A Idade Média no cinema – MACEDO; MONGELLI (CTP)

MACEDO, José Rivair; MONGELLI, Lênia Márcia. (Org.). A Idade Média no cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. Resenha de; PRATA, Rafael Costa. A Idade Média no Cinema, de José Rivair Macedo e Lênia Márcia Mongelli. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 05 – 05 de outubro de 2011.

Em 28 de dezembro de 1895, os irmãos Lumiere projetavam no porão de um salão de café em Paris, seus primeiros rolos de filmes compostos por imagens do cotidiano da sociedade francesa de outrora. Pouco tempo depois, em 1899, George Meliès, encenava “para a câmera cenas históricas recentes, como em L´affaire Dreyfus”.2 Conforme Rosenstone:

Os primeiros filmes históricos dramáticos não eram concebidos como investigações serias a respeito do significado dos acontecimentos passados. Eram momentos nacionais breves, muitas vezes não mais do que encenações teatrais que a platéia facilmente reconheceria (…).3

Contudo, “no final da década de 1910, houve o surgimento de uma outra tradição de filmes históricos que não hesitam em fazer perguntas e apresentar interpretações serias sobre o significado do passado”.4 Com isso, o Cinema começa a ganhar força, suscitando assim intensos debates envolvendo a apropriação do conhecimento histórico produzido pelo saber erudito por parte do campo cinematográfico.

Esses debates, em grande parte surgiam em decorrência de que o Cinema até então era visto pelo saber erudito como uma arte voltada às camadas populares, um entretenimento pueril despossuído de qualquer tipo de responsabilidade metodológica e histórica. Nascido nos porões de um café em Paris e reduzida a um publico muitas vezes formado pela classe operaria, o Cinema amargou por muito tempo ter de levar esse fardo adiante.

Esse muro foi sendo lentamente derrubado quando a partir da terceira geração dos Annales, historiadores como Pierre Nora e Marc Ferro, imbuídos da necessária defesa do alargamento das fontes históricas, criaram “um clima que permitiu que os acadêmicos passassem a levar a cultura popular mais a serio e começassem a observar mais de perto a relação entre filme e conhecimento histórico”.5 Não obstante, será então curiosamente o período histórico convenientemente denominado como Idade Média, marcado por uma gama de preconceitos e legendas negras edificadas historicamente pelos humanistas e posteriormente pelos iluministas do século XVIII, esta, a “Idade das Trevas” ou “Longa Noite de Mil anos”, o momento histórico mais procurado para as ambientações cinematográficas.

Procurando refletir como se dá tais relações, é que a obra “A Idade Média no Cinema” aparece com grande importância dentro do polêmico e conturbado cenário das relações entre o Cinema e os seus usos do saber histórico. Lançada em 2009 pelo Ateliê editorial, e de organização dos medievalistas, José Rivair de Macedo (UFRGS) e Lênia Márcia Mongelli (USP), tal obra nasceu curiosamente como fruto de inúmeras palestras, congressos e seminários realizados a partir do primeiro semestre do ano de 2001, quando, encabeçadas pela ABREM,6 foram realizadas em todo o país, lotando universidades, e outros centros de estudo, sempre levando daqueles locais, a certeza de que seria necessário se aventurar mais ainda sobre a temática a fim de responder aos inúmeros questionamentos que daqueles ambientes emergiam em profusão.

Partindo destas premissas, a obra então nos leva a uma importante reflexão acerca das representações incidentes sobre o Medievo no campo cinematográfico, principalmente quando “o que está em discussão é a necessária distinção entre uma Idade Média propriamente histórica, objeto de estudo dos medievalistas, e uma Idade Média vista em retrospectiva, isto é, uma certa idéia do passado medieval visto pela posteridade”.7 A proposta metodológica é a mais sensata possível, haja vista que todos os articulistas ao desviarem o seu olhar a estas apropriações cinematográficas, não procuram esquecer-se da linguagem, das subjetividades e objetivos, que são próprios ao Cinema, que devem ser entendidos, para se evitar os eternos choques entre ambos os campos.

Não é de se surpreender, portanto, que grandes obras de reconstituição histórica, feitas com consultoria de renomados historiadores, acabam sendo repudiadas por estes mesmos durante sua produção por diversos motivos apontados. Tal situação pode ser vista com clareza a partir de dois paradigmas clássicos ocorridos durante as filmagens da película de destaque, “O Nome da Rosa”, quando o renomado medievalista Jacques Le Goff, convidado para atuar como consultor histórico, acabou abandonando seu ofício durante a produção do filme e pediu para não ter seu nome posto nos créditos da obra, ao discordar em absoluto das decisões tomadas pelo cineasta Jacques Annaud durante o andamento da produção fílmica. Outro caso talvez mais significativo do que pode resultar tais choques, aconteceu durante a produção do filme “O Retorno de Martin Guerre”, no ano de 1982, quando a também consultora histórica contratada para a obra, a historiadora Natalie Zemon Davis, também discordara da recriação feita pelo cineasta Daniel Vigne, e indo mais além, em 1987, cinco anos após então, lança uma obra homônima ao filme, onde demostra toda a sua insatisfação e as diferenças de leituras ocorridas entre ela e o cineasta.

Em geral, A Idade Média que acaba aparecendo nas telas do Cinema, não é mais do que um mero espelho das angustias, sofrimentos e desejos da contemporaneidade, que encontram numa Idade Média sonhada ou fantasiosa, campo propicio como subterfugio ou como fuga da realidade. Um Medievo de Bruxas, de princesas e cavaleiros encantados e envoltos na mais pura magia do amor cortês e da coragem, cavalgando em meio aos perigos de uma floresta onde residem magos e outras figuras estranhas. O Medievo será “inapelavelmente, a Idade Média do fantástico e da religião, do Graal e do amor, das grandes guerras e das heroínas como Joana D`arc”.8 Daí é que:

É no âmbito da Medievalidade [conceito cunhado pelo mesmo e de fundamental importância no decorrer da obra], e não da historicidade medieval, que o cinema alusivo a Idade Média deve ser pensado.9 (…) As motivações da Medievalidade encontram-se estreitamente ligadas aos problemas atuais: os dilemas éticos do herói, a fidelidade aos princípios morais do individuo em relação ao grupo, a prevalência do bem sobre o mal.10

Sobre o aspecto temporal e temático: Áreas ou períodos da Idade Média aparecem com maior frequência no cinema do século XX. Não seria demais insistir no fato de que, comparativamente, os temas medievais que mais interessam aos cineastas digam respeito aos séculos posteriores ao XI, poucos filmes tendo abordado a Alta Idade Média (séculos V – X). Enquanto determinados temas (como a peste, as Cruzadas, os Vikings, as guerras, as querelas dinásticas) e determinados personagens (como Joana D´arc, Robin Hood, Henrique V, o Rei Arthur) são reiteradamente retratados, a partir de diversos ângulos ou pontos de vista.XI Para concluir, além destas e outras reflexões, esta significativa obra nos traz ainda seis ensaios independentes, que procuram manter a coesão ideológica sobre filmes renomados ambientados na Idade Média, procurando discutir como tais obras constroem e se utilizam deste tão procurado Medievo.

“A Idade Média no Cinema”é uma obra fundamental e que consegue contribuir em muito para o estudo da relação Cinema – História, demonstrando como o bom relacionamento entre os campos não precisa ser necessariamente uma utópica relação amorosa, mas uma compreensão de suas particulares dimensões, construções simbólicas e signos, que respeitadas, podem e muito contribuir para a construção do conhecimento histórico em todas as suas dimensões.

Notas

2 ROSENSTONE, Robert. A História nos filmes, os filmes na História, São Paulo: Paz e Terra, 2010. p.27.

3 Idem, p.29.

4 Idem.

5 Idem, p.40-41.

6 ABREM – Associação brasileira de estudos medievais.

7 MACEDO, José Rivair. Introdução – Cinema e Idade Média: perspectivas de abordagem. In: MACEDO, José Rivair; MONGELLI, Lênia Márcia. (Org.). A Idade Média no cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p.14.

8 PEREIRA, Nilton Mullet. Imagens da Idade Média na Cultura escolar. AEDOS, vol.2, No. 2, 2009, p.4.

9 MACEDO, José Rivair. Introdução – Cinema e Idade Média: perspectivas de abordagem. In: MACEDO, José Rivair; MONGELLI, Lênia Márcia. (Org.). A Idade Média no cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p.18.

10 Idem, p.47.

11 Idem, p.46-47.

Referência

MACEDO, José Rivair ; MONGELLI, L. M. (Orgs.) . A Idade Média no Cinema. 1ªed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. v. 01. 268 p .

Rafael Costa Prata – Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe. E-mail: rafaelcostaprata@hotmail.com.

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Fremosos Cantares. Antologia da Lírica Medieval Galego-Portuguesa | Lênia Márcia Mongelli

Os trobadores e as molheres de vossos cantares

son nojados a ũa, porqu’eu pouco

daria pois mi dos outros fossem

loados, ca eles non sabem que xi van

fazer; queren bon son e bõo de dizere

os cantares fremosos e rimados.

Martim Soares

O verbete “antologia”, de acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, significa, como primeira acepção, “tratado sobre as flores”, cuja origem é a palavra grega anthos, flor. É à primeira significação que também o Houaiss eletrônico se refere, registrando que a palavra pertence à rubrica da botânica – estudo das flores. Parece, então, que a ligação entre “flor” e coleção de textos em prosa e/ou em versos de um ou vários autores (cujo primeiro uso remonta ao ano de 1858, segundo o mesmo Houaiss) fixa-se num conceito subjetivo de estética. Explicamos. Se por “flor” entendermos que forma e perfume são elementos essenciais ao prazer sensitivo da vista e do olfato, estamos no campo da estética, do belo como elemento essencial da flor. Dessa flor nasceu “florilégio” (-légio, do l. legere, “que colhe, recolhe”, ainda segundo o Aurélio), coleção de textos mais significativos de um autor, época, tema etc., recolhidos a partir de um conceito subjetivo de estética, como dissemos atrás2 . Há, é claro, aquelas coleções cujas recolhas não foram tão excelentes, daí não valer o conceito de estética; mas vale o de “subjetivo” – o resultado seria um amontoado de maus textos. Conformemo-nos, pois há flores que não são nem belas nem olorosas. Leia Mais