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História Ambiental, Migrações e Globalidades | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2022
Há séculos as sociedades estão vivenciando problemas socioambientais, como doenças, epidemias, pandemias, mudanças climáticas, enchentes, tornados, entre outros – que foram catalisados por atos de degradação e não preservação/conservação dos recursos naturais. Tais problemas ocorreram e ocorrem de forma inter-relacionada e em escala global. Como exemplo, podemos citar o mês de janeiro de 2022 – em meio à pandemia de covid-19, durante o aumento considerável no número de casos em todo o mundo por conta da dispersão da variante ômicron – o Brasil foi acometido por enchentes, queimadas e deslizamentos. E também foi assim, perante o cenário do caos e de eminentes crises ambientais, que foi fomentada a necessidade de trazer o meio ambiente para as discussões da disciplina de História. Na década de 1970, surge a História Ambiental, que trouxe uma premissa revisionista tornando a disciplina da História muito mais inclusiva nas suas narrativas do que ela tinha tradicionalmente se apresentado.
O estudo do meio natural pelo viés da História Ambiental Global tem sua relevância redimensionada por questões transversais como: as fronteiras e seus espaços de conflitos; a biodiversidade; o patrimônio que resulta das múltiplas relações entre natureza e cultura; entre outros. Também é importante relacionar estas questões com os estudos sobre os movimentos migratórios humanos e da flora e fauna, os estudos dos aspectos históricos, demográficos e ambientais – presentes na formação dos territórios. Desta forma, através de estudos e discussões que tangenciam os aspectos aqui apresentados, os textos que compõem o Dossiê História Ambiental, Migrações e Globalidades legitimam a necessidade de discutirmos o meio ambiente dentro da História e em escala global. Leia Mais
Direitos humanos, sensibilidades e resistências / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020
A história como ciência, desde há muito tempo, é alvo de disputas políticas e intelectuais que colocam em xeque um discurso amplamente difundido, que sustentava a existência de uma suposta imparcialidade no ofício do historiador e da historiadora. No entanto, ao se aproximar de diversas áreas que compõem as Ciências Humanas e Sociais, com intuito de pluralizar seus sujeitos e objetos, a história, e, portanto, a própria historiografia, viram-se envoltas em problemáticas que as questionavam como campo discursivo neutro, impelindo-as à produção de um tipo de conhecimento marcado pelas posições políticas e ideológicas, que por sua vez, possuem uma forte ancoragem em processos socioculturais do presente que transbordam em subjetividades.
Desta intersecção entre história, novos sujeitos, objetos multifacetados e pluralização dos discursos sobre o passado, a temática dos direitos humanos, surge como um campo que convoca historiadores e historiadoras a pensar a produção de sujeitos, os processos de violação e as diversas formas de existência, em seu atravessamento por questões da interculturalidade, identidades, igualdade, equidade, justiça social e representatividade, entre outras, que constroem as concepções atuais de dignidade humana e respeito a diversidade.
Este Dossiê, n. 36, intitulado Direitos humanos, sensibilidades e resistências, que se apresenta com caráter multi, trans e interdisciplinar, é constituído por dez artigos, uma entrevista, um texto composto por relatos e duas resenhas. Os trabalhos aqui apresentados, versaram sobre as relações da história com os direitos humanos, as sensibilidades e os processos de resistência.
O historiador Reinaldo Lindolfo Lohn no artigo intitulado A utopia dos direitos humanos na cidade: o direito à cidade, reformas urbanas e projeções sociais em Florianópolis (SC) – entre a ditadura e a democracia (1964-2004) discutiu os conflitos gerados pela imposição de reformas urbanas em Florianópolis (SC), ao longo da ditadura militar, com desdobramentos no período democrático. Tomando o acesso à cidade como uma das dimensões dos direitos humanos, o autor discute a constituição do espaço urbano como um elemento de disputa entre as camadas médias e os grupos populares urbanos.
Ernani Soares Rocha e Sueli Siqueira no artigo, Percepção dos jovens sobre o novo território 10 anos depois da desterritorialização: o caso de Itueta, abordaram, por meio de entrevistas, a percepção dos jovens do município Itueta que vivenciaram, entre os anos de 2000 e 2006, o processo de realocação de sua sede em função da instalação da Usina Hidrelétrica Eliezer Batista. Ao centrar suas análises em entrevistas, as autoras buscaram compreender os efeitos dessa Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização, nas trajetórias de vida de jovens e adolescentes que habitavam até então a sede do referido munícipio
O artigo A educação no município de Xaxim: dimensões históricas e políticas da universalização da educação básica (1910-2020), de Paulo Roberto Da Silva e Joviles Vitório Trevisol, analisou a trajetória da educação no município de Xaxim (SC) no período entre 1920 e 2020. Enfatiza que o direito à educação para todas as crianças em idade escolar do Ensino Fundamental tornou-se realidade apenas no final do século XX, demonstrando a existência das desigualdades regionais que estruturam o Brasil no campo das políticas públicas.
Natalia Ferreira, com o artigo Os desafios do tempo presente e a colonialidade da natureza: intersecções para pensar novas sociabilidades, intenciona discutir sobre a colonialidade a partir de seus aspectos, demonstrando as sobreposições das opressões da Matriz Colonial do Poder a partir da análise de linguagens e hábitos recorrentes que são naturalizados por nossa sociedade.
No artigo Ilha da Magia seletiva: religiões de matrizes africanas e a intolerância religiosa em Florianópolis, Hilton Fernando da Silva Pinheiro evidencia os desafios que as comunidades religiosas de matrizes africanas enfrentam, no que se refere aos direitos de fruição ao espaço público. As reflexões partiram da análise de um ato de intolerância religiosa ocorrido em setembro de 2019, na cidade de Florianópolis – SC, que visibilizou os conflitos existentes em torno de símbolos, monumentos, sujeitos e manifestações religiosas de matriz africana.
Com o artigo intitulado Dignidade humana: o desaparecimento do preto velho Jeronymo – Palmas / PR, meados do século XX, os historiadores Renilda Vicenzi e Carlos Eduardo Cardoso, por meio de um inquérito e de um processo crime, do início do século XX, na Comarca de Palmas / PR, buscam compreender as estruturas de racialização e exclusão social, conferidos a população negra, que marcaram de forma profunda a organização sociojurídica do Estado brasileiro.
Susana Cesco, no artigo O que, como e por que censurar: o trabalho de censura da Polícia Federal na década de 1970, analisou o trabalho de censores, autoridades policiais e a própria reestruturação e atuação da Polícia Federal nas décadas de 1960 e 1970 que passou a atuar como órgão responsável pela censura no país. A autora descreve os caminhos percorridos pela política de controle estatal, especialmente no que diz respeito às normas e critérios adotados para proibir e cercear a livre circulação de ideias.
A historiadora Marlene de Fáveri no artigo Violência política em tempo de guerra: a Exposição de Material Nazista: a Exposição de Material Nazista tratou da Exposição de Material Nazista organizada pelo Departamento de Ordem Política e Social de Santa Catarina nos anos de 1942 e 1943, quando o Brasil declarava guerra aos países do Eixo, durante a Segunda Guerra Mundial. Ao se debruçar sobre tal processo histórico, a autora visa analisar o papel da Polícia Política na repressão e perseguição de populações originárias da Itália e Alemanha, destacando a atuação de tal instituição na construção de discursos políticos que fomentavam o medo e a repulsa pelo outro entre a população catarinense.
O artigo Marcelino Chiarello: um defensor dos direitos humanos, de Cesar Capitanio e de José Carlos Radin, evidenciou a formação e a militância do vereador Marcelino Chiarello, de Chapecó-SC, sobretudo, o seu envolvimento na defesa dos direitos humanos, relacionandoa com uma formação sociopolítica alicerçada na vertente religiosa da Teologia da Libertação e da influência do Bispo Dom José Gomes. Os autores destacam sua atuação junto aos movimentos sociais e sindicatos, em um projeto que visava radicalizar o campo da política formal.
Com o artigo Rezar, lutar, lavrar: missionários, militares e indígenas na composição das fronteiras da Província do Amazonas (1851 – 1852), Paulo de Oliveira Nascimento abordou o projeto de construção das fronteiras da / na Província do Amazonas, num momento em que as autoridades imperiais (1851 – 1852) buscavam nortear a ação política e administrativa para modernizar a região. Através da expansão da fronteira, pretendiam implementar o projeto geopolítico de “civilização” dos indígenas e modernização da economia naqueles rincões do Império do Brasil, na tentativa de integrá-los a um projeto modernizador da sociedade brasileira
A atual edição de Fronteiras conta ainda com uma entrevista realizada por Kelly Caroline Noll da Silva que dialogou com a professora Solange Ramos Andrade sobre a temática da religião e da religiosidade católica no Brasil Contemporâneo.
Este número da revista traz uma proposta inovadora, com publicação de um texto composto a partir dos relatos das professoras Andréa Vicente, Adriana Fraga Vieira, Adriana Signori, Elandia S. Thiago e Karla Andrezza Vieira. Os textos foram agrupados e denominado Vozes docentes: lugar de escuta em tempos de pandemia. As professoras participaram da mesa redonda “Lugares de escuta: ensinar História em tempos de pandemia” que compunha a programação do XVIII Encontro de História da ANPUH / SC. Além dos tocantes relatos, o texto é introduzido pelo historiador Rogério Rosa Rodrigues, idealizador da mesa e diretor da ANPUH-SC (2018-2020). Os relatos voltam as luzes às professoras da rede básica de ensino e são traduzidos por Rogério Rosa como narrativas contundentes, sensíveis e engajadas.
Finalizando o número, duas obras compõem a seção resenha. A primeira, realizada por José Antônio Fernandes, analisa as discussões presentes no livro Peronismo: como explicar lo inexplicable, obra organizada por Santiago Farrell, que apresenta uma pluralidade de interpretações sobre o Peronismo, observando que tal temática é ainda bastante controversa e pouco homogênea. A segunda, de Kauê Pisetta Garcia, trata-se do livro intitulado Como será o passado? História, historiadores e a Comissão Nacional da Verdade, de Caroline Silveira Bauer. A obra se constitui a partir do resultado de uma pesquisa realizada pela autora sobre os usos políticos do passado através dos debates em torno da Comissão Nacional da Verdade.
Neste ano conturbado, em meio a uma pandemia – que nos marcou por muitas perdas, a Fronteiras: Revista Catarinense de História reúne textos sensíveis a diversas causas. São artigos, entrevista e relatos envoltos de sensibilidades e que narraram processos de resistências.
Desejamos uma boa leitura!
Ismael Gonçalves Alves (UNESC)
João Henrique Zanelatto (UNESC)
Michele Gonçalves Cardoso (UNESC)
Organizadores do Dossiê Direitos Humanos, Sensibilidades e Resistências
Samira Peruchi Moretto (UFFS)
Editora da Fronteiras: Revista Catarinense de História
ALVES, Ismael Gonçalves; Cardoso, Michele Gonçalves; MORETTO, Samira Peruchi; ZANELATTO, João Henrique. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.36, 2020. Acessar publicação original [DR]
Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020
A Ciência da História está interessada em compreender como as sociedades, nas mais distintas temporalidades, produziram para si e para os outros, diferentes formas de orientação e sentido no tempo, tanto para ações individuais quanto para as coletivas. Trabalhando com os indícios documentais e diversas historiografias disponíveis, o historiador consegue propor análises e reflexões que objetivam compreender, entre tantas possibilidades, os mecanismos de identificação, regulamentação social, processos conflituosos ou diplomáticos entre diferentes grupos sociais ou sociedades distintas. Em tempos de interações e conexões entre o local e o global, as ciências humanas tem se dedicado cada vez mais aos estudos das fronteiras, processos migratórios e identidades, de modo a discutir como estes fenômenos relacionam-se com a produção de orientação e sentido no tempo.
O dossiê Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos, proposto pelos professores Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB / Blumenau) e Renato Viana Boy (UFFS / Chapecó), abre espaço para questões dessa natureza, contemplando reflexões interdisciplinares que debatam as complexas relações entre fronteiras, migrações e identidades nos mundos pré-modernos. Reunimos aqui um grupo de seis artigos de pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam ao estudo de temáticas situadas cronologicamente antes do período que chamamos de Modernidade, além de uma entrevista com o professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, Otávio Luiz Vieira Pinto.
Dois artigos escolheram abordar a temática das sociedades pré-modernas enfatizando Roma Antiga. O primeiro deles, As trocas de correspondências entre Tibério César e a aristocracia senatorial durante seu afastamento para Capri (26 – 37 d.C.): uma análise dos crimes de traição nos Anais de Tácito, escrito por Rafael da Costa Campos, teve como objetivo expor a importância das trocas de correspondências como fundamental ferramenta política e administrativa do Principado. A análise ficou concentrada no período em que Tibério César se afastou de Roma e residiu na ilha de Capri (26 – 37 d.C.). O afastamento do princeps foi um marco de inflexão política em seu governo, e as trocas de correspondências apresentadas por Tácito em seus Anais expõem o seu impacto sob a aristocracia mediante a intensificação dos casos de acusações e condenações pelo crime de traição (maiestas). O segundo artigo, intitulado Uma República degradada: breve estudo da guerra de Jugurta de Caio Salústio Crispo, de Alice Maria de Souza, por sua vez, analisa a obra Guerra de Jugurta, de Caio Salústio Crispo, escrita durante o Segundo Triunvirato. Considerando os elementos exteriores ao texto em si – tais como contexto, objetivos do autor e gênero – interpreta o referido documento não somente como produto de apropriações do passado, mas, também como produtor de novas representações, servindo como veículo de transmissão e ressignificação da memória. Vemos, então, uma problemática envolvendo História e Memória. É o que faz Erick Carvalho de Mello, mas, agora, abordando a temática do celtismo e da celticidade. Sua reflexão, proposta no artigo O Mito e a cultura de memória Celtas: Uma convergência de imaginários, parte do campo da Memória Social, não da Ciência da História, mas, em um constante diálogo interdisciplinar, aborda o papel das diferentes apropriações do que se entende por “cultura celta” na formação das identidades nacionais de grupos como irlandeses, escoceses e bretões franceses. O autor procurou identificar como o mito do celtismo é construído na História recente e como a partir deste mito uma cultura de memória é formada e nos possibilita ter uma compreensão mais aprofundada sobre os conflitos históricos que esses grupos enfrentam hoje, sem deixar de dialogar com a forma como a temática tem sido tratada quando o foco são as populações prémodernas, se decidirmos denominá-las de “celtas” ou não.
O artigo Multiculturalidade e a Christiana Civilitas na Britannia de Guildas (s. VI), escrito a quatro mãos por Helena Schütz Leite e Renan Frighetto, se propõe a discutir sobre as transformações observadas no século VI na Britannia do século VI não sob o prisma da decadência e destruição do mundo romano no Ocidente europeu, visão muito presente na tradição historiográfica sobre o período. Diferente disso, os autores propõem, através do estudo da obra De Excidio Britanniae, de Gildas, perceber a pluralidade cultural que é possível observar ali, e a busca por uma identificação que aproximasse dos diferentes reinos da Britannia na Antiguidade Tardia.
Outro artigo que também lida com a questão das identidades e historiografia é A fronteira entre cristãos e muçulmanos: uma terra de ninguém?, escrito por Márcio Felipe Almeida. Entretanto, o ponto central das análises do autor está no espaço de fronteira disputado por populações cristãs e islâmicas no século XIII. Vale ressaltar que a fronteira, neste caso, não é uma linha divisória entre dois territórios, como se pode pensar à primeira vista. Diferente disso, neste artigo, Márcio Almeida discute a fronteira como sendo, ela mesma, um território pretendido pelos dois grupos em questão.
O último artigo deste dossiê é aquele que avança mais próximo do fim do período chamado de pré-moderno, intitulado A Colonização Oriental e os Processos de Reformulação Rural em Brandemburgo (séculos XII–XIV). Neste artigo, Álvaro Mendes Ferreira se dedicou a analisar o processo de transformações no espaço rural do Europa oriental, ocorridas no período assinalado, em virtude do processo de consolidação do regime senhorial. Tendo os processos na Marca de Brandemburgo como estudo de caso, o autor busca compreender como os vilórios eslavos se enquadravam neste cenário de transformações.
Por fim, apresentamos ainda uma entrevista com o professor Dr. Otávio Luiz Vieira Pinto, que tem dedicado suas pesquisas ao mundo persa e às trocas culturais entre os grupos da costa Suaíli, na África, e os grupos árabes e iranianos do Oriente Médio, entre os séculos VI e XI. Atualmente, Otávio Vieira Pinto é professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, pesquisador do Middle Persian Studies (MPS) e do NEMED (Núcleo de Estudos Mediterrânicos), além de colaborador do projeto internacional Networks and Neighbours.
Além dos textos que compõem o dossiê, este número traz também dois artigos e duas resenhas. O artigo de Darlan Damasceno e Gilmar Arruda, intitulado Religiosidade e Natureza: imigrantes ucranianos e a transformação do meio ambiente (Paraná 1890-1915), aborda como a religiosidade dos imigrantes ucranianos atuou no processo de ressignificação e transformação do meio ambiente entre os anos 1890 e 1915, na região centro-sul do Estado do Paraná. As fontes utilizadas pelos autores, indicam que a religiosidade dos imigrantes foi fundamental no processo de (re)construção da realidade social nas colônias, e para moldar o modo de vida dos indivíduos através de esquemas de percepção inscritos em suas ações.
No texto de Cássila Cavaler Pessoa de Mello, De estrangeiro a cidadão: o processo de naturalização instaurado em 1832 e seus limites, a autora discute o processo de naturalização instaurado no Império do Brasil a partir da Lei de 23 de outubro de 1823. Aponta os motivos que estimularam os estrangeiros a buscarem o título de cidadão brasileiro e expõe os trâmites e as dificuldades enfrentadas por aqueles que optavam por se tornar cidadãos. O texto explora tanto a perspectiva estatal, quanto a dos indivíduos neste percurso.
Na seção resenha, temos dois instigantes textos. Um novo estudo sobre a vida de Marx, uma resenha de Daniel de Souza Lemos, trata da obra Karl Marx: uma biografia dialética, publicada no Brasil em 2019, de autoria de Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea e coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia do Departamento de História, na USP. O texto de Isabel Schapuis Wendling, intitulado Modelando Condutas: uma resenha da obra sobre os poderes nas escolas católicas masculinas no Brasil, resenha a obra Modelando Condutas: educação católica em escolas masculinas de Roseli Boschilia, publicada pelo museu Paranaense em 2018.
Este dossiê e os demais artigos que compõem o número 35 da Fronteiras: Revista Catarinense de História estão fundamentados na proposta de uma história plural, que dispõe de espaço às múltiplas possibilidades de análises históricas de populações, personagens e acontecimentos em tempos recuados, definidos aqui como pré-modernos até a atualidade mais recente, focos dos textos que se enquadram fora do nosso dossiê. Afinal, se a História é a Ciência dos seres humanos no tempo e quem faz História é como o ogro da lenda, que, ao farejar carne humana, vê ali sua caça, para lembrarmos uma célebre reflexão do medievalista francês March Bloch, não é possível nos contentarmos com qualquer narrativa supostamente historiográfica que deixe de contemplar estas outras dinâmicas espaço-temporais tão importantes para compreendermos nossa própria historicidade.
Desejamos uma proveitosa leitura!
Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB)
Renato Viana Boy (UFFS)
Organizadores do Dossiê
Samira Peruchi Moretto (UFFS) Editora
SANTOS, Dominique Vieira Coelho dos; BOY, Renato Viana; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.35, 2020. Acessar publicação original [DR]
Memória, patrimônio e democracia / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2018
O Número 32 da Fronteiras: Revista Catarinense de História apresenta o Dossiê Memória, Patrimônio e Democracia, traz textos que se articulam ao conjunto de debates promovidos durante o XVII Encontro Estadual de História, realizado entre os dias 21 e 24 de agosto de 2018, na Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em Joinville, Santa Catarina.
Ao propor a combinação dos termos memória, patrimônio e democracia, o Dossiê visa oportunizar o compartilhamento de resultados de pesquisas interessadas em compreender as maneiras pelas quais bens culturais são (re)convertidos em patrimônios por meio do trabalho de agentes sociais de natureza diversa (individuais, coletivos, públicos, privados, entre outros).
À sua maneira, os textos que integram este Número evidenciam que os entrecruzamentos entre patrimônio, memória e democracia precisam ser pensados para além da mera contemplação de ícones considerados valiosos e relevantes para um determinado grupo ou para uma sociedade como um todo. Antes disso, é preciso ter em mente que o patrimônio se inscreve em um campo de lutas e reivindicações sociais mais ou menos democráticas, muitas das quais se utilizam do patrimônio para reforçar ou contestar significados atribuídos a bens que, presumidamente, constituem-se enquanto referências na complexa trama de políticas de memória na contemporaneidade. Em outras palavras, os autores desta edição, a partir de diferentes enfoques e abordagens teórico-metodológicas, problematizam complexidades políticas e culturais que atravessam processos contemporâneos de fabricação, ativação, uso e difusão de patrimônios culturais.
O Dossiê constitui-se de oito artigos, uma tradução e uma resenha. O artigo intitulado A memória fardada: a criação do Museu Histórico Nacional e as relíquias do Contestado, de autoria de Rogério Rosa Rodrigues, investiga o processo de coleta de vestígios materiais por parte de oficiais militares que atuaram na repressão ao movimento do Contestado, vestígios que foram incorporados ao acervo da reserva técnica do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. No desenvolvimento de suas análises, o autor procura debater a valorização da história militar do Brasil em um período em que tensas disputas foram travadas em torno da reconstrução de uma suposta memória nacional (primeiras décadas do século XX).
No escrito Fortalezas abandonadas, saqueadas, redescobertas, restauradas, patrimonializadas: da democratização à pluralização do patrimônio, Pedro Mülbersted Pereira e Elison Antonio Paim analisam como agentes envolvidos com a gestão das Fortalezas de Anhatomirim, Ratones e Ponta Grossa, situadas em Florianópolis / SC, historicamente envidaram esforços no sentido de elaborar e disseminar uma narrativa palatável acerca do passado dessas edificações. Apoiados em um conjunto diversificado de fontes (bibliografias, entrevistas, reportagens digitais e documentos oficiais), os autores problematizam retóricas patrimoniais que seguem dando força para um “discurso sobre a ruína”, negligenciando, em suas formas de expressão, narrativas de memória que não se afinam à versão glamourizada que certos órgãos encarregados da gestão das Fortalezas procuram manter e propalar.
No escrito Patrimônios difíceis, demanda social e reparação nos Asilos Colônias em São Paulo, Gabriela Lopes Batista aciona a noção de “patrimônios difíceis” para refletir sobre as representações relacionadas ao tombamento de espaços que, no transcurso do século XX, funcionaram como instâncias de isolamento compulsório de pessoas acometidas pela hanseníase.
O artigo Tombamentos, processos, disputas e tensões nas histórias do patrimônio cultural de Joinville – outras questões para o debate público, de Cristiano Viana Abrantes, Dietlinde Clara Rothert e Giane Maria de Souza, constitui-se como um estudo sobre estratégias político-institucionais ligadas à gestão do patrimônio cultural em uma cidade de médio porte (Joinville). No desenvolvimento do texto, os autores procuram refletir sobre tensões que se fazem presente no campo patrimonial do município de Joinville, atentando para o papel exercido por agentes e agências da administração pública encarregados de assessorar, monitorar e acompanhar o cumprimento de requisitos legais que são diretamente relacionados com a patrimonialização ou não de determinado bem cultural.
No artigo intitulado Diálogos arriscados: do direito de participação cidadã na patrimonialização ao direito cidadão de aparecer no patrimônio cultural, o historiador Diego Finder Machado reflete sobre relações tensas e conflituosas que se desdobram de perspectivas divergentes acerca do lugar, da função e dos modos de interação com o patrimônio nas sociedades do presente. A partir da análise de processos de patrimonialização que perpassaram a história de Joinville, o autor discute como cidadãos comuns, de maneira mais ou menos declarada, apropriaram-se do patrimônio cultural para reivindicar espaços de aparecimento na vida pública das cidades contemporâneas.
Em A UNESCO, o patrimônio e o turismo cultural: uma abordagem inicial (1960- 1980), Valéria Fernanda Serpa Steinke, Fernando Cesar Sossai e Ilanil Coelho apresentam um histórico da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), bem como examinam algumas das discussões sobre patrimônio que atravessaram o processo de elaboração da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (UNESCO, 1972). Em seguida, os autores refletem a respeito de como essa Organização, durante a década de 1970, atuou de maneira a aproximar entre si os termos patrimônio e turismo cultural.
No artigo Desenvolvimentismo, industrialização e ensino superior em Chapecó: bases para a criação de um movimento estudantil, Vinicius de Almeida Peres e Monica Hass problematizam os interesses envolvidos com a oferta do Ensino Superior em Chapecó, bem como discutem como se deu a constituição de um movimento estudantil junto ao Centro de Ensino Superior da Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste de Santa Catarina. Vale a pena destacar que os autores fazem uso de fontes que integram o acervo do Fundo Documental do Diretório Central dos Estudantes, um acervo custodiado pela equipe técnica do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM / UnoChapecó).
Em Campos entre taipas e aramados: novos olhares sobre a paisagem serrana catarinense, a autora, Cristiane Fortkamp Schuch, busca elaborar uma escrita histórica a respeito de experiências culturais e modos de vida que impactaram a paisagem dos campos de altitude do planalto catarinense. Em seu texto, a autora dispensa atenção à análise da paisagem histórica da região, procurando diferenciar e ampliar o conceito de paisagem para além de sua vertente imagética.
Na seção Resenha, Adriano Denovac explicita algumas das discussões presentes no livro O que pode a biografia, obra organizada pelos historiadores Alexandre de Sá Avelar e Benito Bisso Schimidt. Trata-se de uma obra interessante para o campo da História, uma vez que aprofunda o debate sobre os possíveis lugares da biografia no campo da História, em especial nos domínios da História Pública.
Esta edição da Fronteiras conta ainda com a tradução do texto intitulado A fabricação do patrimônio, de autoria de Nathalie Heinich, socióloga e diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, Paris). Elaborada pelos historiadores Diego Finder Machado e Fernando Cesar Sossai, a tradução é uma contribuição importante para os estudiosos que atuam no campo do patrimônio cultural no Brasil, uma vez que Heinich desenvolve em seu escrito questões bastante espinhosas: como um determinado objeto adentra o conjunto do patrimônio cultural nacional? Sob quais critérios? Sob quais dinâmicas de atribuição de valores? A tradução também é uma oportunidade de conhecer as proposições de Nathalie Heinich para o desenvolvimento de pesquisas mais pragmáticas a respeito do patrimônio cultural.
Esperamos que este Número da Revista Fronteiras seja uma contribuição relevante para os que, assim como nós, procuram investigar as complexidades contemporâneas que emergem dos entrecruzamentos entre Memória, Patrimônio e Democracia.
Boa leitura a todas e a todos!
Fernando Cesar Sossai
Ilanil Coelho
Samira Peruchi Moretto
Organizadores do Dossiê Memória, Patrimônio e Democracia
SOSSAI, Fernando Cesar; COELHO, Ilanil; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.32, 2018. Acessar publicação original [DR]
História e movimentos sociais / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2016
A expressão “movimento social”, como afirma Peter Burke, passou a ser empregada a partir da década de 1950 por sociólogos americanos e entrou para o campo da História com Eric Hobsbawm na obra Rebeldes e Primitivos, de 1959. Desencadeou, a partir daí, uma série de estudos envolvendo antropólogos, sociólogos e historiadores. [1]
O XVI Encontro Estadual de História promovido pela ANPUH-SC ocorreu no mês de junho de 2016, na cidade de Chapecó, no Campus da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. A universidade foi criada em 2010 após uma grande mobilização dos movimentos sociais da região. A ANPUH-SC, para homenagear esses movimentos, decidiu como tema para o XVI Encontro: “História e Movimentos Sociais”. A temática acabou atraindo vários pesquisadores que estão dedicando seus estudos sobre o assunto, muitos militantes dos movimentos sociais, principalmente ligados ao campo, que também participaram efetivamente do evento. Destaca-se a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com apresentação musical fruto de um projeto de extensão desenvolvido pela UFFS junto ao movimento.
O Encontro de História ocorreu em meio a uma grande efervescência política e social no país, como a luta contra o golpe jurídico parlamentar, a luta contra a perda de direitos, desenvolvida pela a mais vasta gama de movimentos sociais. Desta forma, a temática “História e Movimentos Sociais” acabou ganhando ainda mais relevância. Nesse sentido, optamos em desenvolver esse número da revista Fronteiras com o Dossiê História e Movimentos Sociais, aproveitando assim a emergência do tema para a atualidade em que nos encontramos.
O presente número inicia com o artigo de Paulo Pinheiro Machado “História e movimentos sociais: a vida, a História e a Democracia” – que foi a conferência de abertura do evento – e destaca os movimentos camponeses no sul do Brasil, relacionando com os aspectos da democracia brasileira e como esses temas são tratados no campo da História. Alexandre Assis Tomporoski contextualiza o movimento do Contestado com a concentração fundiária na região. Esta tem sua origem no século XIX e permanece até os dias atuais. A expansão colonizadora na região oeste de Santa Catarina e a relação com os povos indígenas é analisada por Wilmar R. D’Angelis. A atuação de Vitorino Condá, o Indio Condá, (hoje na memória da cidade de Chapecó, com nome de rua, rádio e estádio de futebol), demonstra como elementos indígenas se envolveram no processo.
A guerra civil ocorrida entre 1835 e 1845 no Sul do Brasil, que ganhou o nome de Revolução Farroupilha, é tratada no artigo de Anderson Marcelo Schmitt. O autor analisa, a partir de uma exaustiva pesquisa documental, as relações cotidianas no período pensando a maneira especial de comportamento das pessoas comuns em meio ao conflito.
Mateus Gamba Torres, no artigo “Movimento estudantil e resistência: Recurso ordinário criminal, AI-5 e a luta dos estudantes da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu-SP”, analisa como os julgados da época, 1970, pretendiam um discurso de neutralidade jurídica sob o regime de exceção da ditadura militar após a implementação do Ato Institucional número 5.
“O preto feiticeiro Sete Cabeças: a circularidade de crenças e religiosidades na sociedade escravista do século XIX” é o artigo de Paulo Roberto Ataudt Moreira. Estuda o cotidiano da sociedade portoalegrense do século XIX utilizando os processos criminais como fonte. Para o autor, “os autos de corpo de delito podem fornecer-nos aspectos da cultura religiosa em sua materialidade”.
Este número ainda conta com uma entrevista com o historiador José Augusto Pádua, nome de referência nos estudos de História Ambiental, dentro e fora do país. Na entrevista, Pádua conta sua trajetória acadêmica, sua atuação junto ao Greenpeace, assim como aponta questões latentes sobre a importância dos estudos sobre o meio natural.
Por fim, este número da revista é encerrado com a resenha “Uma Martinha vale uma Lucrécia?”, onde Fernando Vorjniak aponta como Raquel Campos traz uma abordagem inovadora, acerca de Machado de Assis, das interpretações sociais dos historiadores e críticos literários que subordinaram a especificidade da literatura machadiana a um princípio de identidade nacional.
Desejamos aos todos uma excelente e produtiva leitura.
Nota
1 BURKE, Peter. História e Teoria Social, 2ªed. São Paulo, UNESP, 2012. Pag. 142.
Antônio Luiz Miranda
Samira Peruchi Moretto
MIRANDA, Antônio Luiz; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.28, 2016. Acessar publicação original [DR]
História das Ciências e Tecnologias / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2016
A ampla área conhecida como História das Ciências nasceu no período entre as duas grandes guerras mundiais. Enquanto as noções de 1civilização, progresso e a ciência enfrentavam um turbilhão de questionamentos na Europa, os Estados Unidos observavam que os fundamentos da modernidade poderiam ainda ser úteis frente aos desafios da sociedade industrial. Naquela época, em Harvard, o cientista belga Georges Sarton fundou um dos pilares que estruturaram o ensino e a pesquisa ao estabelecer um curso de História das Ciências. De influência comtiana, Sarton considerava, nas palavras de Antônio Augusto Passos Videira, “a ideia de progresso linear, cumulativo e direcionado para um determinado ponto de fuga; a saber: a verdade.” Na perspectiva de Sarton, “a ciência conheceria antecipadamente o seu ponto de chegada. O progresso, no domínio da ciência, seria principalmente teórico, de natureza cognitiva e dependente da genialidade de grandes homens, considerados como gênios da ciência [1] ”.
Tal projeto intelectual, no entanto, não resistiu à Segunda Guerra Mundial e a renovação da historiografia das ciências, pautadas principalmente pela influência de Thomas Kuhn, em 1962 – com a publicação de “As estruturas das revoluções científicas”. Mesmo com os questionamentos às noções de paradigma propostas por Kuhn, já a partir da década de 1970, é importante mencionar que cada vez mais o projeto intelectual reunido sob o campo amplamente vasto que é a História das Ciências, afastou-se da construção de uma ideia de reconhecimento dos chamados “gênios da ciência” e de seus “feitos revolucionários”. Como pontua Stephen Shapin, a ciência ao longo do século XX tornou-se parte da indústria, e cada vez mais as inovações científicas aconteceram dentro deste processo e foram realizadas por equipes de “anônimos”, aos quais o grande público desconhece. [2]
Em outro ponto, mesmo em suas primeiras formulações à moda comtiana, a História das Ciências tornou-se um campo interdisciplinar por excelência. Se aos Annales coube propor, após 1929, um diálogo com outras ciências, a História das Ciências já nascia dentro de uma perspectiva interdisciplinar, como também incluindo pesquisadores de diversas áreas. Em resumo, a História das Ciências, durante longo período, não foi um projeto intelectual restrito aos historiadores. Físicos, químicos, matemáticos, entre outros, e à sua maneira, estabeleceram uma produção voltada a demonstrar como chegou-se a determinado conhecimento, a determinada “descoberta” científica. Aos poucos, historiadores e sociólogos, principalmente, construíram uma agenda de pesquisa e exerceram uma considerável influência acerca do tema, acompanhando as renovações propostas pela historiografia e pela teoria social, e sem excluir os historiadores não profissionais. Desta forma, se por um lado a ideia de renovação de métodos, experimentação, formulação de novas teorias ou revisionismo das “descobertas”- que influenciaram a sociedade moderna, iniciaram o debate, por outro, os historiadores e sociólogos da ciência trouxeram conceitos que renovaram em muito as pesquisas na área.[3] Surgiram novos temas e novas abordagens: gênero, poder, impactos sociais, questões ambientais, sem contar os inúmeros questionamentos sobre determinadas noções de método e verdade.
Também, os estudos em História das Ciências popularizaram-se desde a Inglaterra, o berço da Revolução Industrial, Itália, França e Estados Unidos, para os países que até recentemente eram considerados enquanto periferia – outro conceito muito questionado pela historiografia recente. No Brasil, existem cursos de Pós-Graduação, como a Casa de Oswaldo Cruz (COC / Fiocruz), a Universidade Federal de Minas Gerais e outras universidades e instituições voltadas à formação de mestres e doutores na área, assim como uma associação – a Sociedade Brasileira de História das Ciências (SBHC). Em outras palavras, a pesquisa em História das Ciências no Brasil está consolidada, integrada internacionalmente e pronta para novos desafios.
Buscando contribuir para este debate, este número da Revista Fronteiras apresenta o dossiê “História das Ciências”, reunindo trabalhos de diversos pesquisadores nacionais e estrangeiros.
Stuart McCook que trabalha desde 2003 na University of Guelph, Ontário, Canadá foi o entrevistado desta edição, professor e pesquisador canadense falou sobre sua trajetória e as perspectivas de pesquisa que relacionam ciência e ambiente. O historiador norte-americano Paul Josephson também contribui com um artigo original para este volume de Fronteiras. Josephson é professor de História no Colby College, no estado do Maine, Estados Unidos e da Universidade Estatal de Tomsk, na Rússia. Tem mestrado pela Harvard University e doutorado pelo Massachusets Institute of Technology (MIT). Autor do clássico Industrialized Nature: Brute Force Technology and the Transformation of the Natural World. No artigo “Big Science e tecnologia no século XX” propõe pensar histórias da ciência e da tecnologia no século XX como constructos humanos de larga escala; nunca como objetos em si, mas sim grandes sistemas de instituições políticas, econômicas, sociais e de engenharia. Com isto, abre-se um importante campo conceitual para a renovação de pesquisa em temas já abordados pela historiografia brasileira, como as usinas hidrelétricas, e outras formas de big science, presentes no Brasil.
O número conta com trabalhos de pesquisadores brasileiros que exploraram uma grande quantidade de temas e abordagens, demonstrando os impactos sociais e ambientais de saberes científicos e trazendo novas questões. Jó Klanovicz contribuiu com o artigo “Tecnologia de Força Bruta e história da tecnologia: uma leitura historiográfica”, onde aborda a historiografia de um conceito pouco difundido no Brasil, mas importante para o debate entre ciência e tecnologia, já exposto acima: Brute Force Technology ou a “tecnologia de força bruta”. Entendida por Paul Josephson como “os modos pelos quais a ciência, a engenharia, a política, as finanças agem de maneira conjunta para dar ímpeto a sistemas tecnológicos de larga escala que usamos para manejar recursos naturais”. Na esteira deste debate, o artigo “a difusão dos agrotóxicos como tecnologia benéfica ao agricultor: o papel das cooperativas agropecuárias”, de Elisandra Forneck e João Klug, demonstra como uma determinada ideia de que a “boa utilização” de agrotóxicos poderia beneficiar o agricultor catarinense. Por outro lado, o artigo demonstra as relações propostas por Josephson em seu conceito de “tecnologia de força bruta”, quando as cooperativas receberam apoio do Estado para difundir a modernização agrícola e constituíram-se enquanto importantes parceiras comerciais de multinacionais, que distribuem os agrotóxicos no Brasil.
O artigo de Vanessa Pereira da Silva e Mello e Dominichi Miranda de Sá, “O ‘agricultor progressista’: ciência e proteção à natureza em A Lavoura (1909-1930)” observa a divulgação científica em um período anterior à Revolução Verde, objetivando a promoção da aplicação de conhecimentos científicos no campo e da conservação da natureza brasileira pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) entre 1909 e 1930. A pasta visava expandir a consciência da importância da modernização da agricultura e da diversificação da produção. Se a produção agrícola e a relação com o ambiente foram a tônica dos artigos mencionados até o momento, o texto do professor João Klug, “Entre ciência e aventura: considerações em torno da Expedição RooseveltRondon” nos traz outra perspectiva sobre a ciência: o avanço aos sertões e a possibilidade de transferir espécies. Plantas e animais oriundos do pantanal de Mato Grosso e da Amazônia, foram aclimatados nos Estados Unidos, visando a posterior utilização econômica. Também, o texto “O ato de coletar espécimes silvestres e a legislação brasileira”, de Aline Maisa Lubenow e Magali Romero Sá, explora parte da vida e obra do coletor e colecionador alemão Fritz Plaumann. Radicado no Brasil, mais especificamente em Nova Teutônia, Santa Catarina, desde 1924, Plaumann tornou-se conhecido nacional e internacionalmente pelas suas coleções construídas, em sua maioria, com espécimes oriundas da região Oeste de Santa Catarina e de seus sertões. O artigo aborda o impacto causado ao trabalho de Plaumann a partir das modificações na legislação ambiental brasileira na década de 1960, e como essa nova lei afetou o ato de coletar e comercializar espécimes silvestres.
“Uma geometria de linhas claras: técnica e ciência como ideologia no pensamento político de Colombo Salles (1971-1975)”, de Ricardo Duwe, traz à tona a questão da ciência e técnica como projeto de governo. De acordo com o autor, o pensamento político de Colombo Machado Salles durante a sua gestão enquanto governador do Estado de Santa Catarina esteve ligada a uma ideia de defesa e propagação da técnica e da ciência enquanto uma ideologia. E neste sentido, o artigo demonstra como tais ideais foram bem recepcionados por parte da elite política catarinense.
O presente número é composto ainda, por dois artigos e duas resenhas. Abordando a relação entre História e Memória: em “As outras margens do Rio”, de Maria de Fátima Oliveira e Ademir Luiz da Silva, os autores debatem aspectos da cultura e cotidiano da vida ribeirinha nas longas viagens fluviais das cidades localizadas no Alto Tocantins até o porto de Belém. E em “A república que não nos pariu”, José Bento Rosa da Silva observa, através da leitura de processos crimes, a trajetória de dois ex-escravizados africanos nos primeiros anos do regime republicano, na então província de Santa Catarina. O autor aponta as dificuldades destes ex-escravizados no período, mas adverte que esta narrativa não é de submissão: “eles criaram suas estratégias de sobrevivências em meio às mudanças em curso. ” Isadora Muniz Vieira resenhou a obra de Jean-François Sirinelli, “Abrir a História: novos olhares sobre o século XX francês” e Jaine Menoncin o livro “Vastos Sertões: História e Natureza na Ciência e na Literatura”, as autoras elucidam as temáticas apontadas em cada obra e despertam a curiosidade do leitor aos livro resenhados.
Por fim, os organizadores agradecem a todos que colaboraram neste número de Fronteiras com a certeza de que a edição abordou questões das mais relevantes para os estudos de História da Ciência, quais sejam: as relações entre local e global (Stuart McCook) na América Latina, a “Tecnologia de Força Bruta” (Paul Josephson e Jó Klanovicz) e os agrotóxicos (Elisandra Forneck e João Klug), produção agrícola e divulgação científica (Vanessa Pereira da Silva e Mello e Dominichi Miranda de Sá), transferência de plantas e animais, expedições científicas (João Klug), coleções e legislação ambiental (Aline Maysa Lubenow e Magali Romero Sá), assim como a ciência e a técnica enquanto projeto de governo. Oferecendo temas e abordagens variadas, esperamos que todos façam uma boa leitura.
Chapecó, julho de 2016.
Notas
1. VIDEIRA, Antônio Augusto Passos. História e historiografia da ciência. In: Escritos, ano 1, n.1, 2007. p. 132.
2. SHAPIN, Stephen. Nunca pura. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. Ver especialmente a parte I, intitulada “Métodos e Máximas”.
3. Idem. Ibidem.
Claiton Marcio da Silva
Samira Peruchi Moretto
Organizadores
SILVA, Claiton Marcio da; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.27, 2016. Acessar publicação original [DR]
História Ambiental e Migrações / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2014
Por muito tempo a História foi vista como uma disciplina que enfocava as correlações sociais, políticas e econômicas, sobrepujando outras categorias de análise. No entanto, esta premissa foi superada e outras relações passaram a ser vistas como fundamentais para a compreensão da própria disciplina da História. Segundo o historiador Donald Hughes, a História Ambiental pode adicionar bases e perspectivas a conceitos tradicionais dos historiadores: guerra, diplomacia, política e economia, revelando relações entre esses conceitos e o mundo físico [1].
Partindo deste mesmo pressuposto, o Dossiê de História Ambiental e Migrações, número 23 de Fronteiras, a Revista Catarinense de História, visa analisar a problemática ambiental com enfoques distintos em sua relação com a sociedade.
Marlon Brandt, em Agricultura e urbanização na paisagem do município de São José-SC (Séculos XVIII a XX), procura analisar as transformações da paisagem do município de São José, SC, partindo da ocupação açoriana no século XVIII, até a intensificação do crescimento urbano e adensamento demográfico na década de 1970, que foram modificando espaços que antes assumiam uma feição caracteristicamente rural em bairros densamente povoados.
Sandro Dutra e Silva busca identificar a postura de enfrentamento à natureza presente nos discursos da Marcha para Oeste, no artigo O desbravador do Oeste e as narrativas do enfrentamento e devastação da natureza na construção da Rodovia Belém-Brasília. Com a finalidade de identificar as representações do desbravador do Oeste, por meio da criação da imagem heroica de Bernardo Sayão, o texto procura se fundamentar nos pressupostos teóricos-metodológicos da História Ambiental, e baseia-se em diferentes fontes e documentos para caracterizar as representações da natureza no imaginário social brasileiro das décadas de 1940 a 1950.
Dando enfoque nas migrações contemporâneas, Emerson César de Campos e Michele Gonçalves Cardoso, em Migrações internacionais e família: experiências de migrantes criciumenses em configuração transnacional, analisam como o município de Criciúma tem se destacado pelo elevado número migrantes que partem da cidade rumo aos Estados Unidos ou para a Europa, em especial a Itália. Esses processos migratórios promoveram novos arranjos familiares e desempenham um importante papel na manutenção do projeto migratório e das novas configurações familiares. Soeli Regina Lima, também aborda a temática de migração no artigo Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico. A autora analisa a trajetória de Luís Szczerbowski numa perspectiva bibliográfica, para entender o desenvolvimento econômico na cidade de Três Barras, em Santa Catarina.
Roberta Barros Meira procura comparar a importância recíproca entre natureza, imigração e agricultura, nos discursos dos diferentes atores ligados diretamente a questões como a ocupação e defesa do território e a transição da mão de obra escrava para a livre em Entre a experiência e a fantasia: natureza, agricultura e imigração no Brasil do Império.
Em História Ambiental do(s) Agreste(s) de Pernambuco: As ações humanas no ambiente natural sob a ótica dos indígenas e dos estudos acadêmicos (Séculos XIX – XX), Edmundo Monte aborda as mudanças ocorridas no ambiente natural do atual Agreste pernambucano, como consequência das ações humanas na região, sobretudo entre os séculos XIX e XX, para atender os ideais de progresso da nação.
Jackson Peres analisa como se deu a exploração dos recursos naturais na região da Baixada do Maciambú, no artigo A exploração dos recursos naturais no Porto dos Patos entre os séculos XVI e XIX. O autor mostra como os navegadores, desde o século XVI, usufruíram dos recursos naturais, especialmente de água, lenha e caça, bem como dos alimentos produzidos pelos indígenas que viviam na região.
Em Discussões acerca da necessidade de instalação de colônias agrícolas no sul de Mato Grosso (1889-1920), foi feita uma análise com base na colônia de Terenos, sobre a primeira experiência de colonização pública naquele estado. No artigo, Vinicius Rajão da Fonseca faz uma discussão entre a configuração da fronteira no sul de Mato Grosso, nas décadas finais do século XIX, e os discursos sobre a necessidade da colonização do estado, através da instalação de núcleos coloniais agrícolas.
Simoni Mendes de Paula, em A utilização dos recursos energéticos no rio Itajaí-Açú (SC), analisa os projetos para a produção de energia elétrica no rio Itajaí-Açú, em Santa Catarina. No último quartel do século XIX, indústrias como a Hering e a Karsten iniciaram sua produção utilizando-se da energia hidráulica produzida na região do Testo Salto. Nas décadas seguintes, empresas como a Empresa Eletricidade do Salto e a Empresa Força e Luz ratificaram o potencial hidrelétrico do vale do Itajaí com a construção de usinas hidrelétricas.
A mandioca e os carros de boi: ruralidades de uma Ilha ao Sul do Brasil, de Giovana Callado Ferreira, discute as mudanças produzidas pelo processo de urbanização na Ilha de Santa Catarina nos espaços outrora considerados “rurais”. Através da prática do cultivo da mandioca, da produção da farinha e da reemergência dos encontros dos donos de carros de boi, o texto mostra que apesar dos discursos vigentes apontarem para o esvaziamento das práticas de ruralidade, as trocas promovidas entre o “rural” e o “urbano” permitem perceber um universo sócio cultural muito mais complexo do que supunha a velha dicotomia entre o campo e a cidade.
Misael Costa Corrêa, em Alectoromaquia: Os galos de briga dentro da história ambiental, traz aspectos historiográficos da espécie gallus gallus e aponta vestígios de sua provável origem na Ásia, onde, desde muito cedo, a antropização possibilitou sua domesticação e posteriormente sua difusão pelo mundo. Mostra, também, aspectos que tangem à prática das brigas de galos, seus aspectos legais e morais.
Em Ciência e Natureza nas páginas da Revista da Escola de Engenharia de Porto Alegre (1914-1930), Fabiano Quadros Rückert aborda as relações entre a Escola de Engenharia de Porto Alegre e o governo do Partido Republicano Rio-Grandense, e mostra como esta oferece subsídios para compreensão do perfil editorial da EGATEA, destacando questões referentes ao uso da Ciência para exploração da Natureza e o processo de modernização das atividades agrárias no Rio Grande do Sul da Primeira República.
Este número traz ainda a seção de Resenhas, com a resenha da obra Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política, apresentada por Carlos Alberto Menarin.
Esperamos que os leitores possam fazer um ótimo proveito dos mais variados textos apresentados neste número.
Nota
1. HUGHES, Donald. Environmental History and Older History. In: GANDARA, Gercinair Silvério (orgs). Natureza e Cidades: viver entre águas doces e salgadas. Goiânia: PUC / UNIEVANGÉLICA Goiás, 2012. p. 25.
Samira Peruchi Moretto
Eunice Sueli Nodari
Organizadoras do Dossiê de História Ambiental e Migrações
MORETTO, Samira Peruchi; NODARI, Eunice Sueli. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.23, 2014. Acessar publicação original [DR]