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História Comparada das Mulheres – COVA (LH)
COVA, Anne (Dir.). História Comparada das Mulheres. Lisboa: Livros Horizonte, 2008. Resenha de: BALTAZAR, Isabel. Ler História, n.57, p. 159-161, 2009.
1 A História das Mulheres tem merecido a atenção dos historiadores, conscientes do muito trabalho a realizar. Muitos centros de investigação, no estrangeiro, um pouco por todo o mundo, como também em Portugal, dedicam-se a esta área, preenchendo lacunas na história que o tempo veio mostrar essenciais para mostrar a verdadeira identidade humana, composta de homens e de mulheres. Num verdadeiro impulso investigativo, as mulheres, que já eram protagonistas da História, ganharam, agora, maior visibilidade. Como escreveu Gisela Bock «Uma história que ignora metade da humanidade, não é sequer meia história, pois sem as mulheres a história não faria justiça tão-pouco aos homens» (p.8).
2 Para divulgar esta história muito contribuem, também, as editoras que permitem veicular o resultado das investigações académicas, muitas vezes, pouco divulgadas. É, por isso, de elogiar, no caso concreto, os Livros Horizonte, que tiveram a ousadia de correr contra uma cultura de massas, proporcionando livros de inquestionável qualidade. Trata-se da colecção A Mulher e a Sociedade, que acaba de publicar a História Comparada das Mulheres, na sequência de outros interessantes e apelativos títulos como, por exemplo, Nem Gatas Borralheiras, nem Bonecas de Luxo. As mulheres portuguesas sob o olhar da História (séculos XIX-XX), da autoria de Irene Vaquinhas, o primeiro da colecção, e outra “Cabelos à Joãozinho”. A Garçonne em Portugal nos anos Vinte, de Gabriela Mota Marques, o que antecede este agora apresentado.
3 Esta obra, tradução em português de um livro publicado originalmente em inglês nos Estados Unidos, sob a direcção de Anne Cova com o título Comparative Women’s History: New Approaches, editado por Columbia University Press (2006), mereceu a actualização bibliográfica na edição portuguesa. Curiosamente, a História Comparada das Mulheres: Novas Abordagens é o resultado de um workshop realizado na Universidade Aberta intitulado «Como escrever uma História Comparada das Mulheres?», com o propósito de «estimular o debate e dar um novo ímpeto à História das Mulheres» (p.11).
4 Anne Cova revela que «a ideia deste livro surgiu à medida que me envolvia num estudo comparado das federações feministas em França (Conseil national des femmes françaises), Itália (Consiglio nazionale delle donne italiane), e Portugal (Conselho nacional das mulheres portuguesas) durante a primeira metade do século XX» (p.11).
5 A introdução tem o sugestivo título «As promessas da História Comparada das Mulheres». Que promessas? Diz Anne Cova: «Este volume pretende abrir novas perspectivas sobre a escrita da História comparada das mulheres. Procura examinar as promessas que tal empreendimento encerra sob pontos de vista diferenciados, ao mesmo tempo que confronta as dificuldades que se lhe deparam. O ponto de partida e cerne deste livro é a questão: Como escrever uma História comparada das mulheres?» (p. 13). Estas linhas programáticas avisam o leitor do objectivo deste estudo: a necessidade de comparação na História das Mulheres.
6 Estamos perante uma história cruzada, uma história transnacional, perspectivas complementares na abordagem da História das Mulheres ou da História do Género, designações para o mesmo tipo de abordagem. Por outro lado, está, ainda, pressuposta a ideia de que a História das Mulheres «é essencial para uma correcta compreensão da História em geral» (p. 13). Por fim, a tentativa de empreender «novas abordagens», sugerindo a ideia que «a globalização exige o desenvolvimento de novas perspectivas na História comparada das mulheres, que permitam melhorar a nossa compreensão do passado, e reescrever uma História comparada que inclua as mulheres» (p.14). A este propósito refira-se a excelente e paradigmática obra sobre o assunto da autoria de Gisela Bock, Women in European History, ou a já clássica História das Mulheres no Ocidente, coordenada por Georges Duby e Michelle Perrot, que nortearam os paradigmas desta agora apresentada. Françoise Thébaud tem insistido na utilidade da perspectiva comparada ou «numa História que faça uma análise cruzada com práticas e debates estrangeiros; a História das mulheres como um fenómeno internacional, tem beneficiado tanto de trocas interculturais» (p.16).
7 Outros estudos comparativos são apresentados por Anne Cova sobre o estado da arte nesta temática, tanto na Europa como numa perspectiva mais global, tornando esta introdução verdadeiramente indispensável como ponto de partida para novas abordagens. Para além dos estudos sobre o assunto, não podemos deixar de elogiar a excelente teorização sobre a questão das fontes e os problemas inerentes a qualquer estudo comparado. Adverte a autora: «Como se faz comparação? Se qualquer projecto de pesquisa deve começar por justificar as delimitações geográfica e cronológicas, então este exercício pode ser mais complicado nos estudos comparados em virtude das dificuldades que a comparação levanta. É essencial estar muito atenta(o) à contextualização de qualquer fenómeno, quaisquer que sejam as sociedades que irão ser comparadas. Analisar as semelhanças e as diferenças é comum a todo o trabalho comparativo. Estabelecer as convergências, pontos comuns, e semelhanças que existem entre os casos sob comparação, ao mesmo tempo que se analisam diferenças, divergências, singularidades, e especificidades, leva-nos a dar mais importância a quê? Ou dito de outro modo, as diferenças são mais esclarecedoras do que as semelhanças, ou vice-versa?» (p.25).
8 O primeiro estudo, da autoria de Karen Offen, é sobre «Erupções e Fluxos: reflexões sobre a escrita de uma história comparada dos feminismos europeus, 1700-1950», mostrando a ausência do feminismo no estudo ou no ensino da História. Pretende a autora que esta situação seja alterada: «Esta História negligenciada ou esquecida – ou o que é pior, reprimida –, que a(o)s estudiosa (o)s feministas agora reclamam, é central para a nossa compreensão da história política e intelectual, assim como da história social, económica e cultural de praticamente todas as sociedades europeias» (p. 29). Porquê? A história dos feminismos vem preencher uma lacuna na História, dando visibilidade ao que existia na sociedade, sem passar à História o que, afinal, está na essência da sociedade. Trata-se de recuperar fontes primárias de documentação escrita, ou seja, de olhar de dentro para fora. Fazer a história dos feminismos é diferente de fazer a História das Mulheres ou das Organizações femininas; é tentar decifrar a face oculta dos factos, ler o que está implícito na História.
9 Bonnie S. Anderson conta-nos a história vivida na década de 1970 quando trabalhava numa História narrativa das mulheres na Europa. Era a história de mulheres que pretendiam uma igualdade cívica, política e social. Com a consciência da dificuldade em captar toda a realidade, a «História comparada vale bem o esforço. Sem ela, nunca descobriríamos as semelhanças e as diferenças que são essenciais para saber se iremos viver toda(o)s junta(o)s em harmonia e de forma produtiva neste próximo século» (p. 59).
10 Em «Erro de tradução? A História das Mulheres numa perspectiva transnacional e comparada», Ann Taylor Allen chama a atenção para o facto da história comparada estar, ainda, a dar os primeiros passos e para a sua real importância, também para a História do Género. Tanto para o investigador como para o professor de História global. Por último, Susan Pedersen explica as convergências e divergência da História comparada e a História das Mulheres. Um estudo que problematiza e faz pensar: «Haverá uma afinidade particular entre o método comparativo e a área da História das Mulheres? Acredito que sim e que essa relação tem a sua própria história» (p. 79). É necessário cruzar saberes e construir pontes para perceber melhor a realidade.
11 Eis uma verdadeira lição sobre o método de fazer História comparada, útil a qualquer aprendiz, mas que também faz pensar, pelos problemas que levanta, o especialista. Uma obra de referência.
Isabel Baltazar – FCSH – UNL