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História e subúrbio / História e Cultura / 2019
O subúrbio como objeto de estudo
De acordo com José de Souza Martins, em sua obra Subúrbio, originalmente publicada em 1992, “até aqui a história de São Paulo tem sido escrita do centro para a periferia: a perspectiva elitista do centro domina a concepção que se tem do que foi o subúrbio no passado.”[1] Para apresentar um contraponto a essa perspectiva de análise, o autor procurou deslocar o olhar e se propôs a pensar sobre a especificidade da história do subúrbio, caracterizando-a como “circunstancial”, “fragmentada” e “residual”.
Quase três décadas se passaram desde a publicação do trabalho de José de Souza Martins e ainda hoje os estudiosos que se dedicam à história dos subúrbios, quer de São Paulo, quer do Rio de Janeiro ou de outra cidade brasileira, ainda são raros e, portanto, se defrontam com a dificuldade de diálogo para pensar a respeito desse objeto de estudo. Tanto no âmbito da história urbana, como no da história social ou cultural, poucas são as pesquisas que buscam problematizar os subúrbios, a sua história e a de seus moradores, bem como as características de suas relações com as áreas urbanas contíguas.
Margareth da Silva Pereira, que organizou o verbete “subúrbio” da obra A aventura das palavras da cidade, através dos tempos, das línguas e das sociedades [2], ao apresentar um histórico sobre os usos e significados do termo ao longo do tempo, afirma que a palavra não estava presente “nos Códigos de Posturas e nem nos decretos do período Imperial”, por volta de meados do século XIX. Todavia, segundo o depoimento de um contemporâneo: “na linguagem popular, só é designada como cidade a parte onde há maior comércio e estão as repartições públicas […] tudo o mais consideramos subúrbios” [3] . Ou seja, nessa época, os subúrbios estavam associados a uma área considerável do espaço das cidades, mas a investigação a respeito deles ainda foi pouco explorada pelos historiadores.
Embora o tema tenha começado a despertar o interesse de alguns estudiosos nos últimos anos, dentre eles os organizadores deste dossiê, os esforços ainda são esparsos e carecem de um espaço de debate. Conforme afirma José de Souza Martins:
“É preciso repensar a cidade, sua história, suas possibilidades. O olhar que decorre do vivido no subúrbio é instruído pela experiência das rupturas inauguradas pela fábrica, pelos acidentes, pelas tensões e pelos confrontos inevitáveis de todos os dias, ocultados pela repetição tardia de formas, de movimentos, de palavras, de ideias. É um olhar que revela outras dimensões da vida urbana, porque é outro o imaginário de que faz parte.”
Sendo assim, ao organizar este dossiê, a nossa intenção foi corroborar com o convite à reflexão feito por José de Souza Martins, proporcionando um espaço de discussão sobre a história dos subúrbios no Brasil e suas potencialidades, além de reunir em um único lugar os esforços dispersos daqueles que estudam a temática. Embora a submissão de artigos para avaliação tenha sido pequena, o que evidencia que o tema segue arrebatando menos adeptos do que o esperado, o recorte espacial dos textos que compõem o dossiê fugiu do tradicional eixo Rio-São Paulo, ampliando, portanto, o leque de pesquisas nessa área.
Elielton Gomes tratou a respeito das festividades que ocorreram no subúrbio da capital paraense, ao longo da década de 1950, utilizando como fonte a imprensa local. No constante diálogo sobre tais práticas no centro da cidade e fora dele, o autor ofereceu interessante panorama a respeito do cotidiano da cidade de Belém, em um contexto de intensas mudanças, provocadas pela chegada de muitos migrantes oriundos do interior do estado. Ainda com relação às práticas de lazer, Rosana Santos analisou o carnaval recifense, durante as décadas de 1950 e 1960. Apontou os conflitos e as tensões em torno dele, bem como tratou das diferenças entre o carnaval de rua e o praticado nas agremiações, explorando a relação deles com o espaço da cidade. Pedro Oliveira, por sua vez, investigou as enchentes que assolavam Parnaíba (PI) nos anos de 1970, procurando entender a relação dos munícipes com a conformação da cidade. Recorrendo à análise de como o fenômeno era apresentado em alguns periódicos, o autor problematizou a construção de estigmas em torno da população pobre e suburbana. Por fim, o artigo de Camila Itavo apresentou uma reflexão a respeito do filme Nostalgia da Luz, de Patricio Guzmán.
Que a leitura do dossiê seja proveitosa e inspire novas pesquisas que tomem o subúrbio como objeto de estudo.
Notas
1. MARTINS, José de Souza. Subúrbio: vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de São Paulo: São Caetano, do fim do Império ao fim da República Velha. 2ª ed. São Paulo: Hucitec; Unesp, 2002, p. 9
2. TOPALOV, Christian et. al. (org.). A aventura das palavras da cidade, através dos tempos, das línguas e das sociedades. Trad. por Alicia Novick. São Paulo: Romano Guerra, 2014, pp. 619- 627.
3. PINTO, Manuel Paulo Vieira. Carta a Alexandre José de Melo Moraes fornecendo dados referentes aos limites da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional. Seção de Manuscritos, v. 106, II, 34, 30, 42. 1862. Apud: Topalov, Christian et. al. Op. cit., p. 623
Cristiane Regina Miyasaka – Doutora em História / Unicamp.
Pedro Henrique Torres – Doutor em Ciências Sociais / PUC-Rio.
Os organizadores
MIYASAKA, Cristiane Regina; TORRES, Pedro Henrique. Apresentação. História e Cultura. Franca, v.8, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]