Da autonomia à resistência democrática: movimento estudantil, ensino superior e a sociedade em Sergipe, 1950-1985 | José Vieira da Cruz

Jose Vieira da Cruz 3 Movimento Estudantil
José Vieira da Cruz – 2019 | Foto: Tribuna do Sertão

Acaba de ser publicada a segunda edição (revista e ampliada) do livro de José Vieira da Cruz, Da Autonomia à Resistência Democrática: Movimento Estudantil, Ensino Superior e a Sociedade em Sergipe (1950-1985). O texto incide sobre o tema da cultura académica, que não está suficientemente estudado e para o qual este livro é um contributo fundamental.

Da autonomia a resistencia democratica Movimento EstudantilÉ justamente na década de 1950 que tem início o estudo criterioso e denso que José Vieira da Cruz reedita e ao qual não são alheios nem o elitismo do ensino universitário, nem o alargamento da universidade a novos públicos e novos territórios, nem a relação da universidade com o Estado e com a sociedade; nem a autonomia universitária e o estatuto do estudante. É neste complexo, perfeitamente ajustado ao Brasil em modernização acelerada, que Cruz inscreve e sistematiza o marco teórico; procede a uma revisão crítica da historiografia das universidades; faz a história do movimento estudantil. Leia Mais

Museo del universo: los Juegos Olímpicos y el movimiento estudiantil de 1968 | Ariel Rodríguez Kuri

Museo del universo explica cómo fue que, entre julio y octubre de 1968, la geopolítica del mundo terminó contenida en la ciudad de México. La obra está estructurada en dos grandes partes: los capítulos 1, 2 y 4 están dedicados a los Juegos Olímpicos y en ellos se analizan los aspectos diplomáticos, los conflictos políticos y los obstáculos financieros que enfrentó el régimen priista cuando la ciudad de México fue elegida sede de la mayor gesta deportiva del planeta; los capítulos 5 al 8 están dedicados a analizar, mes a mes, el desarrollo del conflicto que enfrentó a una amplia gama de jóvenes citadinos con los cuerpos de seguridad del Estado y con las autoridades políticas nacionales. Entre estas dos grandes partes, como una forma de mostrar la manera en que se configuraba la esfera pública nacional hacia la segunda mitad de los años sesenta, el autor incluyó un capítulo en el que aborda el debate originado tras el incendio de la catedral metropolitana en enero de 1967. Leia Mais

¡Cuotas No! El movimiento estudiantil de 1999-2000 en la UNAM | Marcela Meneses Reyes

Los libros a veces comienzan por sus epígrafes y el trabajo de Marcela Meneses Reyes sobre la huelga estudiantil mexicana de 1999-2000, la más extensa en la historia de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), no es la excepción. La necesidad de caminar hacia atrás para escapar al olvido que exalta el poeta maya-guatemalteco Humberto Ak’abal en el comienzo del estudio manifiesta muy bien sus intenciones. Aunque el objetivo de Meneses no sólo es recordar un movimiento del que fue protagonista en sus tiempos de estudiante, sino entender las razones de un conflicto que convulsionó por casi diez meses a la UNAM y al país entero. Desde abril de 1999 cuando el Consejo General de Huelga (CGH) tomó las instalaciones de la universidad en protesta por el aumento de las cuotas de inscripción; hasta febrero del año siguiente con la violación de la autonomía universitaria por la Policía Federal Preventiva y el encarcelamiento de cientos de manifestantes. La hoy académica de la UNAM elige eludir la versión testimonial y desde herramientas teóricas del marxismo y la sociología histórica brinda un análisis profundo de la huelga y de los diversos actores involucrados. De esta manera, escapa a las miradas condenatorias de un movimiento que sigue generando incomodidades, como lo atestigua su exclusión de los actos conmemorativos por los 100 años de la UNAM que organizó la rectoría en 2010. Leia Mais

O Movimento Estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979) – MÜLLER (RBH)

MÜLLER, Angélica. O Movimento Estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979). Rio de Janeiro: Garamond; Faperj, 2016. 224p. Resenha de: VALLE, Maria Ribeiro do. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.37, n.76, set./dez. 2017.

O livro O Movimento Estudantil na resistência à Ditadura Militar (1969-1979), de autoria de Angélica Müller, dialoga com os estudiosos que afirmam não ter havido continuidade da organização do movimento estudantil depois de decretar-se o Ato Institucional no 5 (AI-5), em dezembro de 1968. Sua tese principal é a de que, apesar da mudança de tática na luta dos estudantes, ela foi fruto de uma autocrítica das lutas do período anterior e responsável por gestar uma nova cultura política que passou a privilegiar as liberdades democráticas.

O percurso da reconstituição da União Nacional dos Estudantes (UNE), foco da análise, instigou a autora a costurar a colcha de retalhos das ações estudantis após o Congresso de Ibiúna, em outubro de 1968, quando a organização passa a agir na clandestinidade absoluta, até a sua extinção. Com a Lei n. 477, considerada o AI-5 da educação, o Conselho da UNE, já em 1970, optava pela organização de frentes de vanguarda por turmas e faculdades. Suas principais ações foram o Plebiscito do ensino pago em 1972, as lutas pela revogação dos Decretos-Leis números 477 e 464, e a crítica ao Projeto Rondon e à criação da disciplina de Moral e Cívica. Elas são consideradas por Müller como microrresistências pacíficas que contribuíram para gerar uma nova cultura no seio das oposições.

Mereceu destaque a luta estudantil contra a Política Educacional do governo que propunha a criação da disciplina Estudos sociais. Esta passaria a aglutinar as disciplinas de História, Geografia e Ciências Sociais, passando a desempenhar um papel de sustentação ideológica da política da ditadura.

Aqui eu gostaria de abrir um breve parêntese, chamando atenção para a proposta educacional do atual governo do presidente ilegítimo Michel Temer: típica de regimes autoritários, defende também a supressão das disciplinas críticas como a História e as Ciências Sociais.

O livro enfatiza também o vínculo entre o Movimento Estudantil (doravante ME) e os outros movimentos sociais de resistência à ditadura, tendo como fio condutor a Educação. Citam-se como emblemáticas a criação de grupos de teatro, a arte engajada, a publicação de jornais e a música de protesto, pelo fato de evidenciavam o conteúdo autoritário do regime. Aqui explicita-se o trabalho artesanal na confecção de uma colcha de retalhos, tecida pela historiadora com base no garimpo de formas de lutas diferentes e dispersas nos vários estados e cidades, travadas pela Igreja, pelos deputados e artistas. Os jornais estudantis tiveram importância ímpar tanto no engajamento político do ME, quanto na divulgação de suas ações e táticas. Apesar dos períodos mais duros do regime, os relatos da imprensa alternativa e clandestina ancoraram a crítica de Müller à historiografia que aponta os anos 1970 como marcados pela inexistência do movimento.

Também são elencadas as medidas tomadas pela ditadura na década anterior e que continuavam em vigor nos anos 1970, incidindo diretamente no ME: vigilância, repressão e censura por meio do Serviço Nacional de Informações (SNI), criado logo após o golpe de 64, e da Divisão de Segurança e Informações (DSI), criada em julho de 1967. A vigilância e a punição no Ensino Superior eram efetuadas pela instalação de inquéritos e regulamentadas pela criação das ASIs (nomeação de uma pessoa pelo MEC para fazer o elo entre a universidade e o governo) e da DSI (responsável pelas ações de normatização, vigilância e punição do ensino superior), garantindo os processos de expulsão de professores e estudantes que foram catalogados como um conjunto de subversivos, considerados um perigo para a nação.

No embate entre repressão e resistência, Müller enfatiza que o ME foi pioneiro na retomada do espaço público com a luta pelas liberdades democráticas. Sua pesquisa revela que, já nos primeiros anos do governo Geisel, a luta do ME vem à tona com as greves das universidades que ocorreram entre 1974 e 1975, respaldando a reorganização das correntes e das entidades representativas estudantis nas diferentes cidades e estados, quais sejam os DCEs, as UEEs e, finalmente, a reconstrução da UNE.

As greves, formas tradicionais de lutas estudantis, permitiram maior visibilidade às suas reivindicações e contribuíram para que o ME assumisse papel articulador nos diferentes movimentos sociais de resistência à ditadura. A greve da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, que se estendeu por mais de um semestre letivo, desencadeou a discussão dos problemas da realidade e preparou o terreno para a criação do DCE-Livre da USP em 1976. Esses episódios coincidiram com o assassinato de Vladimir Herzog pelo DOI-Codi e foram um marco importante para a defesa das liberdades democráticas pelo ME e pelos demais movimentos de contestação do regime militar.

A análise aprofundada da reorganização das novas e diferentes tendências do ME – bem como de suas diversas concepções de democracia – feita por Müller respalda, de forma consistente, sua tese de que a retomada do movimento estudantil na segunda metade da década não foi o despertar de uma inércia, nem o preenchimento de um vazio, apontado por boa parte dos historiadores. Ao contrário, depois de 10 anos de resistência restrita ao ambiente universitário, as greves e a volta às ruas sacramentaram a rearticulação da UNE e reforçaram o pioneirismo dos estudantes. Estas palavras de ordem começaram a ser abraçadas também por outros movimentos de oposição: pelas Liberdades DemocráticasAbaixo a carestia; pelo fim das torturas, prisões e perseguições políticas; pela anistia ampla e irrestrita. Foi emblemática da conjunção de diversas lutas a frase “Soltem os Nossos Presos operários e estudantes” presente nas passeatas.

É importante ressaltar que a pesquisa de Müller não se restringiu ao eixo Rio-São Paulo, o que lhe permitiu mostrar como efetiva a criação nacional de uma entidade estudantil. Além da Uerj, da Unesp e da PUC-RIO e da PUC-SP, a UFMG, a UFPE, UFBA e a UFRGS também iniciaram suas greves contra os cortes de verbas da universidade, pelo ensino público e gratuito e pelo boicote ao pagamento das anuidades.

Peço licença novamente para abrir outro parêntese: acredito que estamos vivenciando um retrocesso político, pois esses direitos são mais uma vez retaliados, numa amplitude inusitada, pelo governo do ilegítimo presidente Michel Temer.

Para Angélica Müller,

o ressurgimento das movimentações de massa ocorreu em novos moldes e em situação bem diversa da que caracterizou aquelas de 1968: não havia grandes líderes, não houve enfrentamentos nem uso de armas, e a plataforma de luta era bem ampla, ou seja, não restrita às reivindicações do ME. O que se exigia era o fim da ditadura militar. (p.134)

Há, a meu ver, uma fragilidade na análise de Müller, que dá muita ênfase às diferenças entre as bandeiras e formas de luta na década de 1970 e as do período anterior, e lança pouca luz sobre as semelhanças existentes. Se retomarmos as formas de luta do ME em 1968, notaremos uma grande cisão entre duas vertentes centrais: a que defendia as lutas específicas dos estudantes e a que defendia a luta política contra a ditadura, o capitalismo e o socialismo real. Apesar de, ao longo do ano, a segunda posição ter ganhado o maior espaço, em razão da conjuntura política, não podemos reduzir às suas as bandeiras estudantis. A luta pelo ensino público e gratuito, por exemplo, esteve presente o ano todo.

Ao contrário de Müller, acredito que a defesa dos princípios democráticos não é uma especificidade da década de 1970. Nesse sentido seria importante trazer à tona as ações, táticas e propostas estudantis desde o início da ditadura, em 1964, quando o ME já era um dos principais alvos do regime. A opção pelo caráter pacífico foi vitoriosa nas passeatas de 1966, enquanto a utilização da violência foi levada às ruas em 1968. Mas isso não significava existir uma hegemonia entre as diferentes entidades do ME. Acredito que o contraponto proposto pela historiadora entre a década de 1970 e 1968 ficaria, assim, mais bem delimitado.

O livro de Angélica Müller adquire importância histórica e social ao trazer à cena o movimento do ME na década de 1970, uma vez que nos devolve várias páginas da luta estudantil arrancadas pela ditadura militar. Vale muito a pena conhecê-las e, em grande medida, elas estão na ordem de nosso dia.

Maria Ribeiro do Valle Departamento de Sociologia, Faculdade de Ciências e Letras (FCL) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Araraquara, SP, Brasil. E-mail: mrvalle@fclar.unesp.br.

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Speaking of Flowers: Student Movements and the Making and Remembering of 1968 in Military Brazil – LANGLAND (VH)

LANGLAND, Victoria. Speaking of Flowers: Student Movements and the Making and Remembering of 1968 in Military Brazil. Durham: Duke University Press Books, 2013. 352 p. IORIS, Rafael R. Varia História. Belo Horizonte, v. 32, no. 58, Jan./ Abr. 2016.

Como acrescentar ao nosso conhecimento sobre o papel da militância estudantil no combate à ditadura no Brasil? Este importante livro (escrito por Victoria Langland, do Departamento de História da Universidade de Michigan) nos oferece uma nova reflexão sobre o tema que aponta inovadores caminhos historiográficos para trabalhos futuros.

Em grande parte centrado no ano de 1968 quando, de maneira similar a eventos em outras partes do mundo, representantes discentes brasileiros se mobilizaram de maneira inédita na defesa de melhorias educacionais, sociais e políticas, a obra oferece não só uma leitura atenta sobre trágicos eventos da ditadura militar, mas analisa também como sucessivas narrativas sobre esse mesmo ano se articularam com o pro- cesso de redemocratização política e, desde então, com a própria reconstrução do movimento estudantil no país.

Embora focado no período militar, Speaking of Flowers oferece elementos para uma história do movimento estudantil brasileiro. Para tanto, a autora organiza os capítulos de maneira criativa, onde distintos momentos históricos são priorizados de modo a enfatizar seus principais eixos explicativos. Um dos argumentos centrais da análise é que os estudantes brasileiros (especialmente os de nível universitário) sempre se viram (e foram dessa mesma forma tratados por sucessivas lideranças do aparelho de estado) como protagonistas da evolução política do país. Da mesma forma, ao examinar como os estudantes se organizaram na defesa de seus interesses ao longo da história do país, dentro de um processo no qual os próprios se constituíam como ator político legítimo, o texto apresenta uma reflexão original sobre o processo de criação e recriação da memória social recente.

É nesse sentido que Langland apresenta seu projeto também como o de uma busca pelos diversos significados assumidos pelo ano 1968, assim como a da militância estudantil associada a este, que foram sucessivamente atribuídos por distintos grupos de estudantes ao longo do processo de resistência ao regime militar e da redemocratização do país. A reflexão sobre os sentidos coletivos atribuídos por distintos atores sociais para suas próprias ações é ancorada, em grande parte em pesquisa secundária, numa descrição geral do processo de constituição do movimento estudantil ao longo do século XIX e a primeira metade do século XX. É demonstrado como, ao longo dessa trajetória, os estudantes brasileiros se mobilizaram dentro de um percurso que daria as bases para a própria identidade estudantil no país desde então.

A identidade política do movimento estudantil teria assumido um viés ainda mais claro no contexto da Guerra Fria, quando este emergente segmento seria cada vez mais influenciado pelo ideário esquerdista, por vezes revolucionário dos anos 50 e 60. Essa radicalização se aceleraria após a ascensão do regime militar em 1964, especialmente ao longo do ano de 1968. Ao recontar como os estudantes reagiram de maneira assertiva e criativa à crescente repressão sofrida, a autora nos mostra como o sacrifício de muitos de seus pares levou o movimento estudantil a um novo patamar e importância simbólica. Tragicamente, essa maior militância seria um dos focos principais da acentuada violência policial do regime ditatorial, especialmente a partir de dezembro 1968, quando da outorga do Ato Institucional No. 5.

Uma das principais contribuições de Langland é a de demostrar com uma grande riqueza de detalhes como, durante o período da vigência desse importante ato institucional, a leitura sobre o ano de 1968 se tornaria mais complexa e multifacetada. De um lado, para os operadores da repressão estatal, o ano de 68 passaria a representar tudo o que não poderia mais ocorrer; e todo tipo de atividade estudantil ao longo dos anos 70 seria vista sob esse prima de suspeição e vigilância. De outro, para os próprios estudantes, o mesmo ano, assim como a mobilização juvenil a ele associada, seriam objetos de uma leitura muito mais rica e sofisticada; dentro da qual alguns aspectos da militância de então seriam privilegiados (por exemplo, a defesa intransigente do direito de expressão e participação então suprimidos), enquanto outros elementos seriam reavaliados ou mesmo rejeitados (de modo especial a participação na luta armada de várias lideranças do movimento ao longo de 68 e 69).

A reflexão apresentada no livro é rica e muito bem amparada em evidências históricas relevantes, fruto de um minucioso trabalho de pesquisa por parte da autora. Seria pois impossível fazer justiça, nesta curta resenha, aos detalhes e nuances apresentados. Caberia, contudo, apontar que, por vezes, ao tentar alinhavar por demais os capítulos entre si, de modo a apresentar uma lógica subjacente ao desenrolar dos acontecimentos, a análise tende a oferecer uma imagem talvez por demais coerente para eventos eminentemente complexos, muitos deles díspares e mesmo contraditórios; como, por exemplo, as ações de grupos de estudantes de diversos matrizes ideológicos ao longo de um período tão longo.

Da mesma forma, embora a autora inove de maneira louvável ao tratar com tanto interesse e criatividade de questões ligadas à temática de gênero, mais elementos seriam necessários para que o leitor possa de fato acompanhar algumas das assertivas de cunho analítico feitas pela autora (por exemplo, como os próprios estudantes, especialmente homens, interpretavam seus padrões de comportamento para com seus pares do sexo feminino).

Por fim, especialmente no momento em que o Brasil passa por uma verdadeira guinada conservadora, seria útil saber mais sobre como estudantes politicamente conservadores entenderam os muitos processos históricos tão bem examinados. Ainda assim, tomado como um todo, nenhum desses aspectos prejudica a leitura e não diminui em nada a capacidade persuasiva do texto; devendo os mesmos serem vistos muito mais como relevantes linhas de pesquisa à espera de novos estudos, detalhados e qualificados como o apresentado em Speaking of Flowers.

Rafael R. Ioris – Latin American Center University of Denver, 2000 E. Asbury Ave., Sturm Hall #367 Denver, CO 80208 rafael.ioris@du.edu.