Mulheres, gênero, feminismos: a reescrita da história a partir do Sul global/ Temporalidades/2022

Em 2008, Joan Scott redigiu um ensaio introdutório para um conjunto de textos originalmente apresentados em um fórum promovido pela American Historical Review para marcar os 20 anos de publicação de seu influente artigo Gênero: uma categoria útil de análise histórica. 1 Sob um título que poderia ser traduzido como Perguntas não respondidas, a conhecida historiadora estadunidense se voltou para a própria trajetória e avaliou o impacto que suas teorizações sobre o gênero e a diferença sexual haviam tido ao longo dessas duas décadas – em um caso raro, diga-se de passagem, de reflexão teórica feita no âmbito da história disciplinar que foi “exportada” para outros setores das humanidades. Scott abriu o balanço crítico dos destinos de seu trabalho mais conhecido com uma expressão de descontentamento perante o fato de que, em 1986, quando submeteu ao mesmo periódico o artigo então celebrado, ela fora obrigada a alterar seu título. A autora queria que o texto se apresentasse ao público não com uma afirmação contundente, mas com um questionamento sobre a utilidade do conceito de gênero – um questionamento cuja resposta não poderia e não deveria ser conhecida de antemão. A revista alegou, porém, que não permitia o emprego de pontos de interrogação nos títulos, e o artigo terminou publicado despido de parte de sua força retórica (SCOTT, 2008, p. 1422), sob uma designação em certa medida contraditória com seus propósitos. Leia Mais

História, arquivos e mulheres: perspectivas interdisciplinares | História e Cultura | 2022

Luiza Tavora e Virgilio Tavora na Hidreletrica de Paulo Afonso 1965 Imagem Historia da energia no Ceara Ary Bezerra LeiteFortaleza em Fotos
Luiza Távora e Virgílio Távora na Hidrelétrica de Paulo Afonso (1965) | Imagem: História da energia no Ceará (Ary Bezerra Leite)/Fortaleza em Fotos

Desde a década de 1970, historiadoras vêm apontando a ausência das mulheres nas narrativas da história tradicional. Como lembra Michelle Perrot, em seu hoje clássico texto “Práticas da Memória feminina”, “no teatro da memória as mulheres são sombras tênues”. As razões para isso estavam no fato da história privilegiar o espaço público, a política e a guerra, lugares sociais que foram durante muito tempo pouco acessíveis às mulheres, mas também à ausência de fontes para uma escrita da história das mulheres, o que Perrot denominou de “o silêncio dos arquivos”. A ausência das mulheres nas narrativas da história, contrapunha-se com o seu papel como guardiãs da memória. Se, como defendeu Perrot, “a memória feminina é verbo”, as fontes primeiras de uma história das mulheres que começou a ser escrita nas décadas de 1970 e 1980 foram os relatos orais, os diários e autobiografias.

Atualmente, como demonstra Joana Maria Pedro, é possível traçar uma historiografia da “história das mulheres” – de vocação interdisciplinar – e mapear um vocabulário específico que foi construído ao longo do tempo pelo uso de categorias como “mulher”, “mulheres”, “gênero” e “feminismo”, impactado mais recentemente por reflexões decoloniais. A proliferação desse campo de estudo a partir dos anos 2000 e a importância não só acadêmica, mas também política e cultural que ele adquiriu é patente e fica visível nos muitos artigos, publicações e eventos acadêmicos dedicados à área. A própria revista História e Cultura lançou dois dossiês sobre “História e Gênero”, em 2018 e 2019. Leia Mais

Mulheres no Mundo Antigo parte II/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2022

No início de 2021, a Revista Mythos lançou o dossiê Mulheres no Mundo Antigo. Pesquisadoras dos variados rincões do Brasil e da América Latina aderiram à chamada e a coleção de artigos planejada para um número se transformou em duas, uma publicada em meados daquele ano e esta agora, em 2022. Bons frutos do trabalho acadêmico em curso, desde meados dos anos de 1990. Leia Mais

Mulheres e museus/Anais do Museu Histórico Nacional/2022

No ano de seu centenário, o Museu Histórico Nacional lança um novo olhar conceitual sobre suas ações e suas coleções. Nesse sentido, o projeto Escuta, Conexão e Outras Histórias pretendeu promover uma aproximação do museu com seus parceiros e com seu público, valorizando a escuta de diversos segmentos sociais, ampliando sua conexão com a sociedade e convidando esses agentes para escreverem outras histórias a serem contadas no, com e pelo museu. Nesse contexto, foi proposto o Dossiê Mulheres e Museus, cujo objetivo é demonstrar o protagonismo de mulheres na construção dos museus e da Museologia brasileira, destacando suas trajetórias biográficas e profissionais, análises e reflexões sobre a elaboração teórica e sobre a prática de mulheres em e com museus. Leia Mais

Movimiento feminista, de mujeres y disidencias sexo-genéricas en Argentina/Revista de Historia/2022

A lo largo de los últimos años, el movimiento feminista, de mujeres y disidencias sexo-genéricas en Argentina y en América Latina adquirió una inusitada visibilidad a partir de importantes procesos de movilización, protesta y acciones callejeras. El año 2015 y las manifestaciones alrededor del grito colectivo Ni Una Menos es un parteaguas en los modos en que los feminismos irrumpen la arena pública de nuestro país. Leia Mais

Mulheres em Pesquisa/Revista Estudos Feministas/2022

A Revista Estudos Feministas completa 30 anos de publicação ininterrupta em um momento crucial do Brasil. Um momento em que o feminismo enfrenta, por um lado, uma oposição aberta e ferrenha, baseada em uma articulação política de direita, que retoma valores fascistas com discursos inspirados na consigna “Deus, Pátria e Família” (família patriarcal e cisheteronormativa, é claro). Ao mesmo tempo, o feminismo ganhou novo impulso com o engajamento de mulheres jovens, e de articulações anticapitalistas e antirracistas (Heloísa Buarque de HOLLANDA, 2018). As mulheres negras, mulheres indígenas e camponesas se apropriam dessa palavra tão destratada pela direita, e fazem sua a bandeira do Espelho de Vênus (Branca M. ALVES; Jacqueline PITANGUY; Leila L. BARSTED; Mariska RIBEIRO; Sandra BOSCHI, 1981), que antes era identificada pela esquerda como algo um tanto pequeno burguês (Joana PEDRO; Cristina WOLFF; Janine SILVA, 2022). A campanha contra as violências de gênero, que passam a incluir as homofóbicas e transfóbicas, os assédios, os feminicídios e a violência doméstica, sem falar em violências no ambiente virtual, adquire, nesse contexto, um destaque político mais expressivo, ocupando o centro do debate eleitoral. Leia Mais

Moralidades: norma e transgressão no Brasil contemporâneo | Aedos | 2021

A proposta deste dossiê surgiu do desejo de reunirmos reflexões em torno de práticas, discursos e políticas morais elaboradas no Brasil ao longo do período republicano. Nos últimos anos, o tema das moralidades tem pautado o debate público brasileiro e dividido opiniões. Por um lado, testemunhamos o recrudescimento de discursos que visam denunciar uma alegada ameaça ao que seriam os valores tradicionais brasileiros. Por outro, observamos um movimento de reação em amplos setores da sociedade, que veem em tais discursos um arremesso contra os direitos civis. 4

Apesar das particularidades do momento atual, essa é uma questão que se faz latente em diversos períodos da nossa história, como testemunham inúmeros trabalhos já consagrados que, a partir de diferentes perspectivas, se debruçaram sobre o tema das normas e transgressões morais. Referências importantes são, por exemplo, o trabalho de Jurandir Freire Costa (2004) e o de José Leopoldo Ferreira Antunes (1999), que analisam a intervenção médico-higienista na instituição familiar e nos hábitos sociais brasileiros entre os séculos XIX e XX. No que diz respeito às normas e transgressões sexuais e de gênero, são imprescindíveis os trabalhos de Sueann Caulfield (2000) e Martha Abreu Esteves (1989) que, a partir de discursos médicos, jurídicos, políticos e eclesiásticos, discutem os usos e sentidos da honra sexual e suas intersecções com raça e classe no Brasil durante a primeira metade do século XX. Igualmente importantes nesse sentido são os trabalhos de Margareth Rago (1985; 1991) e Beatriz Kushnir (1996), que investigam códigos sexuais e de gênero em torno das práticas de prostituição feminina em capitais brasileiras entre os séculos XIX e XX, assim como a pesquisa pioneira de Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2003), que analisa a construção social e histórica da virilidade nordestina. 5 Leia Mais

Mulheres no mundo antigo/Mythos – Revista de História Antiga e Medieval/2021

A História é sempre escrita no presente, em mudança relacionada ao tempo, cultura, circunstâncias. Essa constatação tem sido feita também em diferentes momentos. O filósofo italiano Benedetto Croce é referência recorrente, mas Heráclito (πάντα χωρεῖ καὶ οὐδὲν μένει, “tudo muda, nada fica parado” (Platão Crátilo 402ª) e Ovídio (Met. 15, 165: omnia mutantur, nihil interit, “tudo muda, nada morre” tradução de Brunno Vieira) já iam na mesma linha. E o presente é sempre objeto de projetos de futuro, de busca de manutenção da situação ou de mudanças, em anseio de destruição ou de convivência, sem desconsiderar as gradações (Hartog 2020). As mulheres fazem parte dessa disputa (Harding et aliae 2019). No momento, contrapõem-se perspectivas e interesses a esse respeito. Há muitas variações, mas convém reconhecer ao menos algumas das posições mais relevantes e influentes, para além do bem e do mal. Umas pessoas consideram que as mulheres sempre foram dominadas, ao menos desde há milhares de anos (Beechey 1979). Outras defendem que elas foram beneficiadas pelos homens (Campagnolo 2019), desde sempre (sic!). Outras, ainda, que foram protagonistas, ainda que nem sempre reconhecidas como tal (Patou-Mathis 2020). Há todo tipo de meio termo entre essas perspectivas, na medida em que a realidade é sempre muito mais complexa do que qualquer abordagem possa dar conta (Weber 1949). Neste dossiê, tendo em conta isso tudo, enfatizamos o protagonismo feminino, em geral, e na Antiguidade, em particular. Leia Mais

Mulheres e criações artísticas na História: tramas e poderes / Dimensões / 2020

A historiadora da arte Gisela Breitling escreveu em capítulo publicado na coletânea Estéticas Feministas a seguinte frase: “De repente, me dei conta de que era sobretudo um problema de linguagem, de falar ou de sufocar, de um discurso artístico que tentava quebrar um voto de silêncio de mais de mil anos” (1986, p. 214). Ela vinha tentando responder à pergunta de como as artistas mulheres estavam elaborando, na esteira dos movimentos de emancipação dos anos 1970, um discurso próprio, ou seja, uma estética que ela chamou feminista. Essa nova linguagem irrompeu como uma força vital e criativa que levou as mulheres a colocarem questões com a ousadia de respondê-las, sendo esta disposição parte de um lento processo subversivo de desconstrução de representações e de um lugar social feminino estagnados na sociedade. Contudo, para a autora, ao passo que o problema de linguagem foi identificado, paradoxalmente, outro se impôs, revelando a tragédia oculta “da falta de tradição artística das mulheres, bem como de sua história silenciada” (1986, p. 214). No seio dessa contradição, as artistas desbravaram possibilidades de expressão, buscando novas imagens de si mesmas, principalmente, e como consequência, começaram a encontrar o caminho para abalar a falsa universalidade do masculino. Leia Mais

Mulheres e Gênero na Historiografia Capixaba | Revista do Arquivo Público do Estado do Espirito Santo | 2020

O presente dossiê é fruto de reflexões que vêm ocorrendo há quase duas décadas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), notadamente a partir da criação do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência (LEG). A institucionalização desse campo de estudos, em especial com pesquisas sobre mulheres, tem contribuído para promover na historiografia capixaba novas perspectivas e novos objetos. Este é um movimento de renovação devedor de muitas fontes. Está atrelado tanto a mudanças de paradigmas nas Ciências Humanas, quanto a uma tradição capixaba de memória e história que começou a ser repensada a partir da publicação de obras pioneiras, como A mulher na História do Espírito Santo, de Maria Stella de Novaes.

Escrito nos idos dos anos 1950, mas publicado somente em fins da década de 1990, a obra de Novaes pode ser lida em diálogo com uma vertente mais testemunhal e memorialística, mas que indica uma busca de espaço pouco discutida até então sobre a urgente necessidade de se narrar as experiências marginalizadas de mulheres. De lá para cá, a historiografia produzida no Espírito Santo vem trilhando um longo caminho, no esforço por consolidar os estudos sobre mulheres e relações de gênero. Nesse ponto, uma crítica é pertinente, pois se houve avanços incontestáveis de abordagem e método, ainda estamos longe de ter uma extensa produção acadêmica pautada nas temáticas de gênero, com pesquisas que privilegiem o enfoque regional. Leia Mais

Mulheres, Humor e Cultura de Massa / Tempo e Argumento / 2020

A emergência da história das mulheres e dos estudos de gênero é tributária dos movimentos de mulheres e feministas que se mobilizaram a partir dos anos 1960 nos Estados Unidos, na Europa e mesmo em países que viviam ditaduras, como é o caso do Brasil. A história das mulheres foi responsável por fazer o questionamento primeiro: onde estão as mulheres na História? A partir dessa pergunta, historiadoras como Natalie Zemon Davis (1997) e Michelle Perrot (1992; 2005; 2007) dedicaram-se a mostrar como o silêncio das mulheres na História não é um problema de fontes ou de ausência propriamente, mas sim uma questão política. Bonnie Smith (2003), procurando entender a construção da História como ciência no século XIX, aponta como ela foi construída como masculina em termos de teoria e métodos, negando o feminino, as mulheres e tudo que elas representam. A arte e a literatura fizeram movimentos parecidos, questionando seus campos de conhecimento. A escrita de novas páginas na História, contudo, encontrou limites que, de acordo com Joan Scott (1995), foram respondidos com a categoria gênero, capaz de pensar não apenas as negações da História, como o papel dela na própria construção do gênero.

Joana Maria Pedro e Rachel Soihet (2007) apontam o importante papel da história das mulheres, ao mostrar a parcialidade do conhecimento histórico, e destacam o desafio político historiográfico da categoria. O campo se fortaleceu. Gênero, categoria teórica / política distorcida na “ideologia de gênero”, é hoje responsável por investigações importantes, qualificadas e internacionalmente conhecidas na área de História. Criou-se um campo dentro da História que debate as relações entre homens e mulheres, o que alguns chamam de gueto. Georg Iggers (2010) aponta gênero como um dos principais desafios à historiografia do século XXI. Apesar da resistência à categoria e ao campo, a História tem incorporado gênero como tema transversal, como indicam Joana Maria Pedro (2011) e Carla Pinsky (2009).

As mulheres e a perspectiva de gênero, portanto, são uma questão permanente na História e isso vale para a história cultural do humor que, apesar do progressismo teórico e metodológico, segue em dívida com um dos principais movimentos do século XX, o feminista, e com um dos maiores desafios à historiografia do século XXI, os estudos de gênero.

O humor contribui para forjar laços de solidariedade, sociabilidades, reforçar relações de poder e dominação, atuar como instrumento de resistência política e social, dar visibilidade a grupos sociais colocados à margem da sociedade, fortalecer ou, ao contrário, minar padrões estéticos e de moralidade. Dito isso, não há dúvida que o humor interessa profundamente às mulheres e à História e, combinados, à perspectiva de gênero. É nesse sentido que este dossiê foi pensado, buscando colocar no cerne da reflexão histórica a relação entre as mulheres e o humor, especialmente os usos do humor por parte delas que, não raro, ao colocarem-se como protagonistas do humor e do riso lançam mão de gestos profundamente feministas.

Os artigos que compõem este dossiê são prova qualificada de que há um inexplorado universo de fontes que permitem reflexões sobre o humor das mulheres do ponto de vista de gênero, insinuando possibilidades que já não podem ser ignoradas. Há, de fato, uma mínima produção sobre mulheres humoristas, e os textos da sequência têm o importante papel de romper com esse silêncio ao preencher lacunas e fazer justiça. No entanto, mais do que isso, eles apontam a transversalidade da categoria gênero e o frescor que tal olhar lança à história cultural do humor, campo consolidado nos anos 1990 a partir da história cultural, mas ainda reticente aos desafios impostos pelos estudos de gênero à História. A partir das ideias e ideais de feminino e masculino, os artigos do dossiê Mulheres, Humor e Cultura de Massa oxigenam os estudos históricos sobre humor.

Na convocatória, priorizamos artigos que a partir dos campos dos estudos de gênero e da história do tempo presente discutissem o humor produzido por mulheres com foco especial na arte e nos veículos da cultura de massa. A resposta de pesquisadoras(es) indicou que a demanda por textos com foco no humor produzido por mulheres faz sentido, dado o número e a qualidade dos textos que integram o dossiê. No que se refere às fontes, a adesão das(os) pesquisadoras(os) indicou a predominância do humor gráfico e dos quadrinhos como objeto de interesse.

A chamada deste dossiê, obviamente, contemplava os temas de pesquisa de suas organizadoras, historiadoras que exploram humor gráfico como fonte, mas por ocasião da construção da chamada do dossiê, vimos a necessidade de ampliar tal recorte e indicar como temas pertinentes os debates sobre humor no cinema, na rádio, na televisão, na literatura, no teatro. Todos os artigos submetidos, no entanto, versam sobre humor gráfico e quadrinhos, um indicativo da potência deste tipo de documento para a História, especialmente se tratando de história das mulheres e de uma perspectiva de gênero.

O caminho trilhado coletiva e espontaneamente indica que o humor gráfico e os quadrinhos são fontes privilegiadas para a reflexão sobre humor e mulheres, inclusive na contemporaneidade, momento em que a Internet é plataforma permanente de difusão do trabalho de cartunistas mulheres. Há quem diga, inclusive, que elas são maioria hoje. A adesão maciça ao humor gráfico e aos quadrinhos como fontes apontam, ainda, que há um universo de possibilidades de estudos sobre humor e mulheres na arte (literatura, cinema, teatro) e na imprensa (folhetos, televisão, rádio). Esperamos que este dossiê seja um pequeno passo nesta direção.

Composto por oito artigos, apresentados brevemente na sequência, o dossiê conta com a contribuição de pesquisadoras(es) brasileiras(os) e argentinas que lançam luz sobre cartunistas e quadrinistas do passado e do presente, sobre suportes impressos e digitais, sobre a produção nacional, latino-americana e europeia, e esmiúça experiências de pesquisa exaustivas e revisão necessária num campo que tem se construído no masculino. Os quatro primeiros textos informam-nos sobre a (in)disciplina das mulheres no uso do humor a partir de uma perspectiva feminista. Os quatro textos seguintes advertem-nos sobre as relações entre silêncio e História quando os sujeitos são mulheres e o assunto é história do humor gráfico e dos quadrinhos, alertando ainda para a potência da produção contemporânea e uso da Internet na transformação dessa realidade.

Maria da Conceição Francisca Pires, no artigo A defesa da interrupção voluntaria da gravidez nos cartuns “Abortinho” de Fabiane Langona (2015-2017), explora a apropriação de debates feministas por parte de cartunistas brasileiras, enfatizando especialmente às reações de hostilidade à série Abortinho, da cartunista Fabiane Langona, expressas por meio das redes sociais. A análise recai sobre os recursos visuais e discursivos da cartunista ao tratar do tema aborto como problema social e político no contexto de discussão do Projeto de Lei 5.069, de 2003, que propunha modificações na Lei 12.845, que versa sobre o atendimento integral e obrigatório a pessoas em situação de violência sexual. O texto elabora reflexão sobre o tabu que orbita em torno do tema aborto, mesmo pelo humor gráfico, que ora o aborda de maneira didática, ora em forma de denúncia ou como apresentação de uma demanda pública. De acordo com a autora, Fabiane Langona, através de sua personagem, lança mão de recursos imagéticos e discursivos, aderindo ao estilo grotesco para subverter e inverter padrões e colocar no centro da discussão a relação entre aborto e cidadania.

Estética e humor nos quadrinhos feministas: a reconquista política do corpo pelo riso na HQ “A origem do mundo” (2018), de Daiany Ferreira Dantas, explora conceitos como grotesco e o grotesco feminino – elemento importante da crítica feminista – para analisar estratégias de humor no quadrinho A origem do mundo: uma história cultural da vagina ou vulva vs. patriarcado, da quadrinista sueca Liv Strömquist, publicado em 2018 e traduzido para 22 línguas. O texto indica a existência de uma estética feminista produzida pelo riso a partir do uso da categoria gênero e da crítica feminista na problematização do corpo clássico. O corpo feminino é colocado em suspenso pela obra analisada, que conta uma história da genitália feminina através do estilo caricato de Strömquist. De acordo com a autora, esse caminho também vem sendo trilhado por cartunistas latinoamericanas como a argentina, Maitena Burundarena, e as brasileiras, Sirlanney e Gabriela Masson, que ressignificam o baixo corporal. Evidenciando o histórico “apagamento gráfico da imagem da vulva”, o artigo aponta como o quadrinho analisado repete e inverte discursos médicos, acadêmicos, religiosos, filosóficos e psicanalíticos sobre o corpo das mulheres tornando-os risíveis na reivindicação da integridade e do desejo do corpo feminino.

Em ‘“El humor es una guerra que no produce muerte sino risa”: uma análise histórica do humor gráfico feminista latino-americano de Diana Raznovich (1990), Cintia Lima Crescêncio recupera cartuns de Diana Raznovich, publicados na revista latino-americana Fempress nos anos de 1996 e 1997, para refletir sobre a categoria de humor-guerra, proposta pela própria cartunista. Em tempos de negação do feminismo por medo de estereótipos, a artista argentina, também autora de livros e peças de teatro, apropriava-se do humor como instrumento de expressão artística, mas principalmente como instrumento de luta feminista. Para ela, o humor feminista era meio de “viver, sobreviver e lutar”. No artigo também são explorados textos e entrevistas da imprensa feminista da Argentina, do Chile e do Uruguai que insinuam a forte presença de Diana Raznovich nos debates feministas latino-americanos, como também uma preocupação com os usos e abusos do humor por parte da militância feminista. Em sua análise, a autora sublinha que o humor gráfico da cartunista argentina questiona modelos de feminilidade, critica estruturas injustas e patriarcais e flerta com o riso de si mesma, alargando as expectativas do humor convencional e do humor produzido por mulheres, inclusive por feministas.

O artigo de Vinícius Lebel, intitulado Marie Marcks: a visualidade do político e o Feminismo ilustrado na Alemanha (1963 – 2014), propõe refletir, através do método documentário de análise de imagens, sobre as obras mais representativas da desenhista alemã Marie Marcks. Por meio da problematização de charges que se ocupam da crítica à sociedade patriarcal, machista e conservadora, somos apresentadas(os) a uma importante voz do feminismo alemão. A artista foi responsável por “inserir um olhar feminino e feminista na arena pública alemã, construindo uma visualidade própria” entre as décadas de 1960 e 1980. O texto expõe a ação da artista no campo visual do político no movimento de publicizar nas páginas dos principais meios de comunicações do país a vivência das mulheres alemãs. Embora alvo de críticas por reproduzir a realidade das mulheres, sem apontar perspectivas de mudança, e mesmo por não ser filiada oficialmente a organizações feministas, o autor propõe que sua obra é plenamente feminista, em função da condição da artista, do seu conteúdo e de seu gesto político-feminista.

Mara Burkart, com o texto Trazos interrumpidos: Humoristas mujeres en la prensa de humor (Argentina, 1974-1984), informa-nos sobre a forte presença de mulheres no humor gráfico argentino, a partir da década de 1980, e faz um recuo no tempo para analisar as condições sociais da produção de humoristas mulheres entre 1974 e 1984 e os temas que mobilizavam as cartunistas Nelly Hoijman, Patricia Breccia, Lucía Capozzo y Marta Vicente, artistas que publicavam em uma imprensa dominada por homens. Ao propor a construção de uma nova história do humor gráfico, visto que identifica que a história das humoristas “está pendiente de escribirse”, e pautada na crítica feminista da história da arte, a autora analisa as experiências autorais e editoriais dessas mulheres no cartum. Identificando a riqueza e o valor da história do humor gráfico argentino, e apontando a invisibilização ou mesmo ausência das mulheres em suas narrativas, o artigo expõe e analisa o caso de cartunistas que tiveram experiências breves, “interrompidas” na imprensa de humor argentina. Sem assumirem-se feministas, as cartunistas apresentadas no texto apropriaram-se do direito de incursionar em um mundo dominado por homens, tematizando temas “femininos”, mas também explorando a fluidez das expectativas de gênero.

No artigo Nosotras contamos. Notas en torno a construir genealogía feminista en el campo de la historieta y el humor gráfico (Argentina, 1933 – 2019), Mariela Alejandra Acevedo apresenta um cenário de rejeição e apagamento das mulheres na história do humor gráfico e dos quadrinhos argentinos, que passou por mudanças a partir da emergência e fortalecimento dos movimentos feministas. A articulação desses dois contextos permitiu a emergência do coletivo Feminismo Gráfico, que se propunha a reunir materiais de autoras de quadrinhos e de humor gráfico entre as décadas de 1930 e 2018 a serem apresentados na mostra “Nosotras contamos. Un recorrido por la obra de autoras de historieta y humor gráfico de ayer y hoy”. O texto apresenta a proposta do projeto, construído a partir de uma genealogia feminista, explorando o conceito de “ginocrítica” para “recuperar las voces y experiencias de las mujeres cis y trans, lesbianas, travestis y personas no binarias que dejaron huellas en el recorrido”, e sugerindo uma aproximação entre o humor gráfico e os quadrinhos de modo a não fragmentar a produção artística de suas autoras. A autora apresenta-nos a jornada de pesquisa, organização e reflexão sobre a construção da mostra que ocupou as paredes da “Redacción Abierta de Latfem” em Buenos Aires, uma experiência acadêmica, histórica e feminista, compilada também em um site.

Ivan Lima Gomes, no artigo Mulheres e (m) quadrinhos: caminhos e perspectivas historiográficas, identifica que as histórias em quadrinhos “permitem dar visibilidade de maneira única às lutas feministas do tempo presente”, o que tem ocasionado um amplo interesse acadêmico sobre o assunto. Atento a esse movimento, o autor propõe uma investigação e análise da atuação das mulheres no campo que inclui uma discussão sobre as pesquisas acadêmicas desenvolvidas no Brasil. Enfatizando o incontornável protagonismo feminista nas discussões públicas e políticas contemporâneas, expressas através da ampla utilização da Internet, o texto explora os usos das histórias em quadrinhos para tematizar e problematizar a história oficial, elaborando uma espécie de estado da arte do ponto de vista de gênero. Atestando a “indisciplina” dos comic studies, marcados por inegável diversidade, e indicando o silenciamento da história dos quadrinhos no que se refere à presença das mulheres, o autor apresenta-nos um caminho a ser trilhado por uma História que não tenha o silêncio das mulheres como possibilidade e que rume em direção a uma história feminista das HQs.

Marilda Lopes Pinheiro Queluz, no artigo Rir juntas é o melhor remédio contra os tempos temerosos: crítica e humor nas tiras de Thaïs Gualberto e de Fabiane Langona (2016-2018), reflete sobre o humor gráfico produzido por Thaïs Gualberto e Fabiane Langona e inspirado no período marcado pelo impeachment de Dilma Rousseffe pelo final do governo Michel Temer. A autora prioriza uma reflexão sobre a articulação entre esse contexto e as questões feministas que marcaram a conjuntura do golpe de 2016 a partir de duas cartunistas mulheres, com enfoque em uma “perspectiva de gênero”. Explorando tiras publicadas na Folha de S. Paulo, o artigo evidencia uma produção de humor gráfico contemporânea marcada por preocupações que interseccionam gênero, classe, raça e etnia, cujo motor do humor é o absurdo da desigualdade de gênero, bem como sublinham o riso sobre os estereótipos, as identidades nacionais e o cenário de intolerância e conservadorismo que marcam o contexto de produção das tiras analisadas. Entre distanciamentos e aproximações, as duas cartunistas, segundo a autora, provocam um riso dolorido ao colocar em relevo a história contemporânea do nosso país.

Referências

DAVIS, Natalie Zemon. Women on the margins: three seventeenth-century lives. Cambridge: Harvard University Press, 1997.

IGGERS, Georg. Desafios do século XXI à historiografia. História da Historiografia. Ouro Preto, número 04, p. 105-124. Março de 2010.

PEDRO, Joana Maria e SOIHET, Rachel. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 281-300, 2007.

PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia. Topoi (Rio J.) vol.12 no.22 Rio de Janeiro, p. 270-283, Jan. / June 2011.

PERROT, Michelle Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

PERROT, Michelle. As Mulheres ou os Silêncios da História. Bauru, SP: EDUSC, 2005.

PERROT, Michelle. Os Excluidos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros. 2. Ed. Rio de Janeiro, Rj: Paz e Terra, 1992.

PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de Gênero e História Social. Estudos Feministas. v. 17, n. 1, Florianópolis: UFSC, p. 159-189, 2009.

SCOTT, Joan W. Gênero, uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, 16(2), p. 5-22, jul / dez. 1995.

SMITH, Bonnie G. Gênero e História: homens, mulheres e a prática histórica. São Paulo: EDUSC, 2003.

Cintia Lima Crescêncio – Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Três Lagoas, MS. lattes.cnpq.br / 3667508720087825. E-mail: climahist@gmail.com orcid.org / 0000-0002-2992-9417

Maria da Conceição Francisca Pires – Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGH / UNIRIO). Rio de Janeiro, RJ. lattes.cnpq.br / 9397370787594051. E-mail: conceicao.pires@uol.com.br orcid.org / 0000-0001-8618-4151

Mara Burkart – Doctora en Ciencias Sociales por la Universidad de Buenos Aíres (UBA). Investigadora adjunta del Consejo Nacional de Investigaciones en Ciencia y Técnica (CONICET). Buenos Aires – ARGENTINA. E-mail: uba.academia.edu / MaraBurkart / urkartmara@gmail.com orcid.org / 0000-0003-3197-7458

Organizadoras


BURKART, Mara; CRESCÊNCIO, Cintia Lima; PIRES, Maria da Conceição Francisca. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.12, n.31, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Rosa Luxemburgo, mulheres, liberdade e revolução | Historiae | 2019

Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. Rosa Luxemburgo

O Convite à propositura desse dossiê se nutriu da tarefa político-acadêmica desafiadora de honrar a memória da revolucionária judia-polaco-alemã Rosa Luxemburgo, assassinada pelas mãos do partido socialdemocrata alemão, em 15 de janeiro de 1919, em Berlim, Alemanha, aos 47 anos de idade.

Sobre o assassinato de Rosa Luxemburgo, George Lukács assim analisa: Leia Mais

De mujeres y niños. Apuntes para re-pensar lo femenino y lo infantil a partir de un diálogo entre historiadores / História Unisinos / 2020

La investigación histórica parte de un diálogo; algunas veces en solitario y teniendo como interlocutor al cuerpo documental que hemos seleccionado para el desarrollo de nuestra pesquisa histórica y, en otras ocasiones, el intercambio de ideas es con colegas y amigos que sentimos de modo entrañable. En ambos campos de interacción, el individuo en sí mismo no es relevante per se sino que se define en sociedad; una sociedad con el cuerpo documental o bien, con colegas. En esta ocasión las líneas que continúan intentan reflejar un proceso de construcción de un diálogo que se enmarca dentro del segundo orden presentado y, valga la redundancia, para presentar nuestras reflexiones conjuntas sobre el motivo que hoy nos nuclea.

Para reflexionar y re-pensar lo femenino y lo infantil en un marco temporal amplio como el que hemos considerado para este Dossier, es necesario introducir una breve digresión que elucida las condiciones de producción de estas líneas. Esta compilación de artículos se generó en la UNISINOS allá por octubre de 2018 aunque, como toda gestación, si consideramos a la misma desde ciertas consideraciones amerindias sobre el cuerpo, la persona y la personalidad, comenzó mucho antes. Quizás en el mismo momento, difícil de precisar por cierto, en que la amistad de quiénes suscriben comenzaba a crecer. En ese proceso de crecimiento, y así como los niños descubren sus cuerpos en la confrontación con sus pares, en aquella ocasión, en un bar cercano al Predio B, en medio de un intercambio de presentes, Karina indagó, no sin cierta preocupación, “Carlos, me deixa saber uma questão? qual é seu marco teórico?”. Una pregunta que fue respondida con una sinceridad necesaria, propia de la edad –de quiénes escriben así como del tiempo por venir que auguran las grandes amistades- y con ánimos de calmar ánimos inquietos. Claro que para poder llevar a cabo esa tarea las ‘certezas teóricas’ deben de revisarse rápidamente. De aquella veloz reconsideración de algunos supuestos iniciales emergieron consideraciones sobre los puntos blandos de nuestra formación y cómo es que la misma se incrementa por medio de una interacción dinámica y constante entre tasas de energía inercial en reposo –aquello que consideramos nuestro bagaje intelectual- y un trabajo de archivo que nos proporciona la materia prima de la que se nutren nuestros ejercicios de investigación. Un diálogo, una práctica retórica, que crece al amparo de un decurso que articula el tránsito del ‘archivo al campo’ [1], con idas y vueltas, así como con sucesivos retornos que hacen posible indagar más en nuestras intencionalidades y en qué medida las mismas se ven incrementadas en la búsqueda y reflexión de piezas e indicios documentales que complejicen nuestro conocimiento del pasado.

De aquellos reparos y miramientos teóricos –porque la teoría mira; indaga; cuestiona al objeto de estudio y este desde su propio lenguaje dialoga con nosotros-, y de cuestiones personales como dudas existenciales confesadas a la luz de aquel intercambio de posiciones teóricas, en algunos casos no compartidas, emergió el problema que anima este Dossier: cómo pensar en las mujeres y en los niños del pasado y, en segundo lugar, en qué manera podemos dar cuenta de ellos desde nuestras ‘certezas’. Aquellas mismas que son validadas, o no, por un cuerpo documental que brinda menciones, algunas veces, esquivas y otras certeras, sobre los sujetos que habitaron aquel pasado.

Una de las primeras cuestiones que se dieron cita en este ejercicio de revisión, historiográfico y personal, fue indagarnos sobre qué considera, y consideraba, cada uno de nosotros sobre qué es una mujer y un niño en un contexto histórico amplio y, cabe remarcar, definido por un cuerpo documental vasto y, obviamente, con lagunas que son necesarias de, al menos, comprender. Un universo que crece, en posibilidades heurísticas, desde nuevas miradas historiográficas; las mismas que han sido pensadas desde un diálogo con ‘nuestros mayores’, con aquellas figuras de una historiografía que ha marcado un camino y que, como niños curiosos osamos cuestionar.

En esta revisión conceptual que impulsó el debate, nuestras experiencias personales aportaron tintes al intercambio de ideas. Desde allí emergieron, además, nuances que balancearon nuestros esquemas ideo-lógicos, porque no se puede construir Ciencia sin ideología y la misma parte de nuestras consideraciones ideo-lógicas sobre el pasado y su relación con el futuro y el presente. Allí, desde los lugares de enunciación de cada uno de nosotros (de Certeau, 2007), anidaba una primera proposición. Revisar nuestras suposiciones y conocimientos nos colocaba frente a aquello que la historiografía francesa denominó ego-historie; siendo Nora (1987) uno de sus mayores representantes teóricos [2]. Nora se refería a sí mismo, y por extensión sobre su trabajo, como ‘un marginal central’; es decir, un sujeto que se ocupaba centralmente de aquellos problemas, como las tribulaciones de los investigadores, que inciden sobre la construcción del conocimiento histórico. En ese mismo punto nos encontrábamos nosotros en aquel debate y sobre ese aspecto debíamos de centrar la mirada – um olhar distanciado que hace que el objeto bajo inquisición tome distintas expresiones en virtud de la posición del observador. Las mujeres y los niños fueron centrales el proceso de reproducción social de cualquier grupo y para poder historizar su función dentro de un marco que los identificaba como tales es necesario, entonces, ponderar aspectos simbólicos, ideológicos, imaginarios, económicos y sociales. Proposición que equivale a examinar que una mujer y / o un niño es un producto histórico de su sociedad y que la misma lo identifica como tal en virtud de ciertas capacidades posibles de ser movilizadas dentro de la interacción con su grupo de referencia. Dicho de otro modo, y recogiendo abordajes notables que proponen la invención de la niñez como esfera social (del Priore 1999), en el pasado, o en nuestro presente pero en sociedades distantes de las nuestras, cuáles son los diacríticos que hacen posible identificar un niño o una mujer? Una pregunta que debe de responderse considerando lo que aquellas sociedades del pasado tienen para decir de sí mismas.

Esta última proposición nos llevó a preguntarnos sobre el rol del conocimiento y en qué manera miramos; indagamos; sentimos el pasado –sí! en qué forma experimentamos el pasado que nos llega como testimonio, a veces mudo, o bien como reflejo indirecto desde el prisma constituido por la documentación resguardada en el archivo, de un tiempo que ya no está presente ni nos pertenece –quizás un tiempo que ni siquiera perteneció a quiénes lo transitaron.[3] En cierta medida el investigador trabaja; opera –en el sentido en que de Certeau propuso a su operation historiographique- con una mirada distante que se construye sobre cierta saudade que pone en funcionamiento ‘la máquina de reproducir el tiempo’ (Lévi-Strauss 2014).[4] Es decir, la investigación histórica, desde la formulación de explicaciones que se construyen, intenta re-crear el tiempo en el cual se sucedieron aquellos procesos que se abordan pero la re-creación posee sus límites y estos pueden ser identificados mediante una reflexión realizada por cada uno de nosotros como profesionales de la Historia en dónde explayemos nuestros supuestos. Allí radicaba la intencionalidad de aquella pregunta sobre el marco teórico de uno de nosotros.

En este punto es donde aquella cuestión de la ego-histoire, entendida como trayectos y tramas personales de formación e interacción con nuestro medio, entra en acción con notable pujanza. Los recorridos intelectuales de cada uno de nosotros habían encontrado, en la documentación que sustentó nuestras Tesis doctorales, menciones, no completamente tangenciales por cierto, a mujeres y niños como actores plenos y con un protagonismo notable en procesos históricos complejos. Las mujeres y los niños, tal y como nuestros análisis así lo mostraban, poseyeron un protagonismo –y recalcamos esta noción por sobre la de agencia- que fue desatendido, en partes, por una lógica que sustentó modelos historiográficos; modelos que se constituyeron en prácticas que desatendieron el rol de la experiencia.

Niños y mujeres, con las salvedades que merecen ambas categorías, son la base material desde la que una sociedad se reproduce y re-actualiza constantemente, mediante el peso de la Historia de cada grupo. Una reactualización que muestra no sólo el dinamismo social sino que, en primer lugar, obliga a centrar, desde otro ángulo, nuestras miradas sobre el cuerpo documental, formular preguntas que indaguen de modo topológico cómo es que se construyó el estado actual de nuestros des-conocimientos así como que reposicione al investigador en su rol de observador de las sociedades del pasado. Por otra parte, y ante algunas lagunas documentales, parte de esa centralidad de lo marginal puede mostrarnos el camino para dejar de pensar en niños y mujeres como un agente colectivo pudiendo considerar trayectorias personales de individuos que complejicen nuestro conocimiento así como el arsenal de preguntas por medio del cual revisamos nuestra intencionalidad como investigadores.

Esa cuestión ego histórica es, por lo tanto, un modo de acercarnos a sujetos históricos considerados, en cierto modo, marginales así como parte de una revisión de nuestros caminos de formación, investigación y trayectorias personales y en qué medida los mismos nos han colocado frente a problemáticas de pesquisa que poseen un vínculo con motivaciones propias de cada uno. Aquellos caminos de formación, y de reflexión, por otra parte, indican tiempos propios de cada uno de nosotros, como individuos y en sociedad; cuestiones que permiten formular una nueva digresión que haga posible incrementar el debate que hoy nos anima.

En las sociedades indígenas americanas la condición de niño y / o mujer no aparece marcada o definida por una cuestión etaria; la edad, el tiempo transcurrido desde el nacimiento, en sí mismo no es un indicador que coloca o define al sujeto dentro de un sub-conjutno de la sociedad. Los niños, que luego se han de transformar en los hombres a los que aluden nuestros documentos, o bien las mujeres, si bien pueden ser identificados desde el registro documental como un sector social distinguible en sí mismo, no representan un todo homogéneo en la sociedad nativa. Allí la condición que los ha de identificar en el cuerpo documental es posible de definirla en función de una habilidad manifiesta en el transcurso de su vida social. Es decir la sociedad define al individuo, aunque sin anularlo. Junto con esta cuestión es necesario remarcar que las sociedades indígenas distaron en mucho del mito del buen salvaje que algunas corrientes teóricas intentaron mostrar como igualitarias. Las sociedades nativas no fueron, ni lo son, sociedades en dónde no existen diferencias de rango y / o condición. Dentro de ellas es posible señalar la existencia de diferenciaciones sociales que en buena medida ayudan a explicar las tensiones grupales que dinamizaron aquellas sociedades. Todo ello sin perder de vista que el ejercicio de reflexión que realizamos está más próximo de una Antropología asimétrica que de una Antropología simétrica. Un aspecto que no debe de olvidarse en el proceso de construcción de los debates; la relación con el pasado no puede plantearse, imaginarse si quiera, de modo simétrico como tampoco debe de olvidarse que las categorías desde las cuáles emprendemos nuestra tarea de investigación son un recorte parcial de la realidad bajo observación.

Dentro de las más notables marcas de percepción que Edward Palmer Thompson (1997) formuló sobre las dinámicas humanas, prevalece la importancia de las acciones desarrolladas en contextos sociales que inciden sobre la formación de conceptos que, ancorados en el tiempo, se cierran sobre sí mismos no generando posibles y nuevos debates. Tal y como se muestra en Senhores e Caçadores, por ejemplo, las teorías serían las encargadas de capturar analíticamente los registros generados en virtud de las acciones humanas a lo largo del tiempo. Por ello, nuestro debate teórico dialoga desde dos formas disímiles de indagar en el pasado; aspecto sumamente provechoso en sí mismo para el crecimiento personal e historiográfico.

Por otra parte, cabe señalar que, en la sociedad colonial, mujeres y niños no reconocidos como indígenas fueron actores que tuvieron una activa participación aunque no siempre reflejada en intensidad por un cuerpo documental atento a vicisitudes consideradas notables. Empero, aquellos estaban presentes y los mismos pueden ser indagados, proponemos, volviendo sobre la misma lógica que los colocó en un segundo plano, a modo de filigrana, y dando cuenta cómo este plano evidencia vínculos sociales que generan la posibilidad de volver a pensar, reflexionar y debatir el contexto histórico que generó las acciones que tornan a un sujeto mayormente visible que el resto de sus pares. Aspecto que, además, permite reflexionar sobre la construcción de la muestra y si la misma es representativa al punto en que podamos afirmar qué es una mujer o un niño –e incluso pudiendo trasladar esta inquietud al conjunto de la sociedad bajo análisis.

El Dossier “Mujeres, niños e Historia: lo ‘femenino’ e ‘infantil’ en la sociedad americana. Siglos XVI-XIX” se compone de seis artículos; investigaciones originales que, en el caso de alguna de ellas, compusieron el Simposio Mujeres, niños e Historia: lo ‘femenino’ e ‘infantil’ en la sociedad americana. Siglos XVI-XIX, que tuvo lugar en el marco del 3º Congresso Internacional Povos Indígenas da América Latina, Trajetórias, narrativas e epistemologias plurais, desafios comuns; 3 al 5 de julio de 2019, Brasília – DF, Brasil. Momento de reflexión colectiva desde el cual se construyó la presente publicación.

En el artículo de Cássia Rita Santos, emerge el papel de la mujer en la producción de colecciones arqueológicas y etnográficas así como, en consecuencia, el lugar que ocupa en la producción de conocimiento antropológico así como el arqueológico a través de los itinerarios de la Colección Marquesa de Cavalcanti resguardada en el Museo Volkenkunde en Leiden en Holanda. La autora demuestra que, a pesar de las lagunas documentales, investigar el tránsito de los objetos permite conocer regiones coloniales con áreas metropolitanas en la segunda mitad del siglo XIX; en este caso Brasil, Paris y Holanda. Además, las variadas relaciones establecidas a partir del flujo de los objetos pueden brindar una clave para la comprensión de la Historia, la Etnografía y de la Arqueología.

Vania Losada aborda el tráfico de niños indígenas durante el régimen imperial en las regiones interiores de Espírito Santo, Minas y Bahía. En su análisis la autora descentra el supuesto aspecto residual de la cuestión, para una lectura más sistemática, conectando los gabinetes de la Corte de Río de Janeiro y de las provincias vinculadas con aquella. En su visión, el tráfico de las kurukas estuvo en ciernes en el proceso de colonización de nuevos territorios y organizando el mundo del trabajo en el Brasil del período imperial. La práctica del tráfico y las guerras contra las poblaciones indígenas afectaron y desorganizaron diferentes grupos indígenas que buscaron actuar frente a nuevos frentes de ocupación.

En lo que refiere a los estudios de las infancias, Adriana Fraga coloca en discusión aspectos sobre las fronteras establecidas entre el mundo adulto y el infantil a partir de los estudios en distintos campos del conocimiento. Con especial énfasis en la Arqueología, la autora problematiza abordajes que, a priori, identifican a las infancias así como a los niños como temas tangenciales. Desde su interpretación las nuevas formas conceptuales y analíticas de pensar en la niñez apuntan a una superación epistemológica de imágenes consolidadas por la retórica de su tiempo.

‘Charrúas, guenoa minuanos y rapto’ de Diego Bracco pone en debate cómo la práctica del cautiverio, la captura de ‘piezas’, primordialmente centrada sobre aquellos grupos considerados infieles atentó sobre la continuidad material de aquellos. Empero, cabe remarcarse, la práctica de toma de cautivos fue un modo social relacional que vinculó distintos grupos sociales, con intensidades variables a lo largo de la interacción de la sociedad colonial con los grupos nativos de la Banda Oriental.

Por su parte Avellaneda y Quarleri indagan sobre cómo las mujeres, como sector social, constituyeron una preocupación para la política misional reduccional implementada por la Compañía de Jesús y en qué medida esas prácticas pueden ser observadas por una amplia documentación producida por los ignacianos. Registro documental que, entre otras cuestiones, permite esclarecer la existencia de jerarquías de género dentro de las reducciones jesuíticas implementadas para grupos guarani.

Olga María Rodríguez Bolufé y Greyser Coto Sardina cierran el Dossier y se preguntan qué esconde el proceso de sexualización de la mujer mulata y si existen modos de pluralizar el ser mujer mulata en Cuba y cómo es que esta sexualización, fuertemente vinculada con una racialización, posee un vínculo con un pasado colonial de presencia notable en la isla. Proceso para el cual analizan una serie de pinturas desde las cuales se proyectan imágenes que dan cuenta sobre en qué medida los cuerpos mulatos femeninos son apropiados como tipificación de una alteridad convertida en identidad.

Todos estos artículos son un reflejo de intencionalidades, apasionadas por cierto, propias de cada uno de los autores y que señalan direcciones y sentidos diversos, aunque interconectados entre sí, que posibilitan transitar distintos debates historiográficos. Estos debates, con sus sentidos, nos han de conducir por nuevos lares con renovados aires.

Somos nómades por ‘naturaleza’; vamos de un lado a otro –algunas veces sin darnos cuenta que eso mismo está sucediendo porque ese nomadismo no debe de encasillarse como un desplazamiento por territorios, espacios, ambientes o paisajes o categorías sociales. Somos nómades porque la vida de las personas en sí mismo es un andar por distintos estados que pueden ser conceptualizados de diferente modo. Empero aquellas categorías, tomadas a la ligera, sólo refieren a momentos sociales los cuales se encuentran definidos por capacidades que, a su vez, se definen por un estadío posterior que indica el estado que se ha abandonado. Por eso es que proponemos la idea de nociones diversas que, por momentos, se movilizan de modo nómade. Aquella no quietud de los sujetos, y menos aún de sus acciones, es el guante que recogen todos los artículos aquí considerados.

Para finalizar sólo queremos remarcar que uno de los mayores desafíos que se presentan en el binomio investigación / educación es el problema de la transferencia no sólo de los resultados de la investigación sino también de los supuestos desde los que parte el investigador dado que, en algunos casos, éstos poseen una distancia intrínseca y por demás significativa con los supuestos ontológicos propios del sujeto que se analiza. Supuestos de investigación qué, además, son resultado de procesos sociales posibles de ser historizados. Reflexión que bien puede aplicarse a los abordajes que se formulan sobre mujeres y niños. El objetivo del dossier es, por lo tanto, además de poner en discusión resultados de investigación, reflexionar, desde nodos de conocimiento alcanzados, cómo es necesario ponderar y re-pensar distanciamientos metodológicos, entre investigadores y aquellos que consideramos como ‘sujeto de investigación’, que anquilosan la posibilidad de rescatar la diversidad de experiencias y sentidos que las categorías ocluyen. Mujeres y niños son categorías propias de un Occidente moderno que intenta explicar lo que sucede allende sus fronteras.

Sin embargo poco se reflexiona sobre cómo estas dos porciones de la sociedad se conciben y dialogan consigo mismas y entre sí; ello sin olvidar cómo se articulan con el resto de la sociedad. Desde esta última proposición es que animamos que se realice la lectura de los trabajos aquí publicados.

Notas

1. La noción de transitar de los archivos al campo está tomada de la obra de Nathan Wachtel Des Archives aux Terrains. Essais d’Anthropologie historique. Paris. EHESS; Gallimard; Seuil; 2014. Obra de cuño inspirador que recoje diversos ensayos dónde uno de nuestros maestros reflexiona sobre el oficio, práctica y destino de la profesión del historiador / antropólogo en su posición frente a las sociedades del pasado y su relación con nuestro presente

2. Además de la proposición de Pierre Nora cabe mencionar un trabajo de reflexión sobre el oficio de investigar el pasado y su pervivencia y proyección sobre nuestro tiempo y nuestras emotividades y en que medida las mismas originan debates. Invitamos al lector a confrontar Paletó e Eu. Memórias de meu pai indígena de Aparecida Vilaça; São Paulo. Todavia, 2018. Ensayo profundo que incidió notablemente sobre uno de nosotros, llevándonos de la mano por contemplaciones sobre nuestros vínculos afectivos con aquellos que hemos reconocido, y aún reconocemos, como nuestros mentores. Aquí no podemos dejar de mencionar a John Monteiro y Daniel J. Santamaría por todo aquello que nos transmitieron.

3. Reflexionar sobre el pasado exige dejar de lado la pretensión de poder acercarnos a él sin que nuestros ropajes no incidan en la relación que construímos con un tiempo ausente. El tiempo, aquella dimensión esencial y esquiva por momentos, es el telón de fondo de nuestras investigaciones; momentos en dónde, quizás, aquellos sujetos del pasado no pensaron en que sus voces resonarían más allá de su futuro. Por ello es que estas reflexiones no deben de perder de vista que nuestro presente incide sobre nuestro indagar e indagarnos.

4. La mención a una de las obras de Lévi-Strauss no porta la intención de definir, encasillar, esta presentación dentro del Estructuralismo. Todo lo contrario. Aquella reflexión sobre máquinas de reproducir el tiempo debe de alertarnos sobre la necesidad constante de atender sobre otros modos de relacionaros con otras y variadas formas de tiempo, temporalidad y acontecimiento. Un ejemplo de ello lo encontramos en A Queda do Céu. Palavras de um xamã yanomami. Kopenawa, Davi y Bruce Albert; São Paulo. Companhia das Letras. 2015

Referencias

DE CERTEAU, Michel L´écriture de l´histoire. Paris, Gallimard, 2007.

DEL PRIORE, Mary História das Crianças no Brasil. São Paulo, Contexto, 1999.

LÉVI-STRAUSS, Claude Todos somos caníbales. Buenos Aires, Libros del Zorzal, 2014.

NORA, Pierre Essais d’ego-histoire. Paris, Gallimard, 1987.

THOMPSON, Edward P. Senhores e Caçadores: a origen da Lei Negra. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.

Karina Melo – Doutora Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco (UPE) / Brasil. E-mail: karina.melo@upe.br

Carlos D. Paz – Doutor Professor do Departamento de Historia – FCH-UNCPBA / Argentina. E-mail: paz_carlos@yahoo.com / ychoalay@gmail.com


MELO, Karina; PAZ, Carlos D. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.24, n.3., setembro / dezembro, 2020. Acessar publicação original  [DR]

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Mulheres: biografias e trajetórias / Aedos / 2019

A história das mulheres surge como campo historiográfico nos anos 1960 na França, denunciando a ausência tanto de personagens e temas femininos na história, bem como na sua escrita. Esse surgimento está diretamente relacionado com os movimentos feministas das décadas de 1960-70 (GONÇALVES, 2006), a chamada “segunda onda do feminismo”, e também com a “história vista de baixo”, em que personagens considerados subalternos e invisíveis passaram a ser objeto de estudos das pesquisas historiográficas. Para Margareth Rago, a valorização da presença da mulher na história também pode ser creditada ao ingresso feminino nas universidades, a partir dos anos 1970, levando com elas um conjunto de temas e problematizações próprios do universo feminino (RAGO, 1998, p. 90).

No entanto, como nos mostra Bonnie Smith (2006), mulheres já escreviam história bem antes, ainda nos séculos XVIII e XIX. Devido ao sexismo reinante, eram consideradas amadoras e suas obras não recebiam a mesma valorização e repercussão dos historiadores homens.

Não só a escrita da história, mas também a das biografias incorreu no mesmo apagamento das mulheres, durante muito tempo. Os autores canônicos da historiografia e da biografia são todos homens, dedicados a pesquisar sobre homens ilustres, aqueles considerados, por muito tempo, como os verdadeiros agentes da história.

A retomada da biografia, nos anos 1980, trouxe uma série de renovações importantes, entre elas a expansão dos sujeitos e sujeitas dignos de terem sua vida registrada (LEVILLAN, 2003; SCHMIDT, 2012). Houve também a expansão dos métodos e fontes, como a história oral, especialmente importante para os estudos biográficos. Além disso, temos que levar em conta os mais recentes desenvolvimentos na história das questões étnicas (história dos negros e negras, história da herança africana, história indígena, migrações, etc.) e das questões de gênero.

Todas essas tendências historiográficas contemporâneas trouxeram importante alargamento de fronteiras para a disciplina, e de alguma forma, os artigos que compõem esta edição transitam por essas perspectivas renovadas. Quando propusemos este dossiê, pensamos em trazer à tona pesquisas que tivessem como foco trajetórias de mulheres, e é muito gratificante perceber que nossa intenção foi transformada em realidade, por meio dos artigos que o compõem. São quinze textos, o que mostra a pujança de trabalhos que vêm sendo empreendidos sobre a temática. Maior ainda é nossa satisfação ao constatar a diversidade temática e a qualidade dessas pesquisas.

Os artigos trazem um amplo conjunto de temas e questões teóricas. Trabalham com história oral, história intelectual, história de diferentes períodos, desde idade média até a história do tempo presente. Tratam de trajetórias de mulheres que tiveram atuações muito ricas e variadas: escritoras, professoras, historiadora, cineasta, religiosas, carnavalescas, militantes que transitaram pelo feminismo, feminismo negro, militância indígena. A grande maioria delas não são (re) conhecidas pelo grande público, sequer do restrito público acadêmico, ou da comunidade das / dos historiadoras / os, não são personagens “representativos”, mas talvez, por isso mesmo, interessantíssimas. Vamos falar brevemente de cada um dos textos.

O texto de abertura do dossiê, No rastro da história das mulheres, de Marília Garcia Boldorini e Roberta Barros Meira, faz um balanço histórico, historiográfico e teórico da escrita biográfica enquanto gênero literário, apontando para a proeminência de protagonistas e autores masculinos, mesmo em pleno século XXI. Com isso, reflete sobre o espaço dado às mulheres e suas condições e aponta para a necessidade de ampliação da representatividade feminina, batalha que pode ser assumida por historiadorxs empenhadxs nessa prática de escrita. Apontando, ainda, para as questões identitárias relacionadas à biografia, incluindo a possibilidade de evidenciar “memórias clandestinas”, nos termos de Michel Pollak, o artigo aposta na escrita biográfica como lócus privilegiados para a compreensão das relações de gênero.

Na sequência, temos artigos que tratam das trajetórias de mulheres intelectuais, brasileiras e estrangeiras. O primeiro deles é A representação da mulher letrada no Brasil oitocentista: a biografia de Beatriz Brandão pelo intelectual Joaquim Norberto, em que Laura Oliveira Motta apresenta uma análise das representações do feminino no espaço letrado do Brasil do oitocentos, através do perfil biográfico da poetisa Beatriz Francisca de Assis Brandão, escrito pelo historiador da literatura Joaquim Norberto de Souza e Silva. No artigo, duas trajetórias intelectuais se cruzam para mostrar as possibilidades e os limites da participação da mulher em instituições intelectuais, destacando o papel do biógrafo no reconhecimento de contribuições femininas para a formação literária nacional, ainda que apelando para o reforço de padrões morais tradicionais.

Em Leituras em voz alta, leituras em silêncio: a produção intelectual de Elena Garro e os estudos de gênero, Mariana Adami nos brinda com uma reflexão acurada sobre a trajetória intelectual da mexicana Elena Garro. Adami procura enfatizar as diversas leituras de suas obras feitas por outros intelectuais e suas apropriações ao longo do tempo, além de evocar a importante discussão sobre uma literatura dita “feminina” e sua ingerência nos estudos históricos. O artigo é um convite para se pensar os silenciamentos impostos a produção literária de algumas mulheres.

Em Zilda Diniz Fontes (1920-1984): uma educadora para além dos muros da escola, Alline Rodrigues Bento procura traçar a trajetória de uma professora e escritora, Zilda Diniz Fontes, muito atuante em uma cidade do interior de Goiás, na segunda metade do século XX. Partindo assim de estudos biográficos a autora procura traçar a trajetória intelectual da personagem bem como relata partes de sua vida privada, ambas interconectadas como se pode perceber na leitura do artigo. Novelista, poetisa, dramaturga, mãe, esposa e professora, sua trajetória de vida merece ser (re)conhecida. Uma mulher que ousou percorrer espaços que, na época, eram (quase) exclusivos para os homens.

Karen Cristina Garbo no seu artigo intitulado Andradina de Oliveira e as ausências de uma crítica literária feminina gaúcha procura fazer o resgate da figura, que no século XIX, teve uma carreira reconhecida como escritora e jornalista. Nesse sentido Garbo destaca, no seu texto, tanto a atuação de Andradina à frente do jornal o Escrínio (1898-1910) quanto como escritora de romances, entre eles destacando O Perdão publicado em 1910. Tal como aponta Karen Garbo a autora analisada tratava de temas tabus na época, tais como o divórcio e adultério, os quais, segundo ela, podem ter sido as molas propulsoras para sua obra ter sido relegada ao esquecimento ao longo dos anos e ter contribuído para um (quase) apagamento da escritora gaúcha.

Uma trajetória feminina em construção, e (auto)reflexão narrativa, é o objeto de Lúcio Geller Júnior, no artigo Anna Savitskaia: ou, como narrar uma vida na União Soviética (1964- 1988). Sua pesquisa em História Oral busca compreender a experiência soviética da tradutora e professora emigrada Anna Savitskaia, radicada em Porto Alegre. Das memórias familiares ao discurso histórico russo produzido na / sobre a Guerra Fria, passando por reminiscências mais pessoais (seus deslocamentos, os estudos, a profissão, o casamento etc.), a depoente elabora sua identidade, contrapondo suas vivências cotidianas no socialismo e no capitalismo, na Europa oriental e no Ocidente periférico, tensionando o relato do pesquisador, num jogo de espelhos que obriga a tematização dos lugares de fala de ambos. Com habilidade, o autor descortina um mundo histórico perdido e um universo de significados em aberto.

Em Beatriz Nascimento e a invisibilidade negra na historiografia brasileira: mecanismos de anulação e silenciamento das práticas acadêmicas e intelectuais, Maria Lígia de Godoy Pinn tem como objetivo apresentar a trajetória intelectual e acadêmica da historiadora Maria Beatriz Nascimento, a partir do processo de invisibilização pelo qual passou no ambiente acadêmico, sobretudo no campo da disciplina História. Pinn insere esse apagamento no processo maior em que a intelectualidade e os espaços acadêmicos são negados às mulheres negras, em que as estruturas sociais discriminatórias definem e perpetuam o lugar das mulheres negras em posições sociais subalternas. A partir da trajetória de Nascimento, o artigo produz uma crítica importante ao eurocentrismo da história como disciplina, levando ao epistemicídio sistêmico de populações negras e indígenas, em especial as mulheres dessas etnias não-brancas.

O texto de Manoela Salvador Frederico, Para que não seja esquecida: o acervo pessoal de Eloísa Felizardo Prestes e suas memórias, a partir dos referenciais da história do tempo presente, enfoca o acervo da irmã de Luis Carlos Prestes, bem como sua militância feminista. Os documentos em seu arquivo privado apontam para um grande interesse em salvaguardar registros de sua época, principalmente sobre as questões femininas, suas lutas e a construção do que a autora chama de cultura política feminina. Ao guardar seus papéis, Eloisa construíase como militante. Seu arquivo revela as experiências vivenciadas, seu campo de atuação política e interesses, e, sendo estudado, contribui para tirar do esquecimento a rica atuação dessa feminista.

Alina dos Santos Nunes, no artigo Arte longa, vida breve: Rita Moreira, feminismo em cena trata da trajetória da cineasta, lésbica e feminista Rita Moreira, usando como fonte uma entrevista realizada com a personagem em 2019. A produção de vídeos feministas de Rita nos anos 1970 é analisada por Nunes como um espaço de articulação política. O meio audiovisual também foi importante no sentido de despertar a consciência política de vários sujeitos e sujeitas, em meio à segunda onda do feminismo. Articulando história oral e história das mulheres, o artigo contribui para trazer à tona uma história a ser escrita, ainda pouco visível, a da produção audiovisual feminina, construída na intersecção das lutas e dos conflitos vivenciados nos movimentos feministas e lésbicos.

Dois textos trabalham a temática feminina e a religiosidade. No artigo de Caio César Rodrigues, Agência e diligência discursiva na trajetória de Catarina de Siena (1347-1380), conhecemos a trajetória da penitente Catarina de Siena, que, no século XIV, construiu uma rede de apoio entre religiosos leigos da Toscana e acabou, inclusive, projetando-se como conselheira do papado. A curta biografia da personagem é investigada à luz do contexto religioso e intelectual do final do medievo, bem como em cotejo com a bibliografia especializada nas relações de gênero e na condição feminina na sociedade européia do período. Recorrendo, como fontes, às hagiografias tradicionais, o autor também apresenta uma releitura da construção discursiva da personagem, entendendo essas narrativas em função do modelo medieval de santidade feminina.

O segundo texto é Arquitetura de uma trajetória: o Templo de Minervina Carolina Corrêa, escrito a seis mãos, por Simone Rassmussen Neutzling, Gabriela Brum Rosselli e Guilherme Pinto de Almeida, apresenta a trajetória de uma mulher, Minervina Carolina Corrêa, e sua luta para edificar uma igreja católica, em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, no início do século XX. Uma mulher, que sofreu, na pele, a discriminação da sociedade da época. Simone, Gabriela e Guilherme assim nos trazem uma perspectiva diferente ao darem foco, na sua explanação, para um patrimônio importante da cidade de Jaguarão e, através dele, resgatar a trajetória de Minervina.

Três artigos tratam das trajetórias de três mulheres em contextos distintos: o trabalho no mundo rural, mulheres negras no carnaval baiano e a luta indígena kaingang. O artigo Trajetória de três mulheres rurais: o trabalho como fio condutor das narrativas de vida escrito por Márcia de Fátima de Moraes já deixa claro, no próprio título do seu texto, a sua intenção, ou seja, mostrar como mulheres de uma localidade rural do Rio Grande do Sul relatam suas trajetórias. Através de um estudo de três casos específicos, Márcia de Moraes procura compreender como, no relato dessas mulheres, as memórias relacionadas ao trabalho encontram-se articuladas às questões de gênero e às de identidade feminina, através de uma perspectiva nem sempre percorrida, o viés geracional e de localidade. Um texto instigante por sua atualidade, marcada pelos indicadores de gênero na organização do trabalho rural.

Alberto Bomfim da Silva e Edson Farias, em A construção da autonomia feminina negra nas ousadias da carnavalização, analisam o papel social ocupado pelas mulheres negras no carnaval de Vitória da Conquista (BA) da segunda metade do século XX. As trajetórias de três dessas mulheres – Beta, Arcanja e Dió – ofereceram uma amostra singular desse grupo social, normalmente invisibilizado na história e pela História, mas que tiveram um relevante protagonismo. Os autores se valem das metodologias da história oral em entrevistas e da análise de fotografias relacionadas ao carnaval na cidade pesquisada. A participação feminina no carnaval carrega consigo elementos das religiosidades de matriz africana. Isso é visto pelos autores como constituinte de um quadro social de memória que ancorava componentes de uma identidade para a mulher negra contribuindo, em parte, para a construção de sua autonomia.

As mulheres indígenas são o tema do artigo de Andrea Bazzi, Mulheres Kaingang na frente de batalha: três gerações de lideranças femininas na Terra Indígena Toldo Chimbangue. Da mesma forma que a mulher negra, Bazzi argumenta que ser mulher indígena é diferente de ser mulher não indígena / branca / ocidental, no que se refere a seu apagamento e discriminação. Ou seja, é necessário considerar o lugar de marginalidade histórica em que se encontram as mulheres indígenas para entender que as relações de poder a partir do gênero não podem estar desassociadas de um recorte de classe e de etnia. O texto trata da trajetória de três mulheres kaingang, de gerações diferentes, que ocuparam / ocupam espaços de liderança dentro da comunidade Kaingang Toldo Chimbangue, em momentos políticos e históricos distintos, trazendo à tona agências que compartilham os mesmos princípios e respeito à ancestralidade, à memória e história do povo Kaingang.

O dossiê se encerra com o artigo Biografia de mulheres e Ensino de História – possibilidades metodológicas para a aprendizagem da Ditadura Civil-Militar brasileira. Seu autor, Fernando de Lima Nunes, sintetiza os resultados de seu mestrado em ensino de história, analisando o uso, em sala de aula, de biografias de mulheres mortas e desaparecidas na Ditadura Civil-Militar Brasileira. A partir de documentos e relatos, o professor-pesquisador instigou alunos de 9º ano do Ensino Fundamental e de 3º ano de Ensino Médio a comporem narrativas sobre as vidas das militantes Alceri Maria Gomes da Silva, Ísis Dias de Oliveira e Luiza Augusta Garlippe. O objetivo pedagógico das sequências didáticas era construir “empatia histórica”, segundo conceituação de Peter Lee, fazendo com que os estudantes encontrassem os diferentes pontos de vista dos agentes sociais, especialmente das mulheres desaparecidas e de suas famílias.

Nessa breve apresentação, fica evidente a diversidade e riqueza dos artigos que compõem o dossiê. Esses textos são representativos de como o tema é importante e, mais ainda, da pujança das pesquisas acadêmicas de história. Isso é motivo de grande felicidade para nós como professorxs de história e organizadorxs do dossiê.

Por outro lado, infelizmente, estamos vivendo tempos de negacionismo histórico, de desvalorização do conhecimento científico e, o pior, de cortes de bolsas para a área de ciências humanas, entendidas por quem está no poder como “não prioritária”. Como historiadorxs que não devem se furtar às questões de seu tempo – lembremos nesse sentido, sempre, de Marc Bloch! – não podemos deixar de registrar o nosso repúdio a tal (necro) política em vigor. A história das mulheres está atrelada à militância por um mundo mais justo e igualitário para todas e todos, dessa forma, este dossiê não poderia deixar de se posicionar. Que essas pesquisas inovadoras sobre mulheres tão ímpares nos inspirem nos tempos tenebrosos por que passamos. Este dossiê é uma peça na luta contra o esquecimento de suas trajetórias e também a prova de que a história e as ciências humanas devem ser prioridade, pois falam de, sobre e para nós, de nossas lutas e ações, que é o que dá sentido ao nosso mundo, às nossas identidades (quem somos), às nossas vidas.

Boa leitura! Março de 2020 – Em meio à pandemia de Covid-19

As organizadoras e o organizador.

Referências

GONÇALVES, Andréa Lisly. História e Gênero. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2006.

LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. IN: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 89-98, 1998.

SCHMIDT, Benito. História e biografia. IN: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

SMITH, Bonnie. Gênero & História: homens, mulheres e a prática histórica. São Paulo: Edusc, 2006.

Elenita Malta Pereira – Doutora em História (UFRGS). Professora de História na UNICENTRO. E-mail: elenitamalta@gmail.com

Jocelito Zalla – Doutor em História (UFRJ). Professor do Colégio de Aplicação da UFRGS. E-mail: karawejczyk@gmail.com

Mônica Karawejczyk – Doutora em História (UFRGS). Pós-doutoranda (PNPD-CAPES) na PUCRS. Professora Colaboradora do PPGHistória PUCRS. E-mail: jocelito.zalla@ufrgs.br


PEREIRA, Elenita Malta; ZALLA, Jocelito; KARAWEJCZYK, Mônica. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 11, n. 25, Dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, palcos e letras: evocando os 150 anos do nascimento de Mercedes Blasco / Historiae / 2017

No segundo volume de 2017 apresentamos o dossiê Mulheres, palcos e letras: evocando os 150 anos do nascimento de Mercedes Blasco. Assim, na passagem do 150º aniversário de Mercedes Blasco, pseudônimo pelo qual ficou conhecida a célebre atriz e escritora portuguesa Conceição Vitória Marques (Mina de São Domingos, concelho de Mértola, 1867 – Lisboa, 1961), a presente coletânea de estudos pretende compreender o protagonismo nos diversos “palcos da vida” desempenhado pelas mulheres no mundo, ao longo dos tempos.

No conjunto de artigos agora reunidos assinalamos ainda a passagem dos 50 anos da morte de Virgínia Victorino (1895-1967) e o 600.º aniversário de Isotta Nogarola (1418-1466) expressão da vitalidade da pena feminina. Também o centenário da revolução Russa não foi esquecido trazendo à memória a icónica Zinaida Serebriakova (1894-1967).

Sarah Bernhardt (1844-1923) e Carmen Miranda (1909-1955) são alguns dos nomes que ocuparam por diversas vezes lugares de destaque que a imprensa coeva soube registrar. Artistas conhecidas e admiradas pela sua beleza e elegância, desconhecem-se, na grande maioria das vezes, facetas não menos interessantes do seu percurso que foram preteridas face à mediatização de que foram alvo.

Foram aventureiras e pioneiras aquelas cujo arrojo tantas vezes escandalizou a sociedade da época; a título de exemplo, lembramos Amélia Earhart (1897-1937) nos Estados Unidos da América e Maria de Lourdes Braga de Sá Teixeira (1907-1984) em Portugal. Se no teatro isabelino os papéis femininos eram representados por homens, houve, desde então, toda uma “guerra” para que as mulheres pudessem alcançar a justa visibilidade. Personagens trágicas como a Severa ocupam um lugar de destaque no imaginário cultural ocidental. Que vozes ainda hoje ecoam das figuras que ousaram fazer do palco a sua tribuna? Recuperar biografias e reabilitar a memória tantas vezes obliterada da História mundial é também o propósito do dossiê que organizamos para a Historiæ.

Isabel Lousada – Doutora (Universidade Nova de Lisboa)

Rosa Fina – Doutora (Universidade Nova de Lisboa)

Fátima Mariano – Doutora (Universidade Nova de Lisboa) Organizadoras


LOUSADA, Isabel; FINA, Rosa; MARIANO, Fátima. Apresentação. Historiae, Rio Grande- RS, v. 8, n. 2, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, mulheres e imagem: diálogos interdisciplinares (II) / Domínios da Imagem / 2017

Os estudos de gênero têm impulsionado pesquisas de múltiplas áreas. Um meio de compreender os sentidos e as relações complexas entre diversas formas de interação humana, gênero se refere, conforme postulado por Joan Scott, às construções históricas, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres. Percepções, gestos, sentimentos, pensamentos, hábitos e as maneiras de perceber a si e aos demais oferecem suporte para uma compreensão acurada acerca das relações de gênero. Nesse sentido, ganha relevância a aproximação dos estudos de gênero e a cultura visual, uma vez que as imagens desempenham um papel primordial na contemporaneidade por tocar os imaginários sociais e contribuir para a construção das visões de mundo dos indivíduos. As reflexões que possibilitam, permitem problematizar a constituição e distribuição de poder e prestígio nas sociedades.

O Dossiê II que ora apresentamos, mostra a convergência de interesses e preocupações de um conjunto de investigadoras (es), advindos de diferentes campos disciplinares, na tentativa de contemplar uma pluralidade de abordagens tendo como foco gênero, mulheres e imagem. Por isso, uma vez mais, agradecemos a generosa colaboração de todas (os).

Na continuidade das reflexões, esperamos que os resultados das inúmeras perspectivas abertas – criativas e instigantes -, contribuam para desconstruir os papéis, os lugares ocupados, como também por focalizar as funções das mulheres e dos homens ao longo da história e possa favorecer a continuidade dos debates e suas repercussões nas práticas sociais.

Neste segundo volume do dossiê, iniciamos com o artigo de Mariana de Paula Cintra. Tendo como foco o surgimento das crônicas de modas na imprensa do Rio de Janeiro oitocentista e tomando como fonte o jornal Correio das Modas, a autora discute a circulação de periódicos escritos por homens e dedicados às mulheres, no Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do século XIX. Ao indagar sobre o intento dos editores, as temáticas eleitas e para quais mulheres propunha-se o jornal, em seu artigo O nascimento da moda feminina na imprensa carioca oitocentista, a autora reflete sobre a contribuição desse periódico para o surgimento da imprensa nacional e o universo complexo – e ainda pouco explorado – da produção de jornais femininos no século XIX. Ao tomar como referência a história da imprensa periódica feminina carioca apresenta-nos em que medida os meios de comunicação fizeram parte do cotidiano das mulheres, influenciando seus comportamentos, ditando regras e forjando novos papéis sociais.

A partir de uma coleção costumbrista que tematizou mulheres, produzida na década de 70 do século XIX na Espanha, Edméia Ribeiro problematiza a produção visual e as relações de gênero que caracterizam a coleção Las mujeres españolas, portuguesas y americanas. Argumenta a autora que a simbologia feminina ali presente configura-se em uma construção exclusivamente masculina, uma vez que toda a produção, desde a concepção até a execução final foi feita por homens. Dessa forma, poderemos perceber em Representar mulheres: produção visual e relações de gênero numa coleção costumbrista espanhola no final do século XIX que tanto as litografias como os textos monográficos que formam a coleção, reforçam e reverberam concepções idealizadas de mulheres no oitocentos.

A representação de mulheres no muralismo, nas décadas de 1930 e 40 na capital da Argentina, é o tema que encontraremos no artigo Detrás de escena: mujeres en los murales de Buenos Aires (1933-1946), de Cecilia Belej. Analisando fragmentos de pinturas murais realizadas em edifícios públicos e privados, percebe imagens que naturalizam papeis de gênero, nas quais a mulher figura como ícone de maternidade e complemento do homem, disseminando e/ou referendando valores tradicionais. Partindo do princípio que tais imagens possuem um propósito político, social e cultural, a autora busca compreender o que tais relatos visuais buscavam transmitir naquele momento histórico.

Em Iconografias sarcásticas na imprensa feminista brasileira: Mulherio e Chanacomchana (1981-1985), Júlia Glaciela da Silva Oliveira fez uso, em suas análises, de charges, cartuns e outras formas de humor gráfico publicados em periódicos feministas da segunda metade do século XX, mais especificamente aqueles publicados na década de 1980. Em Mulherio, a autora apresenta-nos como essa categoria de imprensa procurou, a partir da ironia e do humor, desconstruir papéis de gênero e problematizar as desigualdades naturalizadas. Ao analisar Chanacomchana, percebe que o humor ácido foi utilizado nesse periódico como método para empreender críticas direcionadas ao feminismo que, ao negar a homossexualidade, realçava a heterossexualidade reforçando a opressão às mulheres lésbicas.

Maria Júlia Zarpelão Hernandes e Mara Rúbia Sant’Anna, em A disseminação de padrões femininos através dos anúncios da Lugolina e da Juventude Alexandre na “Fon-Fon!- 1910, utilizam para as reflexões que trazem neste artigo dois anúncios de produtos de beleza destinados ao público feminino, veiculados em uma revista carioca do começo do século XX. As análises empreendidas demonstram como a publicidade, baseada no discurso da modernidade, também difundiu, reforçou e relacionou “padrões de beleza, saúde e felicidade” para as mulheres, propondo um novo modelo de feminilidade – jovem, atraente e bela – estimulando nas consumidoras o desejo de uma aparência moderna, sem, contudo, desvincular-se dos papeis de mãe e esposa, socialmente estabelecidos.

Em Representações das mulheres palestinas na perspectiva do jornalista estadunidense Joe Sacco durante a Primeira Intifada (1992-1996), José Rodolfo Vieira analisa personificações imagéticas de mulheres presentes no livro Palestine que trata das “as memórias de palestinos que estiveram direta ou indiretamente em alguma situação de conflito com as Forças de Defesa de Israel” O autor deste artigo apresenta-nos reflexões acerca de mulheres palestinas em viagem aos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza durante a Primeira Intifada Palestina, em 1987, a partir dos estereótipos femininos construídos nesta obra, como o da mulher mutilada e vítima da opressão muçulmana e também aquelas que caminham rumo à modernização, na busca por reinterpretar as relações de poder entre homens e mulheres.

Por fim, esperamos que este segundo volume contribua com estudos e pesquisas que utilizam a imagem como fonte e/ou objeto no campo da História das Mulheres, assim como aquelas que tomam as relações de gênero como categoria de análise.

Edméia Ribeiro – Doutora em História. Pesquisadora na área de História da América, mulheres e gênero. Docente do Curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: edmeialondrina@uel.br

Maria Cristina Cavaleiro – Doutora em Educação. Pesquisadora na área de educação, gênero e diversidade sexual. Docente adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) / Campus Cornélio Procópio. E-mail: mariacristina@uenp.edu.br


RIBEIRO, Edméia; CAVALEIRO, Maria Cristina. Apresentação. Domínios da imagem, v. 11, n. 21, jul/dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Gênero, mulheres e imagem: diálogos interdisciplinares (I) / Domínios da Imagem / 2017

Os estudos de gênero têm impulsionado pesquisas de múltiplas áreas. Um meio de compreender os sentidos e as relações complexas entre diversas formas de interação humana, gênero se refere, conforme postulado por Joan Scott, às construções históricas, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres. Percepções, gestos, sentimentos, pensamentos, hábitos e as maneiras de perceber a si e aos demais oferecem suporte para uma compreensão acurada acerca das relações de gênero. Nesse sentido, ganha relevância a aproximação dos estudos de gênero e a cultura visual, uma vez que as imagens desempenham um papel primordial na contemporaneidade por tocar os imaginários sociais e contribuir para a construção das visões de mundo dos indivíduos. As reflexões que possibilitam, permitem problematizar a constituição e distribuição de poder e prestígio nas sociedades.

O Dossiê que ora apresentamos, mostra a convergência de interesses e preocupações de um conjunto de investigadoras (es), advindos de diferentes campos disciplinares, na tentativa de contemplar uma pluralidade de abordagens tendo como foco gênero, mulheres e imagem. Por isso, agradecemos a generosa colaboração de todas (os).

Esperamos que os resultados das inúmeras perspectivas abertas – criativas e instigantes -, contribuam para desconstruir os papéis, os lugares ocupados, como também por focalizar as funções das mulheres e dos homens ao longo da história e possa favorecer a continuidade dos debates e suas repercussões nas práticas sociais.

Abrimos este dossiê apresentando o diligente ensaio de Ana Cristina Teodoro da Silva, Gênero como sertão, veredas em construção – filme, minissérie e livro. Em seu texto encontraremos reflexões acerca de papéis de gênero atribuídos a homens e mulheres e suas relações, presentes no livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, publicado em 1956, e nas produções adaptadas desta obra, quais sejam, a minissérie Grande Sertão: Veredas, produzida pela Rede Globo, exibida em 1985 e o filme Grande Sertão, dirigido pelos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira, de 1965. Em sua viagem pelas três narrativas, problematiza semelhanças, diferenças e ressignificações pertinentes às diferentes linguagens e a como cada período e cada mídia puderam configurar a rica trama rosiana.

Lançando mão do movimento de trazer o gênero ao contexto da imagem, em Poéticas de gênero e a transexualidade das fotografias bordadas, Marcela Vasco empreende uma aproximação entre os estudos da transexualidade e a antropologia da imagem. A transexualidade é entendida ao longo de todo o trabalho não como uma performance teatral onde o gênero é encenado, mas como transformações físicas, sexuais, sociais e políticas. Ao trabalhar com imagens tornando mais claro trajetórias de vida e de transição dos(as) interlocutores(as) e também a maneira como a fotografia era interpretada por eles(as), a autora recorre ao uso do bordado como método etnográfico, visando uma abordagem mais particular tanto da transexualidade quanto da imagem, e discute as potencialidades dos “encontros, contornos e emaranhados das linhas que as ligam”.

No artigo de Amaral Palevi Gómez Arévalo, Identidades en disputa: producciones audiovisuales LGBTI en El Salvador, encontraremos análises de produções audiovisuais salvadorenhas que tematizam as representações de identidades lésbicas, gays, bisexuais, trans e intersexuais. O autor preocupase em refletir sobre “los procesos de violencia que se instauran sobre determinados cuerpos por ejercer una sexualidad, identidad y expresión de género diferentes a las que ordena la norma heterossexual”. Para isso trouxe análises de documentários que narram a vida de pessoas que vivem em El Salvador assim como alguns curtas produzidos por diversos canais e organizações que abordam realidades LGBTI. Entre as narrativas e linguagens que analisa também estão as campanhas publicitárias de conscientização e fim da discriminação, e os áudios, como canções, “radio-conto” e publicidades divulgadas por este meio. Trata-se de trabalho que nos permite conhecer e refletir sobre as realidades desses indivíduos, as manifestações de discriminação das pessoas salvadorenhas e as respectivas formas de enfrentar tais questões.

Scripts juvenis delineados em imagens digitais: consumo, relações de gênero e sociabilidades, de Ana Carolina Sampaio Zdradek e Dinah Quesada Beck, nos contempla com debate que se insere no campo dos Estudos Culturais e de Gênero. Recorrendo ao movimento metodológico da etnografia e entendendo a linguagem como processo central nas cenas publicitárias da campanha “Fanta – Leva na boa”, o estudo coloca em tensionamento o modo como se movimentam normas, definições e compreensões a partir da construção de identidades descolada e alto astral produzidas. Resgatando os desdobramentos teórico-conceituais com relação aos scripts de gênero e sexualidade, as autoras analisam a representação de juventude e as sociabilidades que a comunicação digital proporciona na história do presente, ressaltando que a participação ativa de jovens nas redes sociais se mostrou a principal estratégia para efetivação do consumo e, nesse cenário, diferentes roteiros foram construídos para vivências jovens, os quais acionam efeitos de sentido sobre comunicação digital, gênero e relações sociais.

Priscila Miraz de Freitas Grecco, analisa a presença de fotógrafas amadoras brasileiras, durante as décadas de 1940 e 1950. Seu artigo, A presença feminina em fotoclubes no século XX: apontamentos preliminares, historiciza a participação das mulheres nos fotoclubes, especialmente no Foto Cine Clube Bandeirante, atuante na cidade de São Paulo desde 1939, e analisa a produção das mulheres fotoclubistas, suas trajetórias, as condições de produção de projetos pessoais das amadoras e profissionais que buscaram o fotoclube para pensar e produzir a fotografia. Nesse contexto, a autora nota as dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa com as mulheres nos fotoclube, assinalando que a escassez de documentação sobre quem eram essas mulheres contribui para pouco sabermos sobre como era ser sócia de um clube de fotografia nos anos de 1940/1950 no Brasil. Suas análises reiteram a necessidade de trazer à tona a participação das fotógrafas nesse ambiente que se manteve por muito tempo majoritariamente masculino e de romper um silêncio que se relaciona muito mais com as questões de gênero, refletindo no comportamento social restritivo para as mulheres na sociedade como um todo, do que com qualquer questão que envolva o fazer fotográfico.

A relação mulher/fotografia também é o tema que nos apresenta Maria Cristina Pereira em O Revivalismo medieval pelas lentes do gênero: as fotografias de Julia Margaret Cameron para a obra The Idylls of the King e outros poemas de Alfred Tennyson. A partir das fotografias de Cameron, produzidas no século XIX, para compor o livro de poemas de Alfred Tennyson, e também de ilustrações feitas para outras obras desse mesmo poeta, a autora nos mostra em suas análises o pioneirismo de uma mulher na arte da fotografia, com uma estética “pouco convencional” ao apresentar imagens “fora de foco”, assim como a predominância de mulheres para retratar o período medieval como tema das suas produções. Destacando a peculiaridade das fotografias de Cameron, o estudo traz comparações com aquelas produzidas pelo ilustrador francês Gustave Doré, seu contemporâneo.

Também tendo como referencial teórico os Estudos Culturais e de Gênero, o artigo de Luciana Rodrigues de Oliveira e de Joanalira Corpes Magalhães Esse é o Show da Luna: investigando gênero, ensino de ciências e pedagogias culturais, traz como objeto de análise o desenho animado. Ao investigarem as potencialidades pedagógicas do desenho analisado e as falas das crianças participantes acerca do artefato cultural O Show da Luna, as autoras discutem e problematizam os entendimentos sobre o que é ciência, sobre o ser cientista e mulheres na ciência que as crianças têm. No bojo dessa discussão, uma das questões fundamentais debatida é a possibilidade de abordar gênero e ciência desde a Educação Infantil, respondendo às crianças e aos questionamentos presentes em seu cotidiano.

Trazendo questões bastante contemporâneas e efervescentes no campo da política, em Impeachment, perversão e misoginia são apresentadas considerações acerca das representações veiculadas pelas Revistas Veja e Isto É, nos anos de 2015 e 2016, por meio de textos e imagens, referentes ao processo de impeachment de Dilma Roussef, presidente da República do Brasil naquele momento. Muriel Emídio Pessoa Amaral e José Miguel Arias Neto partem do princípio de que a forma como algumas mensagens sobre a presidente foi veiculada configurou-se em montagens perversas, sendo que tais narrativas políticas contribuíram para a midiatização do ódio e da misoginia. Para empreender tais reflexões trabalharam com a definição de discurso de Michel Foucault, de gênero com Joan Scott e o conceito de perversão de Daniel Sibony.

Desejamos boa leitura a todos/as!

Edméia Ribeiro – Doutora em História. Pesquisadora na área de História da América, mulheres e gênero. Docente do Curso de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: edmeialondrina@uel.br

Maria Cristina Cavaleiro – Doutora em Educação. Pesquisadora na área de educação, gênero e diversidade sexual. Docente adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) / Campus Cornélio Procópio. E-mail: mariacristina@uenp.edu.br


RIBEIRO, Edméia; CAVALEIRO, Maria Cristina. Apresentação. Domínios da imagem, v. 11, n. 20, jan/jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, práticas políticas e gênero: História(s), Vivência(s) e Experiência(s) do(s) feminino(s) / História Revista / 2014

A introdução dos estudos de gênero no Brasil encontrou campo fértil na história das mulheres, caracterizada como uma produção de saber interdisciplinar, que ganhou consistência nos anos de 1970. As pesquisas envolveram esforços de historiadoras, sociólogas e antropólogas, feministas que tiveram coragem de dar voz às mulheres, retirá-las do apagamento e do silêncio da História, destacando as “vivências comuns, os trabalhos, as lutas, as sobrevivências e as resistências das mulheres no passado” (PEDRO, 2005, p.85). Nesse avanço das lutas sociais e das críticas feministas, tem vazão a controvérsia em torno da história das mulheres, que parecia sinalizar a exaustão da categoria mulher, vista, muitas vezes, como generalizada e universal. Abria-se, então, o campo para os gender studies ou o estudo das relações de gênero, que ganharam relevância nos Estudos Unidos, no início dos anos 1990 (RAGO, 1998, p.89).

A partir disso, abriu-se um campo de pesquisa interdisciplinar que busca compreender como se constituem o masculino e o feminino cultural e historicamente, na perspectiva das relações de gênero. A introdução dessa categoria iluminou a análise ao incorporar à experiência a dimensão da sexualidade e das identidades construídas, contrapondo-se à tendência de se pensar a identidade sexual como algo biologicamente dado (NICOLSON, 2000, p.9).

Dentre as contribuições do conceito de gênero, destacam-se: a rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença sexual; a dimensão relacional entre as mulheres e os homens, indicando que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois sexos poderia existir sem um estudo que os tomasse em separado; a ênfase no caráter social e cultural das distinções baseadas no sexo, que contribuiu para desnaturalizar o discurso biológico; a dimensão das relações de poder que perpassa as assimetrias e hierarquias nas relações entre homens e mulheres (SOIHET e COSTA, 2008, p.43). Como Jane Flax (1991, p.226) afirma, a problematização das relações de gênero consiste no mais importante avanço isolado da e na teoria feminista no final do século XX. Definitivamente, inaugura-se um novo paradigma para compreensão da História.

O presente dossiê representa e confirma a importância e a abundância de pesquisas em torno da temática das relações de Gênero na História. As pesquisas pretendem compreender como as vivências e experiências de mulheres e homens questionaram / conformaram / inventaram a profunda desigualdade nas relações de gêneros, e simultaneamente espaços e lugares públicos e privados interditados e repensados. As construções sociais, históricas e culturais em torno dessa rede simbólica é, muitas vezes, composta de silêncios ratificados em discursos que buscam naturalizar a diferença, significados criados politicamente e necessariamente imprecisos (SCOTT, 2012).

Alcileide Cabral do Nascimento e Alexandre Vieira da Silva Melo fazem uma profícua parceria no artigo “Melindrosas em revista: Gênero e sociabilidades do início do século XX (Recife, 1919-1929) ao analisar o corpo feminino e suas ressignificações através da figura da Melindrosa – personagem instigante e amendrontadora da ordem de gênero – na moderna Recife da Primeira República.

Ana Maria Colling e Losandro Tedeschi abordam as questões sobre “Os Direitos Humanos e as questões de Gênero” analisando a desigualdade de gênero como “uma afronta à igualização proposta pelos Direitos Humanos desde a sua fundação no século XVIII”. Violência, direito à cidadania e espaços conquistados por mulheres ultrapassam assim fronteiras políticas para tentarem realizar um espaço de vivências igualitárias e democráticas, que deveriam ser asseguradas às mulheres, mas as disputas de poder das relações de gênero nos mostram que a história é repleta de conflitos e exceções.

Maria Izilda de Santos Matos nos brindou com o trabalho “Maria Prestes Maia: trajetória, luta política e feminista na qual investiga a importância da esposa do prefeito e urbanista Francisco Prestes Maia em meados do século XX – Maria Prestes Maia, imigrante lusa – nas atividades políticas, sociais, sua atuação na Federação das Mulheres no Brasil e como sua influência pode ter tido relevância para o traçado urbano de São Paulo efetivado pelo “Plano Avenidas”.

No artigo “Mulher, casamento e trabalho: um triângulo que não fecha?” de Maria Beatriz Nader embarcamos para outra cidade brasileira: Vitória e suas transformações nas três últimas décadas do século XX. A participação das mulheres nesse desenfreado processo de implantação de grandes indústrias, aumento populacional e econômico, sofre intensas mudanças, pois o mercado de trabalho rompe, ou pelo menos esgarça a tessitura do bordado tradicional do destino feminino de casamento e família.

Gleidiane de Sousa Ferreira aponta que o debate sobre o feminismo não é apenas nacional, mas internacional. Sua contribuição ao apresentar elementos de atuação política do Mujeres creando, grupo de atuação feminista anarquista boliviano desde 1992, é literalmente um espaço de reflexão sobre o que significa pensar as práticas do feminismo nos dias contemporâneos. Seu artigo “Produzir conhecimento sobre si mesmas: uma reflexão histórica sobre práticas feministas autônomas na Bolívia”, aborda as diversas formas de comunicação estabelecidas por essas mulheres, tendo como ponto de partida a noção de “tomar la palabra”: escrita teórica, rádio independente, o jornal alternativo, arte de rua.

“Tomar la palabra!”. É o que queremos e esperamos. Aproveitem os textos sobre práticas políticas e gênero e que destes surjam outras e tantas mais História(s), Vivência(s) e Experiência(s) do(s) feminino(s)!

Referências

FLAX, Jane. Pós-moderno e relações de gênero na teoria feminista. In: BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa (Org.). Pós-modernidade e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p.217-250.

NICOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v.8, n.2, p.9-41, 2000.

SCOTT, JOAN W. Os usos e abusos do gênero. Tradução: Ana Carolina Eiras Coelho Soares. Projeto História, São Paulo, n. 45, pp. 327-351, Dez. 2012.

SOIHET, Rachel e COSTA, Suely Gomes. Interdisciplinaridade: história das mulheres e estudos de gênero. Gragoatá, Niterói, n.25, p.29-49, 2008.

Alcileide Cabral do Nascimento – Professora Doutora em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Coordenadora Nacional do Gt de Gênero ANPUH; Coordenadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero / NUPEGE / UFRPE / CNPq.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares – Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em História e da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do GT regional de Gênero – Seção Goiás; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero / FH-UFG / CNPq.


NASCIMENTO, Alcileide Cabral do; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 3, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres na História (II) / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2014

Neste número 13, a Revista Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade, nos convida a continuar problematizando a história das mulheres com a temática intitulada: “Mulheres na História – Vol. 2”.

Partindo dessa abordagem, os artigos com seus recortes específicos, percorrem diversos espaços dentro e fora do Brasil, bem como, distintas temporalidades e metodologias de pesquisa. Iniciativas como estas são fundamentais para compreendermos e ampliarmos ainda mais, os estudos sobre a história das mulheres numa perspectiva de gênero, uma área de pesquisa que vêm se consolidando na historiografia desde a década de 60, e alcançando desde então, novas abordagens e desdobramentos conceituais. Uma temática atual frente a tantos desafios das mulheres na política, na educação, na conjugalidade, nas representações sociais e na violência de gênero, para citarmos algumas das questões tratadas pelos autores / as neste novo número. É a experiência de mulheres que vivem em capitais e em áreas quilombolas, no tempo atual e num tempo passado que o leitor vai encontrar neste número.

Os artigos iniciam com o trabalho de Everton Vieira Barbosa “A estrutura física e pessoal de um periódico escrito por / para mulheres em meados do século XIX no Brasil”, que analisa sob diversos aspectos, o Jornal das Senhoras, que circulou no Rio de Janeiro, entre os anos de 1852 e 1855, e era escrito “por e para mulheres”. Na sequência, seguindo para Manaus, Paulo Marreiro dos Santos Júnior, discute no artigo “Glamour e agonia na prostituição da Manaus da borracha”, a história de mulheres prostitutas pobres cuja experiência contrastava com o glamour das cocotes e dos barões da sociedade da borracha.

Ipojucan Dias Campos, em seu trabalho “Solteirismo e tempo matrimonial, Belém (1916-1925)” perscruta o consórcio na cidade de Belém, entre os anos de 1916 a 1925, compreendendo os significados dados ao solteirismo e ao tempo pensado como próprio aos matrimônios de homens e mulheres.

Saindo do Brasil e caminhando para a Argentina, o artigo “La madre dos descamisados. Eva Perón: vida e trajetória política”, de Yvone Dias Avelino, analisa a vida de Eva Perón, primeira-dama da Argentina, na segunda metade do século XIX, evidenciando “as relações entre mito e história, e memória e história”.

De volta ao Brasil, já em Campo Grande, Fernanda Reis com seu trabalho “A representação feminina na pintura de Lídia Baís: limites entre o sagrado e o profano”, também nos permite conhecer a vida de uma mulher, desta vez, trata-se da artista plástica, Lídia Baís. A partir da análise de sua obra, a autora discute as representações femininas e o lugar da mulher, em um diálogo entre arte e história. Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade.

Teresinha de Jesus Araújo Magalhães Nogueira e Maria do Amparo Borges Ferro, investigam as histórias de vida de professoras em escolas confessionais, seus desafios na vivência da profissão. Utilizam para tanto, fontes orais e escritas, no artigo que intitularam “O ser / estar professora nos anos de 1940-1960: desafios de mulheres na história da educação”.

A discussão da violência de gênero, com seus desafios e representações sociais pautadas em valores tradicionais e dicotômicos, é o tema do artigo de Vera Lúcia Puga, “Violências diárias, violências de gênero: amar ou odiar? qual é o verbo?”. Nele, a autora examina o emblemático assassinato de Angela Diniz, a Pantera de Minas, por Doca Street, nos idos dos anos 1970, em Minas Gerais.

A diversidade espacial e de vivências continua neste número com o trabalho de Carmélia Aparecida Silva Miranda, sobre “As mulheres quilombolas de Tijuaçu-BA: vivências cotidianas, trabalho e enfrentamentos”. Neste artigo a autora discute os papéis sociais atualizados pelas mulheres daquela comunidade, seu desafios e conquistas, utilizando, principalmente, a metodologia da história oral.

No artigo que encerra a revista, os autores João Alberto Mendonça Silva, Dolores Pereira Ribeiro Coutinho e Amanda Ramires Guedes, percorrem a memória dos moradores do parcelamento Parque dos Laranjais em Campo Grande (MS), sobre o Caso Motel e, ainda, o que eles chamaram “a relação ontológica entre as Boates Enigma e Mariza’s”, examinada através de entrevistas e observação empírica.

Com este breve painel, o leitor pode ter ideia da diversidade temática, espacial e temporal dos artigos que irá encontrar neste volume, os quais, para além da diversidade, dispõem de um eixo de análise comum, o desafio de pensar as Mulheres na História em sua diversidade e a história em sua relação com várias linguagens, metodologias e disciplinas. Ao mesmo tempo, os artigos somam-se aos trabalhos que vêm consolidando esta área de estudo na historiografia, abraçando uma temática cuja visibilidade nos ajuda a problematizar e desnaturalizar as relações assimétricas de gênero.

Cristina Donza Cancela – Doutora. Professora da Faculdade de História da UFPA, do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia.


CANCELA, Cristina Donza. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n. 13, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres, Feminismos e Gênero: diálogos (in)tensos na História / História Revista / 2014

Os estudos de gênero ganham importância na academia, em fóruns de debates, nas agências de fomento à pesquisa e espaço no mercado editorial. A desigualdade de gênero e racial é profundamente questionada, o combate à violência contra as mulheres toma a cena pública, as sexualidades se rebelam e há uma desconfiança no ar a sinalizar que o binarismo (homes x mulher) no qual fomos forjados não responda à complexidade de ser no mundo hodierno. Assim, esse dossiê está em plena sincronia com as questões do presente e aposta numa sociedade melhor ao publicizar as pesquisas que falam das nossas travessias históricas de ser quem somos, onde as fronteiras normativas entre o feminino e o masculino são cada vez mais tênues.

A ideia desse dossiê surgiu em 2012 quando as professoras Alcileide Cabral e Ana Carolina Coelho se articularam para propor um simpósio temático no XXVII Simpósio Nacional de História que aconteceria em Natal, capital do Rio Grande do Norte, em 2013. O Simpósio intitulado “Mulheres, Feminismos e Gênero: diálogos (in)tensos na História” teve por objetivo discutir os significados históricos dos feminismos e da problematização das relações de gênero na virada do século XIX e nas décadas iniciais do século XX, buscando compreender como as mulheres questionaram a profunda desigualdade com os homens, ao mesmo tempo em que construíram possibilidades de inserção nos espaços públicos, redefinindo a dimensão do privado. Neste sentido, convidamos os / as pesquisadores / as a apresentarem seus trabalhos nas múltiplas direções abertas no âmbito dos estudos feministas e da história cultural a partir de fontes diversas como periódicos, revistas, fotografias, narrativas autobiográficas, ficção literária, discutindo a tensa e conflituosa relação entre feminino e o masculino, solo de uma episteme sobre as novas relações de e entre os gêneros e da emergência dos feminismos. Esse Simpósio rendeu bons frutos que agora chega ao público com este dossiê e temos a certeza de que nosso Grupo tem mesmo assumido a questão dos estudos de gênero como uma de nossas preocupações investigativas.

O estudo das relações de gênero abrange pesquisas acadêmicas interdisciplinares que procuram compreender as relações entre os gêneros – masculino e feminino – na cultura e na sociedade humanas. Essa compreensão entende que homens e mulheres estão numa perspectiva relacional e, ao mesmo tempo, são diferentes uns em relação aos / às outros / as e entre si. Considera-se ainda que essas relações são construídas historicamente, marcadas pela cultura e pelas relações de poder que fundamentam uma hierarquia e uma assimetria social entre homens e mulheres (SCOTT, 1991).

Esses esforços investigativos desde o último quartel do século XX, passaram a contar com a criação do Grupo de Trabalho de Gênero (Gt de Gênero Nacional) vinculado à Associação Nacional do Professores de História (ANPUH) em 25 de julho de 2001. Esse foi o ano da institucionalização dos Grupos de Trabalho vinculados à Associação, durante o XXI Simpósio Nacional da ANPUH, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Buscando fortalecer a pesquisa, o ensino e a extensão, O Gt de Gênero definiu como objetivos consolidar um espaço de intercâmbio científico-acadêmico sobre estudos de gênero e temas afins, no âmbito da história e das diferentes disciplinas; proporcionar um balanço do alcance de teorias e metodologias geradas pelos estudos de gênero e temas afins e de suas repercussões sobre o conhecimento, com vistas ao aperfeiçoamento do ensino da história em seus diferentes níveis; estimular no espaço universitário iniciativas de ensino, pesquisa e extensão voltadas para perspectivas teóricas e metodológicas abertas pelos estudos de gênero. Desde então, estimulou-se a criação dos Gt’ regionais com idênticos objetivos. Temos hoje nove Gt’s em diferentes regiões do Brasil.

Assim, este dossiê representa uma importante parceria entre o Gt de Gênero Nacional, coordenado por mim, em conjunto com Gt de Gênero de Goiás, sob a coordenação da Profa. Ana Carolina Eiras Coelho Soares [3] e dá concretude a um dos seus objetivos: implementar dossiês / revistas temáticas e publicação de coletâneas articulados com os desejos e problemáticas do presente.

Neste dossiê temos a confirmação da relevância e preocupação com as temáticas de gênero nas discussões intelectuais do Brasil. Pesquisadoras / es de várias regiões do país contribuíram para essa publicação com questões instigantes e demonstrando o aprofundamento e o refinamento das pesquisas sobre Gênero.

Lídia Possas nos brinda com um artigo excelente sobre a trajetória do GT Estudos de Gênero / ANPUH, recompondo através da memória, de documentos e falas, os fatos e acontecimentos deste grupo entre 2001- 2014. Em uma tentativa de pensar essa caminhada, nos damos conta do esforço da consolidação de espaço de um campo que lida justamente com as disputas de poder e as desigualdades na história.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares debate as narrativas visuais e as práticas de gênero nas artes gráficas criadas para a seção “O Menu do meu marido” veiculada pela Revista Feminina entre (1914-1936). No texto, as artes gráficas foram intencionalmente produzidas para criar símbolos e signos associados à modernidade, enquanto a seção ensinava a produzir refeições feitas pela esposa para o marido e seus filhos. As mudanças e contradições das relações de gênero, as práticas de viver, sentir e pensar e as ideias de modernidade, progresso e civilização convivem nas páginas de uma revista que era voltada para o público feminino.

Em “Notas sobre as representações do “feminino” nas páginas da revista Brasil-Oeste” de Eduardo de Melo Salgueiro incursionamos pelas páginas da publicação da revista Brasil-Oeste, mensário que circulou entre o período de 1956 e 1967, pensando nas representações das mulheres e da feminilidade deste periódico nacional que obteve até 1.500.00 exemplares editados.

Ana Maria Marques e Andréia Márcia Zattoni avançam no tempo, para discutir o feminismo e os debates no Centro da Mulher Brasileira (CMB) de 1975 e sua representação nas páginas da revista de informação semanal Veja no mesmo ano. A participação das mulheres e a resistência à ditadura militar são as temáticas que tornam esse artigo interessante, seja pelas contradições presentes nos diferentes órgãos de atuação, seja pela inevitabilidade da discussão da existência e participação de mulheres, inclusive exiladas, em um contexto de ditadura, mesmo que os discursos se apresentem de maneiras bastante diferenciadas.

A revista Veja é também pensado em outro artigo de Silvia Maria Fávero Arend e Douglas Josiel Voks intitulado: Revista Veja, masculinidades e consumo (década de 1970), na qual as masculinidades – categoria conceitual que se refina com as discussões sobre as relações de gênero e o feminismo – aparecem nas páginas da revista na década de 1970 através de uma indústria que vestia e gerava / dialogava com valores / produtos que passavam a representar os homens da classe média dos centros urbanos do país.

O tempo, esse senhor da narrativa do passado, volta para outra discussão feminista fundamental no texto de Elisângela Barbosa Cardoso, intitulado “Sufrágio, educação e trabalho: o feminismo na imprensa em Teresina nas décadas de 1920 e 1930”. O debate em Teresina nos mostra o alcance nacional das discussões feministas no Brasil, o que reforça o título deste dossiê, debates tensos e intensos na História de nosso país. O feminismo, muitas vezes, obliterado por uma narrativa tradicional, luta nas pesquisas atuais para ganhar espaço e visibilidade como fator de importância crucial para as mudanças sociais e das relações de gênero no país.

Acreditamos que esse dossiê veio para reafirmar nossa legitimidade enquanto campo de pesquisa e espaço de trabalho historiográfico. “tomar la palabra!”. Esperamos que todas / os aproveitem os debates e que estes gerem novas palavras, discussões e escritas sobre mulheres e homens que na experiência de suas vidas, criaram padrões, valores e uma lógica de existir cuja dimensão política requer mudanças na perspectiva de um mundo mais igualitário para homens e mulheres.

Nota

3. O GT Goiás é coordenado com a Profª. Dr.ª Eliane Martins de Freitas que não participa desta organização de dossiê em específico, mas é igualmente atuante em outros projetos desenvolvidos em Goiás.

Referências

HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v.24, n.1, p.77-98, 2005.

RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o Gênero. Cadernos Pagu, Campinas / SP, n.11, p.89-98, 1998.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.20, n.2, p.71-99, jul. / dez. 1995.

Alcileide Cabral do Nascimento – Professora Doutora em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Coordenadora Nacional do Gt de Gênero ANPUH; Coordenadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero / NUPEGE / UFRPE / CNPq.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares – Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em História e da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do GT regional de Gênero – Seção Goiás; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero / FH-UFG / CNPq.


NASCIMENTO, Alcileide Cabral do; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 2, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres na história (I) / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2014

A presente edição da Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade reúne investigações dos percursos e experiências das mulheres, quer do ponto de vista individual, quer coletivo. Apoiados em fontes já incorporadas ao cotidiano do historiador, tais como a pintura, música, literatura, imprensa, processos e documentos pessoais, refletem sobre a participação política, cultural, religiosidade e imaginário, a partir da perspectiva feminista, de gênero e da história social.

Mulheres na história congrega representações de mulheres em diferentes temporalidades e renova o eterno questionamento: afinal, quem é a mulher na história?

Apesar de não se restringirem a uma única temática, a vertente política perpassa as investigações de Maria Izilda Santos de Matos, Maria Verónica Perez Fallabrino, Sônia Brandão e Luciara Silveira de Aragão e Frota, cujas análises revisitam a história e requalificam a importância do papel desempenhado pela mulher no Brasil, Paraguai e Florença em diferentes temporalidades. Eugenia Désirée Frota, Carlos Diego Moreno e Lourdes Jimenez Moreno conferem visibilidade às mulheres na Suécia e no México, ao passo que Ana Helena da Silva Delfino Duarte analisa o conteúdo das pinturas de Frida Kahlo.

Nesse número de Cordis figuram os relatos de pesquisa de Letícia Ferreira da Silva sobre a cultura e o cotidiano vivenciado Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade pelas mulheres no período colonial, de Vitor da Matta Vívolo acerca da influência dos tratados e discussões do meio científico na literatura e de Monica Silva Dias sobre a violência contra a mulher em área de manancial.

Em Maria Prestes Maia, “a primeira operária” de São Paulo a análise de Maria Izilda Santos de Matos se fundamenta em variada documentação, tais como os dossiês do DEOPS / SP, entrevistas e imprensa, para rastrear a trajetória de vida de Maria de Lourdes Prestes Maia: sua atividade política, atuação na Federação das Mulheres do Brasil, experiências como atriz e professora de teatro, bem como as ações no setor cultural e na assistência social.

No artigo É preciso estar atento e forte: desafios na curta trajetória de Iara Iavelberg Sônia Brandão discorre sobre a condição feminina e os limites do pensamento conservador da esquerda revolucionária, a partir da trajetória da psicóloga e militante estudantil Iara Iavelberg, uma das figuras femininas de destaque no movimento de luta armada contra a ditadura civil-militar brasileira.

Fundamentada na corrente revisionista histórica, Elisa Alicia Lynch: a dama de aço do Paraguai, de Luciara Silveira de Aragão e Frota, propõe uma nova análise do papel de Elisa Alicia Lynch na vida de Solano López e do Paraguai.

Contextualizado na Florença do século XV, Lucrezia Tornabuoni: poesia e poder na família Medici, de Maria Verónica Perez Fallabrino, analisa a produção cultural e os papéis social e político da influente Lucrezia Tornabuoni.

Os meandros da Revolução Francesa, o período napoleônico e a instalação da dinastia dos Bernadotte na Suécia constituem o pano de fundo do artigo Uma francesa no trono sueco, de Eugenia Désirée Frota, cuja abordagem centra-se na análise da cidadã francesa Bernadine Eugénie Désirée Clary, filha de um comerciante de sedas de Marselha, casada com o general Charles Jean-Baptiste Bernadotte.

Fundamentado em Sóror Juana Inés de la Cruz: as armadilhas da fé, de Octávio Paz, o artigo Sóror Juana: a fênix mexicana, de Carlos Diego Moreno e Lourdes Jimenez Moreno, centraliza-se na vida de uma monja mexicana do século XVII que, pela sua persistência e luta, abriu caminho para outras mulheres ocuparem lugar no mundo do conhecimento.

Ambientada nos “anos dourados”, A felicidade infeliz de Maysa Matarazzo em tempos do American way of life, de Marcia Barros Valdívia, destaca a influência do modo americano de vida no Brasil, a necessidade do bem-estar expresso no consumismo de bens materiais, bem como pelo clima de angústia, desilusão e insegurança do pós-guerra. Em meio aos símbolos de maximização da felicidade, mascarava-se a tristeza de muitos indivíduos, entre eles, a da cantora Maysa Matarazzo e de outros cantores boêmios que, com suas experiências e canções, expressaram um modo particular de ser infeliz, carregado de requinte, glamour e beleza, elementos próprios à década de 1950.

A iconografia ex-votiva presente na obra da pintora mexicana Frida Kahlo, é a temática de Ana Helena da Silva Delfino Duarte, no artigo O imaginário ex-votivo na pintura de Frida Kahlo. Trata-se de uma análise comparativa de algumas pinturas de Frida Kahlo com pinturas ex-votivas mexicanas para salientar pontos de convergências e divergências no que diz respeito à motivação, à composição, aos elementos compositivos, à paleta cromática e ao tratamento pictórico.

O envolvimento das mulheres na emigração clandestina portuguesa e na sua organização é a temática central do artigo de Marta Silva. As mulheres na arte da emigração: motivações, estratégias e representações no êxodo clandestino português (1957-1974) desvenda o lugar da mulher no meio rural português e as imagens construídas em torno das engajadoras, passadoras e emigrantes.

A pesquisa Brasil colonial: as mulheres e o imaginário social de Letícia Ferreira da Silva, orientado por Maria Augusta de Castilho, analisa a cultura, o cotidiano e as relações de gênero vivenciado pelas mulheres no período colonial brasileiro.

Intitulado Maternidade e monstruosidade literária: Mary Shelley e o nascimento de Frankenstein, o recorte da pesquisa de Vitor da Matta Vívolo, orientado por Carla Reis Longhi, investiga a influência dos discursos científicos do século XIX e o surgimento do gênero literário de “ficção científica” na obra da escritora Mary Shelley.

A pesquisa de Monica Silva Dias, orientado por Lívia Cristina Aguiar Cotrim, Violência contra a mulher, ninguém mete a colher? Um estudo em área de manancial, trata da violência contra as mulheres e se inscreve em um projeto maior que objetiva promover o acesso à informação em saúde, relações de gênero, meio ambiente, cultura e noções de cidadania para o desenvolvimento social das comunidades.

São Paulo (SP), junho de 2014

Sênia Bastos

Editora Científica


BASTOS, Sênia. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n. 12, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Mulheres do Brasil: Beja, Carmen e Dolores | ArtCultura | 2005

Organizadora

Kátia Rodrigues Paranhos – Editora.

Referências desta apresentação

PARANHOS, Kátia Rodrigues. Apresentação. ArtCultura. Uberlândia, v.7, n. 10, jan./jun. 2005. Acesso apenas pelo link original [DR]

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Mulheres | Fronteiras – Revista de História I 1998

Fronteiras chega ao seu terceiro número buscando cumprir os objetivos assinalados no número inicial: contribuir para o fortalecimento da pesquisa e do ensino da História na UFMS, abrindo-se, ao mesmo tempo, à interdisciplinaridade – procurando constituir-se, assim, num espaço para a divulgação de trabalhos relevantes dos pesquisadores da História e de áreas afins, pertencentes à UFMS ou a outras instituições. Leia Mais