesse campo que a metódica da Ciência Histórica necessita ser considerada, para que ocorra a reconstrução do passado na Aula Histórica. No centro da Matriz proposta para uma Didática Reconstrutivista da História encontra-se a categoria sentido, em específico a atribuição de sentido pela narrativa histórica. Neste ponto, percebe-se que a proposta articulada pela pesquisadora leva em consideração que historiadores-professores necessitam articular todos os elementos categoriais da Matriz, não para realizar uma transposição didática dos conteúdos acadêmicos de História, mas para atuarem a partir da reconstrução do passado pela perspectiva do método histórico.
Para finalizar seu último capítulo, a historiadora discute um tema polêmico, porém necessário, a ser enfrentado, posto que dicotomizou a práxis na História, colocando-se de um lado o historiador (aquele que pesquisa) e do outro, o professor (aquele que ensina). Por meio de um processo histórico longo que estabeleceu essa separação, a situação precisa ser superada, tendo em vista o avanço da pedagogia das competências no Ensino de História, que elimina a atribuição de sentido do pensamento histórico na vida prática como orientação temporal dos sujeitos no tempo presente. Assim, a pesquisadora afirma sem titubear, que o historiador que pesquisa é também um professor, e o professor que ensina é também um historiador, encontrando dessa maneira o elo que justifica sua Didática Reconstrutivista da História.
O livro Didática Reconstrutivista da História é, sem dúvida, um marco conceitual que visa à construção de uma teoria e uma metodologia para o Ensino de História no Brasil. Assegura-se que a obra é uma robusta reflexão intelectual, construída ao longo de anos de experiência, com a finalidade de propor, a partir dos reais problemas que são enfrentados por milhares de professores no chão da sala de aula, uma teoria do ensino e da aprendizagem histórica fundamentada na ciência de referência, valorizando principalmente a função do historiador-professor-pesquisador.
Max Lanio Martins Pina – Universidade Estadual de Goiás (UEG), Porangatu, GO, Brasil. E-mail: maxilanio@yahoo.com.br
Maria da Conceição Silva – Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil. E-mail: mariacsgo@ufg.br
SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. Didática reconstrutivista da história. Curitiba: CRV, 2020. Resenha de: PINA, Max Lanio Martins; SILVA, Maria da Conceição. A Didática Reconstrutivista da História: uma proposta teórica e metodológica para o Ensino de História. Revista História Hoje. São Paulo, v.9, n.17, p. 228-233, jan./jun. 2020. Acessar publicação original [DR]
O tutu da Bahia. Transição conservadora e formação da nação, 1838-1850 | Dilton Oliveira de Araújo
Nos últimos anos, os estudos sobre a conformação política do Estado e da Nação brasileiros no Oitocentos têm fornecido valiosas contribuições para a compreensão das experiências vivenciadas por homens e mulheres em um período fortemente marcado por amplas transformações políticas. Ao se debruçarem sobre temas relacionados à dinâmica da vida política no Brasil do século XIX, sobretudo no que diz respeito à diversidade de buscas de alternativas em meio a um conturbado processo de construção do Estado nacional nas primeiras décadas desse século, as pesquisas apontam para uma sociedade rica em manifestações políticas de variado tipo, cujo elemento central indica um acentuado aprendizado coletivo e individual resultante dos muitos confrontos políticos que, não raras vezes, saíram dos gabinetes e dos espaços institucionais para ocuparem as ruas e as praças públicas do Brasil Imperial. Felizmente, aos poucos começa a adquirir solidez o entendimento de que a constituição do Estado nacional, formalizado enquanto corpo político em 1822, não foi um projeto conquistado sem grandes atritos nas diversas províncias que compunham o vasto território da antiga América portuguesa. É, nesse sentido, que se insere o livro de Dilton Oliveira de Araújo, O tutu da Bahia: transição conservadora e formação da nação, 1838-1850, fruto da sua tese de doutorado defendida na Universidade Federal da Bahia, onde atua como professor.
O que chama a atenção, de imediato, no livro de Dilton Araújo é o título – O tutu da Bahia – adotado para exemplificar o clima tenso e de suspeição que se instalou na província nos anos seguintes à derrota da Sabinada. Conforme esclarece, tutu significava medo, pavor, algo que provocava nos indivíduos o receio de que alguma coisa temível estava para acontecer. “A insurreição era uma tutu para meter medo aos legalistas”, dizia o Correio Mercantil de 19 de junho de 1838, poucos meses depois de as tropas do governo reconquistarem a cidade de Salvador do controle dos sabinos. E aqui reside, certamente, a originalidade do seu trabalho. A violenta repressão que se abateu sobre os rebeldes que promoveram a sabinada foi suficiente para varrer da província baiana novas tentativas de contestação? O que aconteceu com as personagens centrais – e outras menos conhecidas – das lutas rebeldes ocorridas nas décadas de 1820 e 1830? Quais as dificuldades, antigas e novas, encontradas pelas autoridades locais para selar o pacto político necessário à conformação da unidade nacional? Essas são algumas das questões que o autor busca responder ao se debruçar sobre a conjuntura política que marcou a Bahia nos anos de 1838-1850. Para isso, recorre, principalmente, aos periódicos que circularam no período, responsáveis, em grande medida, por dar vazão ao clima de insegurança presente naqueles anos. Mas, em que medida, essa instabilidade política tinha correspondência na realidade?
A hipótese levantada pelo pesquisador é que a tão propalada pacificação da Bahia após os anos 1840 foi um objetivo duramente perseguido pelas autoridades políticas – tanto da província quanto em âmbito nacional – associadas às elites econômicas locais. No entanto, a pulsação da sociedade baiana, evidenciada pela documentação, delineava um quadro oposto ao desejado: “A pacificação, mais do que uma realidade consumada, era um devir histórico, que foi, a posteriori, incorporado ao discurso dos historiadores e, anacronicamente, imputado a uma época à qual não pertencera” (2009, p.22). A conquista da estabilidade política após um período de grande turbulência foi, portanto, fortemente almejada por grupos políticos e econômicos e variados foram os caminhos utilizados para a sua efetivação.
Uma das primeiras constatações importantes feitas por Dilton Araújo é que a historiografia sobre o período pós-Sabinada deixou um imenso vazio sobre o tema. A rigor, os estudos que têm a questão política como foco de análise se dirigiram quase que exclusivamente para as rebeliões ocorridas em 1798 e 1838. Quando muito, as abordagens sobre a dinâmica política na província baiana restringiram-se aos espaços institucionais sem fazer alusão ao que ocorria fora desses ambientes. Afora isso, a ênfase é dada nas questões econômicas ou culturais. Desse modo, o que sobressai nas obras analisadas pelo autor – inclusive em estudos clássicos sobre a história da Bahia a exemplo daqueles produzidos por Braz do Amaral e Luiz Henrique Dias Tavares e que serviram como referências importantes em trabalhos posteriores –, é a incorporação reiterada da ideia de pacificação da província e, em decorrência, a omissão, com raras exceções, de posicionamentos distintos aos projetos políticos capitaneados pelos governos local e central.
Na esteira das pesquisas recentes que buscam recuperar a historicidade de categorias como nação, federalismo, centralização, o historiador parte da concepção de que o processo de unificação da nação brasileira se deu em meio às distintas identidades políticas coletivas que anteriormente compunham o território da América portuguesa. Os empecilhos para se concretizar a unidade nacional foram uma constante após a ruptura política com Portugal em 1822 e o estabelecimento da autoridade monárquica sob o comando dos herdeiros da casa de Bragança. A Bahia, ao lado de outras províncias como Pernambuco e Pará, foi palco privilegiado de diversas manifestações de descontentamento com a linha política centralizadora assumida pelas autoridades situadas no Rio de Janeiro. De fato, as décadas de 1820 e 1830 expressam da maneira mais veemente que a constituição da nação não seria conquistada pelo recém-Estado independente senão à custa de virulenta repressão às atitudes e práticas oposicionistas. No entanto, a complexidade dessa dinâmica política somente pode ser apreendida em suas conexões mais amplas quando associadas às fortes mudanças do período decorrentes da expansão das ideias liberais e nacionalistas no mundo Ocidental, às condições políticas vivenciadas pelo Brasil nesse contexto e, sobretudo, às especificidades de uma província que detinha um papel importante – tanto econômico quanto político – na construção do Estado imperial.
Importante notar que a despeito das linhas centrais de contestação dos movimentos ocorridos nos anos 1830, com exceção da rebelião escrava dos malês, serem definidas pela crítica ao processo de centralização política, as motivações dos participantes não se restringiam a isso. Militares, homens pobres livres e de cor buscavam, cada qual a seu modo, inserir-se na cena política de maneira a solucionar os seus problemas imediatos, seja àqueles relacionados aos baixos e atrasados soldos, seja as condições precárias de sobrevivência marcada por uma estrutura econômica fortemente desigual e restritiva. A combinação da insatisfação política e social aparecia assim como um elemento impulsionador tanto no que se refere à adesão dos segmentos menos favorecidos, quanto na radicalidade a que estavam dispostos a assumir. Para estes, as novas condições políticas abririam amplas possibilidades de inserção, contrariamente ao intento das elites dirigentes. No projeto de Estado e de Nação a ser efetivado, nem todas as aspirações poderiam ser contempladas ou, dito de outro modo, era preciso ceifar as propostas desagregadoras de modo a afirmar a unidade política e territorial do Império do Brasil sem maiores sobressaltos. Dilton Araújo mostra que, no caso da Sabinada – uma experiência que afrontou fortemente os poderes local e central tendo em vista que os rebeldes ocuparam a cidade de Salvador por alguns meses (7 de novembro de 1837 a 16 de março de 1838) –, a repressão não se restringiu ao período subsequente à derrota do movimento. Pelo contrário, os anos que se seguiram foram testemunhas de um processo intermitente de erradicação de possíveis lideranças e das práticas rebeldes, no qual, autoridades políticas e camadas economicamente dominantes firmaram alianças para assegurar a tranquilidade pública e desobstruir o caminho rumo à desejada unidade nacional.
Em que medida a derrota dos sabinos significava a impossibilidade de ocorrência de novos movimentos rebeldes? Esta parece ter sido uma questão frequentemente formulada pelas autoridades. O estudo de Araújo se apoia fortemente na visão dos periódicos para demonstrar que, na opinião da imprensa conservadora e legalista, o tutu não poderia ser menosprezado, razão pela qual, o castigo infligido aos rebeldes deveria ser exemplar sob o risco de que novas rebeliões pudessem ocorrer caso o governo se mantivesse leniente. Esta é a posição do Correio Mercantil que, de maneira permanente, insistiu na necessidade de o Estado não descuidar da vigilância e acentuar os modos de enquadramento dos desviantes. Não obstante a intensidade da repressão contra os envolvidos, evidenciada em número de mortos, presos e deportados pela justiça, os editores desse periódico não se davam por satisfeitos assim como alguns dos seus correspondentes, a exemplo do Lavrador do Recôncavo, que conclamava os defensores do trono e do Império a se unirem contra os opositores da ordem, além de defender a centralização do poder nas mãos do Imperador. A fala do Lavrador expressa a insatisfação com os rumos políticos trilhados pelo Brasil sobretudo no que se referia à legislação imperial, com os seus variados códigos legais, assim como a atuação do parlamento, incapaz de apresentar soluções compatíveis com as exigências demandadas pela sociedade. A Bahia, mais uma vez, enfrentava uma forte crise política, momento propício para a emersão de posições conservadoras que encontravam guarida na imprensa e, certamente, possuíam muitos adeptos entre determinadas camadas sociais da província. O período de reação, como aquele vivenciado logo após a derrota dos sabinos, motivava a exposição dessas posturas, cujas denúncias potencializavam a falta de segurança das propriedades e das liberdades caso as instituições não agissem com rapidez e eficiência, como afirmavam os signatários das representações à assembleia geral em 1839, publicadas pelo Correio Mercantil. Para além de uma preocupação meramente local, essa movimentação das classes proprietárias revela um interesse com as novas formas de organização política do Estado que, em seus contornos mais amplos, apontavam para as articulações entre o centro e os poderes regionais, necessárias para debelar as inquietudes locais, sem perder de vista, no entanto, as aspirações políticas e econômicas da elite baiana.
Essa interlocução entre o governo local, as elites econômicas da província e o poder central – questão a exigir maior aprofundamento – denota que a almejada eficácia das formas de ordenamento político era um projeto difícil de ser consolidado. O autor busca extrair das fontes documentais que a apregoada paz política no pós-Sabinada não condizia com o quadro de intranquilidade delineado a partir dos próprios discursos das autoridades e reforçado pela imprensa local. A frequência com que as notícias sobre possíveis inquietações aparecem nesses registros na década de 1840 informa sobre um período no qual o desejo de pacificação da província estava longe de ser concretizado. Os distúrbios poderiam ser promovidos por escravos, homens livres pobres, índios, militares ou até mesmo ex-integrantes da sabinada à espera do momento mais apropriado para voltarem à ativa. O fato de não ter ocorrido um evento de maior envergadura no período não retira a gravidade das tensões sociais e políticas que colocaram o governo em estado permanente de alerta. Prova disso, foram as medidas para intensificar a segurança na província, além do cerco em torno dos suspeitos de envolvimento em ações ameaçadoras da ordem e o combate à imprensa oposicionista, sobretudo, o Guaycuru, cuja contundência da crítica formulada aos governos local e central levou seus editores a enfrentarem alguns processos judiciais. Dilton Araújo mostra como foram variadas as tentativas para legitimar a nação brasileira, seja por meio das comemorações cívicas das datas consagradoras do futuro promissor da Bahia e do Brasil, ao tempo em que outras deveriam ser menosprezadas, seja pela desaparição, alijamento ou cooptação de antigas lideranças dos movimentos rebeldes. Sobressai da leitura de O tutu da Bahia, a constatação de que as profundas alterações ocorridas com a independência e a organização do Estado imperial não foram suficientes para resolver problemas antigos, que em meados do século XIX apareceriam renovados em meio a um processo de experiência e aprendizado também compartilhado pelas elites.
Com base em uma pesquisa rigorosa na documentação, com destaque para os dois importantes periódicos da época – o Correio Mercantil e o Guaycuru –, a dinâmica política da Bahia nos anos 1840 retratada por Dilton Araújo não somente preenche uma lacuna nos estudos sobre a complexa formação do Estado e da nação brasileiros, quando vista sob outras perspectivas, como também aponta possibilidades para novos estudos sobre uma sociedade oitocentista em busca da construção de uma unidade nacional obstaculizada pelas muitas contradições geradoras de conflitos outros, nas quais a província da Bahia, com a sua tradição de lutas e rebeldias, adquire particular relevância.
Maria Aparecida Silva de Sousa – Professora adjunta no Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Vitória da Conquista/Brasil). E-mail: sousa.mariap@gmail.com
ARAÚJO, Dilton Oliveira de. O tutu da Bahia. Transição conservadora e formação da nação, 1838-1850. Salvador: Edufba, 2009. Resenha de: SOUSA, Maria Aparecida Silva de. Tempos de paz, tempos de tensão política. A Bahia no pós-Sabinada. Almanack, Guarulhos, n.2, p.147-150, jul./dez., 2011.
The Emergence of a Scientific Culture | Stephen Gaukroger || Nature, Empire and Nation | Jorge Cañizares-Esguerra
O objetivo da presente resenha é apresentar e discutir dois livros publicados em 2006, porém de pouca repercussão no meio acadêmico brasileiro. O primeiro é The Emergence of a Scientific Culture, do historiador britânico Stephen Gaukroger, enquanto o segundo é Nature, Empire and Nation, de Jorge Cañizares-Esguerra, estudioso da América hispânica colonial na chamada primeira modernidade ou early modern period. A pequena recepção das duas obras não deixa de ser estranha visto serem ambos os autores já conhecidos do público brasileiro; de Stephen Gaukroger se publicou em 2000, pouco após sua edição original em língua inglesa, uma biografia intelectual de René Descartes [2] , enquanto Cañizares-Esguerra é o autor de How to write the history of the New World, livro ao qual, se não se lhe pode dar a pecha de influente, não obstante encontrou seu caminho nas bibliografias de alguns artigos e importantes estudos [3] . Ao longo do texto, contudo, não procurarei entender os dois livros aqui estudados com relação às trajetórias acadêmicas dos seus autores, e sim os lerei a partir das concepções – e, por que não, projetos – acerca da história da ciência que ambos veiculam. Apresentarei, portanto, primeiro o livro de Gaukroger, apontando algumas das problemáticas em que se envolve e algumas questões que podem ser tratadas nele, para, num segundo momento, discutir a obra de Cañizares-Esguerra e algumas reflexões que podem ser feitas a partir dele, procurando pontos de contato e distanciamentos entre os dois.
The Emergence of a Scientific Culture faz parte de um projeto maior acalentado por Stephen Gaukroger visando retraçar a “transformação dos valores cognitivos e intelectuais na era moderna”, do qual este é apenas seu primeiro livro. Com relação à história da ciência, sua proposta é perceber como a ciência passou a moldar os valores sociais, culturais, políticos e/ou morais da sociedade contemporânea, constituindo-se, ao menos em sua auto- imagem, como parte intrínseca da modernidade. Com isso, procura atender à condição que coloca de escrever uma “história conceitual e cultural da emergência de uma cultura científica no Ocidente” e, embora não problematize explicitamente o que considera ser uma “cultura científica”, ela não obstante está presente no modo como redescreve seu objeto de estudos. Desse modo,
Este estudo trata a ciência no período moderno como um tipo particular de prática cognitiva e como uma espécie particular de produto cultural, e meu objetivo é mostrar que se explorarmos as conexões entre esses dois, nós podemos aprender algo acerca das preocupações e dos valores do pensamento moderno que não poderíamos aprender de ambos separadamente (GAUKROGER, 2006, p.3) [4].
Ao perceber a ciência imbricada na cultura de sua época, o autor se coloca a questão de explicar a singularidade da Revolução Científica ocidental, contrapondo-se a outras culturas e civilizações que tiveram culturas científicas avançadas, mas não conseguiram imprimir a elas o mesmo caráter de expansão e inovação constantes tampouco conseguiram remodelar suas culturas a partir da ciência. Por isso, sua caracterização da ciência, percebe o autor, é ao mesmo tempo uma confirmação e uma refutação da conceituação oferecida por Thomas Kuhn. Seu objeto quebra com a lógica kuhniana porque apesar de se articular em torno às sucessivas mudanças de paradigmas, sempre influenciadas pela sociedade, também advoga a ruptura entre os desenvolvimentos científicos ocidentais e os dos demais lugares do mundo. Sua problemática, logo, escapa da mera escrita da história da ciência e entra no domínio das discussões acerca da modernidade, metamorfoseando seu objeto no da percepção da inter-relação entre um contínuo desenvolvimento da ciência e rupturas estruturais mais profundas, as quais explicam a singularidade da ciência ocidental. Não deixa, portanto, de se incluir no mesmo programa já perseguido pelo historiador italiano Paolo Rossi, em especial em seu Naufrágios sem espectador [5], livro que também procura correlacionar – embora sem determinar um e outro de forma causal – o desenvolvimento da ciência e o de certos aspectos da modernidade. Da mesma forma, também a obra de Frances Yates, em especial os volumes sobre Giordano Bruno e sobre o movimento rosacruz, [6] são referencias para a compreensão do projeto de Gaukroger, embora se deva destacar com relação a ambos os autores tanto a atualização dos debates nos quais se inserem por este último como também o fôlego de seu projeto, que afeta o próprio estatuto da história da ciência por dedicar igual atenção às doutrinas científicas elaboradas por suas personagens e à condição social do filósofo natural – muito embora se possa questionar se a delimitação temporal de seu livro, terminando no final do século XVII, dá conta de explicar esses desenvolvimentos decisivos ou se se trata apenas de um prelúdio para uma abordagem mais direta dessas questões [7].
O livro, dividido em cinco partes, começa sua narrativa propriamente dita em sua segunda seção, a qual trata da própria colocação em cena da filosofia natural pelo encontro da tradição cristã com a filosofia aristotélica. Nesse sentido, seu segundo capítulo descreve a solução agostiniana para o problema da interpretação do mundo na esteira do fim da Antiguidade e o desafio que representou a essa solução a introdução do aristotelismo no Ocidente. O terceiro capítulo trata do desafio à nova “amálgama” aristotélica representada pelo neoplatonismo renascentista e, por fim, o quarto capítulo aborda a transformação interior à própria filosofia natural no que toca a seus critérios de validade. Se antes a leitura do mundo tentava captar o significado religioso do que nele estava presente, as transformações na leitura das Escrituras, derivadas de desenvolvimentos na filologia, na história e no direito implicaram que a própria filosofia natural sofreria mudanças. Essas mudanças, aliadas às descobertas do Novo Mundo, abrem espaço para a inserção da experiência e da observação direta nos domínios da ciência, fazendo-a deixar de ser apenas a dedução de princípios primeiros a partir da realidade sensível. Percebe-se, nessa segunda parte de seu livro, a preocupação do autor de relacionar as transformações da ciência a mudanças maiores que acontecem no âmbito da cultura, o que lhe permite sustentar seu argumento mais recorrente, o de que ao invés de uma autonomia com relação ao mundo religioso, a ciência nascente se modela e se pensa através da própria religião.
É tendo esses problemas em vista que se articula a terceira seção do livro. Os capítulos cinco, seis e sete do livro são seus capítulos centrais porque são onde mais claramente se apresenta sua proposta de perceber a ciência como parte de uma cultura mais ampla. Dessa forma, os capítulos questionam, respectivamente, a prática da filosofia natural, seu praticante e o lugar que ele ocupa na sociedade. Quanto à primeira, o autor descreve o movimento da filosofia natural de se afirmar a partir de sua relação com a verdade para sua relação com a utilidade; quanto à segunda, demonstra como são transferidas as características do filósofo moral para o filósofo natural, isto é, para aquele que virá a ser o cientista, do qual se espera agora comportamento condizente com sua ocupação. Esse comportamento, que lhe faz ocupar o papel de sábio, é modelado pelas virtudes morais e religiosas. Por fim, quanto ao lugar do filósofo natural, ele problematiza a afirmação de que as universidades eram o ambiente mais propício a estes, reconstruindo a partir, sobretudo, do exemplo de Galileu Galilei a importância do mecenato aristocrático com relação à prática científica. Concernentes à epistemologia científica, as transformações estudadas implicam, primeiro, que a preocupação com a verdade passa a ser uma preocupação com a objetividade, ou seja, da defesa de modelos de conhecimento se passa à defesa (e ao ataque) dos procedimentos científicos; em segundo lugar, que o modelo medieval do magister de um colégio de artes universitário, o qual pensava a si mesmo livre de dogmas, podendo discutir uma mesma questão de diversas maneiras, é colocado de lado em favor de um intelectual preocupado em oferecer conhecimento útil à sociedade ou, em termos da primeira modernidade, à coroa. A ciência, portanto, estava afastada de um ideal atemporal de verdade e inserida em sua época.
A quarta parte, que ocupa a maior parte do livro, e a quinta problematizam os desenvolvimentos internos à ciência. De um lado, as relações entre os diversos modelos de explicação da natureza disponíveis no século XVII – a história natural, o mecanicismo e, por fim, a aplicação prática da matemática ao estudo da natureza –, deixando em aberto a disputa em torno à compreensão dominante do mundo. Essa inconclusão com que termina o livro – embora dependa de seu caráter de ser parte de um projeto maior – visa ressaltar a inexistência de uma teleologia guiando o desenvolvimento científico, mostrando que não existia (ainda) um ordenamento consensual de suas disciplinas. Ao mesmo tempo, mostra como todos os modelos explicativos visavam apoiar-se na religião ou em alguma concepção de conhecimento revelado para assegurarem sua posição. A quinta e última parte é, por sua vez, um breve excurso sobre as tentativas de unificar a ciência e o conhecimento no século XVII, questão candente e que também é deixada em aberto.
Mesmo que se possa pensar que por vezes Stephen Gaukroger esteja demasiadamente preso a discussões e problematizações epistemológicas, uma vez que discussões acerca de doutrinas científicas ocupam a maior parte do volume, seu livro é bem-sucedido em re- situar a emergência da ciência ou, como chama, de uma cultura científica na história ocidental; também é importante por estar atento às rupturas estruturais com as quais as continuidades culturais, num contexto amplo e de grandes transformações, se relacionam. É a partir deste ponto que se pode problematizar o livro de Jorge Cañizares-Esguerra.
O livro do historiador americano compila artigos escritos num intervalo de mais de dez anos que tocam no tema da história da ciência. Seu principal objetivo é discutir as proposições que afirmam o atraso cultural e científico da Península Ibérica e de seus impérios coloniais. Segundo o autor, o desprezo da história da ciência – e aqui se pode incluir também Gaukroger, pois embora ele afirme que seu projeto partiu de algumas leituras e comparações com o mundo ibérico, ele só o trate marginalmente em seu livro – é derivado de uma auto- narrativa do Norte da Europa com relação à Revolução Científica, que percebe no Sul da Europa apenas o atraso e que, por conseguinte, reafirma apenas as ciências que a teriam encabeçado – matemática, física, astronomia –, deixando de lado os desenvolvimentos, resultado dos impérios coloniais, que os reinos da Península Ibérica fizeram com relação à cartografia, à metalurgia, à engenharia, entre outros conhecimentos, agrupados normalmente como conhecimentos técnicos.
Dessa preocupação resulta também o seu segundo problema de pesquisa. Percebendo que os reinos ibéricos não se opunham ao conhecimento científico – embora tivessem políticas que não combinam com a percepção que hoje temos de ciência, como é o tema de seu primeiro capítulo, o qual aborda a figura do cavaleiro-cientista –, ele passa a demonstrar como esse conhecimento era ressignificado pelos sujeitos coloniais, enfatizando como as elites crioulas se apropriavam do conhecimento científico para defenderem seus privilégios e imporem uma idéia de América frente às metrópoles coloniais. Tendo isso em vista, ele enfatiza os modos pelos quais essas elites crioulas percebiam o mundo, modos os quais, em sua maior parte, enquadram-se numa concepção barroca de ciência e sociedade. Os “cientistas” crioulos participavam e reafirmavam a existência de uma coletividade social, participando de seus rituais e celebrações e, principalmente, eles também procuravam defender sua posição.
Assentado nas doutrinas neoplatônicas e herméticas, o clero crioulo constantemente buscava na natureza assinaturas escondidas e subliminares com significado patriótico. Para eles, o corpo humano, a Terra, e o cosmo eram todos “teatros” barrocos (nos quais os objetos eram reduzidos a uma linguagem de imagens) com analogias micro e macroscópicas inter-relacionadas. Todos os objetos tinham significados polissêmicos e as habilidades exegéticas do clero lhes ajudavam a descobrir sua importância subliminar, revelando um cosmos pleno de desígnios providenciais que favoreciam as colônias. (CAÑIZARES-ESGUERRA, 2006, p.50) [8].
E, principalmente, no capítulo seguinte, “New World, New Stars”, onde procura demonstrar a gênese do conhecimento racial nas tipologias corporais formuladas a partir do Novo Mundo. Essas tipologias – tentativas de lidar e simplificar a heterogênea realidade americana –, criadas sobretudo pelos crioulos, procuravam defender, de um lado, a primazia da América e, de outro lado, a subserviência dos indígenas a esses mesmos crioulos.
É com relação a este segundo propósito de seu livro que Jorge Cañizares-Esguerra faz suas afirmações mais contundentes e, também, controversas. Embora não se possa rejeitar sua argumentação, pode-se questionar, por exemplo, sua percepção muitas vezes simplificada dos elementos sociais presentes na América hispânica, que percebe os mesmos crioulos, peninsulares, ameríndios e negros por toda a extensão de seu território. Um segundo elemento que pode ser problematizado é a ênfase na reapropriação pelas elites coloniais do conhecimento ibérico visando à construção de uma identidade própria – o revisionismo do autor acerca das posições normalmente aceitas da história ocidental está presente também nos últimos capítulos do livro, onde tenta demonstrar a primazia pelos pintores mexicanos da pintura de paisagens (capítulo sete) e também a origem mexicana das preocupações ecológicas de Alexander von Humboldt (capítulo seis). O revisionismo, sempre bem-vindo, não é, contudo, problemático por si só, pois a argumentação de Cañizares-Esguerra é sólida e sua discussão e revisão bibliográficas bastante bem-feitas. O problema específico que pode trazer sua obra é na consideração das rupturas existentes entre um momento onde essa ciência era formulada – a primeira modernidade trabalha por Stephen Gaukroger – e o momento que lhe é o referencial para contrapor sua visão, a Revolução Científica que tomou forma em contexto e época diferentes. Ao tratar das causas pelas quais o conhecimento racial ibero-americano não deu origem ao racismo oitocentista europeu, o autor refere apenas a motivos secundários, tais como a rejeição da tradição hipocrática-galênica de medicina ou o rechaço da filosofia aristotélica. Dessa forma, Cañizares-Esguerra, ao não conseguir dar conta das transformações estruturais pelas quais passou o conhecimento científico europeu – objeto do livro de Gaukroger – e no qual, se seu argumento pretende adquirir toda a sua importância epistemológica, também o conhecimento ibérico estava inserido, acaba por reiterar a visão que pretende questionar, pois deixa intocado o construto conceitual “Revolução Científica”. Da mesma forma, o principal mérito de sua argumentação – demonstrar que, mesmo de maneiras diferentes, espanhóis peninsulares e americanos participavam do mesmo contexto intelectual – pode ser elemento a jogar contra o autor, uma vez que para sustentar seu argumento ele frequentemente subsume a identidade dessas elites crioulas no orgulho que, frisa ele, sentiam frente à incompreensão de sua realidade por aqueles que tinham a Europa como base de onde partia seu olhar. Pensando nos debates que aconteciam na Espanha bourbônica, pode-se pensar se Cañizares-Esguerra, em seu afã de desestabilizar concepções tradicionais acerca da história iberoamericana não acaba por aceitar demasiadamente fácil a imagem que essas elites crioulas fazem de si mesmas; problema candente ao se considerar as guerras de independência que se avizinham do recorte temporal que escolhe para seus estudos.
Apesar dessas críticas, a contribuição de Cañizares-Esguerra, historiador que procura sempre novas formas de abordar velhos problemas [9], é uma importante adição a uma revisão substantiva da história da ciência. Junto com Gaukroger, ambos os autores fornecem uma reestruturação importante e significativa de seu objeto, a qual certamente servirá de base para historiadores futuros.
Notas
1. Aluno do segundo ano do curso de mestrado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, cuja pesquisa é feita sob orientação do Prof. Dr. Fernando Felizardo Nicolazzi e que conta com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: doca.silveira@gmail.com
2. GAUKROGER, Stephen. Descartes – Uma biografia intelectual. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. Publicado originalmente em 1997.
3. CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. How to write the history of the New World. Stanford: Stanford University Press, 2001; refiro-me, por exemplo, a Esquecidos e Renascidos, de Íris Kantor, livro seminal para o estudo recente da historiografia luso-brasileira setecentista, assim como seu estudo em Júnia FERREIRA FURTADO. Sons, formas, cores e movimentos na modernidade atlântica: Europa, Américas, África. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: FAPEMIG, 2008.
4. “The study treats science in the modern period as a particular kind of cognitive practice, and as a particular kind of cultural product, and my aim is to show that if we explore the connections between these two, we can learn something about hte concerns and values of modern thought that we could not learn from either of them separately” (GAUKROGER, 2006: 3; todas as traduções são do autor).
5. ROSSI, Paolo. Naufrágios sem espectador. São Paulo: UNESP, 2000; o original é de 1995.
6. YATES, Frances. Giordano Bruno e a tradição hermética. São Paulo: Cultrix, 1995; The Rosacrucian Enlightenment. Nova York: Routledge, 2004; sendo os originais, respectivamente, de 1964 e 1972.
7. O que não significa que o autor reifique as diferenças através de um estudo estrutural estanque, pelo contrário. É significativa, nesse sentido, sua crítica ao que chama de “abordagem weberiana” da história da ciência, a qual, segundo ele, ao ficar apenas no âmbito da contraposição entre epistemologias de diferentes civilizações, perde de vista “o valor das dimensões extra de análises, e logo se torna evidente que precisamos ir além do que acabam sendo distinções formais oferecidas por este tipo de abordagem” (GAUKROGER, 2006: 35). Sua abordagem, dessa forma, insere-se em debates recentes acerca do estudo da história política e da história dos discursos; em especial, parece reiterar proposição de Yves-Charles Zarka, em contraposição a Quentin Skinner, para quem a necessidade de relacionar os sujeitos a seus contextos não deve deixar de lado a discussão das idéias que – no interior da história da filosofia – eles esposam. No caso de Gaukroger, a dupla ênfase nas doutrinas científicas e nas condições sociais implica que a história da ciência não pode se resolver facilmente aceitando apenas uma dessas opções e não outra. ZARKA, Yves-Charles. “Que nous importe l’histoire de la philosophie?” in ZARKA, Yves-Charles (dir.). Comment écrire l’histoire de la philosophie? Paris: PUF, 1999, pp. 19-32.
8. “Steeped in Neoplatonic and hermetic doctrines, the Creole clergy constantly searching in nature for underlying hidden signatures with patriotic significance. For them, the human body, the Earth, and the cosmos were all baroque “theaters” (in that objects were reduced to a language of images) interlocked by micro- and macroscopic analogies. All objects held polysemic meanings, and the exegetical skills of the clergy helped discover their underlying import, revealing a cosmos suffused with providential designs that favored the colonies” (CAÑIZARES-ESGUERRA, 2006: 50).
9. Refiro-me, por exemplo, a Puritan Conquistadors, também do autor, o qual procura demonstrar as semelhanças entre o discurso puritano de conversão dos indígenas e expansão britânica nas América com a “demonologia” indígena veiculada pelos espanhóis. CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. Puritan Conquistadors – Iberianizing the Atlantic, 1550-1700. Stanford: Stanford University Press, 2006.
Pedro Telles da Silveira – Aluno do segundo ano do curso de mestrado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, cuja pesquisa é feita sob orientação do Prof. Dr. Fernando Felizardo Nicolazzi e que conta com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: doca.silveira@gmail.com
GAUKROGER, Stephen. The Emergence of a Scientific Culture – Science and the Shaping of Modernity, 1210-1685. Oxford: Clarendom Press/New York: Oxford University Press, 2006. CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. Nature, Empire and Nation – Explorations of the History of Science in the Iberian World. Stanford: Stanford University Press, 2006. Resenha de: SILVEIRA, Pedro Telles da. Reescrevendo a história da ciência: The Emergence of a Scientific Culture, de Stephen Gaukroger, e Nature, Empire, and Nation, de Jorge Cañizares-Esguerra. Aedos. Porto Alegre, v.3, n.8, p.240-247, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original [DR]
La nación y su historia. Independencias, relato historiográfico y debates sobre la nación: América Latina, siglo XIX | Guillermo Palacios
Nessa coletânea de artigos, coordenados pelo historiador Guillermo Palacios, os autores lançam um novo olhar sobre a história da historiografia oitocentista na América Latina e a sua emergência no contexto da formação dos Estados e da construção das nações e das identidades nacionais.
A obra, a partir de uma perspectiva comparada das diversas situações historiográficas ibero-americanas, se propõe também a dar lugar a futuras indagações e pesquisas sobre o tema, e ser útil tanto a investigadores como a estudantes universitários. Neste sentido, este trabalho vem se juntar a uma série de outros estudos publicados na última década, sobre a formação de Estados e nações na América Latina. Cabe chamar a atenção para o fato de que os autores preferem usar, em seus artigos, a expressão “relato historiográfico” e não história (muito embora este termo seja utilizado em um sentido lato em diversas ocasiões no decorrer da obra), com o intuito de “diferenciar lo que parece ser un momento pre-moderno de la práctica de narrar el pasado, y su profesionalización, ya em los últimos años del siglo o en los primeros del XX” (p.09).
O livro faz alusão, em seu subtítulo, às independências ibero-americanas, pois, segundo Palacios, elas se constituem em marco histórico nas visões que as elites regionais, produtoras dos relatos históricos, projetam sobre o passado com vistas ao futuro, “mas em uma operação que busca cimentar o poder no presente” (p.12). Portanto, as guerras de independência e os processos imediatos que as seguem são o ponto de partida das “histórias nacionais” na América Latina. A relação da “história nacional” (oficial) será matéria, em muitas ocasiões, de disputa entre liberais e conservadores, em sua luta pelo poder político nos recém estados instaurados ou em torno dos projetos diferenciados de Estado e Nação. Neste sentido, a partir da produção de relatos historiográficos que se pretendem nacionais, se trata de fixar o passado, de uma vez por todas no imaginário coletivo, sempre de acordo com as representações, aspirações e interesses das elites. Por isso, a questão da “verdade” histórica é um elemento central, o fio condutor, em muitos dos relatos analisados pelos autores da coletânea. Contudo, não só a questão da “verdade”, mas também o “esquecimento” histórico é objeto de análise dos diversos autores, no que se refere à (re) elaboração de histórias nacionais.
La nación y su historia se divide em nove capítulos e, grande parte dos autores, focaliza uma ou várias obras capitais da historiografia do século XIX dos diversos países da América Latina, visando analisar os sentidos que estas obras outorgam às sociedades pós-coloniais.
Elias José Palti, em La nación argentina: entre el ser y el acontecimiento, se ocupa da obra Historia de Belgrano y la independência argentina, de Bartolomé Mitre. Visando analisar a construção de narrativas genealógicas sobre a nação, fundamenta seus argumentos em autores como Ernest Renan, José Chiaramonte e Benedict Anderson. O artigo de Palti acaba por revelar o caráter controvertido que assumiu o processo de afirmação de um estado centralizado, edificado na Argentina, na segunda metade do século XIX, e vê como problemática a concepção de uma ideia de nacionalidade anterior à formação dos estados na América Latina. Sobre a historiografía colombiana, Juan Carlos Vélez Rendón sugere, em seu ensaio Las luchas narrativas de una nación escindida, uma reflexão sobre a obra pioneira de José Manuel Restrepo, Historia de la revolución de la República de Colombia en la América Meridional, editada em Paris, em 1827, considerada o marco explicativo da revolução de independência. Em um segundo momento do ensaio, Rendón analisa as releituras realizadas sobre a obra capital de Restrepo, elaboradas por historiadores como José María Samper, Joaquim Posada Gutiérrez e José Manuel Groot, no decorrer do século XIX.
Cada uma das (re)interpretações e (re)significações da Historia de la revolución de la República de Colombia por parte de Samper, Posada e Groot, se inscreve em meio a um processo político contencioso, de cisão política que atravessava a sociedade colombiana em meados do século XIX, e que, portanto, incidiu sobre as releituras desses historiadores. Neste sentido, Rendón centra-se em alguns temas, que foram objeto de reinterpretações e polêmicas historiográficas na época, e que descortinam, no plano historiográfico, as lutas entre as elites (liberais e conservadoras) acerca da forma pela qual se devia edificar e organizar o Estado, e quais deveriam ser considerados os elementos constitutivos da futura nação colombiana.
Por sua vez, Guillermo Zermeño Padilla, em Apropiación del pasado, escritura de la historia y la construcción de la nación en México, parte dos seguintes questionamentos: em que sentido e até onde um evento jurídicopolítico, a declaração de independência do México em 1821, pode afetar a forma de escrever a história? Como a história se torna um fato natural, essencial, que passa a fazer parte da linguagem de uma coletividade com a tomada do poder por uma elite ou grupo? Como os “novos mexicanos” se apropriaram do passado e converteram, de forma anacrônica, os cronistas espanhóis do período colonial em “historiadores mexicanos”? Para responder a tais perguntas, Padilla se vale da análise dos escritos históricos do jesuíta Francisco Javier Clavijero e das obras de historiadores como Lucas Alamán, José Justo Gómez de la Cortina, Carlos Bustamante, Garcia Icazbalceta, Vicente Riva Palacio e Justo Serra, buscando compreender os vínculos entre a formação do discurso histórico nacional e a formação política da nação no México.
No caso peruano, Mark Thurner, professor da Universidade da Flórida, no capítulo intitulado La invención de la historia nacional en el Perú decimonónico, a partir de uma perspectiva iconográfica, discorre sobre a historiografia e suas relações com a história nacional. Embasado em teóricos como Hayden White e Jacques Rancière, o autor centra-se no papel motriz que desempenha o nome próprio na narrativa histórica a partir da análise dos discursos históricos e iconográficos sobre o país realizados pelo filósofo e historiador espanhol Sebastián Lorente (1813-1884), considerado o fundador da história peruana. Segundo o autor, Lorente inventou a “história peruana” como o “relato completo” de todas as coisas memoráveis jamais alcançadas pelos “peruanos”, em um território literário ou imaginado, projetado de forma retroativa, mas com vistas ao futuro. O fez com um estilo inspirador e ameno, e com a aprovação do sistema educativo do Estado (p.114). Thurner analisa ainda as obras e ideias principais dos historiadores sociais do século XX peruano, como José de la Riva Aguero e Víctor Andrés Belaúnde, críticos da historiografia de Lorente. Cabe salientar que o aspecto central no artigo de Thurner é seu estudo sobre os elementos literários e conceituais que tornaram possível pensar, até a atualidade, que o Perú é, ao mesmo tempo, um sujeito coletivo e singular.
Fundamentar a existência histórica de uma nação, fruto de um mosaico de pertenças, foi o desafio encontrado pela historiografia equatoriana, no século XIX, analisada pela historiadora Ana Buriano no capítulo La construcción historiográfica de la nación equatoriana en los textos tempranos. Em realidade, conforme Buriano, tudo era complexo e desconcertante na realidade do país daquela época: o sentimento de pertenças múltiplas, o problema da fragmentação territorial-administrativa, o regionalismo e a superação das identidades regionais/locais, dentre outras dificuldades para promover uma só nação, um só Estado. Neste sentido, Ana Buriano analisa o papel de destaque dos historiadores (e da História oficial), na forja do amálgama nacional equatoriano no século XIX. Historiadores, como Velasco e Gabriel García Moreno que, apelando ao passado, desde o presente marcado por conflitos, buscaram selecionar elementos que dessem coesão e sentido de pertencimento ao coletivo social após a independência do país, e no contexto de instauração do regime republicano.
No sexto capítulo, El pueblo soberano versus la plebe proselitista, Marta Irurozqui parte da candidatura presidencial de Evo Morales, em dezembro de 2005, e dos comentários dicotômicos dos diversos meios de comunicação sobre a população indígena e sua vinculação com a política nacional, para analisar as relações entre discurso historiográfico e etnização política na Bolívia, no período compreendido entre 1825 e 1922. Irurozqui divide o tema em três partes, nos quais aborda: a origem dos males nacionais, os problemas enfrentados pelo regime republicano após a independência, e o processo narrativo de etnização. A autora enfatiza em seu estudo não os possíveis problemas ocasionados pela elaboração de estereótipos, mas a negação do indígena e do mestiço como sujeitos e agentes históricos, negação essa legitimada pelas “verdades” históricas e, na atualidade, pela reedição de essencialismos identitários que justificam novas exclusões dos agentes históricos. Contribuição importante para a reflexão acerca de outras realidades latino-americanas, nas quais a dubiedade existente entre preconceito social e racial obscurece a análise dos mais lúcidos teóricos e intelectuais.
O Brasil também é contemplado em La nación y su historia, com o esclarecedor texto de Maria Ligia Coelho Prado, intitulado Emblemas de Brasil en la historiografia del siglo XIX: monarquia, unidade territorial e evolución natural. Nele, a autora, a partir de uma perspectiva historiográfica, literária e iconográfica, analisa algumas questões relativas à concepção e à elaboração dos primeiros textos da “história nacional”. Segundo Maria Ligia Prado, a historiografia oficial brasileira nasceu da convergência de ideias e vontades políticas, com coerência de objetivos, repetição de imagens e ampla permanência de algumas de suas ideias cardeais, dentre elas, a da transição política não violenta. Assim sendo, a autora analisa o papel do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) na configuração de um perfil da futura nação e na produção de uma visão homogênea do Brasil no interior das elites regionais. Além dos vínculos entre o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o nascimento da historiografia nacional oficial, a autora menciona a importância da Academia Imperial de Belas Artes no conjunto produtor de imagens fundacionais do Brasil. Destaca a relevância da pintura histórica na construção da nação e de um sentimento de identidade no cenário político brasileiro do século XIX. Dentre os pintores, a autora privilegia a análise de alguns artistas e seus quadros, como o de Victor Meirelles, “A Primeira Missa no Brasil”, de 1861, mas também Pedro Américo e seu monumental “Independência ou Morte” e, ainda, Modesto Brocos, com “A Redenção de Cam”, de 1895. Um dos objetivos principais de Maria Ligia Prado é o de entender a construção de temas e a formulação de interpretações da História do Brasil pelos integrantes do IHGB. É, neste sentido, que a autora analisa as interpretações de Karl Friedrich Von Martius, de Adolfo Varnhagen, de Capistrano de Abreu, de Silvio Romero, de Manuel de Oliveira Lima e de Joaquim Manuel de Macedo, entre outros.
Prado examina três questões centrais alojadas no cerne da construção historiográfica nacional e que marcaram as gerações posteriores de historiadores como poderosas visões e concepções formadoras do imaginário social e como integrantes de mitologias políticas brasileiras (p.290). São elas: a elaboração da ideia de monarquia como garantia da unidade do território e da grandeza nacional, por oposição aos regimes republicanos das ex-colônias espanholas; a ideia de Brasil como uma sociedade única, resultado de mesclas raciais e culturais entre índios, brancos e negros; a construção da visão de História do Brasil como uma evolução suave e continua em que se destaca a ausência de rupturas violentas.
Rafael Sagredo Baeza, no oitavo capítulo da obra, proporciona ao leitor um estudo sobre a história nacional do Chile e sua relação com a História Natural. Baeza, através da análise de História Física e Política de Chile, do naturalista francês Claudio Gay, considerada a primeira narração histórica sobre o passado desse país, elaborada no período republicano. Portanto, neste texto original, Rafael Baeza destaca o papel determinante que os naturalistas tiveram no reconhecimento científico dos países que exploraram; mas também no papel igualmente significativo que tiveram na conformação de nacionalidades, no desenvolvimento de identidades regionais, na integração de povos e sociedades ou na identificação de um destino comum proposto pelos estados que se pretendem nacionais na América Latina oitocentista.
Por fim, Ezio Serrano Páez, no último capítulo da obra, contribui com uma discussão sobre os discursos e intervenções dos deputados liberais e conservadores que participaram em dois congressos constituintes: o Congresso de Valência (1830) e outro, também na mesma cidade, em julho de 1858. Discursos e intervenções essas carregadas de valor historiográfico, o que fez com que Serrano Páez buscasse determinar dentro da percepção do histórico, o lugar ocupado pelos conceitos de pátria, nação e estado nos contextos mencionados e elaborados pelas elites desse país.
Em suma, La nación y su historia, escrita em linguagem agradável por diversos autores ibero-americanos, e estruturada de forma coerente com a sua proposta inicial, alcançando a diversidade e o equilíbrio entre os diferentes estudos, trata-se de uma obra de crucial importância para todos os que compartilham de uma mesma inquietude: a compreensão das relações entre historiografia e a formação de nações, identidades e estados na América Latina no século XIX.
Janete Silveira Abrão – Doutora em História Contemporânea pela Universitat de Barcelona (UB-Barcelona/Espanha) e professora no Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (FFCH/PUC-RS-Porto Alegre/Brasil). E-mail: janete.abrao@pucrs.br
PALACIOS, Guillermo (Coord.). La nación y su historia. Independencias, relato historiográfico y debates sobre la nación: América Latina, siglo XIX. México: El Colegio de México/ Centro de Estudios Históricos, 2009. Resenha de: ABRÃO, Janete Silveira. Independências, relatos historiográficos e debates sobre a nação na América Latina. Almanack, Guarulhos, n. 1, p. 170-173, jan./jun., 2011.
The sins of the nation and the ritual of apologies – CELERMAJER (FU)
CELERMAJER, D. The sins of the nation and the ritual of apologies. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. Resenha de: SANTOS, César Schirmer dos. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.3, p.340-342, set./dez., 2010.
Qual o lugar e o papel da desculpa coletiva nas práticas das democracias liberais modernas? Uma primeira resposta, mais clássica, diria que tal prática não tem lugar ou papel algum. Não teria lugar algum, dado que pedidos de desculpas precisariam ser feitos por indivíduos, e não teria papel algum, dado que os erros do passado seriam assunto do judiciário.
No entanto, têm se visto democracias liberais pedindo desculpas coletivas por crimes e atrocidades cometidos no passado contra indivíduos com identidades sociais bem marcadas. Por exemplo, nações europeias pediram desculpas aos judeus pelo Holocausto, e às nações dos novos mundos pelas violações contra populações locais nos passados colonial e pós-colonial. Essas demonstrações de arrependimento não são bem explicadas pela concepção clássica de democracia liberal. Mas, para Celermajer, isso não é motivo para rejeitá-las, e sim para se repensar a democracia liberal moderna e descrever de maneira acurada suas atuais bases normativas.
A tese fundamental de Celermajer é que a normatividade das democracias liberais é constituída por duas camadas, por assim dizer. Há uma camada mais superficial e manifesta, a qual é composta por indivíduos que são responsabilizáveis pelos seus atos individuais, de acordo com leis positivas ou normas socialmente aceitas. E há uma camada mais profunda, composta pelo regramento de base da coletividade. Para Celermajer, a desculpa coletiva passou a ter lugar nas democracias liberais, a partir dos anos 1970s e 1980s, porque passou a haver reconhecimento de que indivíduos de minorias sofreram genocídio ou segregação por causa do regramento de base, o qual possibilitou as práticas legitimadas de genocídio ou segregação por indivíduos da maioria.
Apesar de serem um fato, as desculpas não são suficientes, para Celermajer, para redimir as coletividades pelos seus erros passados. Seria ofensivo às vítimas e aos seus descendentes tomar uma mera performance verbal como o suficiente para se fazer justiça. No entanto, o pedido de desculpas coletivas, na medida em que é um reconhecimento da falha das bases normativas anteriores, abre espaço para a justiça e se mostra como um importante indicador de modificação normativa positiva da sociedade.
Os pedidos coletivos de desculpas fazem parte de um kit de modos de lidar com os abusos cometidos no passado, nas democracias liberais modernas. Outras modalidades são as comissões da verdade e as reparações. Enquanto as comissões da verdade buscam trazer à luz os abusos cometidos no passado, e as reparações buscam trazer equidade aos descendentes de injustiçados, as desculpas coletivas são performances que manifestam o arrependimento daquele que fala. No caso, o que temos é um representante reconhecido de uma coletividade, como um presidente ou ministro, falando pela instituição que representa, e o arrependimento em questão é o da instituição, através da manifestação de arrependimento do representante. Para Celermajer, no caso usando as ferramentas conceituais de John Austin contra ele mesmo, um pedido de desculpas não é a mera expressão de um sentimento, mas sim o comprometimento daquele que se desculpa com um certo modo de ser, com certa identidade. Ou seja, usando o jargão técnico, no caso o ato de fala “Por favor, nos desculpe” é comissivo, não comportamental. Aquele que pede desculpas está manifestando que se comprometeu com uma maneira de ser diferente daquela que tinha antes, o que quer dizer que quem se desculpa está manifestando remissão, mudança na identidade, autoaperfeiçoamento e a esperança de um futuro distinto do passado.
Uma boa parte do livro de Celermajer responde à crítica de que a desculpa não tem lugar nas democracias seculares por ser uma figura da pré-modernidade teológica e teocêntrica. Essa crítica tem dois elementos. Primeiro, diz que toda responsabilidade é individual, nenhuma responsabilidade é coletiva. Segundo, diz que em democracias seculares tudo o que há é justiça enquanto prática judiciária apoiada em leis estabelecidas pelo legislativo, não havendo lugar para o arrependimento. Celermajer apresenta uma resposta única para essas duas críticas: as democracias seculares modernas são capazes de reconhecer que seus arcabouços seculares passados levaram a injustiças praticadas por indivíduos contra membros de minorias, e tal reconhecimento é a base para que a própria instituição lamente ter sido como foi e busque ser e agir de outra forma no futuro, através da modificação do seu arcabouço normativo. Tal lamento e arrependimento têm lugar na democracia secular liberal moderna, porque faz parte da identidade da mesma a busca das melhores bases normativas, de modo que o reconhecimento da falha nas bases normativas do passado, e das suas graves consequências, é um modo por excelência de satisfazer tal busca. A desculpa coletiva, enquanto modo de lidar com o passado, é um comprometimento com uma base normativa mais sólida e justa, no presente e no futuro.
Assim, o papel da desculpa coletiva é a demonstração do comprometimento, da parte de uma coletividade ou instituição, com um futuro mais sólido, do ponto de vista normativo, do que o passado. De modo que a desculpa coletiva não está aí para condenar e punir a sociedade passada como um todo, o que seria absurdo. Tudo o que segue da desculpa coletiva é um compromisso com a mudança normativa.
A entrada da desculpa coletiva como modalidade de ato de fala típico das democracias liberais modernas é o retorno de uma prática linguística religiosa e pré-moderna, visto que tal tipo de performance não era um elemento da concepção clássica de democracia e era, nas modalidades do perdão e do arrependimento, típica do judaico-cristianismo. Mas, para Celermajer, o mero fato do tipo de performance ser pré-moderno não é suficiente para rejeitá-lo como elemento da democracia moderna. Assim como houve mudança entre o mundo heterônomo e feudal e o mundo autônomo e moderno, há mudança entre o mundo moderno da responsabilidade meramente individual e o mundo moderno da responsabilidade individual e coletiva, sendo que elementos religiosos e pré-modernos explicam, em larga medida, a moderna responsabilidade coletiva, ao menos no que diz respeito aos pedidos de desculpa coletivos.
Poderíamos perguntar de que vale uma desculpa, isto é, uma mera voz, ante atrocidades e discriminações. De maneira incisiva, Celermajer mostra que vale muito, visto que um pedido de desculpas é uma nova ação, no presente. A desculpa insere algo novo na coletividade e, no caso, insere algo que não era típico do passado coletivo, visto que se trata, justamente, de um arrependimento ante as injustiças cometidas e mesmo estimuladas pelas bases normativas do passado. Assim sendo, a desculpa amplia o leque de ações típicas das democracias liberais, as quais passam a ter o ato de fala performativo como uma das suas possibilidades, além das intervenções legais e institucionais.
O questionamento do papel da desculpa nas democracias liberais modernas poderia ir adiante, questionando as bases e apoios do pedido de desculpas. É fácil estabelecer as bases normativas do pedido de desculpas do fiel, na tradição judaico-cristã, pois esse se apoia em Deus, o absoluto. No entanto, dado que as democracias modernas se apoiam apenas nas regras que os homens de fato deram para si mesmos, esse caminho está fechado. A solução de Celermajer a tal problema é pôr em evidência que as democracias modernas se apoiam em diversos substitutos do absoluto teológico, como, por exemplo, os direitos universais e cláusulas pétreas constitucionais. Aqui divirjo de Celermajer, pois me parece que a democracia liberal não precisa desses procuradores seculares do absoluto, dado que está nas suas bases, ao menos desde o Contrato social de Rousseau, a distinção entre fato e direito. A solução clássica para tal tipo de problema é apoiar o arrependimento nas bases normativas com as quais a sociedade se compromete, as quais são reconhecidas como as normas de direito legítimas, ao mesmo tempo em que se reconhecem e se denunciam as normas de fato do passado como ilegítimas. Assim, não me parece que seja preciso usar o recurso de preservar a forma da desculpa no mundo teocrático, abandonando sua substância, visto que há mudança na forma da desculpa: sua base já não é o absoluto, mas sim o direito, em oposição ao fato. Imagino que alguns diriam que o direito é outra modalidade secular do absoluto, mas eu espero pelo argumento.
César Schirmer dos Santos – Instituto de Desenvolvimento Cultural. Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: cesarschirmer@gmail.com
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A Revolução Cubana e a Questão Nacional | José Rodrigues Mao
A Revolução Cubana sempre foi mais do que um objeto de estudo acadêmico. Desde os primeiros textos produzidos pelos intelectuais que buscaram compreender o significado histórico da aça político-militar que libertou a Ilha de Cuba das garras do império norte-americano, a tônica foi sempre o engajamento. Intelectuais que transitavam do prestígio acadêmico para o compromisso revolucionário incorporaram essa mutação política. Wright Mills, acostumado a desnudar os mecanismos de reprodução das classes dominantes no centro do Império, viu Cuba como uma centelha de esperança. Jean-Paul Sartre, perturbado com os impasses do comunismo soviético, escreveu seu belo depoimento chamado “Furacão Sobre Cuba”. Na mesma época ele fazia o prefácio do mais eminente livro dos anos 60: “Os Condenados da Terra” de Franz Fanon, que, na esteira da Revolução Cubana e em plena Revolução Argelina, dava dignidade poética à violência revolucionária. Leia Mais
A Invenção da Argentina: História de uma Idéia | Nicolas Shumway
Ao analisar as fronteiras do Brasil, percebe-se rapidamente que este possui um número expressivo de vizinhos, fato que sugere uma maior acessibilidade a estes países e, porque não, a necessidade do estabelecimento de relações de variados tipos. Com efeito, a proximidade territorial e o contexto geopolítico acabam por vezes determinando as grandes linhas de relacionamento externo, já que é a realidade da qual não se pode e nem se deve fugir.
Nessa perspectiva, alguns países emergem com maior relevância no conjunto das expectativas brasileiras relacionadas à sua realidade geográfica, seja por questões de high politics ou low politics. Dentre esses, a Argentina representa historicamente o principal eixo do país na América do Sul. Portanto, entender sua história e aqueles elementos que caracterizam sua cosmovisão é uma tarefa necessária ao Brasil e aos brasileiros. Leia Mais
El complot patagónico. Nación, conspiracionismo y violencia en el sur de Argentina y Chile (siglo XIX y XX) | Ernesto Bohoslavsky
Tulio Halperín Donghi comentó en una entrevista efectuada en 1993 1 que su trayectoria como historiador especializado en América Latina había sido producto casual de un derrotero personal signado por las discontinuidades producidas en la historia política argentina (que tanto afectaron a las universidades nacionales entre 1943 y 1983), llevándolo a establecerse sucesivamente como investigador en París, Harvard, Oxford y Berkeley, sin renunciar por ello a ser un historiador que escribe y publica en castellano y para una amplia audiencia de historiadores. En su opinión, esa atípica historia personal moldeó no sólo sus vastos conocimientos generales sobre la historia e historiografía de América Latina, sino también estimuló en él una aproximación empírica al estudio de actores, instituciones, hechos y procesos situados en diferentes localizaciones del continente. Este particular perfil intelectual nos es presentado por Halperín como un caso bastante excepcional, inscripto en un universo historiográfico donde –por el contrario- predominan los especialistas argentinos, brasileños, chilenos, etc. concentrados exclusivamente en la historia de un determinado período y dimensión de la vida social de su propio país. Leia Mais
Salvar la Nación. Intelectuales, cultura y política en los años veinte latinoamericanos – FUNES et. al (AN)
FUNES, Patricia. Salvar la Nación. Intelectuales, cultura y política en los años veinte latinoamericanos. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2006, 440 p. Resenha de: MANSILLA, María Liz; ZAPATAT, M. H.; SIMONETTA, Leonardo C. Anos 90, Porto Alegre, v. 16, n. 29, p. 357-364, jul. 2009.
La década abierta en 1920 es sumamente rica en lo que respecta a procesos y problemas de singular relevancia que no sólo merecen ser estudiados por su importancia coyuntural sino también porque su fuerte impronta repercutirá en etapas posteriores a lo largo de la centuria. Es esta, además, una década prolífica en lo que a debates y generación de nuevas propuestas se refiere. Así, la doctora Patricia Funes ha decidido transitar estos diez años eligiendo uno de los tantos senderos posibles.
Salvar la Nación. Intelectuales, cultura y política en los años veinte latinoamericanos es fruto de una ardua y profunda labor investigativa concebida inicialmente bajo las características y el formato propio de una tesis de doctorado, desarrollado en la Universidad Nacional de La Plata. Ahora, devenido en libro, tienen la posibilidad de circular con mayor libertad y de invitar a sus potenciales lectores a centrar la atención en torno a los contenidos e intenciones que adoptó la reflexión acerca de la Nación entre los intelectuales latinoamericanos por aquellas épocas.
En la primera parte de las tres secciones que componen la obra, la autora asienta las premisas de su trabajo, sus ejes problemáticos y el modo de abordar los mismos, mientras se va introduciendo en el análisis de los elementos y categorías generales a partir de los cuales gravita la investigación: años veinte, intelectuales y nación.
De acuerdo a Funes, se trata de una coyuntura que, comúnmente, ha quedado subsumida e invisibilizada en periodizaciones más amplias del tipo clásico como “1880-1930” o “período de entreguerras” – que invalidan cualquier reflexión de los procesos de cambios y continuidades – pero que, no obstante, posee una entidad propia que permite dotarla de nuevos significados que hacen posible individualizarla. Desde su perspectiva, los años 20 poseen un carácter coloidal y fundacional, en el que se originan múltiples tradiciones de pensamiento culturales y políticas que atravesarían el siglo XX latinoamericano.
La segunda parte del libro se detiene en el tratamiento y desarrollo de los argumentos centrales. Y un tercer apartado contempla las reflexiones finales. El libro también cuenta con un apartado con bibliografía seleccionada que evidencia un intento de síntesis de lo producido acerca del período y de incorporación de diversos enfoques y disciplinas que tienen por objeto de estudio a la sociedad latinoamericana del siglo XX – con especial referencia a la década de 1920 –, lo que permite proseguir con el estudio en profundidad de las problemáticas planteadas.
En efecto, la crisis de la Gran Guerra, la relativización de Europa como faro de la cultura y la creciente oposición a las agresivas políticas militares de Estados Unidos sobre la región fueron generando dudas, rumbos significativos y un novel continente de sentidos en el mundo de las representaciones, recortando la silueta de problemas e inquietudes comunes a un grupo de hombres de distintos países de América Latina que comenzaban a construir el colectivo específico de los intelectuales. La revolución, el socialismo, el comunismo, el antiimperialismo, el corporativismo, la democracia y la ubicación de esta parte del orbe en la cartografía de la modernidad fueron tópicos que recorrieron la reflexión de estos actores que se ubicaron desde el campo de la cultura y la sociedad. Pero, especialmente, recayó sobre ellos la tarea de pensar y crear interpretaciones y lecturas en torno a la Nación, entidad de sentido conformada desde múltiples visiones y ambivalentes significados al calor de una discusión que atravesaba tanto el plano filosófico-cultural como el político.
Apelando a un registro de análisis que podría caracterizarse como político-cultural, la historiadora entrelaza con soltura y fluidez la reflexión en función de dos grandes universos semánticos. Por un lado, los contenidos y significados inherentes de los discursos y representaciones que pujan por definir qué es la nación en la arena filosófica-cultural. Y por otra parte, se hace presente la intención en el plano político de los intelectuales de cristalizar solidaridades colectivas y (re)crear una “comunidad imaginada” vinculada a la determinación de precisar inclusiones y exclusiones. A ello se suman los enfoques específicos de la historia social, incorporando sobresalientes aproximaciones sobre las sociedades y los contextos que sostienen el accionar de dichos agentes.
En concordancia con su propuesta de análisis, no se contemplan sólo la producción de los intelectuales que se autodefinen abiertamente como pertenecientes a los diversos nacionalismos y como productores de acepciones más o menos felices sobre la Nación.
Por el contrario, el elenco de hombres visitados se amplia de manera sorprendente y, a la vez, sus postulados van siendo cruzados y confrontados no en función de países o de biografías sino a partir de un conjunto de problemas que permitan un acercamiento más explicativo al conjunto de debates antes aludido. En este sentido, la ponderación hermenéutica y metodológica de tres ámbitos específicos (México, Perú y Argentina) y de los personajes escogidos (Víctor A. Belaúnde, Jorge Luis Borges, Manuel Gálvez, Manuel Gamio, Francisco García Calderón, Manuel González Prada, Víctor Raúl Haya de la Torre, Pedro Henríquez Ureña, José Ingenieros, Vicente Lombardo Toledano, Leopoldo Lugones, José Carlos Mariátegui, Andrés Molina Enríquez, Alfonso Reyes, José E. Rodó, Ricardo Rojas, Luis Alberto Sánchez, Manuel Ugarte, Luis Valcárcel, José Vasconcelos, Alberto Zum Felde, entre otros), no sólo ofrece la oportunidad para tensar al máximo las dificultades para pensar América Latina en clave regional y brindar el andamiaje necesario para ver cómo cada uno de estos tópicos son tratados en realidades nacionales bien disímiles, sino también permite romper con aquellas visiones endógenas, ufanistas y cerradamente nacionalistas que coadyuvaron a configurar los imaginarios y resortes sobre los que reposaban las historiografías nacionales y abrir canales de diálogo entre distintas tradiciones. Cabe aclarar que la preeminencia dada a estos tres espacios dominantes, que se subordinan a los ejes sobre los que se ha configurado la interpretación, no obtura la peripecia de hacer referencia a otras realidades a lo largo de la obra, recurriendo a un método comparativo que enriquece de forma significativa los planteos a través del muestreo de diferentes tramas de producción intelectual.
La segunda parte del libro se detiene en el tratamiento y desarrollo pormenorizado de los nudos centrales, desplegados en torno a cinco acápites temáticos. En un primer momento se indagan las disímiles y complejas relaciones entre Nación, crisis y modernidad. Bajo el rótulo de “Salvar la Nación” – frase que emerge con insistencia en las más heterogéneas interpretaciones de comienzos de la década –, se piensa en los ejes de cada una de las interpretaciones de la Nación (el Inkario, las mayorías nacionales, la vida civil, la fuerza o la potencia, la religión católica, la historia en común) en función de dos tradiciones clásicas de los tiempos modernos: una idiosincrásica, y la otra constructivista. La hipótesis fuerte de Funes es que la Nación ya no es considerada como un atributo o un perímetro que acompaña o completa al Estado, sino que es tomada como el espacio de condensación de las complejidades y contradicciones sociales en el contexto de una modernidad esquiva y ecléctica pero advertible a todas luces.
En “La Nación y sus otros”, se pone de manifiesto el desplazamiento de una concepción intelectual de nación a partir de las categorías que imponían la tradición liberal (cuyo énfasis recaía en la noción de ciudadanía) y la tradición positivista (acentuando la idea de morfología racial) a una concepción que abrevaba en las consideraciones sociales y culturales. La tesis central de esta sección es que en esta década, el pensamiento latinoamericano buscó una hermenéutica que no clausurara ni el pasado ni el futuro y que contuviera fórmulas para ensanchar la Nación a partir de dos variables: en el tiempo (apelando al pasado, a las tradiciones y a los orígenes) y en el volumen social (al considerar al “otro” antes excluido, encarnado en las figuras del indígena y del inmigrante).
Por ende, el desafío radicó en conciliar en el proceso de incorporación a un conjunto de alteridades complejas y de distinta entidad: étnicas, culturales, religiosas, sociales y regionales.
En tercer lugar, la autora remarca la importancia que el pensamiento antiimperialista de posguerra tuvo en la medida en que constituyó un dilema que configuró un perímetro inclusivo a escala regional y señaló destinos y estrategias comunes para América Latina. Ya no sólo eran las otredades internas los “problemas” a resolver, sino que se sumaron las fronteras culturales y económicas que se recortaron frente al “otro” externo que obligaba a tomar posiciones frente o contra la dominación imperialista pergeñada desde Estados Unidos. A lo largo de “Antiimperialismo, latinoamericanismo y Nación”, se analiza el modo en que categorías como autonomía, autodeterminación, soberanía, independencia, patriotismo y nacionalismo eran puestas en jaque al tiempo que incitaban a reforzar el pensamiento de los intelectuales frente a los desafíos de un “afuera” imperialista.
En el capítulo “Lengua y Literatura: arcanos de la Nación”, se examinan las polémicas en torno del idioma, la presencia de la literatura nacional y la edificación de un canon literario, temas que muestran los sentidos que se imprimieron sobre la Nación. En esta línea, la consideración en los años veinte de los binomios culto/popular, moral/escrito, español (o castellano)/lenguas indígenas, entrelazados con la reevaluación del canon literario, la designación de precursores de la literatura nacional, la ampliación de autoridades y precedencias, las formas de datar y compendiar las historias se conjugan en implícitos y fuertes pilares sobre los que se apoya el discurso y los fundacionales imaginarios nacionales de la década.
Finalmente, en el quinto apartado, “Ser salvados por la Nación. Las búsquedas de una nueva legitimidad”, las protagonistas del debate son las ideologías políticas. Para Funes, la problemática de la definición de la Nación se consolida en el terreno intelectual paralelamente al proceso de debilitamiento o superación del orden oligárquico como correlato de la creciente complejización social y la aparición de actores sociales en la escena pública. Esto condujo a repensar los vínculos entre Sociedad y Estado, en una línea donde nociones como república, democracia, revolución, socialismo, corporativismo son leídos en otra clave, para hallar nuevos y alternativos principios de legitimidad bajo premisa de que es posible “ser salvados” por la misma Nación que se está discutiendo.
Más allá de la unidad en la coherencia y rigurosidad desplegadas para tratar cada problema, se suma otro elemento del orden metodológico que atraviesa los capítulos reseñados: la forma de organización interna. Invirtiendo el orden clásico de la exposición, cada apartado inicia con una clara explicitación de las conclusiones para luego desandar el camino que llevó a ellas. De igual modo, cada capítulo se halla encuadrado en el abordaje de distintos materiales: históricos propiamente dichos, que sirven de soporte material para rescatar la información empírica que configura, en criterios cronológicos, un proceso; teóricos, que colaboran para la comprensión, delimitación y evaluación de los problemas presentados; y fuentes, que son de gran utilidad puesto que permiten una aproximación más estrecha a lo producido por los diferentes actores y posibilitan contar con cierto número de documentos que ofrecen un margen de evidencia de las visiones y perspectivas en la coyuntura. El libro también cuenta con un apartado con bibliografía seleccionada que evidencia un intento de síntesis de lo producido acerca del período y de incorporación de diversos enfoques y disciplinas que tienen por objeto de estudio a la sociedad latinoamericana del siglo XX – con especial referencia a la década de 1920 –, lo que permite proseguir con el estudio en profundidad de las problemáticas planteadas.
La cuidadosa reconstrucción sistemática de las lógicas de configuración de los imaginarios nacionales en América latina durante los años 20 ha sido un desafío y al afrontarlo, la autora ha realizado una muy importante contribución al conocimiento de nuestra historia latinoamericana, manifiesta en una prosa ágil y bajo un tono que es capaz de ir y venir con soltura entre los diferentes aspectos del debate intelectual sin contradecir la lógica narrativa que pretende. Convergencias e integraciones de este tenor son, por cierto, estimulantes y una vez más, se ponen de manifiesto en la aplicación del método comparativo, estableciendo similitudes y diferencias que ese proceso global presenta cuando se lo aborda a escala de cada sociedad nacional. La tarea de repensar nuestros intelectuales ha operado aquí como una excusa para desandar las peripecias de la construcción compleja de la Nación. En este sentido, otra virtud que reviste el trabajo es que ha logrado superar por un lado, los postulados esencialistas y las naturalizaciones ahistóricas y, por otro, las interpretaciones funcionales y fatalistas.
En síntesis, se trata de una obra que se escribe desde la pluma de la innovación y de la imperiosa necesidad de transitar nuevos caminos y formas de escritura histórica acordes a los tiempos que corren, conjugando en su prosa la rigurosidad científica en el sentido “tradicional” – la utilización de la documentación más diver sa y exhaustiva posible, la severidad de la crítica, la teorización apropiada y operativa y la sólida claridad interpretativa, producto de años de investigaciones en historia latinoamericana del siglo XX – y la lectura amena – propia de quien domina el oficio de escribir de manera atractiva, seductora y provocadora –, con el laudable objetivo de “repensar” cuestiones que refieren a nuestros problemas más actuales, como el hecho de que “(…) la historia no sólo no finaliza sino que en nuestros países, hace mucho que recién comienza”. Y en ese transitar, es necesario sentarse a discutir a Latinoamérica y a la Nación sin tapujos y encorsetamientos, en diálogo abierto y plural, como balance y como proyecto.
María Liz Mansilla, Horacio M. H. Zapata e Leonardo C. Simonetta – Escuela de Historia – Centro Interdisciplinarios de Estudios Sociales (CIESo) – Facultad de Humanidades y Artes – Universidad Nacional de Rosario, Argentina.
Iberismos. Nação e Transnação, Portugal e Espanha, c. 1807-c. 1931 – MATOS (LH)
MATOS, Sérgio Campos. Iberismos. Nação e Transnação, Portugal e Espanha, c. 1807-c. 1931. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, 362 pp. Resenha de: GÓMEZ, Hipólito de la Torre. Ler História, v.74, p. 277-280, 2019.
1 Hoy ya no puede decirse que la historia de la relación entre Portugal y España en la época contemporánea sea asignatura pendiente de la historiografía peninsular. En poco tiempo, los libros de Juan Carlos Jiménez Redondo, José Miguel Sardica, César Rina, el coordinado por Sergio Campos Matos y Luis Bigotte Chorão, el que viene de editar en formato digital Luis Fernando de la Macorra y, en fin, éste que aquí se comenta –por no referirme a artículos y actividades de investigación colectiva– demuestran precisamente todo lo contrario. La historia de lo ibérico ha dado en el último lustro un salto muy notable, no solo en el conocimiento empírico, sino también en la renovación de enfoques y de perspectivas metodológicos.
2 Conociendo el fuste intelectual del profesor Matos, y su familiaridad con los estudios sobre cultura e imaginarios del nacionalismo portugués, la temática iberista le viene como anillo al dedo. Captar el Portugal y la España contemporáneos interactuando en sus percepciones e interpretaciones del otro, en sus proyectos para el conjunto –conservadores, correctores o superadores del dualismo político peninsular– tal es el meritorio empeño de esta importante obra. Su resultado es un dibujo amplio, rico y bien matizado de un flujo de pensamientos y prospectivas, transversales a todas las corrientes políticas (p. 315), sobre la naturaleza y las posibilidades convergentes de las entidades nacionales de la península ibérica. Eso, que se llamó y llamamos iberismo, tan manido y en apariencia tan simple en sus contornos intelectuales, cobra compleja vida en el inteligente y detallado análisis de sus variantes, como el que Sérgio Campos Matos lleva cabo en esta obra.
3 No pasó el iberismo al terreno de las realizaciones nacionales, como aconteció por ejemplo en Italia, porque carecía, explica el autor, de “base social, carácter orgánico y unidad programática”. No fue tanto un nacionalismo, como una “constelación de idearios relacionados con diferentes tendencias nacionalistas” (p. 18). Sirve, a mi juicio, en su incapacidad de realizarse, para mostrar la solidez de la construcción histórica portuguesa. Y sirve, en positivo, a un retrato de la historia del pensamiento y de los imaginarios nacionales peninsulares. O sea, a una mejor comprensión de las sustancias intelectuales, y hasta emocionales, de las naciones peninsulares. Incluyendo, con indudable acierto, la perspectiva temática, cuando rebasaba los marcos cronológicos dominantes, éstos se le imponen al lector con facilidad, y en todo caso facilitan la labor de reseñar un estudio tan rico y plural como lo es éste. Hay una alta edad contemporánea, de fuerte densidad iberista, que culmina en las décadas de 1850-1870; vienen luego, desde los años de entresiglos, un decaimiento y reformulación del iberismo ortodoxo; y sigue, en fin, un periodo, de tensión política y político-internacional entre los dos países que refuerza el nacionalismo hispanófobo de Portugal, y solo refluye –aunque aún provisionalmente– en la década de los años veinte.
4 El periodo de construcción liberal de los Estados asiste a un apogeo de los postulados iberistas que diríamos clásicos, bien en su vertiente unionista, bien en dimensión federal. Monárquicos los primeros; republicanos, los segundos. Se inscriben ambos dentro de la cultura liberal imperante, revolucionaria, que fundamenta las realidades nacionales sobre la libre expresión de las poblaciones, y muestra, en las unificaciones de Italia y Alemania, ejemplos atrayentes de grandes realizaciones estatales. Del lado de España, el iberismo no ofrece dificultades de monta porque agranda y fortalece siempre su entidad nacional. Precisamente por eso, en Portugal es mucho más problemático, y tiene como resultante el refuerzo de un nacionalismo teñido de prevenciones frente a las propuestas unionistas del vecino. La realidad acontecida demuestra la fragilidad social y política de la marea iberista. D. Fernando II rechazando el ofrecimiento del trono español vacante por la revolución de 1868; La Comisión 1º de Diciembre (grupo de presión, con significativos vínculos personales al poder, a la que el profesor Matos dedica una treintena de páginas muy bien documentadas) levantando la bandera del nacionalismo reactivo portugués.
5 En el último tercio del siglo, la polémica iberista decae de forma manifiesta. Nada puede extrañar, porque la revolución, dentro y fuera de la Península, había llegado a su término y, con ella, la pleamar del iberismo. Era el tiempo de una gobernanza realista (Cánovas; Fontes), y de un proyecto colonial que, en sus propias dificultades, internas e internacionales, canaliza desde fin de siglo un nacionalismo lusíada, tan exacerbado y popular, que arrastró –y hasta acabó por colocar en su vanguardia– al propio republicanismo. Decae, sí, el iberismo clásico, pero la cuestión ibérica se reformula. Hay que leer con atención las páginas sobre la generación del 70 para apercibirse de la crisis iberista. Pero hay que leer sobre todo el magistral estudio que el autor dedica a Oliveira Martins para captar esa reformulación en toda la hondura y alcance. Imposible reconstruir los atinados análisis del profesor Matos sobre tantos temas capitales como suscita el pensamiento de Oliveira Martins: la naturaleza polémica de la nación “española”; la especificidad de Portugal dentro del conjunto hispánico; la discusión sobre el apogeo y decadencia peninsulares –sus momentos históricos, sus factores.
6 Y, para evaluar el significado de cuanto defiende el insigne polígrafo portugués, siempre la oportuna referencia del profesor Matos a las coordenadas intelectuales externas: al concepto de civilización, extendido fuera (de Voltaire a Guizot) y dentro (Eugenio Tapia, Morón, Menéndez Pelayo, Altamira) de la Península; a la inextinguible leyenda negra, especialmente arraigada en el mundo anglosajón (W. Prescott, H.T. Buckle). Oliveira Martins –explica el autor– distanciado del providencialismo histórico y de la teleología positivista, fue “o primeiro historiador a adotar o conceito de uma civilização ibérica, correspondente ao todo peninsular” (p. 182). Y, apelando a grandes figuras del ensayismo lusitano del XX, puede afirmar que “foi mais longe do que qualquer outro autor português na sua indagação acerca de Portugal” (p. 183). Podría añadirse, sin exageración, que la fórmula del iberismo martiniano representó un antes y un después en las relaciones peninsulares: acabó por resolverlas.
7 Antes, las suspicacias que genera el célebre encuentro republicano de Badajoz (1893), las episódicas y epidérmicas repercusiones de solidaridad generada por las crisis del 90 y del 98, o la más que sospechosa campaña española de “armonía ibérica” (1917), apenas si revelan la defunción de la ortodoxia iberista. De sobra justificada por las iniciativas anexionistas de la España alfonsina en el escenario de la crisis interna portuguesa y la gran crisis mundial (1907-1919). España es el “peligro español”. Pero, entre tanto, la huella del pensamiento martiniano se hace patente en el avance de una metamorfosis de indudable calado, que tendrá su momento de arranque en la inmediata posguerra y constituirá política oficial de la dictadura del general Primo de Rivera. Los conceptos –aireados ya desde fines del XIX– de panhispanismo, hispanoamericanismo, iberoamericanismo recogen, y amplían al mundo de estirpe portuguesa y española, la poderosa herencia del concepto de una civilización ibérica transcontinental (aunque en Portugal, João de Barros o Bettencourt Rodrigues postulasen la marca propia de panlusitanismo).
8 Y, sobre todo, esa reformulación martiniana halla su mejor expresión en la alianza peninsular de António Sardinha: dos naciones políticas, unidas en una proyección internacional común, como reflejo de identidad de civilización. El peninsularismo de António Sardinha, imbuido, como su propio autor, de ideología contrarrevolucionaria, tendría fraternal acogida entre sus homólogos españoles de la futura e influyente Acción Española. Cuando la contrarrevolución se hiciera realidad política en Portugal (tras el derrumbe de la democracia liberal) y en España (bajo la dictadura de Primo de Rivera, y más tarde, en el franquismo); cuando se liquidara el periodo de regímenes antagónicos que siempre estuvo en el origen de la desavenencia peninsular, la fórmula aliancista de Oliveira Martins, retomada en clave ideológica por Sardinha, tendría asegurado definitivo éxito. Resultó también muy importante que los autores de esa fórmula fueran portugueses, y no cualesquiera, sino portugueses ilustres convertidos por largas estancias en España (tanto Martins como Sardinha) y estrecha relación con intelectuales españoles “à lareira de Castela”.
9 No sé si, en la atracción fatal que inspiran tantas y tan complejas cuestiones como suscita este interesantísimo libro de Campos Matos, no habré dejado ya, con mi involuntaria huella, algunas observaciones críticas. Voy a ello. Pienso por ejemplo que hubiera valido la pena resaltar más los encuadramientos históricos –internos e internacionales– de la Península, porque son ellos los que condicionan y motivan en gran medida la intensidad de las pulsiones y la naturaleza de los planteamientos iberistas. Tampoco acabo de explicarme por qué el profesor Matos se detiene en 1931, en vez de abordar toda la década de los años treinta, que interrumpe, en el antagonismo político-ideológico de los respectivos regímenes, la fórmula de entendimiento descubierta por Oliveira Martins, y reforzada, con estratégicas y oportunas dosis de ideología conservadora por António Sardinha. Incluso veo el final de esta historia en el triunfo del franquismo, que reúne a mi juicio esas condiciones fundamentales de paz política peninsular, sintonía ideológica contrarrevolucionaria y homologación (desde 1945) de ambos países en un mismo sistema internacional.
10 Y ya un interrogante final. ¿Por qué no mantener iberismo, en vez de iberismos? En singular, como siempre se dijo, el término sugiere una sustantividad que en plural se pierde, tornándose circunstancial. Ahora bien, lo sustantivo es la persistencia del objetivo unionista final, que da sentido a sus variantes, vías estratégicas puntuales (ideológicas, económicas, políticas, etc.) generadas en la circunstancia histórica. El término iberismo debe entenderse, por tanto, como marco referencial finalista de todas y cada una de sus variantes (iberismos), a las que presta un norte conceptual y un recorrido de larga duración. Que es precisamente lo que hace el autor, contemplando con indudable maestría en cada árbol el conjunto del bosque. E incluso, si la terminología resultase problemática, ¿por qué no expresarla con el título de Iberismo(s)?
11 Nada de esto reduce en lo más mínimo el valor de este sobresaliente libro de Sérgio Campos Matos, no solo muy bien documentado en la abundancia de títulos, de fuentes archivísticas y hemerográficas, sino –lo que suele ser menos frecuente y desde luego mucho más complicado– escrito con erudición e inteligencia interpretativa. El resultado es una obra de altura, que reconstruye con éxito un capítulo fundamental de la historia intelectual portuguesa y española: la que reflexiona sobre el “ser” propio y del otro, mirando a una definición retrospectiva y prospectiva de cada uno y de los dos en el marco conceptual de lo ibérico.
Hipólito de la Torre Gómez – Universidad Nacional de Educación a Distancia, España. E-mail: htorre@geo.uned.es.
El retrato en México: 1781-1867: héroes, ciudadanos y emperadores para una nueva nación | Inmaculada Rodríguez Moya
A obra de Inmaculada Rodríguez Moya, El retrato en México: 1781-1867: héroes, ciudadanos y emperadores para una nueva nación, foi publicada em 2006 pela Universidad de Sevilla2 . O retrato – entendido como um gênero artístico que busca imortalizar o indivíduo dentro da História – é o objeto de estudos da autora no contexto mexicano das reformas bourbônicas promovidas pela Espanha e, posteriormente, da construção do Estado Nacional. A diversidade racial do país, suas profundas desigualdades econômicas e sua mestiçagem cultural abordadas no livro resultam em uma análise complexa e profunda sobre a formação histórica da memória e identidade mexicana.
Os retratos constituem um suporte de comunicação que serve de testemunho aos historiadores na análise de determinada época e suas relações de poder.. Segundo Moya, esse gênero artístico contribuiu para a criação de um imaginário nacional, de um poder legítimo iconograficamente materializado e, inclusive, do autorreconhecimento de uma burguesia que floresceu nesse contexto. Leia Mais
Dimensões da política na História – Estado, Nação, Império / Locus – Revista de História / 2007
Neste número, Locus – Revista de História dá continuidade à publicação de dossiês temáticos e abre espaço para a publicação dos textos apresentados no I Seminário Dimensões da Política na História: Estado, Nação, Império, realizado na UFJF entre 22 e 24 de maio de 2007. Com origem numa iniciativa do programa de pós-graduação desta universidade, em conjunto com seu Núcleo de Estudos em História Social da Política, os trabalhos resultantes deste seminário e aqui publicados retratam um pouco da renovação e da diversidade de um campo de discussões que vem se consolidando e se ampliando nos últimos anos.
O trabalho de Gladys Sabina Ribeiro, proferido como conferência de abertura do evento, focaliza os processos de construção da cidadania e da identidade nacional dialogando com contribuições historiográficas de diferentes linhagens, as quais convergem, em seu texto, para uma abordagem profundamente enraizada na tradição da história social, que substitui a imagem de um Estado demiurgo atuando na formação da nação por uma pluralidade de sujeitos sociais, com necessidades específicas, a partir das quais vão ganhando sentido os conceitos políticos em circulação.
Nesse mesmo sentido, a maneira como as estruturas políticas vão se definindo em consonância com a necessidade de lidar com demandas sociais é o que encontramos nos textos de Andréa Slemian e de Silvana Mota Barbosa. No primeiro, o período compreendido entre a Independência e o Ato Adicional é analisado sob o prisma da institucionalização dos canais de representação política, num processo que conduziria à hegemonia da moderação e ao fechamento das vias legais ao radicalismo. No segundo, a clássica interpretação de Ilmar Rohloff de Mattos sobre a construção do Estado imperial é o ponto de partida para uma reflexão a respeito do caráter assumido pelo parlamentarismo brasileiro no século XIX, demonstrando que, muito além do que possa ser visto como uma instituição lacunar ou imperfeita, encontra-se a relação hierarquizada entre os grupos políticos em disputa.
Da definição da política em seu nível institucional passamos às suas práticas sociais com os trabalhos de Jefferson Cano e Maria Fernanda Vieira Martins. Esta última investiga a trajetória política de um indivíduo reconstruindo as redes sociais em que ele se inseria e mostrando como essas redes podiam definir interesses que, em última análise, se sobrepunham a outras formas de identificação política, como os campos partidários. Já o artigo de Jefferson Cano se detém sobre a construção das identidades políticas, e dos próprios campos partidários, como um processo que ocorre na interação de grupos sociais em torno de questões cujos significados extrapolam os projetos que disputam espaço nas instâncias políticas institucionalizadas.
Por fim, a maneira como se dá a politização de diferentes espaços da sociedade por diferentes sujeitos é o problema que surge nos textos de Elciene Azevedo, Ronaldo Pereira de Jesus e Marco Antonio Cabral dos Santos. No artigo de Elciene Azevedo, esse problema é tratado a partir da atuação do abolicionista Antonio Bento como magistrado, que, ao mover-se nas margens das normas legais, transformava os tribunais numa arena dentro da qual desenrolavam-se os embates em que se testavam as estratégias de construção da liberdade por dentro do direito escravista. Ronaldo Pereira de Jesus enfoca a problemática do associativismo numa abordagem que busca cruzar a experiência dos trabalhadores livres do Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX com a crise das políticas de dominação paternalista que marcaram as últimas duas décadas da história da escravidão. O estudo de Marco Antonio Cabral dos Santos sobre a polícia paulistana do início do século XX mostra como um projeto modernizador, no qual se inseria o controle de uma crescente população trabalhadora por parte do aparato policial, via-se condicionado pelos limites que seus próprios agentes lhe impunham, buscando garantir o cumprimento da lei por meio de práticas muitas vezes arbitrárias, e decisivas para a definição de cidadania naqueles primeiros momentos de vida republicana.
Dessa maneira, delineia-se, em meio a diferentes recortes temáticos e temporais, por meio de diferentes procedimentos metodológicos e diálogos historiográficos, o eixo de uma problemática comum que estrutura as discussões realizadas nesse seminário, e que busca perceber os múltiplos sujeitos sociais que atuam junto aos diversos espaços institucionais da vida pública.
Sirva este dossiê como um convite para futuras reflexões, e que a diversidade e a renovação constantes continuem ditando os caminhos da ampliação dessa área de estudos.
O presente número da Locus inclui, ainda, mais dois artigos, além dos que compõem o dossiê Dimensões da Política na História. Em Ode a Salvador Dalí e O mel é mais doce que o sangue, Ângela Brandão analisa um período específico da produção poética de Federico García Lorca e da obra pictórica de Salvador Dalí, por meio da interseção das duas biografias, com ênfase em um poema de Lorca: Ode a Salvador Dalí, e um quadro: O mel é mais doce que o sangue. A partir daí, desvenda alguns dos tantos elementos simbólicos já presentes nas origens do surrealismo nas obras do pintor e do poeta.
José D’Assunção Barros busca elaborar uma visão panorâmica sobre a História das Idéias, apresentada em suas relações dialógicas com a História Cultural, a História Política e outras modalidades historiográficas, em História das Idéias – em torno de um domínio historiográfico. São discutidos alguns conceitos envolvidos na perspectiva da História Cultural e da História das Idéias, a partir de uma produção historiográfica diversificada que se desenvolveu ao longo do século XX.
Por fim, Lucilha de Oliveira Magalhães resenha a obra Introdução ao pensamento de Bakhtin, de José Luiz de Fiorin.
Boa leitura!
Alexandre Mansur Barata
Ignacio Godinho Delgado
Jefferson Cano
Silvana Mota Barbosa
Organizadores do volume.
BARATA, Alexandre Mansur; DELGADO, Ignacio Godinho; CANO, Jefferson; BARBOSA, Silvana Mota. Apresentação. Locus – Revista de História. Juiz de Fora, v.13, n.1, 2007. Acessar publicação original [DR]
Em defesa da honra: moralidade/ modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940) | Sueann Caulfield
Os leitores que já conheciam os artigos de Sueann Caulfield editados no Brasil certamente aguardavam com ansiedade a publicação completa do seu estudo, elaborado originalmente como uma tese de doutorado na New York University. No livro Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940), mais uma vez temos a expressão da sensibilidade da autora — que em antropologia poderíamos arriscar chamar de etnográfica — para tratar de temas como a honra e também de sua grande capacidade de articular inúmeras fontes e referências bibliográficas. Vale mencionar que o tipo de abordagem empreendido aproxima esse estudo de uma série de outros que nos últimos anos têm se caracterizado por privilegiar uma relação profícua entre história e antropologia. A natureza das questões propostas e a perspicácia na análise dos dados tornam a leitura do livro obrigatória não apenas para aqueles que se interessam pela história a partir da perspectiva das relações de gênero, mas para todos que querem compreender com mais profundidade o Brasil da primeira metade do século XX.
O estudo trata da honra sexual a partir do grande interesse que esse tema provocava na primeira metade do século XX no Brasil. Esse interesse aparecia expresso em diversos debates públicos e também, de uma forma mais particular, nas queixas que chegavam ao sistema jurídico-policial envolvendo vários tipos de delitos que contrariavam a moral sexual vigente. Para se ter uma idéia da magnitude do fenômeno, Caulfield revela que durante as décadas de 1920 e 1930, anualmente, cerca de quinhentas famílias procuravam a polícia da cidade do Rio de Janeiro para denunciar o defloramento de suas filhas e tentar algum tipo de reparação do mal. Os casos, sobretudo aqueles mais violentos, atraíam a atenção não apenas dos juristas, policiais, advogados, mas também da opinião pública em geral. E, se a importância da honra sexual parecia inquestionável, as concepções sobre o que ela de fato representava variavam bastante. Leia Mais