L’épistémologie historique: Histoire et méthodes | Jean-François Braunstein, Iván Moya Diez e Matteo Vagelli

Jean Francois Braunstein Foto Zoe Ducournau 2
Jean-François Braunstein | Foto: Zoé Ducournau

L’épistémologie historique. Histoire et méthodes (Paris: Éditions de la Sorbonne, 2019), organizado por Jean-François Braunstein e seus ex-alunos Iván Moya Diez e Matteo Vagelli, reúne algumas das comunicações apresentadas nas edições de 2015 e 2016 das Journées d’épistémologie historique.

Lepistemologie historiqueMais ou menos no mesmo período, meu colega Marcos Camolezi e eu fizemos e publicamos, no segundo número da revista Intelligere, uma entrevista com Braunstein, então supervisor do nosso estágio de pesquisa na Université Paris 1. Num dos momentos mais interessantes da conversa, Marcos lembrou que, nas décadas finais do século XX, a Epistemologia Histórica “parecia uma ocupação de velhos, um assunto fora de moda” e, antecipando uma resposta vindicadora, questionou: “qual a situação da epistemologia histórica hoje?” (Almeida; Camolezi, 2015, p.159). Leia Mais

Methods and Cognitive Modelling in the History and Philosophy of Science–&–Education | Transversal | 2018

In order to inquire into the foundations of the History and Philosophy of Science & its connection to Education, more specifically, teaching science-NoS, the Inter-Divisional Teaching Commission (IDTC)3 reached high-level researchers to share their most recent works and findings in methods and cognitive modelling as the IDTC Special Issue on HPS-&- Education. By combining approaches of natural sciences & humanities in the investigation of the topics and promoting the cooperation between teaching educators, historians of science, historians and philosophers of science and specialist, the following articles offer an interesting influence on the actual debate from scientific, educationally and culturally standpoints.

In the context of nowadays constraints and technological progress regarding the teaching of physical and mathematical sciences, the investigation of the relevant scientificeducational questions is becoming more and more emergent. As such, and since science is synonymous with modernity and progress, research has to be evolving with its time as well as Nature of Science, Scientific Mediation, Popularization of Science and Technique, and Teaching methods and contents. Moreover, physics (Pisano 2009; Pisano and Capecchi 2015), mathematics (Dhombres 1992) and science education (Pisano and Bussotti 2015a, 2015c) are also a complex social phenomenon (Pisano 2016) since they are influenced by the labour market and the elementary knowledge of sciences required by anyone in the social-economic daily life. Leia Mais

Der rückstoss der methode: Kierkegaard und die indirekte mitteilung SCHWAB (ARF)

SCHWAB, Phillip. Der rückstoss der methode: Kierkegaard und die indirekte mitteilung. Berlin/Boston: Walter de Gruyter, 2012. Resenha de: BARROS, Wagner. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n. 17, jan./jun. 2017.

O livro de Phillip Schwab, intitulado Der Rückstoss der Methode, se apresenta como uma importante contribuição e indispensável para as pesquisas que versam sobre a comunicação indireta no pensamento de Kierkegaard. Ainda que inúmeros trabalhos tenham desenvolvido reflexões sobre o assunto, frequentemente o problema da comunicação é tratado de forma tangencial ou coadjuvante, dificilmente desempenhando um papel central. É neste contexto que a interpretação de Schwab se torna particular, pois o autor não concebe o discurso indireto como estilo literário ou um recurso utilizado por Kierkegaard para trazer a discussão sobre a existência, mas como elemento constitutivo do próprio processo de análise filosófica. Para Schwab, a comunicação indireta não é só principio estrutural, mas também o modo de realização essencial e a forma necessária do pensamento kierkegaardiano: A comunicação indireta não é uma peculiaridade estilística da forma, também não é uma roupagem literária do pensamento filosófico. A comunicação indireta não é […] uma tática maiêutico-pedagógica que serve ao objetivo de alcançar um resultado para o receptor da comunicação. A comunicação indireta é o método de Kierkegaard […] (p.12 – nossa tradução) Percebe-se, portanto, que a interpretação proposta não visa reduzir a comunicação indireta ao uso de pseudônimos, como sugere a explicação de Ponto de vista1. A leitura se afasta também da tese segundo a qual a comunicação indireta ou o discurso religioso adquirem sua significatividade mediante o reconhecimento da práxis religiosa, como apresenta Schönbaumsfeld2. Schwab entende o discurso indireto como um elemento central da filosofia de Kierkegaard que está articulado com todo o seu pensamento e se faz presente mesmo em obras que não exploram o tema de forma explícita, principalmente porque a comunicação indireta apontaria para um método que se auto revoga diante da tentativa de analisar a existência.

O objetivo da primeira seção do livro é realizar uma leitura “sistemática”, ou seja, explorar a estrutura da comunicação indireta e compreendê-la enquanto método. Embora não se encontre uma análise textual, o autor elabora um esquema conceitual que permite compreender a função do indireto. Assim, é destacado que a comunicação indireta representaria um contra-movimento [Rückstoss] do método, um movimento contrário a qualquer tentativa de definição. O contra-movimento do método descreveria o movimento fundamental de um método que trabalha contra si mesmo: é a tensão do pensamento. Este contra-movimento seria a primeira característica da comunicação indireta, uma vez que a busca de sua definição resulta em fracasso, ou melhor, é o próprio fracasso da representação que a comunicação indireta porta em si. Este fracasso da abordagem direta indicaria a inconclusividade [Unabschlossenheit] ou um contra-projeto que se opõe a qualquer pensamento sistemático.

Ainda na primeira parte do trabalho, o autor faz uma distinção entre o conceito [Begriff] e a realização [Durchführung] da comunicação indireta. No primeiro caso, trata-se das reflexões explícitas de Kierkegaard sobre a comunicação, enquanto o segundo diz respeito à comunicação indireta executada, ou seja, quando Kierkegaard a emprega. Por exemplo, Pós Escrito (1846) seria um texto que não só teoriza, mas também executa o método indireto.

É preciso ressaltar que, assim como o termo contra-movimento do método, a diferenciação entre realização e conceito não se encontra nos textos de Kierkegaard. A elaboração destes conceitos extrapola a análise textual e assinala o trabalho interpretativo de Schwab. Estes “conceitos” assumem a função de expor o discurso indireto enquanto método no interior das próprias obras de Kierkegaard. Desta forma, o livro de Schwab revela a unidade entre a leitura estrutural, histórica e exegética das obras, e a elaboração conceitual do próprio intérprete.

A segunda parte do livro se dedica a uma análise do discurso indireto em diversos períodos do pensamento kierkegaardiano e tem como objeto o conceito de comunicação. Schwab parte de Pós Escrito, onde o contra-movimento do método é descoberto na impossibilidade de uma representação da existência, sobretudo devido à incomensurabilidade entre interior e exterior. Para o autor, nesta obra a comunicação indireta não estaria restrita ao domínio religioso, mas abrangeria toda esfera existencial, uma vez que o existir não se deixaria representar pela linguagem. Segundo Schwab, Pós Escrito coloca a impossibilidade de uma comunicação objetiva sobre a existência devido à própria incapacidade de acesso direto à efetividade existencial. Assim, qualquer comunicação existencial direta é negada, visto que o existir não se deixa representar.

O próximo objeto de análise é a comunicação em Ponto de Vista explicativo da minha obra como escritor (1848). Neste texto, haveria um conceito maiêutico- -teológico da comunicação indireta, uma vez que comunicar indiretamente seria descrito por Kierkegaard como “enganar para a verdade”, retirar o indivíduo de uma falsa concepção de religiosidade para colocá-lo diante do verdadeiro cristianismo.

Schwab conclui então que o discurso indireto é considerado por Kierkegaard como algo transitório, pois o que é dito indiretamente poderia ser comunicado de forma direta. Assim, observa-se que Pós Escrito e Ponto de vista assumiriam concepções de comunicação divergentes, dado que, na primeira obra, o indireto diz respeito à impossibilidade da representação da existência, enquanto no segundo texto, o indireto é transição para o direto ou um simples recurso.

Enquanto a comunicação indireta, em Pós Escrito, tem como referência a existência que não pode ser pensada, em Ponto de vista Kierkegaard estaria preocupado com a explicação da totalidade de sua obra, ou seja, expor qual foi seu objetivo desde as primeiras publicações. Deste modo, Schwab considera um erro comparar ou estabelecer uma unidade entre as definições de discurso indireto, pois as estruturas e contextos de ambas as obras são totalmente diferentes. Em Pós Escrito, por exemplo, o uso do pseudônimo criaria um distanciamento e impediria qualquer relação direta com o escritor. Neste livro, não seria possível concordar ou discordar do autor porque não há a expressão da opinião daquele que redige o texto. Já em Ponto de vista, Kierkegaard se apresentaria como autoridade e explicaria como ele deve ser lido. Consequentemente, o espaço da apropriação do leitor é reduzido. Destarte, Schwab não tem a intenção de apresentar um conceito definido e determinado sobre a comunicação diante da totalidade das obras de Kierkegaad. Seu trabalho visa antes apresentar o contexto em que cada concepção é elaborada, trazendo assim os elementos que ocupam as reflexões de Kierkegaard. Para o autor, as obras são como constelações, autônomas entre si e possuem uma pergunta determinada que deve ser considerada quando se pretende interpretar as obras. Por estas razões, não seria possível estabelecer uma definição geral, uma vez que isso já implicaria em retirar o conceito de um texto e generalizar, esquecendo que cada livro se volta para um problema determinado: “ele [o indireto] se manifesta nos contextos respectivos de sua forma concreta e não se deixa determinar abstratamente e esquematicamente com antecedência.” (p. 301 – nossa tradução).

Entre os trabalhos que exploram o tema da comunicação indireta, é comum constatar a tentativa de defender uma concepção geral. Nos trabalhos de Clair (1997), Fahrenbach (1997) e Diep (2003), por exemplo, a comunicação indireta é apresentada como uma comunicação voltada para a existência e interioridade.

Trata-se de uma comunicação que não se pauta na objetividade, porém de uma comunicação aberta capaz de expressar o movimento do devir que caracteriza a efetividade existencial. É possível assumir ainda que comunicação indireta se caracteriza principalmente pelo uso dos pseudônimos, um recurso estilístico que está a serviço de um objetivo mais amplo, como o aprofundamento existencial ou retirar o leitor de um falso cristianismo3. Seguindo o quadro exposto por Schwab, observa-se que, caso a comunicação indireta seja compreendida como uma comunicação existencial que tem o sentido da existência como problema, então toma- -se Pós Escrito como ponto de partida. Por outro lado, Ponto de vista ofereceria a base para se interpretar a comunicação indireta como emprego de pseudônimos ou instrumento maiêutico-teológico. Neste contexto, o discurso indireto não estaria relacionado com a inexpressividade do existir, mas a um artifício que auxilia o leitor a sair de um erro.

Quando Schwab enfatiza a importância da avaliação das estruturas interna das obras e a necessidade em considerar sua autonomia, portanto não confundir o conceito comunicação proposto por Pós Escrito com aquele de Ponto de vista, o autor visa desfazer o embate entre as tentativas conflitante que procuram estabelecer um conceito universal do indireto. De acordo sua leitura, as diferentes abordagens de Kierkegaard sobre o tema da comunicação revelariam uma reflexão em movimento, uma reflexão e que é retomada em diversas fases. Cada texto do filósofo dinamarquês apresentaria elementos distintos no que diz respeito à comunicação. Por estes motivos, as reflexões de Kierkegaard não possuiriam uma unidade conceitual fixa.

Após expor e discutir as concepções divergentes de Pós Escrito e Ponto de vista, a próxima tarefa é elucidar como esta transformação ocorreu. O trabalho se concentra nos textos escritos por Kierkegaard durante os anos de 1846 até 1848.

Neste momento, o livro apresenta uma rica análise histórico-interpretativa sem perder do horizonte a tese defendida. Manuscritos e esboços de Kierkegaard pertencente a esta época, como os NB3, NB 4, NB 5, NB 6, NB 7, além de obras publicadas, como Obras do amor, a terceira versão de Livro sobre Adler e a segunda parte de Exercício no cristianismo, que foi concebida em 1848, são comentados e explorados detalhadamente. Estes textos apresentariam diferentes abordagens sobre a comunicação indireta, indispensáveis para a formulação final de Ponto de vista. Schwab evidencia que, se em Pós Escrito o tema da impossibilidade da representação da existência perpassa a comunicação, nos anos posteriores o filósofo dinamarquês começa a questionar o seu lugar pessoal em relação à totalidade das obras, sobre a produção pseudonímica e se ele próprio, enquanto pessoa, poderia ou deveria comunicar diretamente.

As explicações de Ponto de vista se tornam questionáveis principalmente devido à publicação, anos mais tarde, de Doença para morte e Exercício do cristianismo, cujo autor é o pseudônimo Anti-Climacus. Ora, Ponto de vista defende que toda comunicação indireta pode ser transformada em comunicação direta. Quais foram os motivos que levaram Kierkegaard a retornar os pseudônimos ou o indireto? Por que o filósofo, após explicar como deveria ser lido, volta a se expressar indiretamente? Esta dificuldade é explorada no final da segunda seção do texto de Schwab, que tem o objetivo de se aprofundar no conceito de comunicação após os anos de 1848. Para realizar esta tarefa, o autor se concentra nos escritos dos anos de1848-9, incluindo as anotações não publicadas. Estes textos enfatizariam a dúvida de Kierkegaard no que diz respeito à publicação de Ponto de vista e se tanto Doença para morte quanto Exercício do cristianismo deveriam ser assinados por algum pseudônimo. Schwab defende que, durante este período, a comunicação indireta não pode ser desvinculada do auto-questionamento de Kierkegaard. O conceito de comunicação estaria atrelado à decisão de como e se realmente as obras deveriam ser publicadas.

A segunda seção da obra de Schwab termina analisando as observações finais de Kierkegaard sobre comunicação. O autor ressalta que, nos últimos anos, o discurso indireto é submetido a diversas reformulações e reinterpretações.

Schwab conclui assim que, diante da ausência de uma definição fixa, a indeterminação seria um dos traços essenciais da comunicação indireta, pois significa que não é possível pensá-la in abstracto, mas apenas em situações específicas e contextualizadas, reforçando a independência dos textos e a necessidade de situar cada definição.

Esta pesquisa “histórica” de Schwab, que recorre principlamente aos NB e busca apontar os problemas singulares que cada obra enfrenta, merece destaque.

Algumas passagens apresentada pelo autor são traduções inéditas e revelam elementos fundamentais para um entendimento do tema da comunicação em Kierkegaard. Sem dúvida, havia a necessidade de um estudo que percorresse os desdobramentos da comunicação indireta no corpus kierkegaardiano e o trabalho de Schwab assume não só esta responsabilidade, mas realiza a tarefa de forma bem sucedida. Além disso, seu livro é um dos poucos estudos que procuram adentrar nas estruturas internas dos textos e realizar uma comparação sistemática durante os diversos períodos da produção de Kierkegaard, verificando em que medida há ou não modificações conceituais e como estas são concretizadas.

Após explorar os diferentes escritos kierkegaardianos que problematizam diretamente a comunicação indireta, a quarta parte do livro se volta para a relação entre ironia e comunicação. O foco passa a ser O conceito de ironia constantemente referido a Sócrates. Apesar de Kierkegaard não mencionar o termo comunicação indireta no estudo dedicado a Sócrates, Schwab defende que a forma indireta realizada já se encontra presente naquele texto. Os traços do indireto poderiam ser localizados na figura de Sócrates, que expressaria a incomensurabilidade entre o interior e o exterior. Esta incomensurabilidade é o que aproximaria a ironia com o discurso indireto, pois o aspecto da representação do método indireto apontaria para a ambivalência de uma forma de representação que se volta contra si e é inconclusa, indicando a representação essencial do irrepresentável.

Um detalhe interessante é que, para Schwab, este elemento seria constatável também na ironia romântica. A comunicação indireta se negaria a um acesso direto, sistemático, tal como a ironia romântica escaparia de toda tentativa de uma determinação abrangente, direta, não irônica. Mas se é possível afirmar que o contra-movimento do método já se encontra pré-figurado nos românticos, a diferença fundamental consistiria em que, enquanto a ironia romântica a representação do absoluto é impossível, a comunicação indireta kierkegaardiana traz o particular como o irrepresentável.

O último tópico do livro traz a realização da comunicação indireta para o debate. Este capítulo se delimita a análise de três textos de Kierkegaard: A repetição, O conceito de Angústia e Doença para morte. Em A repetição, Schwab diagnostica processo indireto a partir do momento em que a própria obra não busca o conceito, mas como e se a repetição é atingida ou pode ser executada. Esta efetivação, porém, não se deixaria representar ou descrever, mas assumida. Neste aspecto, o autor entende que A repetição coloca o problema do querer dirigir-se a algo (repetição) que não pode ser representado diretamente, pois a repetição consiste exatamente na execução. A obra de Kierkegaard apresentaria um duplo movimento, o querer-dizer e não-poder-dizer, o falar e a frustração constante da fala que deve garantir paradoxalmente a efetividade da realização existencial que emerge no espelho da possibilidade.

Já no caso de O Conceito de Angústia, Schwab descobre o contra-movimento do método ou a realização da comunicação indireta quando Virgilius estabelece um limite para a ciência. Este limite seria o particular que permanece inacessível para método abstrato cientifico. O que poderia ser constatado, nas explanações de Virgilius, é o processo cientifico apontando sempre para algo que reside fora da especulação, como o “não lugar do pecado” ou a incomensurabilidade entre a esfera das ciências e a efetividade [Wirklichkeit]. Apesar de o texto ter a aparência de uma comunicação de saber ou teórico, Schwab defende que o indireto está presente na forma do tratamento conceitual do problema da angústia, posto que Virgilius levaria o leitor para a fronteira da abordagem científica.

Por fim, Doença para a morte apresentaria o indireto a partir do momento em que desespero não é descrito por Anti-Climacus como transição, mas diferentes formas auto-realização que é estática e contínua. A análise do desespero é horizontal e isto revelaria o processo indireto, dado que as múltiplas formas de desespero se revela incomensurável com a oposição conceitual abstrata.

No que diz respeito à estrutura do livro de Schwab, percebe-se a ausência de uma conclusão ou considerações finais. Porém, é necessário ressaltar que o texto não analisa as singularidades para chegar a uma tese geral conclusiva, mas apresenta o movimento inverso, ou seja, parte primeiro de uma concepção sistemática e, em seguida, expõe como o contra-movimento do método se realiza em cada obra. O leitor perceberá também a falta de uma discussão sobre os Discursos edificantes. O autor não investiga em que medida o indireto poderia estar (ou não) presente nestas obras e muito menos adentra na polemica travada por Pattinson (2002, p.12-34). segundo a qual os discursos edificantes também podem ser concebidos enquanto indireto, contrariando assim as afirmações de Ponto de vista. Todavia, apesar do silêncio, Schwab pode indicar caminhos para solucionar esta questão quando enfatiza a necessidade de se considerar o contexto específico de cada obra e evitar generalizações. Enfim, se o livro não encerra as controvérsias sobre o tema da comunicação indireta ou um conceito definitivo, a análise sistemática e histórica realizada por Schwab deve servir de modelo para os próximos estudos.

Referências

CLAIR, A. Kierkegaard, existence et éthique. Paris: PUF, 1997.

CONANT, J. Kierkegaard’s Postscript and Wittgenstein’s Tractatus: Teaching how to pass from disguised to patent nonsense. Wittgenstein Studies, 1997, v. 2, 1997. Disponível em: http://sammelpunkt.philo.at:8080/520/ Acesso em: 12 abr. 2016.

DIEP, P. Ética y sinsentido. Kierkegaard y Wittgenstein. Topicos, 2003, n. 24, p. 9 – 29.

SCHÖNBAUMSFELD, G. A Confusion of the Spheres: Kierkegaard and Wittgenstein on Philosophy and Religion. Nova York: Oxford Press, 2007.

FARENBACH, H. Grenzen der Sprache und indirekte Mitteilung: Wittgenstein und Kierkegaard über den philosophischen Umgang mit existentiellen Argumentos, ano 9, n. 17 – Fortaleza, jan./jun. 2017 165 Der rückstoss der methode: Kierkegaard und die indirekte mitteilung – Wagner Barros (ethischen und religiösen) Fragen. Wittgenstein Studies, v. 2, 1997. Disponível em: http://sammelpunkt.philo.at:8080/520/ Acesso em: 12 abr. 2016.

PATTISON, G. Kierkegaard’s Upbuilding Discurses: Philosophy, Theologie and Literature. Londres/Nova Iorque: Routledge, 2002.

HONG, H. V., & HONG, E. H. (1998). Historical introduction. In: KIERKEGAARD; S. The point of view. Nova Jersey: Princenton University Press, p. 9-27.

Notas

1 Maiores detalhes, C.f. HONG, H. V., & HONG, E. H. (1998)

2 Maiores detalhes, C.f. SCHÖNBAUMSFELD (2007).

3 Algo semelhante pode ser encontrado na leitura de Conant. O autor compreende a comunicação indireta enquanto tática que visa atingir determinado fim, embora critique a possibilidade do indireto apresentar algum tipo de verdade “inefável”. C.f. Conant, J. (1997). Kierkegaard’s Postscript and Wittgenstein’s Tractatus: Teaching how to pass from disguised to patent nonsense. Wittgenstein Studies, v. 2, 1997. Recuperado de: http://sammelpunkt.philo.at:8080/520/ Acesso em: 12 abril 2016.

Wagner Barros – Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Acesso à publicação original

 

Ciência: pesquisa, métodos e normas – DAU; DAU (ARF)

DAU, Shirley e DAU, Sandro. Ciência: pesquisa, métodos e normas. Mutum: Expresso, 2013, 173 p. Resenha de: CARVALHO, José Maurício. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n.13, jan./jun. 2015.

Os autores são professores de Filosofia e trabalham com Metodologia Científica há anos, havendo publicado diversas obras sobre o assunto. Sandro é Doutor em Filosofia com estágio de pós-doutorado em Ética e Shirley é mestre em Filosofia e estuda Filosofia analítica, Lógica e Linguagem. Dedicam-se também a Epistemologia e História das ciências.

Este livro foi organizado em 16 capítulos e trata da pesquisa científica e sua divulgação. Parte da fundamentação teórica dos estudos científicos para a especificidade das práticas de investigação que contribuem para o desenvolvimento da ciência. Os autores abordam, como atividades práticas, o processo de construção: do projeto e da pesquisa em geral, dos resumos, referências, monografias, relatórios técnico-científicos e artigos científicos.

No capítulo inicial os autores examinam a especificidade dos textos científicos e oferecem técnicas de divisão e interpretação das partes que permitam a boa compreensão desses textos. Esclarecem a diferença entre comentário e explicação, mostrando que a segunda prevalece sobre o primeiro, porque é anterior e restringe-se ao texto, enquanto o comentário pressupõe a explicação, interroga e não se restringe ao texto.

Segue-se o capítulo dedicado aos métodos utilizados na ciência. Eles são apresentados como “caminho estabelecido por determinada ciência, a fim de conseguir conhecimentos válidos por intermédio de instrumentos confiáveis” (p. 17) ou, mais rigorosamente, citando os autores L. Liard, como “conjunto de processos de conhecimento que constituem a forma de uma determinada ciência” (id, p. 17). Neste caso o método possui uma base lógica e dois pontos básicos: reprodutibilidade e falsificabilidade. O primeiro ponto significa que a pesquisa ou experimento pode ser repetido por qualquer pesquisador e o outro que suas hipóteses podem ser recusadas ou falsificadas. As ciências usam variados métodos e, portanto, a escolha do método deve se adequar ao problema e tratamento escolhidos pelo pesquisador. Os autores explicam que a ciência moderna desenvolveu-se partindo da observação, da formulação de hipóteses falsificáveis, da indução ou colocação das hipóteses à prova, da interpretação dos resultados e formulação da teoria, estabelecimento da conclusão.

O capítulo terceiro trata do resultado dos experimentos consolidados em teorias que são fundamentais em qualquer ciência. Os autores aproximam a origem da Ciência com o da Filosofia, remetendo-a ao século VI a. C. na antiga Grécia. Esclarecem que a Ciência moderna, cujo método foi desenvolvido por Galileu Galilei, ganhou perfil diferente e afastou-se da Filosofia e Ciência antes praticadas, adotando “experiências rigorosas, organizadas em leis gerais, por outras palavras, é qualquer corpo de conhecimentos fundado em observações dignas de fé e organizado no sistema de proposições ou leis gerais” (p. 26). Ao tratar da especificidade da Ciência moderna estruturada na razão aplicada (experimental), os autores a diferenciam da Filosofia que se baseia na razão pura; da Religião que usa a fé, possui caráter mais subjetivo e depende da crença de cada um, e da Arte baseada na intuição e não na razão. Eles diferenciam o método indutivo, que vai do particular para o geral, do método dedutivo, que segue o caminho inverso. O conhecimento científico, de modo geral, possui os seguintes traços: “classificar os conhecimentos, descrever os fatos, explicar os fenômenos; interpretar os diferentes casos; ser autocorretivo, experimental, descritivo, particular, cumulativo, operativo” (p. 31). Os autores esclarecem que o conhecimento científico é parcimonioso, isto é, prefere explicações simples. Salientam o propósito da ciência de construir teorias que expliquem os fenômenos e se referem à estas teorias como “uma visão sobre um tema” (p. 40). Eles as caracterizam como possuidoras de “definição rigorosa; coerência interna, generalização por meio de deduções, ampliação do conhecimento” (p. 40). Destacam ainda a utilidade das teorias como critério para sua continuidade.

O capítulo IV é dedicado ao estudo dos conceitos, que são a base da ciência. Contudo, comentam os autores, que não basta reunir conceitos para chegar a uma ciência, é preciso que os conceitos estejam organizados em teorias, cujas características foram examinadas no capítulo anterior. O conhecimento adequado dos conceitos é um bom critério para saber se se conhece uma teoria e para organizar o debate, pois “aquele que afirma e aquele que pergunta, devem ter claro qual o significado do conceito empregado” (p. 44).

Um conceito científico caracteriza-se “por ter um significado claro, preciso e abstrato, que não resulta de preferências, de gostos e de anseios individuais” (p. 44). Contudo, a característica principal de um conceito científico é “identificação dos elementos centrais daquilo que é estudado” (p. 45) e não se referir “a um caso único, a um fenômeno, mas a classes, a grupos, a relações, etc.” (p. 45). A compreensão de um grupo de conceitos que estão numa ciência dirige o olhar do cientista, assim ele perceberá o fenômeno com os olhos da ciência que lhe é familiar, ou “cada um perceberá o mundo com os conceitos que for condicionado” (p. 46).

Segue-se um capítulo dedicado a verdade. Os autores tratam dos critérios de verdade estabelecidos por três grandes escolas filosóficas: realismo (relação entre a consciência e a coisa), idealismo (coerência interna) e pragmatismo (utilidade das afirmações). No que se refere propriamente às verdades científicas, elas se dividem em três tipos: as que se limitam a formular o que pode ser exato, as que aceitam a probabilidade e aquelas que se abrem à possibilidade do mundo de cada pessoa influir no conhecimento. Estas últimas são as ciências humanas que, com base na fenomenologia, reconhecem, por baixo dos fatos objetivamente descritos, elementos do chamado mundo da vida. No que se refere à relação dos fatos, os autores distinguem as verdades lógico-formais, das objetivas, ontológicas e morais. Poderíamos entender as primeiras como as da Lógica e Matemática, as segundas como as das Ciências da natureza e as duas últimas da Filosofia. Quanto a relação com a verdade ela pode produzir quatro tipos de dúvidas: “espontânea, refletida, metódica e universal.” (p. 53). A primeira é aquela em que a pessoa não emite juízo sobre algo, mesmo que tenha elementos para fazê-lo, a segunda nasce da ausência de elementos necessários à conclusão, a terceira é um tipo de método empregado para chegar a uma verdade indubitável e a última refere-se à posição dos céticos, que negam a possibilidade de chegar a verdades fundamentais.

Quanto aos critérios de verdade os autores apontam seis: a autoridade (abandonada pelas ciências modernas), a evidência (o que aparece para o indivíduo), o senso comum (uma espécie de instinto comum), a necessidade lógica (ausência de contradição) e a experiência.

O capítulo VI estuda a pesquisa científica e os autores a definem como a que utiliza “métodos racionais, científicos, na comprovação ou não, das teorias apresentadas” (p. 57). Eles apresentam como objetivo da pesquisa científica “encontrar respostas coerentes, para os problemas (questões) propostos pelo pesquisador” (p. 58) e diferenciam as pesquisas quantitativas, que trabalham com a quantificação das variáveis, das qualitativas, mais empregadas nas ciências humanas. Esclarecem que essas últimas se desenvolveram no século passado e resumem o debate então realizado entre os intérpretes das chamadas ciências duras e as outras. Tratam, ainda que superficialmente, dos limites da razão experimental que foi desenvolvida na modernidade para tratar dos problemas do homem, assunto da fenomenologia.

A partir do capítulo VII o livro ganha um caráter prático, orientando o leitor em como utilizar as técnicas empregadas na pesquisa científica. Distinguem esquema, resumo e fichamento. Esclarecem que esquema “permite ao estudante compreender uma obra em seu todo” (p.63). Eles propõem no capítulo VIII o resumo como “apresentação concisa de um texto qualquer” (p. 65) e tratam no capítulo IX de um tipo especial de Resumo denominado Resenha.

Explicam que Resenhas são um tipo específico de resumo seguido de comentário crítico, por isto dizem que eles devem ser “elaborados por especialistas” (p. 67). Normalmente as revistas científicas recebem bem este tipo de resumo dedicando-lhe uma parte própria, porque é importante aos especialistas da área terem um resumo comentado das obras daquela ciência pois não é possível, hoje em dia, ler tudo que se publica nas diversas áreas da ciência.

O capítulo X é dedicado ao fichamento, definido como técnica para “guardar um grande número de informações sobre um documento em pequeno espaço.” (p. 69). O fichamento pode ser da obra toda ou de uma parte, além de conter citações que serão úteis na elaboração do trabalho que pretende fazer. O capítulo XI é um resumo da NBR 10520 e explica como fazer citações curtas e longas. Segue-se um capítulo sobre como fazer referências, resumo da NBR 6023, de livros, monografias, periódicos, eventos, trabalhos em eventos, legislação, jurisprudência, doutrinas, filmes, documentos cartográficos e sonoros.

O capítulo XIII explica como se faz um projeto de pesquisa, apresentado como “caminho que será percorrido, no estudo do problema proposto” (p. 97).

Os autores detalham os elementos imprescindíveis do projeto (capa, folha de rosto, sumário, apresentação, justificativa, área de concentração, natureza, delimitação do assunto, revisão da literatura, problema, hipóteses, procedimento, análise dos dados, objetivos, conteúdo, metodologia, cronograma, referências, anuência do orientador).

O capítulo seguinte é dedicado à monografia, definida como “texto sobre um único assunto” (p. 129), e que pode ser desde um TCC até uma tese de doutoramento. Consiste num resumo da NBR 14724. Suas características básicas são: sistematicidade, metodologicidade e relevância. Uma monografia se divide, geralmente, em cinco partes: “introdução, desenvolvimento, conclusão, bibliografia, notas.” (p. 131). Os autores finalmente afirmam que a estrutura formal da monografia são três grandes partes: os elementos pré-textuais, os textuais e os pós-textuais.

Os capítulos finais explicam como fazer um relatório e um artigo científico, respectivamente comentando as NBRs 10719 e a 6022. Os artigos científicos, matéria do último capítulo, são definidos como: “publicação com autoria declarada, que apresenta e discute ideias, métodos, técnicas, processos e resultados nas diversas áreas do conhecimento.” (p. 163). O artigo serve para divulgar um tema estudado e deve vir em linguagem “clara, coerente, objetiva, impessoal” (p. 163) e conter os elementos pré-textuais, textuais, pós-textuais.

Este livro é importante porque coloca o leitor diante do fato de que fazer ciência é mais do que aprender conceitos e teorias, exige produzi-la. Esta atitude é própria de um tipo de ciência desenvolvido na modernidade, com os estudos de Francis Bacon, Isaac Newton e os iluministas, que contrapunham a nova formulação da ciência à antiga construída na velha Grécia por Platão e Aristóteles. A ciência moderna nunca está pronta, mas em continuado processo de construção. Por isso, o estudo das técnicas de pesquisa é essencial numa atividade que está sempre se fazendo. O movimento iluminista reforçou a confiança na razão aplicada e no modelo de ciência moderna pautada na observação dos fatos, experiência e cálculos. Os autores incorporam aspectos importantes dos estudos de filosofia da ciência. Entre eles o entendimento de que a enumeração dos fatos ou descrição dos conceitos não é suficiente para fazer ciência, antes é preciso comparar os fatos observados e julgá-los para construir teorias. Isto é o que ensinava, por exemplo, o médico e fisiologista francês Claude Bernard no século XIX. Os autores incorporaram ainda uma concepção mais atual de ciência que trata da sua validade em virtude da autocorreção, princípio baseado na falibilidade das teorias, conforme postulado por Charles Sanders Peirce e pela falsificabilidade, conceito desenvolvido por Karl Popper. Para este último uma teoria é válida não devido a sua demonstração, mas por sua permanência provisória, enquanto não vingam os esforços por refutá-la.

No capítulo IX os autores tocaram numa questão importante da ciência moderna, a sua necessária especialização. Como lembra Ortega y Gasset no capítulo XII de La rebelión de las masas (O.C., Madrid, Alianza, v. IV, 1994): “nem sequer a ciência empírica, tomada em sua integridade, é verdadeira se separada da Matemática, da Lógica, da Filosofia. Porém o trabalho em que nela se tem, irremediavelmente, tem que ser especializado.” (p. 217). Esta especialização exigida pela ciência moderna contém, contudo, um grave risco que o Ortega repetiu em mais de um lugar e isto não foi mencionado no livro.

É que a especialização não legitima o conhecedor de uma ciência opinar sobre outros assuntos. Quando ele assim faz torna-se uma espécie de novo bárbaro, detalhadamente estudado por Ortega. Este especialista deverá passar por uma reciclagem, se estiver correto o que diz Ortega na continuidade do livro, pois se:

o especialismo tornou possível o progresso da ciência experimental durante um século, aproxima-se uma etapa nova em que ele não poderá avançar por si mesmo se não encarregar uma geração melhor de construir um novo aparelho mais poderoso. (p. 219-220). Este novo especialista é uma exigência dos nossos dias, mas ainda assim será ele um especialista.

O assunto nuclear, da perspectiva epistemológica, consiste na discussão entorno à verdade levada a cabo no capítulo V. E aí também há virtudes. Parece importante a distinção dos conceitos de verdade construídos por diferentes escolas filosóficas: realismo, idealismo e pragmatismo. Também parece fundamental a diferença entre os critérios de verdade adotados por diferentes ciências: a verdade exata da linguagem matemática, as afirmações aproximativas da estatística e as verdades cuja objetividade relativa está em disputa com as referências subjetivas do mundo da vida. Faltou indicar que essas diferentes visões de verdade científicas nascem em diferentes tipos de ciência, as primeiras da natureza e as últimas do homem. A distinção entre os diferentes tipos de dúvida também foi muito criativo. O que ficou a merecer maior aprofundamento é o fato de que as verdades são diferentes nas Ciências, na Filosofia, na Religião e até as Pessoais. Todas as formas de verdade são importantes, mas se organizam em níveis distintos. Neste aprofundamento sobre as diferentes verdades faltou também um esclarecimento sobre os limites das chamadas ciências duras, ou a ciência experimental, pois suas teorias começaram a ser refutadas pelo desenvolvimento da própria filosofia da natureza no século que passou.

José Maurício Carvalho – Doutor e professor de Filosofia na UFSJ. Email: josemauriciodecarvalho@gmail.com

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