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Max Horkheimer and the Foudations of the Frankfurt School – ABROMEIT (C-FA)
ABROMEIT, John. Max Horkheimer and the Foudations of the Frankfurt School. New York: Cambridge University Press, 2011. Resenha de: KLEIN, Stefan. Sobre as origens da teoria crítica. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, n.18, Jun./Dez., 2011.
Mantendo-se relativamente à margem de parte significativa do atual debate nas ciências sociais, a teoria crítica da sociedade encontra ainda pontos de retomada, marcados, de modo geral, pela aproximação sóbria e crítica das formulações teóricas originais, tais como a de Max Horkheimer, sobretudo na década de 1930. De certa forma, pode-se dizer que a tendência maior é a de preconizar um distanciamento 1 face ao arcabouço teórico mobilizado por ele naquele contexto. Essa tendência, porém, coexiste com abordagens que, em direção contrária, buscam extrair dessa(s) teoria(s) alguma contribuição para sustentar um determinado conceito de crítica 2.
A obra de John Abromeit, Max Horkheimer and the Foundations of the Frankfurt School, procura lançar luz sobre o que ele denomina “teoria crítica primeva” ( early critical theory ), tal como fora esboçada por Horkhei mer na época em que dirigia o Institut für Sozialforschung ( IfS ). Ainda que também se dedique especificamente à década de 1930 3, em que foram publicados diversos artigos e ensaios de Horkheimer na revista do instituto, Abromeit destaca o período anterior como trajetória formativa importante para encaminhar sua interpretação da obra horkheimereana.
O livro, que além da introdução compreende nove capítulos, dois ex cursos e um epílogo, pode – de modo bastante livre – ser dividido em três grandes partes. Num primeiro momento, Abromeit retoma em traços gerais a biografia de Horkheimer e seus estudos nos anos 1920, em que Horkheimer realiza o doutorado e passa pelas etapas necessárias para galgar o posto de docente universitário (cap. 1-5). Em seguida, trata particularmente da direção teórica tomada por Horkheimer durante a década de 1930 (cap. 6-8). Por fim, o autor aborda a transição para os anos 40, onde também retoma aspectos considerados centrais para compreender determinadas mudanças na interpretação de Horkheimer (cap. 9, excursos 1 e 2 e epílogo).
Um dos fios condutores para a argumentação apresentada no livro é posto desde o início: a tentativa de se contrapor aos intérpretes 4 que veem a teoria crítica de Horkheimer como presa a uma filosofia da consciência. Seguindo este fio condutor, Abromeit alternará a discussão minuciosa dos textos que identifica como centrais – e que são alvo da maioria dos estudos publicados – com o sobrevoo de outros que, malgrado sua importância, formam um pano-de-fundo do desenvolvimento teórico e ficam ao largo de grande parte das investigações 5.
.Ainda na introdução, aparece uma passagem que procura realçar o caráter sui generis do título da obra e, igualmente, da teoria estudada:
De um lado, os fundamentos da teoria crítica primeva de Horkheimer eram anti-fundacionistas na medida em que eram sobretudo históricos, e não ontológicos ou metafísicos. De outro lado, para Horkheimer era essencial reconhecer que todos os conceitos teóricos desenvolvidos por ele estavam relacionados por meios mais ou menos mediados com a época histórica em que vivia – o que ele chamou de ‘época burguesa’. Talvez o caminho mais importante em que a teoria crítica diferia de suas contrapartes ‘tradicionais’ fosse sua recusa de naturalizar a moderna sociedade capitalista burguesa e sua tentativa de identificar as contradições e tendências que poderiam – ainda que de modo algum necessariamente – levar a uma época histórica pós-capitalista e pós-burguesa qualitativamente nova (p. 3) 6.
Assim, por mais que procure destacar fatores que poderiam ter levado à fundação do Instituto (que também ficou conhecido por “Escola de Frankfurt”), Abromeit reconhece o percalço de se tentar subsumi-lo a um ideário comum, que sequer existiu entre os diferentes autores que o compuseram inicialmente – como Theodor W. Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse e Friedrich Pollock 7 – e tampouco pode ser encontrado no transcurso da teoria de um mesmo autor, como analisado por Abromeit.
Ao retomar o que classifica como período de formação intelectual de Horkheimer, nos anos 1920, quando este realiza seu doutoramento e obtém o direito de lecionar (a venia legendi ), Abromeit enfatiza os elementos materialistas que percorreriam sua teoria desde então, distanciando-se da posição de que Horkheimer teria dado uma guinada rumo à influência de Marx apenas no decorrer de seu trabalho no IfS. Ao mesmo tempo, Abromeit enfatiza um aspecto marcante da produção intelectual escrita deste autor, apontando para a separação existente entre o dia-a-dia e o trabalho de cunho estritamente acadêmico.
Quando se examina seus escritos não publicados deste período – o que faremos no próximo capítulo – a importância teórica de Marx para Horkheimer torna-se bem mais clara. No entanto, como foi o caso tanto ao início quanto ao final de sua vida, Horkheimer abordou seus pronunciamentos esotéricos, publicados, de modo diferente de suas reflexões privadas, não publicadas. […] Em todo caso, Horkheimer claramente tomava suas tarefas como professor universitário por extremamente sérias, e não poderia ser acusado de apresentar ideias aos seus estudantes de maneira tendenciosa (p.127).
Os elementos materialistas logo começaram a ser conjugados com as teorizações marcadas pelo ponto de vista de Marx, o que vale em especial para o ensaio “Um novo conceito de ideologia?”, em que Horkheimer discute o modo como Karl Mannheim, renomado sociólogo e professor em Frankfurt, entende a importância da posição ou da origem de classe para o trabalho intelectual, em sua obra Ideologia e utopia. Este texto também aparece como central em virtude de constituir uma das bases que permitiram que Horkheimer acedesse a uma cátedra na Universidade de Frankfurt, marcando sua posição no contexto teórico daquele debate. Ao mesmo tempo, Horkheimer se de dicou extensamente à redação de diversos aforismas, sendo uma parte destes publicados – no livro em que adotou o pseudônimo de Heinrich Regius – sob o título de Dämmerung (Crepúsculo), e outra parte postumamente editados nas Gesammelte Schriften, publicadas em língua alemã a partir de 1985 e que chegaram ao total de 19 volumes. Nestes escritos, a forma de redação e a crítica contundente ao capitalismo marcam um distanciamento face ao estilo acadêmico dos artigos.
Encerrando o que compreendo como primeiro movimento do livro, Abromeit aprofunda, no quinto capítulo, as contribuições específicas da psicanálise para a teoria crítica de Horkheimer. Ele destaca que os estudos empíricos embasados por esses pressupostos teóricos da psicologia social freudiana também constituem uma possível contraprova ao entendimento de que haveria um déficit sociológico em seus escritos, pois apresentam e analisam vasto material com vistas a estabelecer possíveis explicações da realidade política alemã da época.
Considero que este enfoque detém importância particular, na medida em que expressa uma tendência crescente 8 de atentar às pesquisas empíricas realizadas pelo IfS, um viés que, em virtude dos debates de cunho epistemológico e teórico orientados pela filosofia, permaneceu em segundo plano entre os comentadores.
Em seguida, Abromeit procura, então, embasar a tese central de seu livro, a de que as raízes das interpretações dos anos 1930 e da passagem aos anos 1940 estão presentes nos textos anteriores de Horkheimer, algo que foi negligenciado pela grande maioria dos intérpretes, que procuram enfatizar a ruptura. Afirma assim:
Através do exame desses conceitos chave – materialismo (capítulo 6), antropologia da época burguesa (capítulo 7), lógica dialética (capítulo 8) e capitalismo de estado (capítulo 9) – o desenvolvimento geral e a transformação da teoria crítica no período entre 1931 e 1941 deveria se tornar clara. Apesar desta mudança de abordagem, as continuidades na obra de Horkheimer nos períodos antes e após 1931 são muito maiores do que aquelas entre seu trabalho antes e depois de, aproximadamente, 1940 (p. 227).
Neste ponto, vem à tona uma preocupação muito específica no contexto filosófico: quando se fala em “antropologia”, perceptível sobretudo como, por exemplo, na troca de cartas de Horkheimer com seus colegas do IfS, a referência costumeira é sua vertente filosófica representada, para citar um autor central, na antropologia de Immanuel Kant. No entanto, nos escritos horkheimereanos procura-se, antes, falar de uma antropologia de caráter histórico, fugindo a essa tradição de desenhar uma ontologia do ser humano, motivo pelo qual ele também a associa a uma determinada época, o que se torna igualmente patente no texto introdutório que escreve em 1936 “Autoridade e família”, onde apresenta os Estudos sobre autoridade e família, uma das obras de maior fôlego do IfS e fruto de longo e aprofundado trabalho empírico e interdisciplinar.
Num passo seguinte, Abromeit aponta para as preocupações de Horkheimer em produzir uma obra de grande relevância em que estivesse posta o que ele denominava de “lógica dialética”. Novamente, a correspondência fornece diversas pistas a esse respeito. Primeiramente, aquela trocada com Marcuse e, posteriormente, com Adorno, em que a referência explícita era ao “livro sobre dialética” e que, como se podia notar, foi um projeto repetidamente adiado por conta das intempéries da imigração e das dificuldades institucionais encontradas, ganhando corpo e forma apenas após sua mudança para a Califórnia, já nos anos 1940. Os preparativos para sua redação vieram com o tratamento de temas recorrentes nas críticas de Marx – como o idealismo, a metafísica e a filosofia da consciência – que foram, pouco a pouco, aliados aos estudos acerca do positivismo lógico ou das obras de Friedrich Nietzsche. Esses autores e questões teóricas reparecem, de variados modos, nos Fragmentos filosóficos, preliminarmente mimeografados em 1944 e, posteriormente, publicados como Dialética do esclarecimento, em 1947. De acordo com Abromeit, este percurso também reflete a relação peculiar que Horkheimer detinha com a prática intelectual:
Assim como o conceito de práxis de Marx é frequentemente falsa mente interpretado como uma justificação para posições voluntaristas, assim a separação enfática que Horkheimer realiza, nos anos 1930, entre a teoria crítica e as preocupações políticas imediatas, é frequentemente lida como um retorno a uma posição do jovem hegelianismo.
No entanto, como vimos, a separação da teoria face à prática política imediata feita por Horkheimer ocorre em um contexto mais amplo da prática da sociedade como um todo (p. 334).
Os dois excursos que antecedem o capítulo final tratam de questões localizadas que afetam o desenvolvimento teórico dessa teoria crítica da sociedade como um todo. De um lado, Abromeit analisa minuciosamente a relação de Horkheimer com Erich Fromm, representante vital da psicanálise vinculado ao IfS e que foi, durante longo tempo, seu principal interlocutor teórico, até o momento em que, já após a emigração para os EUA, divergências de ordem pessoal e profissional provocaram o rompimento entre eles. De outro lado, complementando essa primeira análise, Abromeit examina a relação de Horkheimer com Adorno, procurando mostrar, principalmente, como após um distanciamento – mantido até algum tempo depois da mudança para os EUA – houve uma aproximação em termos teóricos e pessoais que levou ambos a declarar repetidas vezes que a obra de cada um deles representava o pensamento do outro, e que compartilhavam inteiramente das mesmas posições teóricas.
No capítulo final do livro, Abromeit retrata o modo como Horkheimer compreende as contribuições teóricas de Marx, contra pondo-se explicitamente à compreensão de Moishe Postone, um dos principais intérpretes da teoria crítica nos EUA. Abromeit afirma:
Para Horkheimer, a diferença crucial entre Marx e os economistas políticos clássicos era a natureza dialética de seus conceitos, que tomavam seu objeto como especificamente histórico e sujeito à transformação, não como leis eternas da natureza. Os conceitos de Marx conscientemente visam uma sociedade na qual eles não mais seriam válidos. Já examinamos a interpretação e apropriação nuançadas que Horkheimer tem da crítica de Marx a Hegel […] mas talvez seja válido reiterar a interpretação da teoria crítica de Marx como uma ‘dialética aberta’, que ele contrastava à história da filosofia metafísica de Hegel (p. 422).
Como também sinaliza no epílogo do livro, dessa maneira Abromeit opõe-se à tradição da leitura habermasiana da teoria crítica, que os vê enredados numa aporia, pois, apesar de admitir uma guinada pessimista nas reflexões tanto de Horkheimer quanto de Adorno, Abromeit afirma que justamente em virtude de ser possível identificar essa alteração, pode ser frutífero retomar aquele projeto original que, malgrado a necessidade de rever algumas categorias e conceitos utilizados, pode contribuir decisivamente para desenhos teóricos atuais.
Notas
1 Entre estes deve-se citar os estudos de Jürgen Habermas (cf. HABERMAS, J. Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981) e Axel Honneth (cf. Honneth, A. Kritik der Macht. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1985), ambos – aquele com tradução prevista para 2012 e, este, até hoje sem tradução para a língua portuguesa – mostram o que consideram como um rompimento necessário face aos pressupostos teóricos e epistemológicos daquele modelo de teoria crítica, sobretudo em virtude da centralidade da noção de trabalho, trazida de Karl Marx, no primeiro caso, e da submissão ao paradigma da filosofia da consciência, no segundo.
2 Neste caso, remeto, decerto sem esgotar as possíveis referências, às obras de Heinz Steinert (cf. Steinert, H.Das Verhängnis der Gesellschaft. Münster: Wes tfälisches Dampfboot, 2007) e Alex Demirovi ! (cf. Demirovi !, A. Dernonkonformistische Intellektuelle. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999) que, cada um à sua maneira, enfocam aspectos da teoria de Horkheimer (e também de Adorno) que mereceriam ser iluminados na intenção de fornecer subsídios para o debate contemporâneo ”
3 Como já consagrado entre os comentadores – dos quais menciono, aqui, apenas Habermas, Honneth e, para evitar que a lista se torne demasiado extensa, Martin Jay e Rolf Wiggershaus –, este período foi, com referência a Horkheimer, certamente o mais frequentemente estudado.
4 Mencionados na primeira nota.
5 Até mesmo em decorrência de contarem com raríssimas traduções. Diversos destes textos, tais como a sua tese de doutorado e o trabalho de habilitação, modo geral ainda permanecem à margem dos comentários estrangeiros à obra de Horkheimer. O mesmo vale, por exemplo, para suas anotações de aula.
6 De certo modo, a tentativa de distanciar Horkheimer da ontologia e da metafísica converge com uma dentre as interpretações mais completas no campo da filosofia, a saber, aquela de Alfred Schmidt, que inclusive foi aluno e organizador das obras completas de Horkheimer, e que procurava tratar especificamente, como por exemplo em Zur Idee der kritischen Theorie (cf. Sch midt, A.Zur Idee der kritischen Theorie. München: Carl Hanser, 1974), de que modo ocorria a apropriação da filosofia nessa proposta teórica, bem como que tipo de filosofia da história, caso existisse, encontrar-se-ia subjacente ao projeto.
7 Menciono, aqui, apenas aqueles que talvez tenham se tornado os mais conhecidos.
8 Remeto, aqui, a dois estudos de fôlego recentemente publicados, e que recorreram a extenso material de arquivo, o de Thomas Wheatland (cf. Wheatland, T. The Frankfurt school in exile. Minneapolis/Londres: University of Minnesota, 2009) e o de Eva-Maria Ziege (cf. Ziege, E.Antisemitismus und Gesellschaftstheorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009); este último não aparece citado no livro de Abromeit.
Referências
ABROMEIT, J. Max Horkheimer and the Foundations of the Frankfurt School. New York, Cambridge University, 2011.
DEMIROVIC, A. Der nonkonformistische Intellektuelle. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999.
HABERMAS, J.Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1981.
HONNETH, A. Kritik der Macht. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1985.
SCHMIDT, A. Zur Idee der kritischen Theorie. München: Carl Hanser, 1974.
STEINERT, H. Das Verhängnis der Gesellschaft. Münster: Westfälisches Dampfboot, 2007.
WHEATLAND, T. The Frankfurt school in exile. Minneapolis/Londres: University of Minnesota, 2009.
ZIEGE, E. Antisemitismus und Gesellschaftstheorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009.
Stefan Klein – Professor do Departamento de Sociologia na UNB.