História Medieval / Crítica Histórica / 2013

A abertura que o historiador tem dado, atualmente, às desconstruções das narrativas historiográficas, permitiu uma desterritorialização dos estudos sobre o medievo, abrindo possibilidade para uma história medieval vista a partir de outros continentes e de outros olhares que não o europeu. As perspectivas de estudo sobre este período na América Latina tem mostrado propostas interessantes de (des)construção historiográfica e reflexões que muito tem contribuído para a noção de “história como problema”, tão cara a Marc Bloch.

Os artigos que constituem este dossiê são uma amostra expressiva desta produção e do espaço que a história medieval tem alcançado dentro da historiografia brasileira. Cobrindo o período que vai deste o V século até o XVII, os trabalhos aqui publicados versam sobre problemáticas que atingem o campo da religiosidade, de gênero, da cultura, da política e do pensamento, deixando à mostra os interesses de pesquisa dos vários laboratórios que têm se articulado ao longo dos últimos anos no país e que em muito têm contribuído para essa fase frutífera da historiografia medieval brasileira.

O presente Dossiê de História Medieval, e sétimo número da Revista Crítica Histórica, é organizado por um destes laboratórios, o VIVARIUM – Laboratório de Estudos da Antiguidade e do Medievo – Núcleo Nordeste. Nosso objetivo aqui não é somente possibilitar o debate intelectual proposto pelos artigos, mas fortalecer uma rede de pesquisadores preocupados com a produção historiográfica elaborada no campo da medievalística na região Nordeste do país e da sua articulação às demais regiões.

Dentro desta perspectiva, procuramos dar espaço às pesquisas que estão sendo produzidas a partir das discussões historiográficas que fomentam esses laboratórios de estudos medievais e que num movimento de contínua troca de conhecimento acadêmico, cruzaram as mais diversas regiões do país, chegando até nós por meio dos textos dos autores aqui publicados.

Nosso dossiê inicia-se com um artigo que é exemplo dessa troca de conhecimento apontada acima. Paulo Duarte Silva da UFRJ e Bruno Gonçalves Álvaro UFS, fazem juntos uma interessante discussão acerca da atuação dos representantes das sedes episcopais de Alexandria e Hipona entre os séculos IV e V, a partir dos filmes Agostino d´Ipona (Itália, 1972) e Ágora (Espanha, 2009), que permitem comparar as diferentes formas e características da atuação bispal. Em seguida, Pâmela Torres Michelette busca compreender a elaboração da concepção da Realeza católica na Hispânia Visigoda, a partir da análise das ideias políticas de Isidoro de Sevilha. Partindo da análise da obra Vitas Sanctorum Patrum Emeretensium, hagiografia do período visigodo redigida por um autor anônimo no terceiro decênio do VII século, Germano Miguel Favaro Esteves dedica-se à interessante análise da figura do Diabo e suas representações na obra Incipt vita vel virtutibus sancti Masonae Episcopi (Vida e Virtudes do Santo Bispo Masona). Segue-se o artigo de João Charrone, que propõe uma discussão sobre as hagiografias de Venâncio Fortunato, tratando questões como a autenticidade e o público alvo das obras do autor, além de discutir as funções e o papel do hagiógrafo medieval. Já Munir Lutfe Ayoub realiza uma análise dos salões de culto e banquetes no espaço escandinavo, buscando compreender suas atribuições na formação dos espaços religiosos e políticos na Escandinávia do período viking. Partindo para a Idade Média Central e Baixa Idade Média, o artigo de Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva nos apresenta uma agradável discussão de como a versão narrativa elaborada pelo franciscano Juan Gil de Zamora de um tradicional milagre ganha sentido em um contexto específico, o Reino Castelhano-leonês no século XIII, por meio das representações do Diabo e do Judeu. Ainda tratando do tema das hagiografias, Renata Cristina de Sousa Nascimento busca analisar os elementos presentes na construção discursiva no relato Martyrium et gesta infantis domini Fernandi que justificam ao papado a canonização do primeiro santo dinástico, durante as conquistas em África no século XV. Marcelo Pereira Lima apresenta uma discussão que parte da interseção entre a História Institucional do Direito e os Estudos de Gênero, para pensar as masculinidades clericais representadas nas legislações elaboradas no reino de Castela e Leão, do século XIII. Em seguida, Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior traz uma singular discussão acerca da maneira pela qual Giambattista della Porta lidou com a chamada comunicação secreta dentro das obras De Magiae Naturalis e De furtivis Literarum Notis vulgo De Ziferis – Libri III, mostrando a importância da concepção de universo e das forças esotéricas nos mecanismos pensados por Della Porta na utilização de técnicas de comunicação secreta. Adriana de Souza Zierer apoia-se na análise da novela anônima A demanda de Santo Graal para pensar as principais características dos cavaleiros e seus papéis na sociedade medieval, a partir da análise de vários personagens da narrativa. Em seguida, trazemos o artigo de Anderson D´Arc Ferreira, visando um importante aspecto do pensamento medieval, a filosofia, no qual o autor busca retomar os principais elementos pelos quais o filósofo Tomás de Aquino trata do problema acerca da possibilidade do intelecto humano adquirir conhecimento sobre Deus. Carlos J. Rodríguez Casillas retrata o enfretamento político-religioso entre o Mestre de Alcântara, Yáñez de Barbudo, com o reino de Granada, em 1394, mostrando como tal fato influenciou na desestabilização política entre os reinos castelhano e nazarí. Já Luciano José Vianna realiza uma tentativa de identificar os significados da plenitude do poder para Marsílio de Pádua no capítulo XXIII de sua obra O Defensor da Paz, bem como a sua utilização pelo bispo de Roma, apontando para uma rica discussão sobre a luta entre o poder temporal e espiritual no medievo. Por fim, o artigo de Leandro Duarte Rust fecha o Dossiê de história medieval, trazendo uma intrigante discussão a respeito das implicações intelectuais que o uso da terminologia antipapa carrega na historiografia sobre a Idade Média, principalmente com relação aos conflitos de poder e relações sociais decisivas para a constituição política da Sé Romana e da Cristandade.

Na seção Documentos, trazemos a tradução do excerto “Diatribes 12 e 13 de Musônio Rufo: Sobre coisas relativas a Afrodite e Casamento”, traduzido pelo professor Aldo Dinucci, da Universidade Federal de Sergipe. O documento, escrito por Caio Musônio Rufo – estoico do primeiro século e mestre de Epicteto – trata de questões relativas ao sexo e ao casamento, ambos sob o prisma do estoicismo romano.

Por fim, nosso dossiê encerra-se com duas resenhas: a primeira delas trata do livro de Gary Ferngren, Medicine & Health Care in Early Christianity, que versa sobre a relação entre o cristianismo dos séculos I e IV e a medicina grega, texto feito por Bruno Uchoa Borgongino; a segunda, escrita por Marcos Cruz, nos instiga a ler o livro do historiador Ruy de Oliveira Andrade Filho, Imagem e reflexo. Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (séculos VIVIII), no qual este autor dedica-se a análise das articulações entre religiosidade e a montagem da monarquia católica visigoda, após a conversão de Recaredo.

Esperamos, assim, que o presente número possa contribuir com a produção do conhecimento acerca do medievo no Brasil, ao mesmo tempo em que agradecemos as contribuições dos autores para esta edição, e dentre elas, a gentil colaboração dos participantes da rede Vivarium, região Nordeste, Bruno Álvaro e Marcelo Pereira Lima.

Raquel de Fátima Parmegiani – Professora Doutora.

Roberta Miquelanti – Professora Mestre.


MIQUELANTI, Roberta; PARMEGIANI, Raquel de Fátima. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 4, n. 7, julho, 2013. Acessar publicação original [DR]

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