Guerras de papel: comunicação escrita, política e comércio na monarquia ultramarina portuguesa | Romulo Valle Salvino

O livro de Romulo Valle Salvino, adaptação de sua tese de doutorado (SALVINO, 2018), se propõe a analisar a história de um projeto fracassado: a tentativa de atuação de representantes do Correio-mor na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII. As guerras de papel, aludidas no título, se referem aos dissensos e disputas, políticas e judiciais, travadas em diferentes instâncias da monarquia portuguesa pelos grupos e indivíduos envolvidos nesse processo que se estendeu entre meados de 1650 até, aproximadamente, 1750.

A abordagem se estrutura ao redor de três eixos principais, com envergaduras cronológicas distintas e naturezas específicas. Primeiro, o deslocamento de uma concepção jurisdicionalista do poder e da administração da economia para uma economia política. Em segundo lugar, o ofício de Correio-mor é tomado como um indício da lógica patrimonial de gestão administrativa da monarquia que passa a receber profundas críticas. Por fim, o terceiro eixo consiste nas estratégias específicas das coletividades e agentes engajados na instalação, ou oposição, do Correio-mor nos domínios portugueses na América completando, assim, a unidade de análise esboçada pelo autor. Leia Mais

Regalismo no Brasil colonial: a Coroa portuguesa e a Ordem do Carmo – Rio de Janeiro 1750-1808 | Leandro F. L. Silva

Superando a tradicional concentração de estudos nas atividades da Companhia de Jesus, as historiografias portuguesa e brasileira produziram nas últimas décadas uma quantidade significativa de trabalhos sobre a atuação de outras ordens religiosas na Época Moderna.[3] Apesar disso, no que tange ao impacto das medidas adotadas na segunda metade do século XVIII para reforçar a autoridade da Coroa face às corporações regulares, o caso paradigmático da expulsão dos jesuítas dos territórios lusitanos em 1759 continua a ser visto como evento quase exclusivo da prática regalista naquela esfera. Nesse quadro, o trabalho de Leandro Ferreira Lima da Silva oferece novas luzes para a compreensão mais ampla das medidas de controle da Coroa portuguesa sobre as ordens religiosas daquele período. Defendida originalmente em 2013 como Dissertação de Mestrado no Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade de São Paulo, a obra foi contemplada em 2016 com o prêmio História Social do referido Programa.

Duas características se destacam na investigação do autor: a abrangência da análise e o caráter minucioso da reconstituição de diferentes contextos que atravessam o período em exame. A consequência é o ambicioso plano da obra, desdobrando-se em quinze capítulos divididos em cinco partes, num total de 556 páginas. A matéria-prima para a análise proveio de diferentes acervos documentais. Devido à perda de grande parte da documentação da antiga Província Carmelitana Fluminense, o autor montou um repertório documental procurando recompor um quebra-cabeça cujas fontes estavam dispersas em arquivos tão distintos e distantes como o Arquivo Central da Província Carmelitana de Santo Elias, em Belo Horizonte; o Arquivo Nacional, o Arquivo Geral da Cidade e o Arquivo da Cúria Metropolitana, no Rio de Janeiro; e diferentes fundos documentais digitalizados do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. A impressão que fica é que o autor praticamente esgotou as fontes disponíveis no Brasil, restando por analisar apenas os arquivos europeus.

A historiografia também recebeu cobertura extensiva no livro. Dialogando com as obras de Evergton Sales Souza e José Pedro Paiva, para mencionar apenas alguns, Leandro Silva se mostra atualizado com relação à produção luso-brasileira sobre as questões da Igreja católica, da Ilustração, da Coroa e da colonização portuguesas no século XVIII. Com base na historiografia, Leandro Silva define o regalismo praticado nos domínios portugueses na segunda metade do século XVIII segundo uma dupla dimensão: a subordinação da Igreja e do clero aos poderes temporais da Coroa, “erradicando privilégios e imunidades”; e a manutenção do catolicismo como religião oficial do Estado, livrando-se, não obstante, das pressões da Santa Sé (p. 27). O tema da reforma regalista na Província do Carmo do Rio de Janeiro não é novo na historiografia. Inaugurado por Francisco Benedetti Filho, foi continuado por Sandra Rita Molina, cuja leitura o rigoroso escrutínio do autor deixou escapar.[4] As questões da administração dos bens da Província, da limitação do quantitativo de religiosos e do relaxamento moral dos carmelitas atravessam as três investigações sobre o tema. Mais recentemente, outro trabalho de Sandra Molina estendeu a análise dos referidos pontos até o final do período imperial, mostrando a continuidade da política regalista do Império do Brasil em relação às medidas adotadas anteriormente pela Coroa portuguesa.[5]

O diálogo com a historiografia internacional é relativamente pequeno na obra de Leandro Silva. Em que pese a lembrança do importante livro coletivo organizado por Ulrich Lehner e Michael Print, como também do já clássico estudo de Samuel Miller, o trabalho carece de referências mais amplas sobre o impacto de medidas de teor regalista que, adotadas por diferentes monarquias europeias na segunda metade do Setecentos, tiveram consequências diretas sobre as atividades das ordens religiosas em seus territórios.[6] Por fim, não existe a tentativa de efetuar um balanço historiográfico das mudanças estimuladas pelas reformas bourbônicas no campo da administração eclesiástica dos domínios hispano-americanos, cujo exame comparativo poderia constituir uma frutífera via de análise para o autor.Mesmo assim, o trabalho possui abrangência e profundidade incomuns para um projeto desenvolvido no âmbito do Mestrado. É o momento de se retomar essa dupla característica, aproximando-se agora do objeto. Trata-se de uma pesquisa que tem como objetivo assinalar os efeitos de diferentes medidas regalistas tomadas pela Coroa portuguesa com relação à Província do Carmo do Rio de Janeiro. Fundada em 1720, a Província do Carmo do Rio de Janeiro constituía desde 1595 uma vice-província que se encontrava até então dependente da Província de Portugal. A fundação fluminense abrangia os conventos do Rio de Janeiro, do Espírito Santo, de Angra dos Reis, de Santos, de São Paulo e de Mogi das Cruzes, bem como o hospício de Itu. Em informação remetida à Corte em 1763, o bispo do Rio de Janeiro denunciava que a própria fundação da Província ocorrera “com o dinheiro angariado através de negociações nas Minas e em outras regiões do Brasil”, com cujos recursos fr. Francisco da Purificação, o primeiro provincial, “soube merecer o agrado dos religiosos de Roma, onde tudo se compra” (p. 146, grifos do autor).

O recorte necessariamente monográfico da pesquisa não impede comparações com outros contextos. O autor traz à análise a recepção de medidas de teor análogo ocorridas nas províncias do Carmo da Bahia e na reformada de Pernambuco. Paralelamente, no que tange à capitania do Rio de Janeiro, o autor discute seu tema à luz de outros quadros, como as medidas de reforma empreendidas pela Coroa junto aos frades capuchos da Província Franciscana da Imaculada Conceição e o papel de carmelitas e franciscanos no mencionado território após o afastamento dos missionários jesuítas. A primeira parte da obra, abrangendo um único capítulo intitulado “A mentalidade regalista setecentista e o clero regular no Império Português”, anuncia o caráter amplo da abordagem do autor. Nessa parte, busca em textos basilares da Ilustração portuguesa, como o Testamento político de D. Luís da Cunha, um conjunto de argumentos que depois seriam postos em prática, ao longo dos reinados de D. José I e de D. Maria I, para o controle das corporações regulares. No discurso dos estrangeirados, a ênfase recai sobre o acúmulo de bens efetuado pelas ordens religiosas, quase sempre pela via de legados testamentários; o ingresso muito numeroso de noviços nas fundações conventuais; a ociosidade dos religiosos; as isenções relativas aos poderes seculares; e a falta de observância das regras. No processo da reforma dos frades carmelitas do Rio de Janeiro, tais pontos reapareceram com força nas ações das autoridades da Província.

A fina reconstituição dos contextos representa o que há de mais valioso no trabalho de Leandro Silva. A segunda parte, a maior da obra e que abrange seis capítulos, intitula-se “A Província de Nossa Senhora do Carmo do Rio de Janeiro e o ‘tímido’ regalismo pombalino (1750-1778)”. Na verdade, o material tratado no capítulo é mais amplo do que o indicado no recorte cronológico. O autor examina inicialmente a sublevação ocorrida no Convento do Carmo do Rio de Janeiro em 1743, quando lutas de facções davam o tom da administração da Província, dividindo ocupantes dos cargos em dois grupos opostos: os “filhos do Rio”, que abrangiam os religiosos naturais da referida capitania, e os “filhos de fora”, que, em sua maior parte, agrupavam os religiosos nascidos em Portugal e nas demais capitanias da Colônia (p. 106). Ao longo da segunda parte, o autor desenvolve um argumento muito convincente. Apesar da existência de sérios conflitos na Ordem, e da edição de numerosas medidas que, idealizadas por Sebastião José de Carvalho e Melo na década de 1760, destinavam-se a limitar a entrada de noviços e a diminuir o volume dos bens que ingressavam nas corporações regulares, ao longo do reinado de D. José I as diferentes autoridades coloniais não tomaram medidas rígidas de controle sobre os frades carmelitas do Rio de Janeiro. No contexto em pauta, os poderes coloniais sediados na capitania encontravam-se inteiramente envolvidos nas disputas de limites com a Espanha na região sul da Colônia, que foram apenas solucionados com o Tratado de Santo Ildefonso, em 1777.

A terceira parte da obra abrange dois capítulos. Conforme o seu argumento principal, “se o consulado pombalino deu embasamento teórico às políticas regalistas e aos poderes dos bispos na Igreja nacional e frente à Santa Sé, no reinado mariano a Coroa aprofundou essas posições”. (p. 378). Seguindo, assim, as tendências da historiografia mais recente, o autor não identificou mudanças significativas na política regalista após a saída do Marquês de Pombal, em 1777. Além disso, as autoridades coloniais encontravam-se na ocasião já desembaraçadas dos problemas nas fronteiras do sul. Após a suspensão das eleições da Província em 1783, o vice-rei do Estado do Brasil apresentou à rainha D. Maria I um dossiê, “para fazer conceito do miserável estado em que se acha uma Corporação Religiosa que só serve de descrédito à Religião e de peso e mau exemplo ao Estado” (p. 259). No documento, que pautou os rumos da reforma que seria iniciada dois anos depois, acusa-se uma sucessiva quebra das regras religiosas e dos fundamentos da economia da Província: religiosos adquiriam em Roma ou em Lisboa privilégios honoríficos, afastando-se dos atos litúrgicos e do trabalho em comum; possuíam grande número de escravos pessoais para lhes servir, em contrariedade aos votos de pobreza; e tinham até concubinas, por vezes estabelecidas publicamente em residências próximas às sedes dos conventos, contrariando os votos de castidade. O vasto patrimônio imobiliário da Província, constituído por dezenas de moradias urbanas e fazendas, era mal administrado, chegando ao ponto de não produzir alimento suficiente para os próprios religiosos.

A quarta parte da obra estende-se por cinco capítulos. Após o envio da denúncia do vice-rei à Corte, D. José Joaquim Mascarenhas Castelo Branco, o bispo do Rio de Janeiro, foi nomedo como visitador e reformador da Província do Carmo. A atuação reformadora deste se direcionou principalmente a combater as irregularidades já apontadas pelo vice-rei. Suas ações visaram aprimorar o rendimento econômico das fazendas dos conventos, combater a concessão de distinções pessoais de caráter honorífico e regulamentar as atividades da comunidade, obrigando os frades à celebração dos atos litúrgicos e à assistência no refeitório coletivo. Além da intervenção direta de poderes externos à Ordem, a reforma na Província do Carmo do Rio de Janeiro se distinguiu por sua longa duração se comparada a iniciativas semelhantes introduzidas em outras ordens regulares. Após a resistência dos religiosos, e em aliança com poderes locais, como a Câmara do Rio de Janeiro, a reforma foi encerrada em 1800. A atuação do bispo promoveu um verdadeiro expurgo nos quadros da Província. Seu quadro de religiosos passou de 180 para 47 entre 1780 e 1799.Da perspectiva metodológica, a obra leva em conta que as inúmeras cartas produzidas pelos agentes administrativos envolvidos na reforma da Província Carmelita Fluminense – tais como o bispo do Rio de Janeiro, o vice-rei, os frades representantes da Província, o Senado da Câmara e o Conselho Ultramarino – podem ser vistas simultaneamente como instrumento de dominação da Coroa e como veículo “de negociação de súditos instalados nos mais longínquos pontos do ultramar” (p. 47). Recentemente, essa linha de estudos se revelou importante para um expressivo conjunto de historiadores, que sistematizou o funcionamento dos canais de comunicação política que uniam os diferentes poderes em funcionamento na monarquia portuguesa, nos dois lados do Atlântico.[7]

Introduzida na América Portuguesa em 1580 para cuidar da catequização do gentio e atender demandas espirituais dos colonos moradores na capitania de Pernambuco8, a Ordem do Carmo estabelecida no Rio de Janeiro não foi mais considerada capaz de realizar aquelas tarefas na segunda metade do século XVIII. Analisando os avanços e recuos das iniciativas de reforma, as relações estabelecidas entre os agentes seculares e eclesiásticos, bem como as bases teológicas e canônicas que fundamentaram a iniciativa da Coroa, a obra de Leandro Silva merece figurar ao lado de outras que constituem pontos de partida obrigatórios para o tema, como o clássico trabalho de Caio César Boschi, ou a recente coletânea organizada por Francisco Falcon e Cláudia Rodrigues.9

Notas

3. Com relação à América Portuguesa, a título ilustrativo: AMORIM, Maria Adelina. Os franciscanos no Grão-Pará e no Maranhão: missão e cultura na primeira metade de Seiscentos. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa: Universidade Católica Portuguesa, 2005; SOUZA, Jorge Victor de Araújo. Para além do claustro: uma história social da inserção beneditina na América portuguesa, c. 1580 – c. 1690. Niterói: Eduff, 2014.

4. BENEDETTI FILHO, Francisco. A reforma da Província Carmelitana Fluminense (1785-1800). 1990. 190f. Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990. MOLINA, Sandra Rita. (Des)obediência, barganha e confronto: a luta da Província Carmelita Fluminense pela sobrevivência (1780-1836). 1998. 338f. Dissertação (Mestrado em História), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.

5. MOLINA, Sandra Rita. A morte da tradição: a Ordem do Carmo e os escravos da Santa contra o Império do Brasil (1850-1889). Jundiaí: Paco Editorial, 2016. Esta obra foi resenhada por BARBI, Rafael José. Catolicismo, escravidão e a resistência ao Império: Um outro olhar. Almanack, n. 15, 2017, pp. 366-370.

6. LEHNER, Ulrich L.; PRINT, Michael (Dir.). A Companion to the Catholic Enlightenment in Europe. Leiden: Brill, 2010; MILLER, Samuel J. Portugal and Rome (c. 1748-1830). An Aspect of the Catholic Enlightenment. Roma: Universitá Gregoriana Editrice, 1978; BEALES, Derek. Prosperity and Plun der. European Catholic Monasteries in the Age of Revolution, 1650-1815. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

7. FRAGOSO, João; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Um Reino e suas repúblicas no Atlântico: comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola nos séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

8. HONOR, André Cabral. Envio dos carmelitas à América portuguesa em 1580: a carta de Frei João Cayado como diretriz de atuação. Tempo, v. 20, 2014, p. 1-19.

9. BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986; FALCON, Francisco; RODRIGUES, Cláudia (Orgs.). A “época pombalina” no mundo luso-brasileiro. Rio de Janeiro: FGV: Faperj, 2015.

Referências

AMORIM, Maria Adelina. Os franciscanos no Grao-Para e no Maranhao: missao e cultura na primeira metade de Seiscentos. Lisboa: Centro de Estudos de Historia Religiosa: Universidade Catolica Portuguesa, 2005.

BARBI, Rafael Jose. Catolicismo, escravidao e a resistência ao Imperio: Um outro olhar. Almanack, n. 15, 2017, pp. 366-370.

BEALES, Derek. Prosperity and Plunder. European Catholic Monasteries in the Age of Revolution, 1650-1815. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

BENEDETTI FILHO, Francisco. A reforma da Provincia Carmelitana Fluminense (1785-1800). 1990. 190f. Dissertacao (Mestrado em Historia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, 1990.

BOSCHI, Caio Cesar. Os leigos e o poder: irmandades leigas e politica colonizadora em Minas Gerais. Sao Paulo: Atica, 1986.

FALCON, Francisco; RODRIGUES, Claudia (Orgs.). A “epoca pombalina” no mundo luso-brasileiro. Rio de Janeiro: FGV: Faperj, 2015.

FRAGOSO, Joao; MONTEIRO, Nuno Goncalo. Um Reino e suas republicas no Atlântico: comunicacoes politicas entre Portugal, Brasil e Angola nos seculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 2017.

HONOR, Andre Cabral. Envio dos carmelitas a America portuguesa em 1580: a carta de Frei Joao Cayado como diretriz de atuacao. Tempo, v. 20, 2014, p. 1-19.

LEHNER, Ulrich L.; PRINT, Michael (Dir.). A Companion to the Catholic Enlightenment in Europe. Leiden: Brill, 2010.

MILLER, Samuel J. Portugal and Rome (c. 1748-1830). An Aspect of the Catholic Enlightenment. Roma: Universita Gregoriana Editrice, 1978.

MOLINA, Sandra Rita. A morte da tradicao: a Ordem do Carmo e os escravos da Santa contra o Imperio do Brasil (1850-1889). Jundiai: Paco Editorial, 2016.

MOLINA, Sandra Rita. (Des)obediência, barganha e confronto: a luta da Provincia Carmelita Fluminense pela sobrevivência (1780-1836). 1998. 338f. Dissertacao (Mestrado em Historia), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.

SOUZA, Jorge Victor de Araujo. Para alem do claustro: uma historia social da insercao beneditina na America portuguesa, c. 1580 – c. 1690. Niteroi: Eduff, 2014.

William de Souza Martins – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro – RJ – Brasil. Professor Associado da Área de História Moderna do Instituto de História da UFRJ, onde atualmente ocupa a função de vice-diretor. Membro permanente do Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ, atuando como editor associado da Topoi: Revista de História. Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (2001) com a tese Membros do corpo místico: ordens terceiras no Rio de Janeiro (c. 1700 – 1822), que foi publicada em 2009 pela Edusp. Participa dos grupos de pesquisa Ecclesia (UNIRIO), ART (Antigo Regime nos Trópícos – UFRJ) e Sacralidades (UFRJ).


SILVA, Leandro Ferreira Lima da. Regalismo no Brasil colonial: a Coroa portuguesa e a Ordem do Carmo, Rio de Janeiro, 1750-1808. São Paulo: Intermeios/USP; Brasília: CAPES, 2018. Resenha de: MARTINS, William de Souza. Monarquia portuguesa e política regalista: ordens religiosas no final do setecentos. Almanack, Guarulhos, n.25, 2020. Acessar publicação original [DR]

Governadores Gerais do Estado do Brasil (séculos XVI-XVIII) / Francisco C. Cosentino

Há um aspecto da carreira profissional de Cosentino que merece ser destacado logo àpartida: desde 1974 dedica-se à atividade docente, há mais de vinte anos ao ensino superior. Este dado não é irrelevante, pois nos ajuda a entender porque o autor deste livro, cujas qualidades trataremos de explicitar, não ganhou até agora a visibilidade que acreditamos merecer. Sua opção pessoal, como ele mesmo denomina, parece ter determinado que produzisse relativamente pouco em termos quantitativos, o que não deixamos de lamentar, já que seu texto não esconde sua habilidade para a investigação histórica. Para além deste livro que agora mencionamos, Cosentino contribuiu com um artigo na tão reverenciada e citada coletânea de textos intitulada Modos de Governar, publicada em 2005, e, um ano depois, com um artigo na Revista Cronos. Ao menos é o que podemos saber sobre sua obra, citada nas referências bibliográficas deste livro, uma vez que os instrumentos virtuais de busca, que usualmente fazemos uso para desvendar a trajetória das pessoas, não contribuem para sabermos algo mais.

Este livro, lançado em julho de 2009, é a sua tese de doutorado apresentada na Universidade Federal Fluminense, sob a orientação da professora Dra. Maria de Fátima Gouvêa que, infelizmente, não pode ver publicada a pesquisa de um orientando que incorpora, e dialoga constantemente, com sua perspectiva historiográfica. O objeto de investigação em causa, tal como o título anuncia, é o ofício dos governadores gerais do Estado do Brasil e suas respectivas trajetórias administrativas e sociais, dando assim continuidade, e também aprofundamento, às investigações de seus textos anteriores. Cosentino dedicou-se a analisar cinco dos governadores gerais nomeados ao longo dos séculos XVI-XVII: Tomé de Sousa, Francisco Giraldes (que não chegou a ocupar o cargo), Gaspar de Sousa, Diogo de Mendonça Furtado e Roque da Costa Barreto; três dos quais durante o período filipino.

Conforme anuncia em sua introdução, o livro está dividido em três partes. Na primeira, aborda a monarquia portuguesa no período em questão, enfatizando, sobretudo, sua natureza corporativista, jurisdicional e polissinodal. Aspectos essenciais são tratados de forma sintética e com tal clareza que por vezes somos levados a pensar que não se tratam de assuntos complexos. Preocupado em evidenciar a historicidade dos conceitos, dialoga principalmente com o que há de mais recente na historiografia luso-brasileira, mostrando o atual estado da investigação acadêmica sem deixar de mencionar, e muitas vezes criticar, interpretações anteriores sobre conceitos como absolutismo, Estado moderno e soberania. O debate historiográfico ganha destaque nestas primeiras páginas, embora deixe de lado aquele que dividiu a historiografia brasileira no que se refere à pertinência do emprego do conceito e da idéia de Antigo Regime para se analisar a realidade americana. Se assim o faz, estamos certos que não é por receio de se posicionar. Acreditamos que apenas poupou o leitor de ler mais uma vez sobre uma polêmica que, dada à dimensão que ganhou, não só na academia como nos meios midiáticos, é mais do que conhecida. Orientado por quem foi, não esconde sua filiação ao que podemos chamar “Escola do Rio de Janeiro”, que tem nos trabalhos de António Manuel Hespanha uma de suas principais referências. Cosentino analisa a América portuguesa não como um reflexo da realidade européia. Busca suas especificidades tendo, no entanto, o modelo social e político europeu como eixo analítico. Mais um ponto a seu favor.

Ainda nesta primeira parte, aplica-se a descrever o contexto que convencionamos denominar de União Ibérica, analisando a integração do Reino português ao de Castela e a repercussão deste modo castelhano de se fazer política na monarquia portuguesa após a Restauração. A nosso ver, merece referência especial o belíssimo capítulo sobre a natureza e os poderes dos governadores gerais do Estado do Brasil, não só porque aqui se evidencia a tese central do livro: “a natureza superior e régia do poder” dos mesmos, (p.101) tão clara, por exemplo, nas cerimônias de posse e nos regimentos destes governadores. O que nos entusiasmou, especialmente, foi sua preocupação com a história administrativa, discorrendo sobre pontos, como a teoria dos ofícios, que raramente merece atenção da historiografia atual, como bem notou Hespanha ainda na década de 80 ao se referir às lacunas que naquela época, mas também nesta, existem no que se refere à historia institucional.

No entanto, a partir da página 102, quando tem início a segunda parte intitulada “Carreiras e trajetórias sociais de governadores gerais do Estado do Brasil (séculos XVI e XVII)”, nosso acentuado entusiasmo foi atenuado. É certo que não desconsideramos a relevância em se fazer referência às inúmeras mercês régias conquistadas por estes cinco governadores gerais para comprovar a importância social destes indivíduos e a superioridade do cargo, provido apenas a fidalgos. Porém, a enumeração detalhada das mercês conquistadas, assim como o excesso de citações documentais e bibliográficas no corpo do texto ou em notas de rodapé, torna a leitura cansativa. Talvez, devemos dizer, esta é a parte menos original deste trabalho, e não estamos certos de que embora ajude a reforçar a importância da economia das mercês na monarquia portuguesa é a principal contribuição de sua pesquisa, como diz no último parágrafo do livro. Isto porque ultimamente proliferam estudos na área de história social que recorrem ao método da prosopografia reconstituindo  trajetórias individuais, com base em  documentação similar.

Ainda nesta segunda parte, o autor acaba por realizar uma versão comentada de seu próprio texto. Cada termo historicamente datado é referido em nota de rodapé a verbetes do dicionário de Bluteau, publicado somente no século XVIII, quando sabemos que Cosentino dedica-se à análise dos dois séculos precedentes. Estranha opção de quem, no inicio do livro, revelou suas preocupações teóricas com o uso dos conceitos na acepção dada à época. As afirmativas que apresenta no corpo do texto, mesmo quando corroboradas por transcrições de trechos da historiografia, ganham novas e longas citações bibliográficas nas notas de rodapé. Se este recurso revela um comportamento acadêmico virtuoso de não tomar para si ideias já anteriormente defendidas, bastaria citar as obras, sem necessidade de abusar das recopilações de textos que normalmente pouco acrescentam ao que encontramos na leitura de Cosentino.

Mas o livro volta a ganhar grande interesse na terceira parte, dedicada à atuação do oficio dos governadores gerais, analisada, sobretudo, a partir dos regimentos que deveriam nortear suas condutas. Aqui vemos comprovada outra ideia anunciada anteriormente: a de que os documentos normativos estavam também em consonância com as circunstâncias da época e que a monarquia, não obstante pretendesse garantir uma governação continuada, expressa através do cargo de governador geral, estava atenta à realidade americana. Por esta razão é que a estes agentes régios delegou a atribuição crescente de resolver problemas próprios de cada período, os quais poderiam ameaçar o sucesso da administração portuguesa na América. No entanto, seria preciso saber em que medida estes governadores administraram em conformidade com os regimentos especialmente produzidos para que agissem como era esperado. Seria preciso alargar o horizonte de pesquisa e analisar também a prática governativa para entender quais foram, de fato, os espaços de atuação que encontraram ou mesmo se obstáculos diversos, como o conflito de jurisdições, impossibilitaram o sucesso de seus governos. Cosentino dedica a este ponto poucas páginas, mas esta deficiência é de seu conhecimento, e não esconde as limitações que seu trabalho apresenta, ao menos neste aspecto.

De qualquer forma, os interessados em conhecer a história administrativa da América portuguesa nos séculos XVI-XVII encontram neste livro uma enorme contribuição, com informações ricas, cuidadosamente trabalhadas, às vezes, como dissemos, exaustivamente. Mas não podemos ver nisso um ponto desfavorável. Fiel a sua atividade docente, Cosentino produz uma obra que parece ser dedicada aos alunos de graduação em História, que estão começando a entender não só o contexto destes dois séculos, mas também como é pensar como historiador. E neste sentido, a franqueza intelectual do autor auxilia-os imensamente, pois a cada página acompanhamos o percurso que orientou o autor na produção deste livro, que tem uma hipótese claramente anunciada, e consistentemente comprovada quanto “à posição protagônica desempenhada por esses servidores maiores da monarquia portuguesa nessa parte da América portuguesa”, o Estado do Brasil (p.334).

Enfim, uma ótima opção a outros professores que desejam apresentar aos seus alunos um texto agradável e extremamente importante, em diversos pontos. Mas uma ótima leitura também para os acadêmicos, pois as contribuições desta obra não se limitam à forma de expor e comprovar sua tese, mas a tese em si, que contraria a interpretação de que o papel dos governadores gerais praticamente se resumia a uma dimensão simbólica. Eles não eram apenas fidalgos que encontravam nas terras americanas uma possibilidade servir ao Rei para assim aumentarem a importância de suas casas. Como mostra Cosentino, acabaram também por contribuir para a administração dos domínios da América, e com protagonismo.

Roberta Giannubilo Stumpf – Centro de História de Além-Mar. Universidade Nova de Lisboa.


COSENTINO, Francisco Carlos. Governadores Gerais do Estado do Brasil (séculos XVI-XVIII). Ofícios, regimentos, governação e trajetórias. São Paulo/ Belo Horizonte: ANNABLUME/ FAPEMIG, 2009, 366p. Resenha de: STUMPF, Roberta Giannubilo. História histórias. Brasília, v.1, n.1, p.227-230, 2013. Acessar publicação original. [IF]

O rei no espelho. A monarquia portuguesa e a colonização da América: 1640-1720 | Rodrigo Bentes Monteiro

Publicado em 2002, O rei no espelho, de Rodrigo Bentes Monteiro, parte da análise de movimentos de caráter contestatório, ocorridos em Seiscentos e Setecentos, nas possessões americanas de Portugal, a fim de perscrutar as relações entre os vassalos sediados em diferentes regiões da América portuguesa e o Estado metropolitano, em momentos de crise política no âmbito europeu.

O autor parte da assunção de que, no tocante ao Brasil, há de fato possessões coloniais, não possessão, pois, adotando a formulação de Ilmar Rohloff de Mattos referente à noção de região, concebe social, política e economicamente a colônia americana como conjunto de enclaves de colonização lusa na América e busca, a partir de tal assunção, compreender como as diferentes realidades regionais implicaram formas diferenciadas de relacionamento entre vassalos e Coroa. Leia Mais